A ILHA DO TESOURO E A SIMBOLOGIA DAS NARRATIVAS DA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL

THE ISLE OF TREASURE AND THE SYMBOL OF THE NARRATIVES OF CHILDREN AND YOUTH LITERATURE

PIOVESAN, Cleusa1

Resumo:O universo da Literatura Infantil e Juvenil é um campo que deve ser explorado em sala de aula para que os alunos sejam motivados a ler desde as séries iniciais. Nesse artigo, analisa-setoda a simbologia do universo infanto-juvenil, e as articulações dos elementos da narrativa em A ilha do tesouro, de Robert Louis Stevenson, que relata as memórias de Jim Hawkins, um jovem aventureiro e destemido que, após descobrir um mapa do tesouro se envolve em grandes perigos, tema mais que atrativo para cativar a atenção dos adolescentes para a leitura. Nesse viés, compreende-se que a simbologia do universo ficcional vai ao encontro dos conflitos e desafios característicos dessa fase da vida, contribuindo para que os alunos se envolvam no processo de leitura como fruição, como entretenimento, e não como uma obrigação atrelada ao conteúdo. Vários autores discorrem sobre a importância da leitura para a formação intelectual, psicológica e cognitiva do ser humano e quanto mais cedo os alunos tiverem contato com a magia da literatura, maior será a possibilidade de tornarem-se leitores assíduos.

Palavras-chave:Universo Infanto-juvenil; Simbologia; Processo de Leitura.

Abstract:The universe of Children and Youth Literature is a field that must be explored in the classroom for students to be motivated to read from the early grades. In this article, we analyze the whole symbology of the child-youth universe, and the articulations of the elements of the narrative, of Robert Louis Stevenson. The Treasure Island, which recounts the memories of Jim Hawkins, a young adventurous and fearless who, after discovering a treasure map engages in major dangers, more than attractive subject matter to captivate teenagers' attention to reading. In this bias, it is understood that the symbology of the fictional universe meets the conflicts and challenges characteristic of this phase of life, helping students to engage in reading process as enjoyment, as entertainment, and not as an obligation tied to content. Several authors discuss the importance of reading for the intellectual, psychological and cognitive formation of the human being and the sooner the students have contact with the magic of literature, the greater the possibility of becoming regular readers.

Keywords: Child-Youth Universe; Symbology; Reading Process.

 

1PIOVESAN, Cleusa. Graduada em Letras – Português/Inglês, pela UNOESTE (Universidade do Oeste Paulista) e em Pedagogia, pela UNINTER, com especialização em Língua e Literatura pela UFFS, e em Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, pela FACINTER, Mestranda do programa PROFLETRAS, da UNIOESTE (Universidade do Oeste do Paraná), escritora e poeta.

 

Toda simbologia contida nas narrativas deve ser explorada para instigar o hábito da leitura nos pequenos leitores, pois como disse Ziraldo “quem não lê como criança, não lê como adulto”. É um exercício de paciência, tolerância, persistência, trabalhar com os gêneros literários com crianças e adolescentes no espaço escolar, uma vez que alguns ainda não atingiram o pensamento abstrato para entendê-los, mas, como narrar e ouvir histórias, faz parte da história do ser humano, abrir um livro, principalmente, ilustrado, é sempre uma forma de atrair a atenção para o “mundo mágico” da leitura.

Os textos narrativos, por si só, são os que mais atraem a atenção dos leitores e, nesse viés, motivar a leitura desses textos, por meio de gêneros textuais diversos, é tarefa que a escola deve propor para motivar a esse hábito encantador, que cria um universo paralelo, com um pé na ficção e outro na realidade, proporcionada pela verossimilhança que as histórias possuem com os fatos da vida. Aliás, é a própria vida que inspira essas narrativas, que caem no gosto de leitores de todas as idades, porém, é na infância que o hábito da leitura tem maior motivação.

