ARTHUR NADÚ RANGEL 

A IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DE UM VALOR MÁXIMO PARA A CONCESSÃO OU APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS – A Aplicação caso a caso do princípio da insignificância nos crimes penais tributários

Monografia do programa de pós-graduação em Direito Penal como um dos requisitos para obtenção da Especialização em Ciências Criminais.

Orientador: Frankilin Higino

Instituição: Faculdade de Direito Arnaldo / Prolabore

Belo Horizonte – MG

2015

 

AGRADECIMENTOS

 

 

Agradeço primeiramente a Rebeca Queiroz, que realizou a correção desta monografia e me incentivou a continuar tentando fazer meu melhor trabalho; também agradeço a equipe do pró-labore pela ajuda e bons serviços prestados, em especial na figura do professor Juliano Napoleão orientador deste estudo.

 

RESUMO

A presente monografia traz uma análise de vários estudos e trabalhos semelhantes, bem como doutrinas e ensinamentos de vários autores renomados do estudo do direito tributário e penal sobre a inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes tributários. O tema se faz extremamente oportuno, tendo em vista as recentes descrições proferidas pelo STF, bem como casos emblemáticos de crimes tributários de grande valor que serão julgados pelo judiciário. Apesar da existência de diversos trabalhos nesta área, a atualização do entendimento, bem como da jurisprudência, torna esta área de pesquisa necessitada de constantes avanços e estudos.  Os crimes tributários devem ser analisados por um olhar mais estreito do estado, enxergando o todo dos efeitos e danos que causam à sociedade. O STF ainda não proferiu uma decisão pelo pleno, o que coloca o assunto em aberto para discussões na sociedade, tendo em conta o ponto de vista contrário defendido pelo STJ em favor da aplicação deste princípio. Através do estudo de jurisprudências, análise de trabalhos anteriores, bem como de doutrinas fundamentais, pode ser observado de forma inequívoca que a aplicação do referido princípio em crimes de pequeno potencial lesivo pelo seu valor monetário, em vez de pela amplitude e pelo alcance lesivo, representa uma afronta a outros princípios do direito, como o da dignidade e o da punibilidade. Este ponto de vista se fundamenta nas obras publicadas pelos renomados doutrinadores Luiz Flavio Gomes, Luciano Amaro, Maurício Antônio Ribeiro Lopes e Paulo de Barros Carvalho.

PALAVRAS CHAVES:

INSIGNIFICÂNCIA, IMPUNIBILIDADE, CRIMES TRIBUTÁRIOS, PENALIDADES;

 

SUMÁRIO

 

1 INTRODUÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA        -------------------------------------- 6

1.1 PROBLEMA E HIPÓTESE    -------------------------------------------------------- 6

1.1.1 PROBLEMA       ----------------------------------------------------------------- 6

1.1.2     HIPÓTESE       ----------------------------------------------------------------- 6

1.2      METODOLOGIA UTILIZADA       ----------------------------------------------- 6

1.2.1 DOCUMENTAÇÃO INDIRETA          -------------------------------------- 7

1.2.2     ANÁLISE DE CASOS JURÍDICOS RELEVANTES         ----------- 7

1.3      DIVISÃO DO TRABALHO -------------------------------------------------------- 7

1.4      CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES     -------------------------------------- 8

2 INTRODUÇÃO AO TEMA       ----------------------------------------------------------------- 8

2.1 FATOR HISTÓRICO   ----------------------------------------------------------------- 8

2.2 PROBLEMAS SOCIAIS X VALOR TRIBUTÁRIO ---------------------------- 10

2.3 PRINCIPAIS COMETEDORES DESTE CRIME     ---------------------------- 11

2.4 QUESTÕES ATUAIS   ---------------------------------------------------------------- 11

2.4.1     JULGAMENTO NO STJ X STF   ------------------------------------- 12

2.4.2     QUESTÕES PENDENTES          ------------------------------------- 13

3       DOS CRIMES TRIBUTÁRIOS         ------------------------------------------------------- 13

3.1 TIPOS DE CRIMES TRIBUTÁRIOS           ---------------------------------------------- 14

3.2 AGENTES DOS CRIMES      ------------------------------------------------------- 15

3.3 PENAS E PUNIBILIDADE      ------------------------------------------------------- 16

4 JULGADOS ANTERIORES     ---------------------------------------------------------------- 17

4.1 INSIGNIFICÂNCIA PENAL    ------------------------------------------------------- 21

4.2 APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA      ------------------- 22

4.3 NÃO APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA       ---------- 23

4.4 COMPARAÇÃO             --------------------------------------------------------------- 24

5       A APLICAÇÃO CASO A CASO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL              ---------- 26

5.1 ANALISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL           ---------------------------- 26

5.1.1 DOUTRINA TRIBUTÁRIA E PENAL BRASILEIRA       ---------- 28

5.1.2     DECISÃO DO STF ------------------------------------------------------- 28

5.2 COMENTÁRIOS SOBRE A INAPLICABILIDADE ---------------------------- 29

5.2.1 COMPROMETIMENTO DE OUTROS PRINCÍPIOS    ---------- 29

5.3 COMPROVAÇÃO DA HIPÓTESE    ---------------------------------------------- 30

6 CONCLUSÃO      ---------------------------------------------------------------------------------- 31

6.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS   ------------------------------------------------------- 31

6.2 CONCLUSÃO   ------------------------------------------------------------------------- 32

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS      ------------------------------------------------------- 34

1 INTRODUÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

1.1 PROBLEMA E HIPÓTESE;

1.1.1 PROBLEMA

Existe a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância sobre os crimes de ordem tributária, sendo estes praticados contra o estado através de uma tabela ou valor máximo para a concessão de tal princípio?

1.1.2 HIPÓTESE

O caráter geral dos crimes tributários praticados contra a sociedade gera a presunção de um dano maior que o percebido, visto que os crimes desta categoria atentam diretamente contra o erário do estado, afetando desta forma a toda população. Os crimes tributários não ficam restritos apenas ao estado e ao infrator, mas vão além, implicando em prejuízo direto à sociedade. Considerando tais elementos, bem como a gravidade do crime, entende-se que a aplicação do princípio da insignificância não é cabível da forma que é considerada para esse tipo de crime onde os julgados e as divergências entre as cortes superiores tem demonstrado que,  ao estabelecer um valor mínimo, o estado deixa de considerar a real situação do impacto de tal medida diante da moralidade tributária.

Não importando o valor, a intenção de causar infração tributária pode ser caracterizada como intenção de causar dano à toda a sociedade. Deste modo, uma avaliação individualizada, caso a caso, sobre os crimes tributários e a aplicação do princípio da insignificância é fundamental, contrariando o valor mínimo ou máximo, indo além de qualquer tabela estabelecida para a concessão de tal princípio.

1.2   METODOLOGIA UTILIZADA

Este trabalho se utilizou da metodologia de análise bibliográfica, baseada em fundamentação teórica especifica e afins aplicadas ao objeto de estudo.

Como meio principal, foram utilizadas as jurisprudências oriundas do STF e STJ supracitadas no texto deste trabalho, utilizando uma análise direta do próprio texto da decisão das cortes superiores em conjunto com uma análise direta do texto doutrinário comum entre o direito penal e o direito tributário.

