1 INTRODUÇÃO

A definição do capitalismo como sistema econômico, que privilegia a propriedade privada e incentiva o aferimento de lucros, foi terreno fértil para que a iniciativa privada ensejasse a constituição de empresas dos mais diversos ramos no mundo moderno. A ideologia de mercado, que levou o Estado intervencionista a alterar o seu enfoque econômico sem retornar ao liberalismo clássico, tornou a empresa o agente-chave das transformações da sociedade, como bem pontua o doutrinador Rinaldo Campos Soares, em sua obra intitulada "Empresariedade e ética: o exercício da cidadania corporativa".

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Seu crescimento se deu, sobretudo, a partir da Revolução Industrial, que permitiu avanços quanto a produção, a circulação de riquezas, a repartição de renda, o consumo e o trabalho. A urbanização e o crescimento das fábricas que se observa a partir do fim do século XVIII, contribuíram para o aumento demográfico das cidades, já que famílias inteiras abandonavam os campos em busca de novas oportunidades.

As empresas podem ser públicas ou privados, locais ou multinacionais e, independente desses fatores, representam local de trabalho de incontáveis trabalhadores, geram a circulação de riquezas, moldam os costumes e a cultura, interferindo de forma cabal na vida social das pessoas.

Devido a tal importância que as empresas atingiram no mundo moderno, o direito foi o responsável para estipular normas que regulassem as mesmas. A disciplinação jurídica vê as empresas ora como sujeito, ora como objeto, o que, muitas vezes, dificulta uma normatização uniforme quanto ao tema.

O Código Civil, em seu livro II, intitulado como "Do direito de empresa" unificou o direito civil e o direito comercial, revogando toda a primeira parte do Código Comercial de 1850, ao dispor detalhadamente sobre os conceitos de empresário, estabelecimento, empresa, e ainda sobre suas formas de constituição.

A empresa não é objeto de estudo apenas da economia, ela cada vez mais é estudada também em outras diversas áreas e, principalmente, no campo jurídico. Tendo em vista, a importância que as sociedades empresárias possuem atualmente é impossível desvincula-la do direito, pois cabe à este regular à sociedade. O direito é responsável por acompanhar as mudanças sociais, regendo, da melhor forma possível, os atos dos cidadãos e, tendo as empresas destaque, nada mais certo que sua instituição seja regulamentada através de lei.

 A forma societária é a grande responsável pelo gigantismo das empresas e dos grupos econômicos no capitalismo moderno e na sociedade industrial, quando algumas delas possuem poder econômico maior do que determinadas nações, significando o poder econômico privado sobre o poder econômico público, sobretudo quando uma dessas numerosas empresas, tomando a forma de multinacional, ou, mesmo, de empresa nacional ou estrangeira, inclui na sua política econômica de lucros, a dominação do mercado, de modo que tais objetivos se chocam com os da política econômica governamental mais conveniente ao país em que atuam. Por vezes, a grande empresa, funcionando em países de economia fraca, configura a posição de agente econômico dominante, no qual o Governo comparece como força econômica dominada e o Poder Econômico Privado subjuga o Poder Econômico. (SANCHEZ, 2011, p. 02)

 Ao fazer uma análise sistemática percebe-se que o direito está vinculado à empresa desde o momento da sua fundação até a extinção, pois a empresa é palco de diversas relações jurídicas, seja entre trabalhadores e proprietários ou entre empresa e os consumidores, todas essas relações são regidas pelo direito. E é o direito comercial o ramo do direito privado responsável pelo estudo das atividades econômicas desenvolvidas com profissionalidade. "A dinâmica do Direito Comercial diverge daquela aplicada ao direito comum na medida em que o comércio está em constante mudança, inova e requer flexibilidade de instrumentos sem que o desenvolvimento econômico será tolhido." (SZTAJN, 2010, p. 05).