Utilizando-se de estratégias motivadoras de leitura, o professor, ao trabalhar obras da Literatura Infantil e Juvenil, pode despertar nos alunos o encantamento necessário à criaçãodo hábito da leitura. Para isso, ele pode explorar as inúmeras possibilidades de um texto literário, mas também, precisa ter amplo conhecimento de obras desse gênero e ser um leitor assíduo. Afinal, “as palavras convencem, mas os exemplos arrastam”. Sendo assim, entende-se que

o professor, para elaborar seu trabalho com a leitura de livros para as crianças, precisa primeiro ler essas obras como leitor comum, deixando-se levar espontaneamente pelo texto, sem pensar ainda na sua utilização em sala de aula. Em seguida virá a leitura analítica, reflexiva, avaliativa (...) (FARIA, 2008, p. 14).

Os textos narrativos possuem a capacidade de as crianças e os adolescentes experimentarem uma vivência simbólica, haja vista que as narrativas infantil e juvenil permitem ao leitor organizar relações psíquicas entre o texto lido e situações cotidianas, e extrair deles, valores que levarão para a vida.

Alguns termos específicos devem ser entendidos ao se trabalhar com a promoção da leitura, a partir de textos narrativos, tais como conceito de diegese, do grego: diegesis que significa narrativa, ou seja, o aspecto narrativo do discurso. A diegese é “o mundo definido e representado pela narração”, que adquire existência por meio de um narrador, criando um conjunto dos significados. Gerard Genette, criador do conceito de narratologia do texto, chama de diegese à história, à narrativa propriamente dita, o texto narrativo em si mesmo. Sendo assim, a história é o conteúdo narrativo (o significado); a narrativa é o próprio texto narrativo, enunciado (o significante); e a narração, o ato narrativo produtor, os acontecimentos narrados.

Toda narrativa parte de uma situação inicial, passando em seguida para a complicação da história, a partir da qual se desenrolam os acontecimentos que levarão ao conflito. Esse é o momento da narrativa em que o herói-protagonista é capacitado para realizar sua busca, superando os obstáculos, quase sempre mantendo um comportamento moral e ético, um personagem linear, do início ao fim da história. Não raro, podem surgir os anti-heróis, que são personagens mais complexos. No decurso da narrativa vão sendo inseridas personagens que auxiliam ou desenvolvem a capacidade de resolver o impasse e chegar à solução do conflito.

A narrativa também pressupõe um narrador, que conta a história, e um narratário, o receptor do texto, a quem o autor se dirige. As personagens da narrativa podem ser classificadas em principais (protagonistas) e secundárias (coadjuvantes) e em suas características podem apresentar-se planas ou desenhadas, definidas linearmente, sem profundidade psicológica, e redondas ou modeladas, que possuem uma complexidade acentuada de traços, alterando seu comportamento no decurso da narrativa.

O trabalho com a Literatura Infantil e Juvenil está longe de esgotar-se nas aulas de Língua Portuguesa e admite uma multiplicidade de temáticas e de enredos, que nem sempre atendem aos preceitos de “politicamente corretos”, uma vez que os comportamentos e os valores se alteram com o tempo e com as transformações ocorridas na sociedade. Como a noção de “criança” também alterou-se com o tempo, hoje, vê-se uma literatura, ainda, preocupada com a transmissão de valores morais e com a influência psicológica que a Literatura Infantil e Juvenil tem, mas sem um rigor imposto. Lajolo ressalta que

é essencial compreender que a literatura infanto-juvenil é um produto tardio da pedagogia escolar: que ela não existiu desde sempre, que, ao contrário, se tornou possível e necessária (e teve portanto condições de emergir como gênero) no momento em que a sociedade (através da escola) necessitou dela para fazer burilar e cintilar, nas obras de persuasão retórica e no cristal das sonoridades poéticas, as lições de moral e bons costumes que, pelas mãos de Perrault, as crianças do mundo moderno começaram a aprender (LAJOLO, 2000, p. 22).

Ainda importa que as crianças e adolescentes adquiram valores morais e éticos, mas tornou-se essencial que eles aprendam a enfrentar as dificuldades da vida desde cedo e entendam que o “mundo da fantasia” traz simulacros de realidades, nem sempre romanceadas e idealizadas com finais felizes, como nos contos de fadas.

Quando as crianças e adolescentes vivenciam o que leem podem extrair daí lições de vida importantes para a formação de sua personalidade adulta. Nesse direcionamento de leitura significativa, faz-se necessário o professor torná-la uma construção social, posicionar-se diante da diversidade temática existente nas narrativas e saber reconhecer-lhe o valor e a função social que exerce, promovendo aprendizagens significativas, procurando evitar interpretações equivocadas.