1.2.1 DOCUMENTAÇÃO INDIRETA

Utilizar-se-á pesquisas bibliográficas com o objetivo de obter base teórica sobre direitos humanos e autores contemporâneos que tratem diretamente da questão. A análise documental direta, complementada por estudos de trabalhos semelhantes serão os principais meios de obtenção das informações e do conhecimento necessário usado para a formação do presente trabalho, assim, o principal meio procedimental foi o estudo indireto, com a análise comparativa de obras de relevância em conjunto com trabalhos que versem sobre o tema.

1.2.2 ANÁLISE DE CASOS JURÍDICOS RELEVANTES

A presente monografia também usou da análise direta de jurisprudências e decisões monocráticas de relevância para a compreensão do objeto de estudo, bem como formulação das tendências judiciárias.

1.3 DIVISÃO DO TRABALHO

A presente monografia foi dividida em três partes principais: primeiramente foi feita uma análise histórica sobre o tema com a consideração dos fatos que levaram à atual pertinência do presente estudo, seguido pela análise dos fatos anteriores e acontecimentos que levaram ao presente questionamento.

Em um segundo momento foi feita uma análise direta, com base em jurisprudências e estudos doutrinários do tema. Esta análise direta de estudo foi dividida em dois pontos principais sendo o primeiro um estudo doutrinário dos principais autores e suas conclusões sobre o tema, e o segundo, uma análise jurisprudencial de decisões relativas ao princípio da insignificância nos crimes tributários. Desta análise chegou-se à uma conclusão que comprova a hipótese elencada.

Por último, como conclusão do presente trabalho, foi feito um apanhado de temas e conclusões doutrinárias que confirmam a hipótese inicial deste trabalho, traçando um panorama atual das tendências doutrinárias e caráter aplicáveis ao princípio da insignificância penal nos crimes tributários.

1.4 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Inicialmente pode ser detectado, através de análises jurisprudenciais, que o tema era abordado de forma muito semelhante ao encontrado nos crimes penais comuns, de caráter não tributário. De certa forma, a interpretação do princípio da insignificância é direta e simples em sua aplicabilidade dentro dos crimes penais, contudo, os crimes tributários fazem parte, segundo o que o estudo irá apresentar mais à frente, de uma gama de crimes em que sua aplicabilidade compromete a própria interpretação do crime, visto que o crime tem como principal desfavorecido o próprio estado, que em uma análise geral representa a sociedade brasileira como um todo.

2 INTRODUÇÃO AO TEMA

2.1 FATOR HISTÓRICO

Como introdução ao tema, uma análise cronológica dos principais elementos que formaram a inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes tributários se faz necessária. Inicialmente, no Brasil, era a regra a não investigação ou julgamento dos crimes tributários, sejam eles de origem política ou de origem social (sonegação fiscal e semelhantes), contudo, com a evolução dos sistemas da fazenda pública e por consequência, do sistema do Fisco, os crimes tributários sociais passaram a ser duramente combatidos, com cruzamento de dados, análises regressas e sistemas avançados de contabilidade. O mesmo não aconteceu com os crimes de origem política (ressalvada a aplicabilidade da lei de responsabilidade fiscal).

Sonegações, desvios e afins, praticados por prefeituras, governos e representantes eleitos da esfera legislativa, sempre foram crimes considerados de baixo potencial ofensivo ou de certa forma, irrelevantes, por questões políticas e forças antissociais que atingem diretamente essa classe social. Ocorre que dentre as teses de defesa formuladas pelos competentes e habilidosos advogados de defesa dos autores desses crimes, surgiu a aplicação por analogia do princípio da insignificância (principalmente com relação ao furto do objeto de pequeno valor). Em tese, pequenos desvios morais e econômicos poderiam ser considerados “dentro da margem de erro” que atinge a linha tênue entre o crime relevante e o crime insignificante.

Com o tempo, a extensão deste entendimento sobre os crimes fiscais tornou a situação diferenciada, os tribunais de primeira instância e alguns de segunda instância (como poderá ser observado mais a frente nos estudos de jurisprudência) passaram a considerar os crimes de sonegação, desvio, e apropriação indébita fiscal de pequenos valores como crimes insignificantes, passíveis de nenhuma punição a não ser a devolução do valor devido. Com esta situação, chegou-se à dúvidas que poderiam ser consideradas absurdas, como por exemplo: qual valor desviado e sonegado poderia ser considerado de pequeno valor, passíveis do princípio da insignificância penal? Mil reais? Dez mil reais?

A passividade deste entendimento não se conteve apenas nos crimes culposos (quando cabível esta modalidade no tipo penal) mas se estendendo aos crimes dolosos. A sonegação, o desvio ou a apropriação fiscal indébita, poderiam ser passíveis de ausência de tipicidade, ou de pena conforme o valor desviado, passíveis de nenhuma sanção, apenas a devolução do valor devido. Esta questão levou a posterior análise do valor social e tributário, com foco social dos valores que são apurados.

2.2 PROBLEMAS SOCIAIS X VALOR TRIBUTÁRIO

Dentre os vários argumentos que existem ao falarmos dos crimes contra a ordem tributária previstos na lei 8.137/90, estão os principais entes e pessoas que praticam o crime. Em primeiro lugar, a pessoa jurídica não pode ser responsabilizada pela pratica de crime tributário, recaindo apenas a responsabilidade sobre os agentes na forma das pessoas físicas (Administradores, sócios, contadores, etc.). Em seguida, podemos observar quem são os sujeitos passivos, dentro da estrutura do crime, que sofrerão o tipo penal. O Estado é o sujeito passivo constante de todo o crime pelo fato de a Lei Penal situar-se no ramo predominantemente público, enquanto a pessoa que teve o bem diretamente atingido pelo crime é o sujeito passivo variável (Costa Junior e José da costa, 2011 p. 115).

Ocorre que os crimes tributários atingem de forma direta a sociedade, visto que os tributos, como definidos no artigo terceiro do código tributário nacional, são uma prestação pecuniária compulsória. Em uma interpretação estendida, o tributo pode ser considerado uma prestação pecuniária compulsória prestada pela sociedade e administrada pelo estado, nos moldes do artigo 146 da constituição federal, que é revertido em benefício para a sociedade, seja através de prestações de serviços, manutenção da máquina pública ou programas sociais.

Desse modo, o cometimento de crime tributário afeta de modo direto a sociedade, visto que o valor devido, desviado ou a prática ilegal realizada afeta diretamente o bom funcionamento do estado, prejudicando a justiça social (COÊLHO, 2004, p.314).

A prática de crimes tributários afeta diretamente a economia, sempre no sentido macroeconômico, visto que sua prática em poucas exceções está relacionada à economia no sentido local direto (mesmo que em muitos crimes se admita esta possibilidade). Deste modo, os crimes tributários sempre afetam a sociedade e o estado que a representa, tendo os seus efeitos diretos e indiretos aplicados à economia pública, mesmo quando cometidos no âmbito da economia privada ou na liberdade de mercados que caracteriza o nosso sistema estatal.

2.3 PRINCIPAIS COMETEDORES DESTE CRIME

Os Crimes Tributários estão distribuídos, principalmente entre a lei 8137/90 e o decreto lei 2848/40 (código penal Brasileiro). Os crimes previstos na primeira lei são, em regra, cometidos pelo particular, o sujeito ativo é o contribuinte, como nos crimes definidos nos dois primeiros artigos da referida lei. Porém, é comum que estes crimes sejam praticados também pelo contador, advogado, e outros que tem relação direta com o devido tributário. O sujeito ativo do terceiro artigo é o funcionário público (crime próprio e funcional típico), o sujeito passivo será em regra o Erário (na figura do estado).