No entanto, muitas vezes o problema está no fato de não haver uma uniformização no direito empresarial. Isso faz com que a empresa em alguns momentos seja sujeito do direito e em outras circunstâncias ela seja objeto desse direito, havendo uma certa confusão nesse aspecto, e cabe ao direito econômico disciplinar quanto ao assunto, regulando a política de mercado em que atua o empresário e em que são constituídas as sociedades empresárias. 

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A expressão "empresa" já era utilizada em outros segmentos sociais, porém apareceu no direito pela primeira vez no Código Francês de 1807, nele eram listados os atos de comércio que incluíam os diversos tipos de empresa existente na época. Já no Brasil a expressão foi usada pela primeira vez quando trouxe do Código Francês os atos de comércio, que nada mais eram que um rol de atividades comerciais editados pelo legislador. Importante ressaltar que  não seria considerada atividade comercial se não constasse nesse rol, ou seja, era a atividade exercida que faria com que o comerciante fosse sujeito do direito comercial, independentemente de estar ligado ou não a uma corporação de ofício.

Há divergência doutrinária quanto ao surgimento do Direito Comercial. Rubens Requião entende que seu surgimento se deu na Idade Média com o desenvolvimento do tráfico mercantil. Já Fernandes acredita que o seu nascimento está ligada à época romana, pelos fenícios, assírios, babilônicos e gregos.

Entretanto, muitos historiadores acreditam que sua origem é ainda mais remota. Relatos de vestígios de normas de direito comercial remetem ao Código de Manu, de natureza indiana. Além disso, o Código de Hamurabi, datado de mais de 2.000 anos, contem normas que regulavam a atividade mercantil.

Requião argumenta que, apesar de tal regras existirem em tempos antigos, eram muito esparsas e não formam um corpo sistematizado de normas capazes de inaugurarem alguma autonomia ao direito comercial.

Incontroverso é que o desenvolvimento econômico ocorrido na Europa, com a expansão das cidades e ascensão da classe burguesa, deu origem a um novo modelo social. "Assim, nascem as corporações de mercadores, onde se reúnem os comerciantes, que detém riquezas, porém não possuem títulos de nobreza. Essas corporações visavam à proteção dos comerciantes frente ao decadente sistema feudal." (ALEJARRA, 2013).

A empresa comercial surgiu com o crescimento dos negócios, e com esse crescimento os comerciantes individuais e as sociedades comerciais começaram a ter a necessidade de possuir uma melhor organização para poderem atender de forma satisfatória os novos anseios do mercado.

O auge da Revolução Industrial, no século XIX, coloca em destaque um novo ponto de vista do comércio, em que o foco seria o empresário e a empresa. Diante do extraordinário desenvolvimento da economia capitalista e buscando um completo rompimento com o sistema feudalista, a agricultura e a pecuária não eram entendidas como comércio, o que gerava lacunas na competência do Direito Comercial.

O Código Comercial Alemão, de 1897, trouxe uma visão mais complexa quanto ao conceito de atos de comércio, o modernizando e adequando ao novo contexto histórico. Tal código estabelecia que os atos de comércio seriam aqueles praticados por comerciantes, relativos e estritamente relacionados à prática comercial, vinculando o comerciante a exploração empresarial.

O primeiro passo para edificar o direito comercial moderno sobre conceito de empresa foi dado na Alemanha, no Código Comercial de 1897, restabelecendo e modernizando o conceito subjetivista. Pela definição do art. 343, atos de comércio são todos os atos de um comerciante que sejam relativos a sua atividade comercial. (...) Surge, assim, esplendorosa, a empresa mercantil, e o direito comercial passa a ser o direito das empresas comerciais. (REQUIÃO, 2012, p. 38 e 39).

A Teoria da Empresa, que nasceu na Itália no ano de 1942, permitiu a incorporação de atividades até então excluídas pela Teoria dos Atos de Comércio, prevendo, de forma ampla, as atividades econômicas, como por exemplo a prestação de serviços e a negociação de imóveis. Exclui somente atividades intelectuais e de natureza literária, artística ou científica. A cerca da atividade agrícola, no direito empresarial brasileiro, cabe ao próprio agricultor decidir se quer adotar o regime comercial ou não. Porém, tal faculdade só atinge os pequenos produtores rurais e a agricultura familiar, que trabalham principalmente visando sua própria subsistência.

