A Importância do Brincar no Desenvolvimento Integral da Criança na Educação Infantil
Por alessandra aparecida avelino dos santos custodio | 24/09/2025 | Educação7
A Importância do Brincar no Desenvolvimento Integral da Criança na Educação Infantil
Ariany Maria Furlan
Introdução
A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade garantir os direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças de 0 a 5 anos, assegurando-lhes experiências que contemplem dimensões cognitivas, sociais, afetivas, motoras, culturais e linguísticas. Nessa etapa, o brincar ocupa lugar central, pois não é apenas uma atividade espontânea ou um passatempo, mas constitui-se como forma privilegiada de expressão e interação com o mundo. É por meio do brincar que a criança descobre, experimenta, constrói significados e estabelece relações entre o real e o imaginário, desenvolvendo-se integralmente.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reforça que as interações e brincadeiras são eixos estruturantes da Educação Infantil, pois garantem aprendizagens significativas e contribuem para que as crianças se apropriem de diferentes linguagens (BRASIL, 2017). Assim, o lúdico, longe de ser considerado supérfluo ou secundário, deve ser compreendido como direito da criança e como estratégia pedagógica intencional, capaz de articular desenvolvimento e aprendizagem.
No entanto, é importante reconhecer que o brincar nem sempre ocupou esse espaço de valorização no contexto escolar. Durante muito tempo, a Educação Infantil foi marcada por práticas assistencialistas ou pela antecipação de conteúdos da escolarização formal, em detrimento do lúdico. Essa visão desconsiderava a infância como fase singular da vida e colocava a criança em posição passiva diante do processo educativo. Somente com os avanços nas pesquisas em Psicologia, Pedagogia e Sociologia da Infância é que se consolidou a compreensão do brincar como dimensão fundamental da educação e do desenvolvimento humano.
Autores clássicos, como Piaget, Vygotsky e Winnicott, defendem que o brincar não é apenas uma forma de entretenimento, mas um processo de aprendizagem
1
7
ativo e indispensável. Para Piaget (1971), os jogos e brincadeiras revelam as estruturas mentais em construção e permitem a assimilação de novas experiências. Já Vygotsky (1991) considera a brincadeira como espaço privilegiado para a criação da zona de desenvolvimento proximal, na qual a criança é capaz de ir além de suas capacidades imediatas, antecipando aprendizagens que se consolidarão futuramente. Por sua vez, Winnicott (1975) ressalta que o brincar é fundamental para o desenvolvimento emocional, pois oferece à criança um campo de experimentação e elaboração simbólica.
Dessa forma, refletir sobre o brincar na Educação Infantil é discutir não apenas metodologias pedagógicas, mas também direitos da infância, formação de professores e concepções de educação. É reconhecer que a ludicidade está diretamente associada à constituição da identidade da criança, ao fortalecimento de vínculos sociais e à promoção de aprendizagens significativas.
Este artigo tem como objetivo discutir a relevância do brincar na Educação Infantil, analisando suas implicações para o desenvolvimento integral da criança. Para isso, serão apresentadas reflexões sobre sua importância nos aspectos cognitivo, social, afetivo e motor, bem como os desafios enfrentados pelos educadores na valorização do lúdico em seus planejamentos. Busca-se, assim, contribuir para o fortalecimento de práticas pedagógicas que considerem o brincar como elemento essencial da infância e da educação de qualidade.
Desenvolvimento
1. O brincar como eixo do desenvolvimento infantil
O brincar está intrinsecamente relacionado à forma como a criança compreende e interage com o mundo ao seu redor. Segundo Piaget (1971), as brincadeiras são manifestações das estruturas cognitivas em formação, permitindo que a criança assimile e acomode novas experiências. Já para Vygotsky (1991), o brincar possibilita a internalização de papéis sociais e culturais, sendo o espaço onde a criança transita entre o real e o imaginário.
Nesse sentido, Piaget (1971, p. 160) afirma:
A atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da
2
7
criança, sendo, por isso, indispensável à prática educativa. Brincar não é apenas um passatempo, mas o meio pelo qual a criança exercita suas estruturas mentais, reorganizando-as continuamente. O jogo representa, assim, a forma mais pura e espontânea de assimilação da realidade, possibilitando a aprendizagem em níveis cada vez mais complexos. (Piaget, 1971, p. 160).
Na Educação Infantil, o brincar deve ser compreendido como direito da criança e como metodologia pedagógica. A BNCC (BRASIL, 2017) assegura o brincar como centralidade do currículo, evidenciando que ele contribui para a aprendizagem de diferentes linguagens e para a socialização. Dessa forma, a brincadeira não é apenas entretenimento, mas um processo de construção ativa do conhecimento.