No Decreto-Lei 2848/40, Título XI, Capítulo I, temos os crimes praticados por funcionários públicos contra a administração pública e o Erário. Em regra, os crimes serão cometidos pelo funcionário público, servidor público temporário, pessoa vestida de poder público mesmo que temporário, contratado terceirizado pela administração pública (Greco, 2015, p. 446).

O sujeito passivo será em regra o Erário, podendo em alguns crimes figurar em conjunto com o estado o terceiro prejudicado alvo de coação ou afetado diretamente pelo crime (Bittencourt, 2011, p. 106).

Estes crimes seguem a classificação penal tradicional, onde o estado figurará sempre como sujeito passivo, visto que o mesmo representa a sociedade e os cidadãos, como pode ser observado anteriormente. Assim, com a correta classificação doutrinária, podemos seguir para elementos que ensejam uma análise mais detalhada com relação as questões atuais, observando a classificação do crime quando analisada à luz do princípio da insignificância penal.

2.4  QUESTÕES ATUAIS

Em tempos recentes, o Supremo Tribunal Federal em decisão proferida pela primeira turma no Habeas Corpus 120.617 (PARANÁ) a Ministra Rosa Weber em seu voto, afastou a aplicação dos valores definidos pelo Artigo 20 da lei 10.522/02 que definia o valor máximo para aplicação do princípio da insignificância em R$ 10.000,00 no crime em análise (Contrabando e descaminho) aplicando portarias 75 e 130/12 do Ministério da Fazenda, onde o valor máximo para a aplicação do referido princípio será de R$ 20.000,00.

Ao mesmo tempo em que o referido Habeas Corpus foi julgado, o STF analisa em seu pleno a aplicação geral do princípio da insignificância (julgamento até o presente momento não concluído) em relação aos Habeas Corpus 123734, 123533 e 123108. Tal fato tem aplicação geral, podendo ser fato gerador de súmula vinculante tendo em vista as constantes divergências existentes entre o os tribunais Federais regionais (Tribunal em regra competente para julgamento dos crimes tributários), o STJ e o próprio STF.

2.4.1     JULGAMENTO NO STJ X STF

No HC 120.617 (PARANÁ) contra decisão proferida pelo STJ, o STF reformou a referida sentença, causando uma inicial estranheza, visto que em sede de segunda instância, em julgamento pela justiça federal do Paraná, que julgou procedente a aplicação das portarias 75 e 130/12 do ministério da fazenda, reformando a decisão do juiz de direto federal. Ocorre que o ministério público em recurso especial ao STJ, conseguiu a reforma da sentença, com o argumento que a lei federal tem poder hierárquico superior a normas e portarias regulamentadoras.

Ao ser julgado pelo STF o referido caso, obteve Habeas Corpus em favor do réu com a alegação da aplicabilidade da lei mais benéfica, quando existirem duas ou mais normas contraditórias entre si. Tal caso referendou a aplicabilidade superior da própria portaria do ministério da fazenda em detrimento da lei federal.

2.4.2     QUESTÕES PENDENTES

Após estes recentes fatos, muito doutrinadores e operadores do direito se dobraram em cima de duas perguntas fundamentais:

1)    Tendo em vista a recente decisão proferida pela primeira turma do STF, a decisão do colegiado que será tomada com relação aos Habeas Corpus 123734, 123533 e 123108 se estenderá aos casos dos crimes tributários?

2)    Até que ponto a aplicação do princípio da insignificância penal é moralmente e relevantemente válido X a impunidade tributária para os crimes que lesam de forma ampla à sociedade de forma tão direta como os crimes tributários?

De forma direta, permanece o entendimento de que os crimes tributários possuem limites para serem considerados “significantes” ou mesmo “puníveis”. Claro que nós não estamos falando sobre o dever legal e obrigacional de ressarcimento, mais sim a punição tributaria devida, conforme prevista em lei. A punição tem caráter retribuitivo reparador bem como disciplinar com relação aos crimes cometidos.

3       DOS CRIMES TRIBUTÁRIOS

Inicialmente podemos obter a classificação dos crimes contra a ordem tributária prevista na lei 8137/90, conforme a descrição do caput do artigo primeiro: Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas (...).

Observamos, conforme ensina o mestre Rogério Greco, que os crimes tributários são crimes materiais, visto que a própria descrição legal apresenta o resultado a ser alcançado pelo agente, qual seja, supressão ou redução de tributo, ou contribuição social e qualquer acessório. Em uma análise de decisão proferida pelo ministro Sepúlveda Pertence (HC 75.945-2/DF, P.4), observa-se que nos crimes tributários à consumação da qual é essencial que, da omissão da informação devida ou da prestação da informação falsa, haja resultado efetiva supressão ou redução do tributo: circunstância elementar, entretanto, em cuja verificação, duvidosa no caso, não se detiveram as decisões condenatórias: nulidade.

É dever privativo da autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo seu lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a incidência do fato gerador tributário da obrigação devida e deste modo determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e quando necessário propor aplicação da penalidade legal conforme previsto em lei.

Observa-se a Súmula Vinculante 24 do STF:

“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. ” - STF

Deste modo, a tramitação do judicial do crime tributário irá iniciar, conforme entendimento majoritário da doutrina, após o exaurimento da via administrativa, em processo administrativo legal mediante o órgão competente para o recolhimento devido daquele tributo.

3.1 TIPOS DE CRIMES TRIBUTÁRIOS

Os seus tipos criminais podem ser encontrados na lei 8.137/90, bem como nos existentes no artigo 334 do código penal brasileiro. O artigo 334 é dividido em duas partes, sendo o primeiro o 334 (crime de Descaminho) e o segundo o 334ª (Crime de Contrabando). Não cabe a este trabalho fazer uma análise profunda relacionada à construção destes artigos, apenas observar que em ambos os crimes é possível a aplicação plena do princípio da bagatela penal, uma vez que observado que nestes dois crimes, os quatros elementos do princípio podem se alinhar de modo que sua concessão seja válida e plena. Um detalhe a ser observado é que estes crimes tiveram a redação modificada pela lei 13.008/14 (recentemente) com o objetivo de tornar estes artigos mais próximos da lei 8.137/90 evitando os antigos conflitos de punibilidade que existiam.

Os outros crimes focos deste estudo se encontram no já dita lei 8.137/90 em seus 23 artigos (muitos dos quais já revogados ou amplamente modificados de sua redação original). Esta lei define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, sendo a principal fonte das penalidades dos crimes tributários brasileiros.

3.2  AGENTES DOS CRIMES

Os crimes podem ser praticados por todas as pessoas, comerciantes e principalmente funcionários públicos. Os crimes não podem ser confundidos com só crimes contra a probidade administrativa, como os crimes de corrupção e peculato, visto que os mesmos se encontram em um título à parte do código penal.

Os crimes praticados por funcionários públicos se encontram no artigo 3º da referida lei e são eles: extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social, exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente, patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público.

Os crimes praticados por pessoas, por decorrência de exercício de função em empresa, ou pelo próprio particular se encontram nos artigos 1º e 2º bem como nos artigos 4º e 7º da lei. No primeiro conjunto, vemos os crimes praticados em regra pela pessoa física individual, porém com extensões para as pessoas no exercício de cargo em empresas (Carvalho, 2005, p. 396).

