A IDÉIA DE DEUS EM IMMANUEL KANT

KANT, Immanuel. A Crítica da Razão Pura. In: Os Pensadores. Trad. Valério Rohden e Udo Valdur Moosburger. São Paulo: Nova Cultural, 1996 a.

         Kant antes de apresentar sua idéia sobre Deus entende a necessidade de criticar o teísmo e seus conceitos acerca do Ser Supremo. O primeiro ponto a ser questionado é a impossibilidade de uma prova ontológica da existência de um Ser Supremo.Para o filósofo em questão, o Ser Supremo a princípio não passa de uma necessidade da razão.Pois esta, urge em apresentar algo que possa servir de estrado sólido para seus conceitos mais diversos.Na busca por estratificar o conceito, a consciência é submetida de forma insistente a criar um ser ideal que seja a causa para as demais coisas.Não somente as coisas ,mas também os conceitos são submetidos ao mesmo processo em que tudo necessita de ter uma sustentação e causa original e necessária. [1]Segundo essa prova, admitindo-se que algo exista, isto só pode ser concebido de modo que se afirme [2]sua necessidade.Sendo assim,”(...) se existe algo, seja o que for, tem de admitir-se também que algo existe necessariamente.”[3]

            Seguindo o raciocínio dado até então, é inevitável afirmar, uma sucessão quase que infindável de causas necessárias das coisas existentes e dos conceitos dados sobre as mesmas. Isto se multiplica até que a razão esbarre em seu limite, ou “encontre” a causa necessária e primeira de todas as demais. Naquilo que essa busca, não encontrar de forma alguma, causa ou necessidade para existir em determinada coisa, deduz-se daí que esta coisa seja afirmada então como causa absolutamente necessária. Também.Esta causa original, de existência incondicionada, não pode ser outra coisa, senão o Ser Supremo, e chegando-se a esta conclusão, pode-se afirmar então, uma teleologia como base para a razão especulativa.[4]

            Ainda dentro do mesmo raciocínio, a busca da razão para um sentido da existência humana, necessita afirmar um conceito que sirva para sustentar a idéia de que tudo o que existe tem um télos, já em sua origem. “É verdade que daqui não pode inferir-se seguramente, que o que não contém em si a mais alta e em todos os aspectos a mais completa condição tenha por isso de ser condicionado quanto à existência.” [5]Desta forma, para se estabelecer um conceito de Ser Supremo que atenda à razão também nesse aspecto, é necessário que esse ser seja, um ser incondicionalmente necessário. De acordo essa afirmativa o Ser Supremo não pode ser condicionado por nada nem por ninguém.

            Kant diz que a razão nesse processo de busca, convence-se da importância desse ser absolutamente necessário. E é ela mesma, a razão, que estabelece o que é fundamental para que o conceito sobre esse ser seja aceito de forma plausível. Também importa, que toda a realidade conhecida esteja contida nesse ser, e que ele seja a sustentação da totalidade da realidade. Afirmativa esta, que possibilita o fundamento de um sentido teleológico a todas as coisas. Esse ser encontrado então,seria concluído como ser absolutamente necessário, e daí, afirmá-lo como Ser Supremo seria uma mera tautologia.

            A tese apresentada inicialmente, de que o Ser Supremo pensado como absolutamente necessário não passa de fruto da razão especulativa. E que o produto dessas conjecturas não passa do reconhecimento dos limites humanos, e apresentação de uma realidade e de um ser idealizado, dotados de uma perfeição inalcançável. Esta conclusão é possível a partir também da fala kantiana:

”(...)Um ser absolutamente necessário é um conceito puro da razão, isto é, uma simples idéia, cuja realidade objectiva está longe de ser provado pelo facto de a razão necessitar dela. E, aliás, não faz outra coisa que não seja indicar-nos uma perfeição inacessível.” [6]

A prova ontológica da existência de um ser supremo, para Kant, não agrega nenhum conhecimento para aqueles que se debruçam sobre o tema. Pois, o conceito de ser supremo já afirmado como idéia, por mais utilidade que alguém possa lhe atribuir continuará no mesmo nível de idéia. Além de poder induzir a razão a uma falsa percepção da realidade, e desta forma, chegar a entender uma união sintética de as coisas com o ser absolutamente necessário,algo impossível de se comprovar.[7]

Kant afirma também a impossibilidade de uma prova cosmológica da existência de Deus. Pois esta prova, parte da mesma premissa da ontológica. Teoria essa que, tenta estabelecer uma ligação intrínseca da necessidade absoluta com a realidade suprema. Mas com uma diferença básica, ao invés de tomar como ponto de partida a realidade suprema para posteriormente se chegar à necessidade da existência, a prova cosmológica parte da necessidade incondicionada e previamente dada de cada ser para chegar a sua realidade ilimitada. A lógica dessa prova consiste em afirmar que se alguma coisa existe de fato, também existe sua necessidade para que esta possa existir,e mais,há que existir o ser absolutamente necessário como condição de possibilidade de existência.Ou seja,um retorno aos conceitos da prova ontológica.[8]

O raciocínio da prova cosmológica da um passo à frente e afirma que o ser supremo só pode ser afirmado por um único e conclusivo predicado. Sendo assim, o único conceito possível para essa prova é que o define o Ser Absoluto como Ens Realissimun. Esse teoria que define o Ser dessa forma, é melhor entendido enquanto se pensa o ser necessário pelo viés do conceito de soberanamente real.