A maioria dos livros de Literatura Infantil e Juvenil trazem ilustrações, que podem ser de repetição ou de complementaridade, pois “o texto escrito e a ilustração apresentam contribuição específicas para a leitura integral da história, e, portanto, têm funções diferentes no conjunto texto/imagem” (FARIA, 2008, p. 41), facilitando o entendimento do leitor jovem sobre o desenvolver de determinadas ações, ajudando-o a compor os personagens.

Em sua obra “A ilha do tesouro”, um clássico da Literatura Infantil Juvenil, Robert Louis Stevenson relata as memórias de Jim Hawkins, um adolescente de 15 anos, e segue a linha temporal dos acontecimentos narrados e caracterização detalhada dos personagens, dos lugares e das ações. São acontecimentos emocionantes, vivenciados pelo protagonista Jim Hawkins, que impressionam o leitor, logo nos primeiros momentos, por sua coragem e determinação. Enfim, representa os anseios dos adolescentes nessa idade, pois produz no leitor a sensação de que as ações efetivadas na narrativa são possíveis, uma vez que este se identifica com o protagonista, vivencia suas experiências em lugares que até então só existem na imaginação. Ana Maria Machado, autora e estudiosa dos clássicos infanto-juvenis constata que

lendo uma história, de repente descobrimos nela umas pessoas que, de alguma forma, são tão idênticas a nós mesmos, que nos parecem uma espécie de espelho. Como estão, porém, em outro contexto e são fictícias, nos permitem um certo distanciamento e acabam nos ajudando a entender melhor o sentido de nossas próprias experiências ( MACHADO, 2000, p. 20).

A obra literária extrapola o tempo e o espaço, fazendo com que o leitor liberte sua imaginação, saindo do lugar comum, adquirindo conhecimentos e emocionando-se com as aventuras descritas e vivenciadas pelas personagens. Muitas vezes, também, o jovem leitor usa a literatura como uma espécie de fuga de seus problemas familiares. A fantasia mascara uma realidade difícil de ser vivenciada. Cada leitor verá na leitura um escape para uma situação que não lhe agrada, ou simplesmente, um momento de lazer.

Para atrair o leitor não habituado à leitura existem também as estratégias de uso do foco narrativo, que é importante fator da composição textual, pois faz com que o leitor se veja como protagonista, se for em primeira pessoa, e veja os fatos por mais de um ângulo e, se for em terceira pessoa, o narrador onisciente, permite-lhe acompanhar todas as ações, de todos os personagens, seus pensamentos, criando um clima de apreensão e angústia, esperando pelo desfecho da história. O leitor entra na aventura descrita na narrativa, torna-se parte dela, antecipando um final feliz.

Segundo a análise de “A ilha do tesouro”, de Stevenson, percebe-se que o autor aborda uma temática que instiga a imaginação do leitor: aventuras no mar, envolvendo piratas, tesouro e heróis. Ele usa o foco narrativo em 1º pessoa, embora sejam dois os narradores. Inicia-se com Jim e depois com o Dr. Livesey, nos capítulos 16,17 e 18, quando Jim não está presente no momento das ações, e voltando a Jim. Isso faz com que o leitor veja os fatos por mais de um ângulo, permitindo-lhe acompanhar todas as ações, de todos os personagens, seus pensamentos, as artimanhas para destruir os piratas e encontrar o tesouro do Capitão Flint, criando um clima de apreensão e angústia, esperando pelo desfecho da história.

Na trama, Jim, ingenuamente, é envolvido na caça ao tesouro quando conhece Bill Bones, o pirata que possui o mapa do tesouro e está se escondendo na estalagem de sua família. O pirata morre. Essa é a complicação da história, a partir da qual se desenrolam os acontecimentos que levarão ao conflito. Jim conta o segredo de Bill a pessoas de sua confiança, o Dr. Livesey e o fidalgo Trelawnev, que providenciam os meios de chegar à ilha do tesouro: a compra do navio “Espanhola”, provido de tripulação e mantimentos necessários à viagem. Esse é o momento da narrativa em que o herói-protagonista é capacitado para realizar sua busca, superando os obstáculos, sempre mantendo um comportamento moral e ético, um personagem linear, do início ao fim da história.