Em um segundo conjunto, encontramos os crimes propriamente praticados por empresas, grupos empresariais e semelhantes, onde se encaixam crimes contra o mercado, monopólio, fraude fiscal e semelhantes.

Vale ressaltar que, em regra, não é necessário que o agente seja participante de empresa ou organização, nem seja particular ou semelhante, ou mesmo funcionário público para que se enquadre no tipo penal descrito em cada artigo, seguindo o definido em lei. A divisão da lei tem intuito de facilitar a tipificação de cada autor e seus crimes praticados, porém, muitas vezes esta divisão é simplesmente direta e pragmática para facilitar o entendimento.

3.3  PENAS E PUNIBILIDADE

Os funcionários públicos incorrem nas penas de 1 a 8 anos de reclusão, além de multa, conforme incisos II e III do artigo 3º da lei de crimes tributários. Sua punibilidade está relacionada ao cometimento destes crimes como funcionários públicos e no exercício de sua função pública, aproveitando privilegio do cargo ou vantagem por este proporcionada (Amaro, 2003, p. 214).

Os crimes contra a ordem econômica são cometidos em regra pelas empresas na figura de seus dirigentes, são puníveis com reclusão de 2 a 5 anos e multa. Observa-se que a punibilidade do agente está relacionada diretamente à prática dos crimes descritos contra a ordem econômica por empresa ou semelhante, considera-se o crime válido quando o agente diretor ou responsável de forma consciente, age sobre o mercado, gerando os tipos penais descritos nos artigos 4º e artigo 7º da lei.

          Vale ressaltar que, mesmo que seja previsto as penas de reclusão, o principal tipo de pena presente será a pena de multa, como disposto nos artigos 8º a 10º da lei. Estes artigos exemplificam e detalham como a multa deve ser aplicada nos crimes, seus valores e formas de cobrança.

          A ação será sempre ação pública, seguindo os tramites comuns à esta ação (Promovida pelo ministério público), conforme também dispõe a lei, qualquer pessoa poderá questionar o ministério público e este promoverá a ação dentro do cabível fato apurado.

          Os artigos 8º a 10º detalham a aplicação da pena principal de multa, pena comum a todos estes crimes descritos na lei. A lei define que a pena será definida em cima do valor de Bônus do tesouro nacional (BNT) no valor mínimo de 14 a 200 BNT. O artigo 9º permite a possibilidade de converter as penas de detenção aplicadas nos artigos anteriores em multa definidos em BNT em valores que variam de cinco mil a um milhão de BNTs.

          Também fazem parte das penas, mesmo que não explícitos, o dever legal de reparar o dano, devolver o dinheiro desviado e quando necessário o afastamento do exercício de determinada atividade econômica no qual a empresa tenha ocorrido ou proporcionado o crime descrito no artigo.

          Com relação aos valores sonegados, é dever do agente sonegador recolher os valores devidos, acrescidos de juros legais e da multa definida na lei, sem prejuízo de outras sanções financeiras estipuladas por outras normas e portarias. No caso do crime de descaminho, a mercadoria ficará retida, e o sujeito do crime deverá pagar as taxas, impostos e multas devidas para que o bem seja liberado e regularizado.

4       JULGADOS ANTERIORES

Para o correto entendimento da aplicação do princípio, uma análise detalhada dos julgados anteriores e posteriores ao novo entendimento ajuda a compreender o âmbito historio e social da referida aplicação do princípio.

Em primeiro lugar, devemos fazer uma análise do julgado proferido pelo saudoso ministro do STF Sepúlveda Pertence no Habeas Corpus 75.945-2/98:

EMENTA: Crime contra a ordem tributária (L. 8.197/90, art. 1º, I): infração material - ao contrário do que sucedia no tipo similar da L. 4.729/65 -, à consumação da qual é essencial que, da omissão da informação devida ou da prestação da informação falsa, haja resultado efetiva supressão ou redução do tributo: circunstância elementar, entretanto, em cuja verificação, duvidosa no caso, não se detiveram as decisões condenatórias: nulidade. Além de que, tem ainda procedência a invocação do “princípio da insignificância”, pela qual a conduta não aperfeiçoa o tipo em toda a sua amplitude. O crime de que se trata é de supressão ou redução de tributo, não tendo incorrido o paciente, pela sua ação, em nenhuma das modalidades delituosas. STF HC 75.945-2/98.

Em uma análise direta deste julgado, observa-se que em uma análise única, o ministro Sepúlveda Pertence trouxe o brilhante entendimento de que a validade do princípio nos crimes tributários é clara, porém diante da dúvida sobre a aplicação mediante ao valor sonegado de tributos, o referido princípio não encontra respaldo em sua aplicação, visto que o quarto elemento torna-se nebuloso. Vale ressaltar que a referida portaria e leis que definiram valores mínimos (como poderá ser visto abaixo) ainda não existiam, e a análise caso a caso era o método mais lógico e correto para a aplicação do princípio.

Em julgados mais novos, podemos observar a aplicação deste princípio em casos que tramitaram pelo STJ:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. EXISTÊNCIA DE PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS EM DESFAVOR DA RECORRIDA. SITUAÇÃO QUE NÃO IMPEDE A INCIDÊNCIA DO INSTITUTO. HABITUALIDADE CRIMINOSA NÃO CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. A atual jurisprudência das Cortes Superiores utiliza o art. 20 da Lei n.º 10.522/02 como parâmetro para aferir a inexpressividade penal da conduta de descaminho, que se refere ao arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). 2. No entanto, a Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que a habitualidade criminosa impede a aplicação do princípio da bagatela. Precedentes. 3. Na hipótese dos autos, porém, verifica-se que a Recorrida apresenta apenas procedimentos administrativos em seu desfavor, o que, consoante entendimento adotado por este Tribunal, não impede a aplicação do princípio da insignificância em crime de descaminho. Precedente. 4. Recurso especial desprovido.

Neste recurso especial julgado pelo STJ que ensejou o Habeas Corpus ao supremo tribunal federal, temos um interessante entendimento sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância. Em seu inteiro teor, conforme julgados comuns na corte, tem o entendimento que mesmo com existência de portaria regulamentadora, ela não pode suprimir a lei anterior. Interessante notar que mesmo o autor sendo um reincidente na pratica do crime, conforme questões administrativas levantadas contra ele, a corte considerou apenas as ações judiciarias existente contra ele, e mesmo assim, por conta do montante do descaminho praticado, julgou que não era cabível a aplicação do princípio.