No direito brasileiro, o advento do Código Comercial levou a modificação dos tribunais do comércio, até sua posterior extinção, unificando o processo judicial. "Em 1866 o juízo arbitral, que era obrigatório, ganhou caráter facultativo e, em 1882, as sociedades anônimas desvincularam-se do controle estatal, podendo serem constituídas livremente." (ALEJARRA, 2013). O Regulamento 737, que trazia o rol dos atos de comércio, teve sua importância diminuída a partir de 1960, com a utilização da Teoria da Empresa pelo Projeto do Código das Obrigações.

O advento do Código Civil de 2002, passou a chamar o direito comercial de direito empresarial. Aplicando o caráter subjetivo, tem como foco o empresário, que é todo aquele que exerce como profissão atividade empresarial, voltada para a produção e circulação de bens e/ou serviços.

3 A EMPRESA E O EMPRESÁRIO 

O conceito de empresa é entendido, na maioria das vezes, como sendo a expressão da atividade do empresário. Seu fim é, necessariamente, econômico, ou seja, é uma atividade organizada que visa o lucro. Waldir de Pinho Veloso esclarece que "Empresa, pelos conceitos modernos, é uma organização capaz de produzir, criar ou fomentar a colocação de bens ou serviços à disposição do maior número possível de pessoas." (VELOSO, 2001, p. 25). Ademais, para que seja caracterizada a empresa são necessários alguns elementos. "Tem-se como pressupostos da empresa três elementos: a) uma série de negócios do mesmo gênero de caráter mercantil; b) o emprego de trabalho ou capital, ou de ambos combinados; e, c) a assunção do risco próprio da organização." (SOUSA, 2006).

A empresa é uma combinação de elementos pessoais e reais que, colocados em função de um resultado econômico, sob a administração do empresário, geram emprego e renda. Importante não confundir o conceito de empresa com o conceito de sociedade empresária, já que são institutos bastante parecidos. "A sociedade empresária, desde que esteja constituída nos termos da lei, adquire categoria de pessoa jurídica. Torna-se capaz de direito e obrigações. A sociedade, assim, é empresária, jamais empresa. É a sociedade, como empresário, que irá exercitar a atividade produtiva." (REQUIÃO, 2012, p. 86). Ademais, as empresas não precisam ser necessariamente coletivas, podendo haver empresas individuais. É possível, também, existir sociedades empresárias sem empresa, já que duas ou mais pessoas podem, por exemplo, formar um contrato social e registrá-lo na junta comercial, contudo enquanto estiverem na inatividade, a empresa não surge.

 Além dessa distinção, o conceito de empresa se diferencia do conceito de estabelecimento. Segundo Veloso, "por estabelecimento entende-se o local físico onde se desenvolvem as ações empresariais. É o prédio no qual funcionam os empreendimentos que fazer distinguir uma empresa de uma sociedade." (VELOSO, 2001, p. 27).

 As empresas apresentam como figura central o empresário. Normalmente a doutrina  não distingue o empresário da antiga figura do comerciante, usando as duas expressões como sinônimos. "O empresário é o sujeito que exercita a atividade empresarial. (...) é um servidor da organização de categoria mais elevada, à qual imprime o selo de sua liderança, assegurando a eficiência e a sucesso do funcionamento dos fatores organizados." (REQUIÃO, 2012, p. 111). Na maioria das vezes, o empresário tem diversas pessoas que atuam junto à ele, auxiliando-o. Porém, cabe exclusivamente ao empresário, escolher os melhores rumos, ou seja, ele tem poder de decisão e iniciativa, correndo contra sua pessoa os riscos da atividade empresarial.