2. O brincar e o desenvolvimento cognitivo
O desenvolvimento cognitivo da criança é potencializado por meio das brincadeiras, que favorecem a resolução de problemas, a elaboração de hipóteses e o raciocínio lógico. Brinquedos de encaixe, jogos de memória, atividades de faz de conta e brincadeiras simbólicas estimulam a criatividade, a atenção e a capacidade de concentração (KISHIMOTO, 1994).
Nesse sentido, cabe ao professor organizar ambientes que favoreçam experiências diversificadas, respeitando os diferentes ritmos e estilos de aprendizagem. Segundo Brougère (1997), o brincar é uma linguagem que promove aprendizagens significativas, integrando a experiência da criança ao contexto cultural no qual está inserida.
3. O brincar e o desenvolvimento social e afetivo
As brincadeiras coletivas possibilitam que a criança desenvolva habilidades socioemocionais como cooperação, empatia, respeito às regras e resolução de conflitos. Vygotsky (1991) ressalta que, ao brincar, a criança internaliza normas sociais e aprende a conviver em grupo. Isso reforça a importância de o professor atuar como mediador, estimulando a interação entre os pares e promovendo
3
7
situações de aprendizagem colaborativa.
Sobre isso, Vygotsky (1991, p. 118) reforça:
No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo, é como se ela fosse maior do que é na realidade. A brincadeira cria para a criança uma zona de desenvolvimento proximal, pois nela o pequeno assume papéis sociais, organiza suas ações e aprende a lidar com regras, internalizando valores e normas sociais que orientam sua conduta futura. (Vygotsky, 1991, p. 118).
Além disso, o brincar permite que a criança expresse emoções, desejos e conflitos internos, funcionando como mecanismo de elaboração simbólica. Nesse aspecto, a ludicidade contribui para a construção da autoestima e para o fortalecimento da identidade da criança (WINNICOTT, 1975).
4. O brincar e o desenvolvimento motor
O desenvolvimento motor é outro aspecto essencial proporcionado pelas brincadeiras, pois é por meio do corpo em movimento que a criança descobre o mundo, experimenta diferentes formas de interação e constrói sua autonomia. Atividades que envolvem correr, pular, dançar, escalar, arremessar, rolar, equilibrar-se e manipular objetos favorecem tanto a coordenação motora ampla quanto a coordenação motora fina, habilidades indispensáveis para a realização de tarefas do cotidiano e para futuras aprendizagens escolares, como a escrita, a leitura e o cálculo (FERREIRA, 2014). O brincar, portanto, assume um papel preventivo e preparatório, uma vez que contribui para que a criança desenvolva noções de espaço, tempo, ritmo e força, fundamentais para a alfabetização e para a organização do pensamento lógico.
Além disso, o desenvolvimento motor não se restringe a aspectos físicos ou corporais, mas está intimamente relacionado à construção da identidade, da autoestima e da autoconfiança da criança. Quando brinca, a criança desafia seus próprios limites, explora novas possibilidades de movimento e aprende a lidar com conquistas e frustrações. Essa dimensão emocional do movimento reforça a importância de práticas lúdicas que não apenas estimulem a performance, mas que
4
7
priorizem a experimentação, a descoberta e o prazer de se movimentar.
Nesse contexto, a Educação Física na Educação Infantil, quando trabalhada de forma lúdica e respeitando a faixa etária, contribui para a consciência corporal, o equilíbrio, a lateralidade, a coordenação e o desenvolvimento das noções espaciais e temporais. Segundo estudos de Le Boulch (1987), a psicomotricidade desempenha papel fundamental na aprendizagem escolar, pois permite à criança estruturar-se corporalmente para enfrentar desafios cognitivos mais complexos. Assim, a Educação Física deve ser vista como componente curricular indispensável na Educação Infantil, não com foco em técnicas ou competições, mas como espaço de vivência, expressão e ludicidade.
Outro ponto relevante é que as brincadeiras de movimento favorecem também a socialização e a cooperação. Jogos que envolvem correr em grupo, passar a bola, brincar de roda ou participar de circuitos motores ensinam a criança a esperar sua vez, respeitar regras, compartilhar materiais e cooperar com os colegas. Isso demonstra que o desenvolvimento motor está diretamente articulado ao desenvolvimento social e afetivo, reforçando o caráter integral das experiências lúdicas.
Ademais, é importante considerar que as brincadeiras de movimento também podem atuar como estratégias inclusivas, pois permitem a participação de crianças com diferentes habilidades e necessidades educacionais. O professor, ao planejar atividades diversificadas e adaptadas, garante que todos tenham oportunidade de explorar seus corpos, superar desafios pessoais e desenvolver competências motoras de acordo com suas possibilidades.