Neste interessante julgado do STJ, podemos observar uma interpretação alternativa da lei 10.522/02, como se pode ver a seguir:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. VALOR SUPERIOR ÀQUELE PREVISTO NO ART. 18, § 1.º, DA LEI N.º 10.522/2002. 1. Hipótese em que foram apreendidas ao entrarem ilegalmente no país 644 (seiscentos e quarenta e quatro) pacotes de cigarro de diversas marcas e 12 (doze) litros de whisky, todas mercadorias provenientes do Paraguai, avaliadas à época em R$ 6.920,00 (seis mil novecentos e vinte reais). Impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância. 2. Não é possível utilizar o art. 20 da Lei n.º 10.522/02 como parâmetro para aplicar o princípio da insignificância, já que o mencionado dispositivo se refere ao ajuizamento de ação de execução ou arquivamento sem baixa na distribuição, e não de causa de extinção de crédito. 3. O melhor parâmetro para afastar a relevância penal da conduta é justamente aquele utilizado pela Administração Fazendária para extinguir o débito fiscal, consoante dispõe o art. 18, § 1.º, da Lei n.º 10.522/2002, que determina o cancelamento da dívida tributária igual ou inferior a R$ 100,00 (cem reais). 4. Há de se ressaltar que, no caso, existe controvérsia sobre o montante da dívida tributária, que pode até ser maior do que R$ 10.000,00, além de se tratar a denunciada de pessoa que ostenta outras duas condenações por crimes da mesma espécie, revelando, em princípio, reiteração criminosa. 5. Embargos de divergência acolhidos para, cassando o acórdão embargado, negar provimento ao recurso especial.

Basta observar que em sede do STJ, temos muitas divergências em relação a aplicação deste princípio, uma vez que em muitos julgados temos a total consideração da validade da aplicação da lei 10.522/02 nos casos constantes na justiça, porém, em outros julgados, como visto a cima, a lei não é aplicada nos julgados. Por este motivo, após uma grande quantidade de ações serem protocoladas no STF pedindo a uniformização da jurisprudência.

Após um longo tempo, foi proferido pela Ministra Rosa Weber que trouxe o primeiro ponto pacifico na referida aplicação legal:

EMENTA HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, para a avaliação da insignificância, o patamar de R$ 20.000,00, previsto no art 20 da Lei n.º 10.522/2002, atualizado pelas Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Na espécie, aplica-se o princípio da insignificância, pois o descaminho envolveu elisão de tributos federais que perfazem quantia inferior ao previsto no referido diploma legal. 4. Ordem concedida.

Vale notar que a situação legal da portaria proferida pelo ministro da fazenda ganhou status de atualização legal da lei 10.522/02 e seu artigo 20. Deste modo, foi produzido um ponto pacífico, tendo em vista que, em julgados anteriores do STF, o princípio da insignificância tenha sido considerado plenamente válido, sendo muitas vezes referendado pela suprema corte.

Ocorre que em todas as cortes do pais, o princípio tem enfrentando grande dificuldade em sua aplicação, visto que a total arbitrariedade para consideração do seu quarto elemento fez surgir valores máximos sobre o bem (fato este que não tem sido de agrado da suprema corte, pois, princípio fundamental formador da justiça é “tratar os desiguais na medida de sua desigualdade”), ao produzimos parâmetros estamos eliminando a possibilidade de consideração caso a caso, impossibilitando a individualização da justiça.

Por este motivo, o STF tem trazido ao seu tribunal pleno a questão, com o objetivo de ver o tema pacificado de uma vez por todas.

Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

        I ? No caso sob exame, verifica-se que a decisão impugnada foi proferida monocraticamente. Desse modo, o pleito não pode ser conhecido, sob pena de indevida supressão de instância e de extravasamento dos limites de competência do STF descritos no art. 102 da Constituição Federal, o qual pressupõe seja a coação praticada por Tribunal Superior.

        II ? A situação, neste caso, é absolutamente excepcional, apta a superar tal óbice, com consequente concessão da ordem de ofício, diante de um evidente constrangimento ilegal sofrido pelo paciente.

        III ? Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, atualizado pelas Portarias 75/2012 e 130/2012 do Ministério da Fazenda, que, por se tratarem de normas mais benéficas ao réu, devem ser imediatamente aplicadas, consoante o disposto no art. 5º, XL, da Carta Magna.

        IV ? Habeas corpus não conhecido.

        V ? Ordem concedida para restabelecer a sentença de primeiro grau, que reconheceu a incidência do princípio da insignificância e absolveu sumariamente os ora pacientes, com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal.

Observa-se que no voto do Ministro Ricardo Levandowiski, há o entendimento que a aplicação deve sempre ser da lei mais benéfica, trazendo ao entendimento a necessidade de considerar a atualização do valor monetário mínimo para o julgamento da aplicação do princípio. Deste modo, restou apenas uma decisão colegiada da corte em um futuro julgamento de repercussão para que o tema seja pacificado e uma súmula vinculante provavelmente seja editada, evitando que existam novos problemas relacionados a divergência nos tribunais, inclusive nos tribunais superiores.

4.1 INSIGNIFICÂNCIA PENAL

Também chamado de princípio da bagatela por muitos doutrinadores, é um princípio penal de fundamental importância para o bom funcionamento e justa aplicação do direito penal, tendo em vista o caso concreto.

Este princípio exige que sejam considerados os seguintes elementos: 1) a mínima ofensividade da conduta do agente, 2) a nenhuma periculosidade social da ação, 3) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e 4) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (Greco, 2015, p. 591).

Tendo o conjunto destes elementos, existe a possibilidade da aplicação justa de tal princípio, uma vez que nem toda conduta ilícita gera uma periculosidade social ou uma ofensividade contra a sociedade relevante (Ex: um jovem que furta duas balas de valor de cinco centavos, ele cometeu um ilícito tipificado pelo artigo 155 do CP, porém, sua conduta se aplica aos elementos formadores do princípio da insignificância penal). O dano causado será considerado inexpressivo, e muitas vezes, a própria punição ou semelhantes gerará mais danos à sociedade do que o crime cometido. Vale a pena ressaltar que a aplicação deste princípio não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social (STF, glossário geral online).

Podemos considerar que o princípio suporta limites claros, como por exemplo a habitualidade do agente, ou mesmo o emprego da violência, bem como o valor máximo do bem jurídico afetado.

Este é um princípio fundamental para que se evite que casos desnecessários sejam levados a julgamento, ou que o judiciário perca tempo resolvendo questões de baixo perigo ou dano social em detrimento da análise dos casos e dos elementos gerais que realmente importam. Tal princípio não se encontra devidamente tipificado, sendo sua formação geral feita por meio de jurisprudências e casos semelhantes que já foram julgados, por este motivo, ele se encontra em constante mudança e no centro de vários conflitos relativo aos seus limites (Bittencourt, 2010, p. 441).

4.2 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Os tribunais superiores e reiterados julgados e jurisprudências, afirmam de modo veemente, que mesmo com a mudança natural decorrente da interpretação da lei penal, os quatro elementos que formam este princípio são fundamentais para a sua aplicação.

A ausência de tipicidade pela insignificância do suporte fático (crime de bagatela) é a hipótese mais interessante. Sendo certo que a sanção penal deva ser usada apenas quando a rebeldia individual contra o mandamento normativo geral não possa ser obviada de outro modo (princípio da intervenção mínima), é necessário entender-se que não será qualquer violação formal do tipo que deva ensejar o reconhecimento da tipicidade (Mestieri, 2002, p. 138)

Contudo, mesmo observando a aplicação dos quatro requisitos fundamentais, resta a discursão sobre os limites da definição de fator social significante e valoração do definido custo monetário do bem lesado, visto que a estipulação de valores monetários máximos muitas vezes se encontra no campo temerário e pouco significativo.

Nos Habeas Corpus 123734, 123533 e 123108, em julgamento pelo STF, tem se formado a convicção de que a aplicação deste princípio se encontra no estudo do caso individualizado (caso a caso), não podendo formar outros pré-requisitos formais, como valor máximo do bem jurídico lesado ou a conduta do agente, a não ser os elementos formais já existentes para a consideração do princípio da insignificância penal.