Alguns fatos escapam ao protagonista por sua ingenuidade e juventude, como por exemplo, Bill Bones, quando chega à estalagem pede para Jim vigiar e avisar se chegar um homem com uma perna só. Jim não o reconhece na tripulação do navio, Long John Silver, que se disfarça de cozinheiro. Ele também, ao chegar ao “Espanhola”, ouve os piratas cantar a mesma música que o capitão Bones cantava e não desconfia dessa estranha tripulação. Isso faz com que o leitor atento perceba a inocência de Jim e torça para que atinja seus propósitos. Por ser jovem, Jim não apresenta perigos e, depois que descobre os planos de Silver para tomar o navio, que são ficar com o tesouro e matar seus amigos, continua circulando livremente, entre bandidos e mocinhos.

O fluxo do tempo de “Ä ilha do tesouro” segue a estrutura da diesege, delimitado por indicações estritamente cronológicas, podendo ser muito extenso ou curto, diferente do tempo exigido pela leitura, havendo diferenças entre o tempo da diesege e o tempo do discurso. No caso, os marcadores temporais são importantes para o entendimento da narrativa, embora o protagonista, que relata suas lembranças, pode equivocar-se.

A narrativa vai se desenrolando para o final, quando Jim esconde-se no barco,e desce na ilha. E, quando foge para a mata, e encontra Ben Gunn, um pirata considerado traidor, que fora deixado na ilha há três anos, os quais passa procurando o tesouro. Ben torna-se amigo de Jim e o ajuda a emboscar os piratas. Continuam a ser inseridas no personagem a capacidade de resolver o impasse e chegar à solução do conflito, seguindo a estrutura clássica do gênero narrativo.

A capacitação do personagem para solucionar o conflito criado é dada a Jim, ao voltar ao “Espanhola” e tornar-se capitão do navio, depois de ter matado Israel Hands, Jim tem a possibilidade de negociar com os piratas a vida de seus amigos. O leitor percebe nele o herói destemido e corajoso, que vai até o fim para que se conquiste o tesouro. É o poder dado ao herói para que cumpra seu papel na narrativa. Jim volta à ilha e engana Long John Silver, que mantém um código de honra de pirata e faz um acordo com Jim.

Para o contexto social da época em que essa obra foi produzida, 1883, fazia todo sentido a vitória do bem sobre o mal, os bons merecem as glórias e os maus, a perdição. O que não ocorre nas narrativas modernas, que criam muito anti-heróis, idolatrados pelo público adolescente.

O desfecho das narrativas infanto-juvenis, como se observou em ä Ilha do tesouro”, na maioria das vezes, fundamenta-se na vitória do bem sobre o mal, o certo e o errado, fazendo assim a função utilitária de repassar valores aos jovens leitores, possibilitando reflexões sobre seu próprio comportamento. Isso não significa que tirar da estante o livro que não parece “adequado” ao público infanto-juvenil, na opinião de um adulto, claro, irá preservá-lo de uma situação considerada perigosa ou inoportuna.

A Literatura é a representação de um contexto social, seja ele bom ou mau, que é desnudado pelo autor por meio de suas impressões sobre o mundo, o que não significa que elas sejam a única possibilidade de interpretação. O que existem nas narrativas, são eventos narrados por um observador, nem sempre imparcial. O conhecimento de cada uma é que fará o “filtro” do que está lendo.

REFERÊNCIAS

FARIA, Maria Alice. Como usar a Literatura Infantil na sala de aula. 4ª ed. – São Paulo, Editora Contexto, 2008.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura de mundo. 6ª ed. – São Paulo: Ática, 2000.

MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. – Rio de Janeiro, Objetiva, 2002.

NÓBREGA, Maria José. Revista Carta Fundamental. Mar de histórias.  Março de 2014, nº 56, p. 18.

STEVENSON, Robert Louis. A ilha do tesouro, Coleção “A aventura se ler”. Ed. Melhoramentos – MEC, São Paulo - SP, 1977.