A GRAVE VISÃO DETURPADA DA SOCIEDADE BRASILEIRA

Saiu do senso comum o quão ignorante o brasileiro tem se situado em relação a si mesmo e ao mundo ao seu redor. De acordo com a pesquisa realizada no final de 2017 pelo Instituto IPSOS Mori, a respeito da taxa de ignorância sobre a realidade em 38 países diferentes, o Brasil se encontra na preocupante vice-liderança da lista elaborada, perdendo apenas para África do Sul. Foram utilizadas como base para tal resultado, questões sobre diversos assuntos pertinentes ao momento do país, como por exemplo, saúde, segurança, imigração e religião.

Mesmo não que não possa ser equiparado tais resultados, pelas perguntas serem diferentes, em 2016, o Brasil se encontrava na sexta posição deste ranking, o que demonstra uma grande piora no espaço-tempo de um ano. Uma amostra dessa distorção da realidade é na resposta à seguinte pergunta – Quantas garotas de 15 a 19 anos você acha que dão à luz no país? – onde a média refutada pelas pessoas foi de 48% das moças com idade entre 15 e 19 anos geram uma criança no país, sendo que na verdade são apenas 6,7%.

É determinante que parte disso se da pela disseminação de conteúdos mal elaborados pelo mercado da comunicação, além desse agravante, segundo Shaw, “O público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas.” Ou seja, a população tende a confiar cegamente em uma fonte habilitada, mais do que tudo o que se estabelece ao redor de si, a importância dada ao fato pela imprensa será a mesma que as pessoas darão. Por outro lado, existem os que inutilizam tudo ou a maioria dos fatos noticiados através de um veiculo ou canal específico, todos os acontecimentos são mediados, é um conhecimento por empréstimo. Digamos que a relação transmissor-receptor a muito não é saudável, não que necessariamente o receptor precise confiar no canal da mensagem, mas ainda está sujeito a ele, é como um relacionamento esquizofrênico e destituído de um diálogo pacífico, apaziguador. 

Dentro de uma observação técnica a escolha sutil das palavras e da ordem dos fatos, induz a importância, e quem esta se apossando disso não percebe a hierarquização que nutre seu intelecto e seu ser, já que também reproduz informação e está inserido no seio social. Nada disso é uma coincidência, há uma preparação estruturada para que não fique explicito demais ao ponto de divergir com o interesse que alimenta o veículo, entidade, ou simplesmente um estereótipo. É mais comum do que parece, por exemplo, uma manchete noticia o seguinte fato – “Carioca é flagrado no momento do furto em shopping Mogiano” ­– qual a prioridade em destacar a origem do infrator? Não deixa de ser fato que é carioca, porém isso mantém vivo o estereótipo de que o Rio de Janeiro é um estado violento, que abriga pessoas violenta, é o processo de rotulação inconsciente ou consciente, são coisas sutis que passam despercebidos pela leitura do receptor, mas que são saberes completamente incutidos.

Provavelmente pelo alcance e “obrigatoriedade” de apuração dos fatos, o individuo espere que se apoiando nas mídias esteja totalmente ciente do que acontece e, essa crença altera sua visão e relação com o mundo, ele passa a não prestar atenção nas provas do seu cotidiano que vão afrontar o que consumiu, mas quando se detém com situações específicas, automaticamente busca justificá-las com base naquilo que leu, ouviu, e absorveu de algum relato jornalístico, porque é isso que os civis esperam dos profissionais comunicólogos, a verdade mais pura e imparcial, a idealização mais romantizada da atuação jornalística, de que todos os lados são ouvidos, não existem privilégios, porque o seu trabalho é integrar a corrente de manutenção social com tudo que é real e relevante e, mesmo que no fundo se saiba, não funciona desta maneira. O repórter faz escolhas relacionas com a história que deseja contar, reduzindo os fatos e/ou excluindo o contexto dos acontecimentos, isso torna ainda mais inferior a cota de notícias que já é cortada pelos editores, a cada 10 despachos das agências, apenas um é aproveitado como matéria de jornal, isso se deve pela familiaridade das histórias. Os chefes de redações são como portões que impedem ou aceitam a passagem da informação.

Outro ponto a se pensar é sobre as imagens que complementam uma notícia, usando como base desse pensamento a Teoria do Espelho. A imagem é uma projeção da realidade, mas não é ‘A realidade’, agora cito Sartre, “As fotos de um jornal podem muito bem 'nada dizer-me', o que quer dizer que eu as olho sem pô-las em posição de existência... Podemos, aliás, deparar com casos em que a fotografia me deixa em um tal estado de indiferença”. A imagem é completamente subjetiva, interpretativa e omite muita coisa, “E o resto?” é a questão que circunda o fotojornalismo, há mais verdades nas margens que não saem no recorte fotográfico e acaba publicado? Novamente, todos os acontecimentos são mediados, é um conhecimento por empréstimo.