Nos crimes penais tributários é perfeitamente cabível a aplicação do princípio da insignificância, assim como nos crimes definidos na lei 8.137/90, bem como nos existentes no artigo 334 do Código Penal Brasileiro. Não há qualquer vedação legal que impeça a sua incidência, tendo inclusive leis e portarias, como visto anteriormente que regulam a aplicação e a consideração deste princípio. Ocorre que em vários tribunais, a aplicação deste princípio tem sido complicada quando considerados os crimes tributários em geral, ganhando estes um certo privilégio e abrangência maior para a sua aplicação, podendo considerar de certa forma, uma quebra de isonomia, visto que nos crimes penais comuns não existem leis que definam valores e benécias para a aplicação deste princípio, já nos crimes tributários, temos a existência de leis e portarias conflitantes (STF, HC 120.617, P.23).

4.3 NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Como visto anteriormente, o princípio da insignificância possui limites claros que devem ser considerados sempre, na aplicação caso a caso e nos crimes tributários. Em primeiro lugar, o princípio não aceita aplicação fora dos quatro elementos que o formam: 1) a mínima ofensividade da conduta do agente, 2) a nenhuma periculosidade social da ação, 3) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e 4) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Deste modo, qualquer crime candidato a aplicação do princípio da insignificância, deve estar sujeito necessariamente aos quatro elementos fundamentais (STF, HC 120617, 2014).

Também deve ser considerado que os crimes violentos e os sujeitos notórios cometedores de infrações e crimes, não podem ser beneficiados por este princípio. Em primeiro lugar, os crimes violentos, como roubo, ameaça e semelhantes, são necessariamente praticados com uso de violência, o sujeito que pratica estes sempre estará munido de um meio ou forma que exerça coação para garantir a prática destes crimes. Assim, mesmo que o bem jurídico lesado seja de pequeno valor, a conduta ultrapassará o limite do reduzindo grau de reprovabilidade social, sendo esta altamente reprovável. Aquele sujeito que notoriamente pratica várias condutas ilícitas, perde o direito aos benefícios proporcionados pelo princípio da bagatela, tendo em vista que de modo claro e direto “vários pequenos crimes, tornam-se socialmente relevantes pela quantidade”, ou seja, o criminoso habitual, pela quantidade de ações a ele atribuídas, mesmo que os valores jurídicos dos bens atingidos sejam reduzidos, a conduta social do sujeito não se encaixara mais nos elementos formadores do princípio.

4.4 COMPARAÇÃO

Em uma comparação direta entre a aplicabilidade e a não aplicabilidade do referido princípio, temos um resultado específico cuja utilidade se aplica de forma regular nos crimes penais comuns. Entretanto, quando considerados os crimes tributários, tal comparação adquire um novo significado, visto que sua aplicação não se encontra no campo comum e veremos o motivo a seguir.

Como mencionado anteriormente, tal princípio encontra diferenças de aplicabilidade nos crimes da lei 8.137/90 e dos crimes do artigo 334 do código penal brasileiro, isto por causa do artigo 20 da lei 10.522/02 que por ser uma lei menos conhecida, trago in verbis:

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Lei 10.522/2002

Ou seja, nos crimes de tributários, em regra, serão arquivados, não prosseguida a referida ação de execução fiscal. O professor Alan Douglas Barros, em artigo sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância penal nos crimes tributários, define que diante de todo o exposto, verifica-se atualmente que, para o Superior Tribunal de Justiça, o valor máximo para fins de aplicação do princípio da insignificância, no caso de crimes tributários, é o previsto no art. 20 da lei 10.522/2002, ou seja, R$ 10.000,00, deste modo o próprio STJ considera que este artigo da lei é uma orientação legal direta na consideração da aplicação do princípio da insignificância penal. (Alan Barros, 2014).

O princípio da insignificância penal não pode ser confundido com o princípio da insignificância tributária, tendo em vista que o valor tributário nunca é insignificante, pelo motivo que o estado Brasileiro trabalha com valores orçamentários na faixa do trilhão de reais e, considerando esta comparação, o valor próximo de milhões poderia ser considerado insignificante. Para esta comparação, deveríamos considerar os valores aplicáveis às próprias pessoas da sociedade, deste modo o valor de dez mil reais não seria um valor insignificante para qualquer contribuinte.

Em uma outra ponta, encontramos a portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda, segundo a qual, em seu inciso II, do artigo 1º, o Ministro da Fazenda da época (Guido Mantega) determinou o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a vinte mil reais. Tal portaria vai de encontro com a lei 10.522/02 e seu artigo 20, tendo em vista que as duas normas regulam o mesmo objeto: a aplicação do princípio da insignificância. Deste modo, o referido princípio encontra dentro do direto tributário uma farta regulamentação, que exclui a possibilidade da análise caso a caso, estipulando um limite máximo para corte. Como poderá ser visto mais a frente, em entendimento claro, a Ministra Rosa Weber diante de um conflito claro de normas, dispõem que a aplicação da norma mais benéfica para o réu deve sobressair sobre uma norma pior, mesmo que hierarquicamente sejam distintas (excluindo as leis complementares a constituição da república), assim a portaria 75/12 ganha destaque por ter aplicabilidade no âmbito nacional semelhante a lei, e revoga de modo explícito o artigo 20 da mesma.

O princípio da insignificância não encontra resistência em sua consideração como princípio válido no meio dos crimes tributários, os quatro elementos fundamentais para a sua existência podem ser considerados, porém quanto a aplicabilidade do elemento quarto (a inexpressividade da lesão jurídica provocada), entramos em um campo nebuloso e muitas vezes especulativo, cabendo ao judiciário que faça uma análise do conjunto total para que observe o real dano que o crime tributário causou para a sociedade e não seja considerada a estipulação máxima de valores para a aplicação deste princípio (Carvalho, 2005, p. 122).

Como nos crimes penais comuns não existe uma determinação ou uma estipulação norteadora além dos elementos do referido princípio, é de se considerar que nos crimes penais tributários, a forma de aplicabilidade seja a mesma, com uma análise caso a caso, sob pena de comprometer a isonomia penal e a punibilidade geral dos crimes referidos.

5       A APLICAÇÃO CASO A CASO DA INSIGIFICÂNCIA PENAL

 

Estão em pauta para julgamento futuro no STF os Habeas Corpus 123734, 123533 e 123108, que serão decididos no pleno do referido tribunal e trarão uma ampla luz sobre os casos da aplicação do princípio da insignificância. Ocorre que o STF declarou o tema como de repercussão geral ao julgar estes procedimentos, com o objetivo de que este fato seja normalizado e que assim o tema fosse pacificado perante as instâncias superiores.

Atualmente o tema se encontra sobre vistas do ministro Celso de Melo, porém todos os outros ministros que já proferiram decisões, consideraram que não há de se falar em aplicação normatizada do princípio, mas sim seu julgamento caso a caso. Ao analisar o significado desta posição, podemos considerar que qualquer lei ou portaria que venha interferir na consideração do princípio poderá ser considerada inválida. Mais a frente poderemos retornar ao estudo das jurisprudências já citadas e de outras que fazem referências ao tema.

Ao considerar em sua decisão monocrática sobre o princípio da bagatela nos âmbitos gerais, a ministra Rosa Weber aplicou o uso do princípio da lei mais benéfica ao réu, fato este incontestável do ponto de vista legal, porém tal interpretação pode trazer vários problemas quando analisadas em conjunto.

