A Ilha do olhar virgem da busca Desconhecida.
por Blan Tavares
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O primeiro encontro do leitor,  sobretudo inexperiente, com o texto “O Conto da Ilha Desconhecida”, autoria do mestre José Saramago, de imediato convida ao reencontro sob um olhar muito mais atento, cuidadoso, decifrando sentidos e reverenciando aquele estilo tão fluido e pleno em seu contexto social crítico atemporal. 

A cada linha, protagonistas intensos são apresentados e logo é possível conjeturar que eles ficam muito bem dentro de cada leitor como se fosse uma extensão da própria alma.

Os personagens não têm nome, mas transcendem o plano imaginário e desvelam a busca da ilha desconhecida de cada leitor, aquela ilha cercada de desejos por todos os lados que, em terra firme, especialistas definiram como o autoconhecimento. E essa busca aproxima leitores e protagonistas com tanta intimidade que se pode tomar  a liberdade de batizar os personagens, visto que nunca foram batizados pelo autor, com o próprio nome do leitor ou daqueles assemelhados do cotidiano.

Essencialmente, o estilo saramaguiano é libertador. Ele levanta a âncora do oceano de regras, afasta-se do porto convencional e segue no fluxo dos pensamentos daquela voz íntima que faz a leitura silenciosa de cada leitor, desde a infância até a morte, alternando discursos diretos e indiretos, desviando dos icebergs das convenções sintáticas, parando para breves fôlegos diante das vírgulas, portais dos diálogos ou dos pensamentos de cada protagonista.

A busca à ilha desconhecida inicia com um pedido ao rei; nesse momento, qual leitor não pensaria nos pedidos atuais para algumas autoridades que usam diversos caminhos burocráticos e respondem, não raro, com retóricas frustrantes, contraditórias ou injustas? Quem não sentiu o mesmo ímpeto do homem que enfrentou o rei, desafiou protocolos e regras que afastam pessoas de uma existência democrática? E quem não desejou zarpar no domingo à tarde para um lugar desconhecido e nunca mais retornar? Logo, é pertinente deduzir: a ilha desconhecida e o mestre Saramago serão sempre atemporais, estão no âmago de cada leitor.

No entanto, o barco não é um instrumento exclusivo daquela liberdade idealizada ou aventureira; ele expõe o questionamento incrédulo daqueles que estão seguros e acomodados em terra firme: afinal, "por que procurar a ilha desconhecida, se as autoridades no assunto afirmam que ela não existe, pois todas as ilhas já estão identificadas nos mapas?"  Porque o barco é o veículo que conduzirá ao desejo. O desejo também liberta. E poucos reconhecem a grandeza da liberdade sem sujeitá-la ao medo, aos pudores e aos julgamentos hipócritas. Nesse sentido, o homem que pediu o barco na porta das petições do rei e a mulher que fazia a limpeza real, ambos saíram do palácio pela porta das decisões e ousaram desejar.

O pedido do homem foi atendido; ele ganhou o barco, a mulher o seguiu (não mais limparia o palácio, somente o barco) e junto com ela, uma tripulação devaneadora: "o céu, as estrelas, os ventos, as nuvens" e o desejo. Mais tarde a tripulação humana chegou através do sonho, na primeira noite em que o homem e a mulher pernoitaram no barco, ainda ancorado no porto de origem, após um diálogo primoroso regado a vinho. Foi um sonho bem realista com tripulantes, famílias dos tripulantes, cargas nos depósitos e animais de tração, ou seja, tudo pronto para colonizar a ilha desconhecida. 

Todavia, era um sonho e a psicanálise explica que nos sonhos os desejos se realizam. Mas até nos sonhos aquela tripulação (humana) buscava a segurança e o comodismo em terra firme. Amotinaram-se e o homem aportou numa ilha já reconhecida nos mapas; todos desembarcaram e ele ficou sozinho no barco.

Apesar do motim daquela tripulação onírica e do abandono coletivo daquele barco, o sonho também libertou a determinação de prosseguir e ambos, homem e mulher, uniram-se em corpo e desejo, visto que libertar conduz igualmente ao encontro e os dois, inconscientemente, se buscavam antes de buscar a ilha desconhecida.

Assim, mediando a admiração e o amor ao mestre Saramago, o primeiro encontro do leitor com a Ilha Desconhecida também é um mergulho, sem equipamentos, nas profundezas do inconsciente escuro, denso e ao mesmo tempo fascinante, considerando a esperança de se resgatar os sentidos fluidos e fugazes da coragem reprimida.