A IMPORTÂNCIA DE AÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DE FORMA INTERDISCIPLINAR...

Por Carlos Douglas | 19/12/2016 | Ambiental

A IMPORTÂNCIA DE AÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DE FORMA INTERDISCIPLINAR NO ASSENTAMENTO PEDRO INÁCIO - PE

Para dar início a essa breve discussão sobre a importância da Educação Ambiental trabalhada de forma interdisciplinar dentro do Assentamento Pedro Inácio, é necessário que façamos uma reflexão no que diz respeito ao "conhecer o outro", uma vez que é impossível desenvolver qualquer atividade sem conhecer, ou ao menos compreender a dinâmica de onde iremos atuar[1].
A princípio, durante os primeiros momentos de construção do projeto que mais tarde seria levado à comunidade, uma incerteza esteve presente em todos os alunos, uma vez que muitos não tinham a noção, ou muito menos uma breve ideia do que de fato era um Assentamento MST, qual a sua realidade, quais atividades são desenvolvidas lá, como vivem, do que vivem? Esses, e outros, questionamentos se configuraram como o principal ponto de receio para trabalhar dentro daquela comunidade. Esse receio é fruto de uma pressão midiática que oprime, recrimina e caracteriza o Movimento Sem Terra como algo grotesco, errado e desrespeitoso. Esse preconceito se difundiu e enraizou de forma inconsciente na mente de todos, e nós não nos demos conta, até quando se fez necessário.
Aproveito esse momento de reflexão antes de discutirmos a importância das ações desenvolvidas, para salientar a beleza e a riqueza que se esconde dentro do Assentamento Pedro Inácio, uma comunidade marcada pela luta e resistência, marcada por um massacre frio e cruel que tirou a vida de inocentes que não queriam nada além do seu direito à terra, do seu direito à vida. A primeira visita ao assentamento serviu para desmistificar aquela imagem que foi alojada dentro do nosso subconsciente, e provar o quão manipuladora e calculista é a mídia, e o quanto é seletiva na forma como apresenta as informações ao público, e o quanto é capaz de distorcer a realidade para que seus atos sejam justificáveis.
Os próprios assentados reconhecem a imagem como são apresentados, e a maior preocupação deles é fazer com que as pessoas conheçam a sua verdade, que quebrem esse receio, que percam o medo. Como a própria Luci (moradora do assentamento e liderança) nos convida a refletir ao ser questionada para fins deste trabalho. Ela diz: "... que os alunos se sintam à vontade para fazer perguntas, sem receios de nós como sem-terra que somos. Pois agindo dessa forma, os mesmos teriam respostas mais precisas. " Ela não pede nada além de que sejamos abertos para conhece-los. E assim fizemos.
Lá encontramos homens e mulheres de fibra, que lutam pelos seus direitos e valorizam a vida acima de tudo. Valorizam a terra que hoje possuem, pois compreendem a importância da luta que travaram anos atrás para garantir a oportunidade de viver. Ressalto que, fazendo uso do preconceito mesquinho que nos foi imposto involuntariamente, me surpreendi ao ver a comunidade como ela é, de conhece-la e atestar que um assentamento não se distancia da nossa realidade, a única coisa que nos difere somos nós mesmos com as nossas próprias especificidades. Em Pedro Inácio encontramos uma comunidade viva, com um grupo coordenador estabelecido e ativo que representa a todos fora da comunidade, e atua como principal direcionador do que é feito dentro do assentamento. Encontramos também uma comunidade consciente do seu papel quanto meio ambiente, preocupada com a preservação e conservação ambiental, e que valorizam aquele pedaço de terra, pois é a partir dele que tiram o seu sustento. Lugar com um povo alegre e que possui uma cultura própria[2], com um modo de enxergar as coisas sem critica-las ou desmerece-las, mas de maneira a respeitá-las e abraça-las.
Desmistificando esse conceito pré-concebido e "conhecendo o outro", estudamos a possibilidade de como iriamos atuar dentro da comunidade e levar para os assentados informações que pudessem ser relevantes para o seu dia a dia. A comunidade é composta por uma diversidade de gentes muito grande, mas todos comungam de uma mesma necessidade: o conhecimento. Os assentados de Pedro Inácio são sedentos por saber. Eles questionam, eles instigam, eles querem aprender coisas e práticas novas, e observando esse desejo e questionando à comunidade sobre o que eles estariam dispostos a aprender, pudemos construir um projeto interdisciplinar que visava levar alternativas viáveis que contribuiriam na renda das famílias, tendo em vista que muitos utilizam a terra para próprio consumo, enquanto outros comercializam alguns dos seus produtos na feira municipal.
A ideia de promover a produção confecção de geleias orgânicas e sabonetes artesanais para esse projeto, surgiu de forma paralela dentro de outra disciplina (Ecoempreendimentos) que nos instigou a construir uma empresa de forma fictícia que tivesse uma preocupação ambiental. Assim, a ideia foi readaptada para dentro do nosso projeto interdisciplinar e foi proposta à comunidade que aceitou imediatamente.
A interdisciplinaridade configurou-se como alicerce principal para elaboração a aplicação das atividades dentro do assentamento Pedro Inácio. Ao levar os olhares de diversos componentes curriculares e integra-los a um único objetivo, criou-se um produto rico e que pôde ser executado de forma eficaz para a comunidade.
Ivani Maria (aluna) ressalta a importância do momento de construção do projeto junto ao olhar de outras disciplinas, para a aplicação da ação junto à comunidade. Ela diz que à princípio era difícil enxergar as nossas propostas sendo relevantes para os assentados, mas que se surpreendeu ao perceber o interesse dos mesmos em aprender.
Segundo Santomé (1998) a interdisciplinaridade:

...implica em uma vontade e compromisso de elaborar um contexto mais geral, no qual cada uma das disciplinas em contato é por sua vez modificadas e passam a depender claramente uma das outras. Aqui se estabelece uma interação entre duas ou mais disciplinas, o que resultará em intercomunicação e enriquecimento recíproco e, consequentemente, em uma transformação de suas metodologias de pesquisa, em uma modificação de conceitos, de terminologias fundamentais, etc. Entre as diferentes matérias ocorrem intercâmbios mútuos e recíprocas integrações; existe um equilíbrio de forças nas relações estabelecidas.

Dessa forma, fomos capazes de entender que esse enriquecimento recíproco não se dá apenas no âmbito acadêmico, na interação das disciplinas que nos ajudaram a realizar a construção do projeto, ele vai além. Esse conhecimento se estende até a comunidade, que recebeu a academia de portas abertas e que permitiu ser observada e quis receber um conhecimento novo, ao passo que nos educava de maneira indireta. De fato, houve uma troca de saberes.

Coimbra (2005) vem ressaltar que a

...educação ambiental tem como objetivo contribuir para a construção de sociedades sustentáveis e equitativas ou socialmente justas e ecologicamente equilibradas, gerando mudança na qualidade de vida e maior consciência de conduta pessoal, assim como harmonia entre os seres humanos e destes com outras formas de vida.

Relaciono essa afirmativa à realidade do assentamento Pedro Inácio, pois na primeira visita realizada, enxergamos essa educação ambiental de forma efetiva e de forma integradora na comunidade. É claro que não posso generalizar e afirmar que todos os assentados vivem essa noção ambiental diariamente, mas o grupo presente nesse primeiro momento demonstrou riqueza em suas palavras, assim como provas concretas (porém simples) de que possuem esse conhecimento e o valorizam. Só por observar o vasto cultivo de orgânicos na parcela comunitária, somos capazes de sentir a importância dessa educação ambiental que os assentados comungam. Isso fica mais presente dentro do ambiente escolar, que como ressaltado pela professora da comunidade, Tiana, são desenvolvidas práticas e sensibilização ambiental com os alunos, o que garante essa maior consciência de conduta pessoal descrita por Coimbra.

Mais uma vez, Luci (ainda dentro dessa perspectiva ambiental) nos diz que:

"Todas as visitas foram importantes. Todos os temas abordados foram relevantes, as oficinas pois fortaleceram o nosso conhecimento, e principalmente a questão ambiental. Pedimos mais envolvimento entre os alunos e a comunidade, mais oficinas de esporte e lazer, de reutilizar e reaproveitar aquilo que descartamos. Essa relação deve sempre ser conservada. "

Para agregar ainda mais valor a essa declaração de Luci, ressalto o seguinte posicionamento de Valença, Mendonça e Gonçalves que dizem:

[...]Sair da sala de aula para o assentamento é oportunizar a aproximação de uma realidade que se distancia, sobremaneira, da visão construída pela sociedade, dando lugar a um diálogo mais significativo entre a teoria e a prática, o ensino e a pesquisa, a desigualdade social e a sociedade de consumo. O que esperamos dar em troca a essa parcela da sociedade está relacionado com a construção do conhecimento através desse diálogo, proporcionando uma reflexão crítica acerca da sua realidade. (Valença et al.,2006: 79)

[...]

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