            A crítica de Kant em relação à prova cosmológica, passa necessariamente pelo mesmo caminho da crítica à prova ontológica. Visto que, o filósofo em questão, já definira anteriormente que as duas provas tem a mesmo aporte conceitual.Provas estas que, se valem de uma dialética infindável em torno de um conceito que para Kant não tem nenhuma sustentação.Mesmo que a prova cosmológica tente se defender por sua base da experiência do ser (eu) para afirmar o Ser Absoluto, na realidade não passa pressuposições sustentadas pelos argumentos da primeira prova.Sendo estrado conceitual  o mesmo, e já devidamente criticado, afirmar o ser supremo como Ens Realissimun, não o torna mais aceitável conceitualmente do que o absolutamente necessário.[9]

            Agora então, diante da impossibilidade tanto da prova ontológica quanto da cosmológica, Kant afirma então a impossibilidade de uma prova físico-teológica da existência de Deus. Se também esta última prova, não passar pelo crivo da razão especulativa,  nenhuma outra prova será suficiente para sustentar a idéia da existência de um ser absoluto transcendental, nos moldes conceituais humanos.[10]

            Ora, é próprio do ideal que nenhuma experiência humana, seja apropriada para lhe abarcar ou definir, pois este perderia o status de ideal sendo reduzido ao campo experimental humano. A idéia de um ser transcendental, suprema,originário e necessário seria suficiente se não fosse opostamente incompreensível em sua totalidade à razão.Pois a oposição, está posta da seguinte forma, de um lado está o conceito experimental sempre condicionado em suas possibilidades empíricas, do outro a causa necessária de todas as coisas o Ens Realissimunque não está posto a nenhuma prova empírica e do qual não temos a menor pista plausível para qualquer tipo de análise.[11]

            Por isso Kant afirma:

“Assim, a prova físico-teológica tem por fundamento a cosmológica e esta, por sua vez, a prova ontológica da existência de um único ser originário como Ser Supremo; e, como além destas três vias nenhuma outra se abre à razão especulativa, a prova ontológica, extraída de simples conceitos puros da razão, é a única possível, se jamais for possível uma prova de proposição tão extraordinariamente elevada acima de todo o uso empírico do entendimento.” [12]

           

            Por último, Kant critica todo tipo de teologia que tem como fundamento conceitos da razão especulativa. Ora, se o entendimento do termo teologia for concebido conhecimento do Ser Absoluto ou original, segue-se que tal conhecimento procede da razão.Sendo entendida então, como theologia rationalis, mas a teologia que parte de outro pressuposto, no caso a revelação, será definida por sua vez como theologia revelata.[13]

Dentro da theologia rationalis, há duas formas de se pensar o seu objeto de estudo. Sendo que, uma maneira se apresenta pela via da razão pura, mas  com conceitos simplesmente transcendentais, tais como, ens originarium, ens realissimun e ens entium.E a este viés  teológico, que é substrato da teologia em questão, define-se então como teologia transcendental,e de forma subseqüente aquele que assume esta teologia fica conhecido como deísta.A outra possibilidade que se apresenta dentro da theologia rationalis, parte da premissa da natureza da nossa “alma”, e define Deus como Inteligência Suprema .Daí a conceituação dessa vertente teológica, ser definida como teologia natural,e o que reconhece e assume esta teologia é reconhecido como teísta.[14]

Kant conclui afirmando a tese que perpassa todo seu texto, que o Ser Supremo é um conceito ideal, bem formado que representa todo o conhecimento humano (razão especulativa) acerca de Deus. Considerando entretanto, que a realidade objetiva desse conceito não pode ser nem provado, nem refutado pela mesma razão que o afirma. Sendo assim, todos os predicados que são afirmados como inerentes ao Ser Supremo, tais como, eternidade, onipresença, onipotência são predicados simplesmente transcendentais. Desta forma, cabe então apenas à teologia transcendental reafirmá-los como predicados“divinos”.[15]


[1]KANT.1996.P.495
[2]Ibid.1996.P.495
[3]Ibid.1996.p.495.
[4]Ibid.1996.p.495.
[5]Ibid.1996.p.496.
[6]KANT.1996.p.500
[7]Ibid.1996.p.506
[8]KANT.1996.p.509
[9]KANT.1996.p.518.
[10]Ibid.1996.p.518.
[11]Ibid.1996.p.518.
[12]Ibid.1996.p.524.
[13]KANT. 1996.p.525.
[14]Ibid.1996.p.525.
[15]KANT. 1996.p.531.