Maria Francisca Carneiro 

Laércio Becker 

Também por remontar à memória coletiva, a arte e, portanto, também os estilos, inclusive os da arquitetura, revelam-nos aspectos das gerações anteriores.

Pinturas, obeliscos, túmulos, esculturas, edifícios, adornos e ornamentos em geral são uma legenda, uma fábula que acumula a História da arte por sedimentação. Um modo de transmissão da tradição dos povos, embora nem sempre tenham tido a intenção de o ser, na sua origem.

Aliás, a origem do novo é o que geralmente nosso espírito procura no passado. Deseja-se saber com as ideias e as formas de vida despertaram, e como resplandeceram no tempo seguinte. Mas tudo tem seu ciclo, como a vida. Assim, o novo no estilo também morre para dar lugar a um outro novo, que será, então, o reflexo da mentalidade dos povos em meio ao qual floresce.

As obras arquitetônicas, em particular, além de variarem conforme o estilo, modificam-se de acordo com os materiais empregados, com a descoberta de novas técnicas e com as novas funções e utilidades exigidas pelo novo tempo.

O conjunto de características, todas elas, que individualizam uma obra no tempo e no espaço é o que se costuma chamar de estilo, que não deve ser confundido com o gosto, seja ele temporal ou atemporal. Os estilo pode ser determinados por diversos fatores, por exemplo, políticos, religiosos, geográficos, etc.

Para ilustrar, terrenos acidentados e irregulares podem dar vazão a determinados estilos de edificações; o caráter de autoritarismo ou mesmo de absolutismo pode gerar prédios imponentes, em especial no espaço público; a neve requer determinada forma de telhado; o clima quente ou frio e a areação também são fatores imprescindíveis, entre outros.

Os estilos fluem na história e a acompanham, os mais antigos influenciando os mais recentes. Assim, através dos séculos, tem-se estilos como o clássico, o gótico, o barroco, o romântico, o neocolonial no Brasil, etc.

A arquitetura grega e a bizantina são exemplos típicos das influências acima mencionadas, como os tradicionais monumentos históricos de Atenas e a Hagia Sofia em Constantinopla, atual Istambul. As edificações sem janelas, ou com janelas minúsculas, na Idade Média, sugerem que as pessoas ou queriam se proteger do inimigo externo (castelos e fortificações), ou não queriam ser vistas ou expostas, no seu espaço privado, provavelmente por causa da concepção do pecado religioso, na época em grande auge.

Gostaríamos de destacar o caso brasileiro. Quando os portugueses chegaram, por volta de 1500, aqui encontraram a arquitetura primitiva indígena. Todavia, trouxeram elementos do estilo Manuelino para cá.

A importação dos negros da África e as características do Brasil Colônia logo definiram o que seria o estilo arquitetônico do século seguinte, com as “casas-grandes e as senzalas”. Praticamente toda a arquitetura mais rebuscada servia a fins religiosos ou imperiais, oficiais. Nesse período, destaca-se a construção de igrejas católicas do Brasil, algumas delas tesouros arquitetônicos até nossos dias, como por exemplo, o Outeiro da Glória, no Rio de Janeiro. No casario urbano, a importância da rótula (gelosia) na janela que, mais que antecipar o insul-film, permitia que se falasse através dela sem ser visto, como o padre no confessionário (ver Paulo Cesar Garcez Marins).

A partir da Independência, quis o Brasil desenvolver seu estilo próprio, tanto na arte como na arquitetura. Porém, esse período coincide com a chegada da missão francesa, que traz o Neoclassicismo, então vigente à época tanto na França como em Portugal. A partir da Belle époque, temos no Brasil, particularmente em São Paulo, influências art noveau.

E assim vai a história, até que surge o modernismo no Brasil, cujo marco é a Semana de Arte Moderna de 1922, cujos resultados cedo se fizeram também na Arquitetura, como em todo o pensamento brasileiro.

A partir de 1931 destacam-se, no Brasil, nomes com Lúcio Costa e em seguida Oscar Niemayer, que vêm então consolidar o estilo específico da arquitetura brasileira, mundialmente reconhecida.

Desse modo, no Brasil, como também em outras partes do mundo (à exceção de Brasília), vemos conviverem edifícios arquitetônicos de variados estilos, uns próximos dos outros, representando diferentes momentos históricos.

Curioso ressaltar que, quando os estilos são puros, não há conflito estético entre eles, que se harmonizam e agradam ao gosto, não obstante suas diferenças.

Porém, quando os estilos são mesclados em si, em estando próximos uns dos outros – por exemplo, prédios de diferentes estilos, mesclados ou ecléticos – a tendência é que o gosto seja ferido esteticamente, ocasionando o que vulgarmente se denomina “poluição visual”.

No entanto, isso não justifica que se pratique uma política de “terra arrasada”, com demolição sistemática de todo um estilo, como Theodore Dalrymple conta que ocorreu no interior da Inglaterra, com a proscrição do estilo vitoriano. Isso significa apagar brutalmente uma parte da História, fingir que ela não ocorreu – o melhor caminho para cometer os mesmos erros do passado (Santayana).

As construções em estilo Mourisco na Andaluzia são testemunhas da ocupação moura da península Ibérica, assim como as construções helenísticas em Palmira são (eram?) vestígios da ocupação grega na Síria. A diferença entre preservar e destruir o estilo histórico que não condiz com a cultura atual é a diferença entre a Civilização e a barbárie.

De fato, a estética tem suas peculiaridades.

 Agradecimentos a Laércio Becker, pelos vários livros, em especial por: HASKELL, Francis. L´historien et les images. Paris: Éditions Gallimard, 1995; e HUIZINGA, Johan. O outono da idade média – Estudo sobre as formas de vida e de pensamento dos séculos XIV e XV na França e nos Países Baixos. São Paulo: Cosacnaify, 2010. Agradecimentos a meu pai Bolívar Carneiro, in memoriam.