É possível entender o fenômeno com mais facilidade utilizando o auxílio da Espiral do Silêncio, o ser humano demasiadamente complexo, recorre ao silêncio como resposta a uma infinidade de ações, e a fala é uma projeção que tem o poder de bloquear ou fixar uma ação, o que o silêncio significa? Muito, porque é o puro medo do isolamento social, agora se torna mais simples compreender alguns comportamentos e tendências, a aderência de ideias e causas noticiadas, por exemplo, se um indivíduo está inserido em uma família Cristã, mesmo desenvolvendo um pensamento crítico e autodidata sobre religião, ele muito provavelmente vai se considerar Cristão até o fim da vida, para manter esse “vinculo” é preferível concordar e partilhar da ideologia, ou dos princípios pregados pela sua família. Esse exemplo antecede outros fatores, como a opinião pública, em um processo eleitoral como estamos vivendo, ela é determinante e crucial, mas em síntese será sempre a maioria independente do assunto.

O brasileiro não tem o hábito de verificar e isso o afeta principalmente como usuário no espaço cibernético, assim a credibilidade depositada anteriormente e prematuramente em uma fonte que não é confiável; produz mais publicidade e janelas do que textos informativos, acaba por não ser abalada, mesmo porque em muitos casos a pessoa prefere acreditar no que consome e não no seu contato empírico, seja para assuntos de escala nacionais e internacionais, seja regionais, o que poderia ser maravilhoso e virar uma ferramenta bem utilizada a favor da diversidade, verdade e veracidade se torna então uma bolha de debilidade; que enfraquece principalmente o elo dos profissionais que atuam na comunicação social com o resto do país, além disso, há o mito de que todos tem o acesso a informação, de que a democratização da informação é algo existente e real, de que todos tem o acesso a internet ou a Smartphone, inclusive foi uma pauta das perguntas – a cada 100 pessoas, quantas você acha que têm um smartphone? – a visão deturpada dos participantes fez com que a resposta média fosse 85%, totalmente diferente da realidade que é apenas 38%, confirmando a negativa quanto a democratização.

Esse é o resultado do mau funcionamento da comunicação, a falta de pluralização não só de informações, mas também dos meios, inúmeros veículos de comunicação de diferente setores são pertencentes a uma só pessoa, a um único empresário. A escolha ineficiente do que os cadernos e jornais preferem publicar, algumas manchetes e casos tem mais espaço nos veículos por venderem mais, além da escolha lexical pejorativa como técnica de atrair atenção, especialmente do público leigo.

Apesar de ser uma prestação de serviço à sociedade, existem profissionais, existe mercado, vínculos industriais e nomes, existe capital atrás dos veículos que propulsionam tanto a difusão vulgar quanto à sensatez, os definidores primários que comandam o que se deve noticiar. Seria fugaz e equivocado culpar nomes, ou pessoas físicas influentes no meio.

O Gatekeeping é um mito até certo ponto, a escolha do que se é publicado não é aleatória, ela passa por um filtro humano que tem uma criticidade a cumprir uma organização interna, pela empresa que trabalha e pelo padrão geral, a responsabilidade não é exclusiva de quem escreve ou grava e cria o conteúdo, se há culpa, ela está difundida nas mãos de todos, inclusive dos que parecem mais ingênuos, porque é um mal regado pela cultura, pela indústria, pela politica, pela educação e até pela comunidade, ou seja, ela penetra e incapacita de um lado ou de outro, até tornar o individuo refém de uma bolha disfuncional que empobrece a alma e negligência o comportamento e a leitura de mundo exterior do cidadão. E como fugir disso? Coletando conhecimento cientifico a respeito de todos os setores do corpo social, não se alimentando de especulações e produtos da cultura de massa, o que é subversivo, mas principalmente sendo meticuloso com o que considera e detém como verdade, construir uma personalidade rigorosa, desta maneira tudo sempre será refutável, a satisfação só virá acompanhada de provas palpáveis, argumentos e figuras de autoridade, mesmo que isso pareça esotérico e inalcançável, é para ser analisado e posteriormente praticado, a adoção de um bom hábito  nunca é fácil, e vencer a procrastinação de adotar o que lhe tire da comodidade ignorante pode ser a missão que faz valer toda a vida, foi isso que deu nome a Steven Pressfield em sua obra “A guerra da Arte”, que vale a pena ser lido.

A cosmovisão delimita naturalmente o que desperta estranheza e empatia, isso se situa ao lado irracional da força que abastece essa verdade desagradável; O Brasileiro é obtuso. Mas não tem que se resumir só a isso, a essa imagem sedentária, por isso é importante democratizar todos os meios, depende de todo mundo.

REFERÊNCIAS

Brasil é o 2º país com menos noção da própria realidade, aponta pesquisa. Folha de São Paulo, São Paulo, 06 de dez. 2017. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/12/1941021-brasil-e-2-pais-com-menos-nocao-da-propria-realidade-aponta-pesquisa.shtml>. Acesso em: 01 de out. 2018

Brasil fica em sexto em ranking de países mais ignorantes do mundo. G1, São Paulo, 14 de dez. 2016. Disponível em: < https://g1.globo.com/mundo/noticia/brasil-fica-em-sexto-em-ranking-de-paises-mais-ignorantes-do-mundo.ghtml>. Acesso em: 01 de out. 2018.