Portanto, investir em práticas lúdicas que valorizem o movimento na Educação Infantil é essencial não apenas para garantir o desenvolvimento motor, mas também para fortalecer a aprendizagem, a inclusão e a formação integral da criança. A consciência de que corpo e mente caminham juntos deve orientar o trabalho pedagógico, assegurando que o brincar e o movimento ocupem lugar de destaque no currículo da Educação Infantil.
5. O papel do professor na mediação do brincar
5
7
O educador desempenha papel central na valorização do brincar como estratégia pedagógica, sendo responsável por criar condições para que a ludicidade se torne eixo estruturante das práticas de ensino. Cabe a ele planejar atividades que estimulem a imaginação, a criatividade e a interação, sempre levando em consideração os interesses, as necessidades e os contextos socioculturais das crianças. Mais do que oferecer brinquedos ou momentos de recreação, o professor deve compreender o brincar como linguagem, direito e forma de aprendizagem.
Conforme defendem Horn (2004) e Kishimoto (1994), o professor deve atuar como mediador, propondo desafios, problematizando situações e ampliando as possibilidades de exploração e descoberta. Nesse sentido, sua função não se limita à supervisão das atividades, mas envolve uma ação intencional, planejada e reflexiva, que transforme o brincar em oportunidade de desenvolvimento integral. O educador, ao observar e interpretar as brincadeiras, identifica avanços, dificuldades e potencialidades das crianças, construindo estratégias que favoreçam aprendizagens significativas.
Entretanto, um dos grandes desafios encontrados na prática docente é a pressão por resultados imediatos, frequentemente associada à antecipação da escolarização formal. Essa lógica, ainda presente em muitas instituições, leva à valorização de atividades conteudistas em detrimento do brincar, reduzindo a infância a um período de preparação para etapas futuras da vida escolar. Tal perspectiva desconsidera que é justamente no brincar que se constroem as bases cognitivas, sociais, afetivas e motoras que sustentam o processo de alfabetização e demais aprendizagens.
Outro desafio relevante está relacionado à formação dos professores. Muitos profissionais chegam à Educação Infantil sem ter vivenciado, em sua formação inicial, o estudo aprofundado sobre o brincar como prática pedagógica, o que pode gerar insegurança na utilização do lúdico em sala de aula. Nesse contexto, a formação continuada torna-se indispensável, pois possibilita que os docentes compreendam o brincar não apenas como recurso didático, mas como eixo do currículo e direito assegurado às crianças. Além disso, essa formação deve incluir discussões sobre observação e registro pedagógico, planejamento intencional das brincadeiras, e estratégias de inclusão que garantam a participação de todos os
6
7
alunos, independentemente de suas condições físicas, cognitivas ou sociais.
Assim, para que o brincar seja efetivamente valorizado no cotidiano escolar, é necessário que os educadores assumam uma postura crítica e reflexiva diante de suas práticas, rompendo com modelos tradicionais de ensino e reconhecendo a criança como sujeito ativo e protagonista de sua aprendizagem. A mediação docente, portanto, deve ser entendida como uma ação transformadora, que não apenas organiza e direciona as brincadeiras, mas também potencializa seu caráter educativo, garantindo à criança experiências ricas, significativas e condizentes com o direito de viver plenamente a infância.
Considerações Finais
O brincar, longe de ser apenas uma atividade espontânea ou recreativa, constitui-se como prática pedagógica indispensável na Educação Infantil. Ele favorece o desenvolvimento cognitivo, social, afetivo e motor das crianças, possibilitando experiências significativas que contribuem para sua formação integral.
Ao compreender o brincar como direito da criança, conforme preconiza a BNCC, a escola assume o compromisso de proporcionar ambientes lúdicos e inclusivos, nos quais as crianças possam explorar, imaginar e interagir. Para tanto, o professor precisa assumir o papel de mediador, planejando atividades intencionais que ampliem o repertório infantil e respeitem suas singularidades.
Portanto, a valorização do brincar na Educação Infantil não é apenas uma opção metodológica, mas uma necessidade para garantir uma educação de qualidade, que respeite a infância e promova a formação de sujeitos críticos, criativos e socialmente integrados.
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.
BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 1997.
FERREIRA, Aurélio. Psicomotricidade na Educação Infantil. São Paulo: Vozes, 2014.
7
7
HORN, Maria das Graças. Saberes e práticas na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004.
KISHIMOTO, Tizuko M. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira, 1994.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
WINNICOTT, Donald. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.