5.1 ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

O STJ ao considerar o artigo 20 da lei 10.522/2002, reconhece a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, nos casos em que o débito tributário não ultrapassa o limite de dez mil reais, nestes limites, conforme acordão abaixo demonstra:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 105, III, A E C DA CF/88. PENAL. ART. 334, § 1º, ALÍNEAS C E D, DO CÓDIGO PENAL. DESCAMINHO. TIPICIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. I - Segundo jurisprudência firmada no âmbito do Pretório Excelso - 1ª e 2ª Turmas - incide o princípio da insignificância aos débitos tributários que não ultrapassem o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei nº 10.522/02 II - Muito embora esta não seja a orientação majoritária desta Corte (vide EREsp 966077/GO, 3ª Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 20/08/2009), mas em prol da otimização do sistema, e buscando evitar uma sucessiva interposição de recursos ao c. Supremo Tribunal Federal, em sintonia com os objetivos da Lei nº 11.672/08, é de ser seguido, na matéria, o escólio jurisprudencial da Suprema Corte. Recurso especial desprovido (REsp 1.112.748/TO, Terceira Seção, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 13.10.2009).

Como reforço à tal jurisprudência o STJ também proferiu a seguinte decisão, que em análise de mérito, concluiu que não importando o fator originário, a portaria não poderia sobressair sobre a lei existente:

AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 331.852 - PR (2013/0145794-6) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. DESCAMINHO. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. VALOR DO TRIBUTO ILUDIDO PARA FINS DE INSIGNIFICÂNCIA. MANUTENÇÃO DO PARÂMETRO DE R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). INAPLICABILIDADE DA PORTARIA N. 75/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O agravante não apresentou argumentos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental. 2. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 1.409.973/SP, firmou entendimento no sentido de não ser possível a aplicação do parâmetro de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) trazido na Portaria n. 75/2012 do Ministério da Fazenda para reconhecer a insignificância nos delitos de descaminho, haja vista, num primeiro momento, a impossibilidade de se alterar lei em sentido estrito por meio de portaria. 3. Não foi a lei que definiu ser insignificante, na seara penal, o descaminho de valores até dez 10.000,00 (dez mil reais), foram os julgados dos Tribunais Superiores que definiram a utilização do referido parâmetro, que, por acaso, está expresso em lei, não sendo correto, portanto, fazer referida vinculação de forma absoluta, ou seja, toda vez que for modificado o patamar para ajuizamento de execução fiscal estaria alterado o valor considerado bagatelar. 4. A alteração dos valores que justificam a instauração de execução fiscal é definida dentro dos critérios da conveniência e oportunidade da administração pública, o que inviabiliza a aplicação do mesmo entendimento no âmbito penal. 5. A apreciação de suposta violação de preceitos constitucionais não é possível em recurso especial, porquanto a matéria é reservada pela Carta Magna ao Supremo Tribunal Federal.  6. Agravo regimental a que se nega provimento.

Seguidas estas decisões, poderemos agora comparar elas com a famigerada decisão individual proferida pela ministra Rosa Weber e traçar uma comparação direta entre o entendimento doutrinário (entendimento este ainda pouco abordado pelos doutrinadores), com as decisões anteriores aqui já citadas.

5.1.1 DOUTRINA TRIBUTÁRIA E PENAL BRASILEIRA

Dentre os vários doutrinadores que possuem excelentes obras tributárias, poucos dedicaram aos seus livros atuais espaço para que seja debatida a aplicação deste princípio. O mais pertinente entre eles foi o já amplamente citado João Mestieri que falou diretamente sobre este fato:

 A ausência de tipicidade pela insignificância do suporte fático (crime de bagatela) é a hipótese mais interessante. Sendo certo que a sanção penal deva ser usada apenas quando a rebeldia individual contra o mandamento normativo geral não possa ser obviada de outro modo (princípio da intervenção mínima), é necessário entender-se que não será qualquer violação formal do tipo que deva ensejar o reconhecimento da tipicidade. (Mestieri, p.138, 2002).

Em seu excelente estudo, o professor Chagas Barros trouxe um ótimo entendimento resumido sobre tal comparação doutrinária.

5.1.2 DECISÃO DO STF

Depois de várias decisões anteriores proferidas pelo STF em relação aos crimes comuns, a Ministra Rosa Weber trouxe uma importante inovação à corte com relação ao referido princípio, como já foi devidamente explicado, deste modo o entendimento do STF se tornar um importante ponto de referência até que uma decisão de todo o plenário da corte seja tomada.

Em seu brilhante artigo, o professor Novelino Camargo trouxe uma excelente luz sobre a vinculação das decisões do STF com relação as sentenças e futuras decisões do demais tribunais:

Neste, os ministros do STF vêm aplicando tese fixada em precedente no qual se discutiu a inconstitucionalidade de lei emanada de ente federativo diverso daquele que elaborou a lei objeto do recurso extraordinário sob exame, impondo os fundamentos determinantes de um leading case até mesmo no controle de constitucionalidade de leis municipais. Este procedimento está embasado no caput e no § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil que possibilita ao relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante da Corte Suprema.

Ademais, a interpretação dada pelo STF possui especial relevância, na medida em que ele se constitui no "guardião da Constituição" (CRFB/88, art. 102, caput), a quem cabe dar a última palavra na descoberta do conteúdo e na fixação do alcance das normas constitucionais. (Camargo, 2006).

Ao considerar a portaria 75 do ministério da fazenda constitucional e plenamente aplicável, inclusive sobre a referida lei, a ministra do STF exerceu o poder vinculante sobre os demais tribunais, produzindo o efeito norteador das demais decisões que serão proferidas pelos tribunais das instâncias inferiores.

5.2  COMENTÁRIOS SOBRE A INAPLICABILIDADE X APLICABILIDADE

Após estes detalhes sobre as decisões do STF e sua vinculação aos demais poderes, podemos traçar de forma mais direta um comentário baseado nas opiniões e estudos dos doutrinadores tributários brasileiros sobre a sua aplicabilidade no caso concreto versus sua inaplicabilidade nos demais casos não contemplados ainda com uma normatização.

Os principais doutrinadores concordam com a existência do princípio da bagatela nos crimes tributários, porém todos eles reconhecem os seus limites que estão direcionados ao real valor do dano infringido ao bem jurídico, sua real insignificância e seu relevante ou não valor jurídico, deste modo uma análise estritamente em cima da lei, sem uma análise profunda do caso, o juiz correria o risco de ferir outros princípios do direito, como podermos ver a seguir.

5.2.1     COMPROMETIMENTO DE OUTROS PRINCÍPIOS

Em regra geral, os princípios do direito não têm funções contrárias uns dos outros, servindo sempre de complemento sobre a atuação de cada um, inclusive o princípio da insignificância penal tem função complementar e fundamental em conjunto com os demais princípios. Esta regra fundamental do direito brasileiro tem plena validade nos casos da referida aplicação do princípio da bagatela nos crimes tributários, deste modo, o comprometimento a outros princípios, como por exemplo o Princípio da fragmentariedade, que está diretamente relacionado a proteção dos bens jurídicos bem como o Princípio da ofensividade, também diretamente relacionado à proteção dos bens de real valor e a sanção real às condutas verdadeiramente ilícitas e danosas, (CAPEZ, 2004, p. 14).

