Resumo: As máquinas ensinam o homem a envelhecer. Cabe ao homem pagar na mesma moeda.

A humanização das máquinas

De um homem passado em anos evita-se dizer que se tornou obsoleto. O escrúpulo decorre de que a obsolescência é tida como um atributo exclusivo das máquinas.

Peço vênia para discordar.

O homem, que reúne em si a Natureza, a História e o Imponderável, com muita frequência imita o comportamento maquinal e se credencia tecnicamente ao título de obsoleto. Como, por exemplo, quando deixa de  desenvolver capacidades suscetíveis de aperfeiçoamento, ou quando, programado para evoluir,  estagna e decai.

Mimetismo maior ainda se verifica caso o obsoleto queira fugir ao ridículo da obsolescência, e retornar ao processo normal de envelhecimento.

No afã de reencontrar o caminho de casa, desbancadas uma a uma todas as ilusões, ele, o obsoleto, terá forçosamente de aderir ao regime dos aparelhos de precisão,  impondo-se rigorosa disciplina, tenaz perseverança.

Afinal, envelhecer é uma arte. Dez por cento de inspiração, noventa por cento de transpiração.   

Por outro lado, costuma-se rejeitar sumariamente a ideia de humanizar as máquinas.

Outra vez na contramão do pensamento padronizado, ergo o meu punho para protestar.

As máquinas não deviam estar, como estão, submetidas ao regime da obsolescência irrestrita que manda para o lixo sumariamente tudo o que lhe cai nas malhas.

Uma máquina não devia tornar-se obsoleta apenas porque outra apareceu com algumas novidades não raro perfunctórias.

Sei perfeitamente que o lado humano das máquinas não se mostra tão visível quanto o lado mecânico do homem.

Sei que é  preciso conviver com elas, auscultá-las, classificá-las, entendê-las como Bilac entende as estrelas. Amai para entendê-las, diz o Poeta. Amai, no caso das máquinas, não as máquinas, evidentemente, mas o Planeta, as gerações futuras.

Uma das maneiras de aquilatar o grau de humanização das máquinas é observar como reagem à humilhação do descarte prematuro, e   ao duro golpe da condenação a lixo.

Aparelhos há tão lindos, tão delicados, tão fiéis, tão prestativos, tão dóceis, tão eficientes, tão sapientes, que corta o coração sabê-los teoricamente inservíveis, sentenciados a morrer saudáveis e indenes.

Cabe ao homem a iniciativa de livrar as máquinas do estigma da obsolescência arbitrária, deixar que desempenhem até o fim o papel que lhes foi atribuído. Dito de outro modo, deixar que aprendam a envelhecer, aliás, como ele aprendeu com elas, sob rigorosa disciplina e tenaz perseverança.

Se é que aprendeu.

(Escrito por Osorio de Vasconcellos)