O Código Civil Italiano, em seu artigo 2.082, define empresário como sendo aquele que exercita profissionalmente uma atividade econômica organizada, com a finalidade de produção ou troca de bens ou de serviços. Nessa mesma linha de raciocínio, o Código Civil Brasileiro de 2002, em seu artigo 966, conceitua empresário como sendo: "Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços." Importante destacar que o parágrafo único do referido artigo apresenta uma importante vedação quanto aos profissionais intelectuais e quanto aqueles que exercem profissão de natureza científica, literária ou artística: "Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa."

A figura do empresário individual ganhou destaque e relevância jurídica após o surgimento da EIRELI (empresa individual de responsabilidade limitada). A EIRELI deve ser constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não seja inferior a cem vezes o maior salário mínimo vigente no país. A figura daquele que exerce sozinho atividade empresarial, que antes era tida como informal, passa agora a ter relevância.

A Lei nº 12.441/2011 abriu,  no Livro II, um novo Título, de número I-A, denominado "DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA", a par do Título I "DO EMPRESÁRIO", da redação original do Código. E introduziu o art. 980-A e várias parágrafos. O caput dispõe que "a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade de capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País." Nota-se a personalização da empresa, que até então era havida como objeto de direito, ou quando muito atributo profissional. Passa a ser agora titular de direitos e obrigações, atuando por via da pessoa do empresário individual de responsabilidade limitada que talvez, na prática do dia a dia, venha a ser chamado de gerente. (REQUIÃO, 2012, p. 114).

Importante destacar que o patrimônio da empresa EIRELI, correspondente a, no mínimo, cem salários mínimos, é integralizado no momento do registro da empresa. Sendo assim, o valor será o correspondendo ao salário mínimo vigente à época, ou seja, se o valor do salário mínimo for aumentado, o empresário não terá que reajustar seu capital. "Exige-se que, no momento do registro, o capital esteja integralizado, o que poderá ocorrer por destaque de dinheiro ou de bens de qualquer espécie, como instrumentos profissionais." (REQUIÃO, 2012, p. 114).

A lei não dispõe sobre o capital máximo que a EIRELI poderá integralizar, nem quanto a magnitude dos negócios da empresa. "Poderá ter participações no capital de outras sociedades e atuar no mercado financeiro, emitindo debêntures, por exemplo, como podem fazê-lo as cooperativas e outros tipos societários, além das sociedades por ações."  (REQUIÃO, 2012, p. 115).

Para que uma pessoa seja empresário, seja individual - com a EIRELI - ou seja coletivo - com a sociedade empresária -, ela deve preencher certos requisitos que permitem o exercício da atividade comercial. O Código Civil, em seu artigo 972, estabelece que "Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos." Tal disposição em muito se assemelha com a do antigo Código Comercial, que em seu artigo 1º estipulava que podiam ser comerciantes todas as pessoas que: "(...) na conformidade das leis deste Império, se acharem na livre administração de suas pessoas e bens, e não forem expressamente proibidas neste Código."

Segundo as disposições legais os requisitos para ser empresário são, primeiro, a capacidade. A capacidade plena é adquirida por toda pessoa ao completar dezoito anos de idade. "Toda pessoa maior de 18 anos, portanto, seja homem ou mulher, nacional ou estrangeira, pode exercer a profissão mercantil no Brasil." (REQUIÃO, 2012, p. 125). Vale ressaltar que, o menor com mais de 16 anos e menos que 18 anos, ou seja, o menor relativamente incapaz, desde que se estabeleça com sua própria economia, mesmo que sem autorização de seus pais, ou que seja emancipado, adquire plena capacidade para exercer o comércio. Além disso, conforme o artigo 180, do Código Civil, o menor entre dezesseis e dezoito anos não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior. Já com relação a ser acionista, a pessoa de qualquer idade pode ser, desde que de ações integralizadas. O segundo requisito é que o empresário faça do comércio sua profissão habitual. E o terceiro e último requisito é que exerça atividade considerada como empresarial.

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