No Habeas Corpus 98.152, o relator foi o ministro Celso de Mello que afirmou a existência de diferença entre absolver o acusado com base no princípio da insignificância, conforme decisão do STJ e a extinção de punibilidade. Segundo o Ministro:

“A extinção da punibilidade por si só não exclui os efeitos processuais. Ou seja, a tentativa de furto ficaria registrada e poderia pesar contra o acusado caso ele venha ser reincidente, na qualidade de maus antecedentes. Ao ser absolvido, todavia, o acusado volta a ser considerado primário caso seja réu posteriormente em outra ação. ” (Mello, 2009)

Desta forma, os princípios devem existir de forma pacífica, e nenhum dos casos devem ser usados no fomento da impunibilidade, os efeitos de parte da condenação irão cessar quando aplicado o princípio da insignificância, porém isto não deve significar que existirá a extinção direta da incidência de outros princípios sobre o fato ocorrido.

5.3 COMPROVAÇÃO DA HIPÓTESE

Após estas análises, podemos retornar ao título deste trabalho: a impossibilidade da aplicação de um valor máximo para a concessão ou aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes tributários. Dentre estes temas, observamos que o STF até o presente momento julga valida a aplicação de um valor máximo para concessão do benefício deste princípio nos crimes tributários. Ocorre, porém, que deve ser feita uma análise individualizada, conforme citada por diversos doutrinadores, visto que uma regra geral não é cabível para este princípio, que depende de interpretação individualizada da situação para o seu reconhecimento.

Tem-se o fato que a decisão do STF será aplicada de forma vinculante aos demais tribunais, deste modo, existirá um valor limite para a concessão do princípio da insignificância nos crimes tributários até que a questão seja julgada pelo plenário da corte.

6. CONCLUSÃO

Após a realização deste estudo podemos chegar à algumas conclusões que deste modo corroboram para a comprovação da hipótese levantada, em conjunto com as decisões mais recentes do STF, trazendo uma intercessão direta da aplicação do princípio da bagatela para o âmbito dos crimes tributários em geral, conforme definidos em lei própria, deste modo podemos tecer algumas considerações finais antes de digredir sobre as conclusões que este estudo possibilitou em geral.

6.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em primeiro lugar, não há do que se falar da não aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes tributários, estes temas contém reiteradas decisões tanto do STJ como do STF conforme jurisprudências levantadas por este estudo, a aplicação de tal princípio é inclusive controlada por lei especial e por portaria normativa do ministério da fazenda, fatos considerados válidos pelo STF em seus recentes informativos datados de 2014 sobre o tema. Contudo, o tema não está 100% pacificado na própria corte e possui várias divergências de aplicação sobre as instâncias inferiores da justiça.

Tal tema necessita ser sumulado após decisão do pleno da corte, uma vez que apenas desta forma as atuais anomalias poderiam ser corrigidas uniformizando a aplicação deste princípio de todas as formas possíveis, tanto na esfera tributária quanto na esfera penal. Os elementos pré-existentes deste princípio garantem uma aplicação isonômica da justiça, evitando que casos supérfluos ocupem espaços onde deveriam tramitar apenas casos relevantes.

O princípio da insignificância é fundamental hoje em dia no direito penal brasileiro, pois em um cenário onde a justiça se encontra abarrotada de processos, muitos deles versando sobre problemas insignificantes, a existência deste princípio garante que o mesmo seja levando em conta antes mesmo que se dê o prosseguimento aos casos.

6.2 CONCLUSÃO

Após estas considerações finais, podemos chegar a uma conclusão baseada na recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tal consideração perpassa os casos apenas tributários, atingindo de forma direta o todo do universo aplicacional do princípio da insignificância penal. Podemos observar que entre os quatro elementos que compõem o princípio, os três primeiros não são objeto de dúvidas diretas, visto que tal consideração é clara e direta, porém o quarto elemento é o foco principal das dúvidas (o baixo valor do bem jurídico protegido).

Em decisões recentes proferidas pelo STF, conforme analisado por este estudo, considerou dois aspectos importantes na consideração clara de tal princípio. Em primeiro lugar, nos crimes tributários, os tribunais não podem julgar conforme desfavor do réu pela regra mais agravada, ou seja, a aplicação da regra será sempre da mais benéfica, observando sempre o conflito de normas existentes, e neste momento, a portaria 75/12 do ministério da fazenda representa a lei mais benéfica na aplicação do princípio da bagatela (Rosa Weber, p4, 2014).

Em segundo lugar, tem se formado uma tendência jurisprudencial no STF que, para a consideração de tal princípio, indo além da aplicação de qualquer lei existente, devem ser analisados todo os casos de forma individual, conforme características próprias de cada delito, análise caso a caso, não importando a origem dos crimes e das características por ele apresentadas. Ao considerarmos uma lei norteadora para a aplicação do princípio da bagatela, estamos abrindo mão da aplicação individualizada de tal princípio, desta forma tal lei e portaria que afastam a aplicação caso a caso do princípio pode ser considerada uma quebra da igualdade jurídica da lei, não sendo cabível a este princípio suportar tal quebra de isonomia em detrimento de outros princípios do direito penal e afins.

Concluo este trabalho considerando a visão em formação e a tendências existentes no STF, onde a análise caso a caso representa a melhor forma de produzirmos um julgamento justo relativo ao princípio da insignificância, e como demonstrado no tópico 5.5, é plenamente possível a aplicação nos moldes atuais do princípio da bagatela, porém sua isonomia poderá ser comprometida visto que a existência de regras claras impede uma análise caso a caso de todos os tópicos e elementos formadores da insignificância penal.

A jurisprudência formadora tanto do STJ como do STF foram fundamentais para a formação deste entendimento, consolidando o estudo dos casos pré-existentes e possibilitando a formação pacífica de um entendimento que deverá ser seguido pelo demais tribunais de instâncias inferiores do Brasil, este trabalho permitiu uma análise destas jurisprudências em relação ao princípio da insignificância penal nos crimes tributários, observando o quanto é importante a necessidade de que a justiça seja igualitária à todos, evitando a existência de novas justiças sociais, que trazem muitas vezes descrédito aos tribunais brasileiros. O papel do STF nesta uniformização será fundamental tendo em vista que ao produzir uma súmula vinculante, ele estará sujeitando todas as outras instâncias ao dever de cumprir com esta sumula.

Por último ressalto a importância da existência da justiça e do julgamento justo para a aplicação deste princípio, tendo em vista os impactos sociais que os crimes tributários causam a todas as pessoas, cada valor que deixa de ser recolhido representa um valor a mais que poderia ajudar no custeio da saúde, educação e conforto dos cidadãos de bem, por isto, qualquer valor sonegado deve ser considerado dignificante perante ao erário, não sendo moralmente cabível a aplicação desenfreada e sem medidas deste princípio a estes tipos de crimes.

Longe de ser possível de esgotar este tema, este trabalho, creio eu, foi capaz de reunir conclusões de outros trabalhos anteriores e juntar antigas e novas jurisprudências, permitindo o tema seja melhor abordado e que seja levantada a pertinência do princípio da insignificância e sua aplicação geral.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004;

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

COÊLHO, Sasha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

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http://www.institutoejam.com.br/estudos/conceito-de-tributo-direito-tributario/ (acessado dia 23/09/2015 as 19h)

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - GLOSSÁRIO GERAL ONLINE

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