A GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA NO BRASIL E SUAS PERSPECTIVAS

A democratização dos sistemas de ensino e da escola implica no aprendizado e na vivência do exercício de participação e tomadas de decisões que se alicercem o processo democrático; essa é a uma das grandes diretrizes do Ministério da Educação que também é argumentado no Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, como destacamos na epigrafe deste capítulo. Para se alicerçar a gestão democrática na educação tem-se na escolha do diretor um dos grandes elementos que demonstram que as escolas devem lutar para se construir um processo coletivo, considerando a especificidade histórica de cada unidade de ensino. O importante é compreender que esse processo não pode ser efetivado por decretos, portarias ou resoluções, mas, deverá ser resultado da luta por uma gestão que sabe o valor da participação de todos os segmentos da escola. Dessa forma, a gestão democrática se efetiva e se solidifica, pois foi implantada nos moldes que consideram a participação e decisão do coletivo.

Quando se busca construir uma escola moldada num processo de participação baseado em relações de cooperação, no trabalho coletivo e na partilha do poder, estaremos:

[...] exercitando a pedagogia do diálogo, do respeito às diferenças, garantindo a liberdade de expressão, a vivência de processos de convivência democrática que são efetivados no cotidiano da escola, em busca da construção de projetos coletivos. (Caderno 5, Conselhos Escolares, MEC, 2006, p. 24).

 

 

A partir da promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988 e da mobilização da sociedade na busca das melhorias relacionadas com a educação, ocorreu à inovação para se incorporar a gestão democrática como princípio do ensino público na forma da lei. Essa Carta Magna tornou obrigatória a adaptação das Constituições Estaduais e das Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios às novas determinações, dentre elas a do princípio da gestão democrática do ensino público, conforme o artigo 206 dessa Lei, que determina que o ensino, na rede pública, deve ser ministrado no princípio de gestão democrática (parágrafo VI).

A consolidação dos princípios democráticos advindos das experiências realizadas no Brasil, tanto do fim da “Ditadura Militar” em 1985, bem como da mobilização da sociedade, fizeram democratizar o ensino, onde a legislação passou a ser permeada por princípios da participação popular buscando melhoria no ensino público; sendo assim, esse ensino experimentou transformações profundas, com reformas de cunho nacional que contaram com iniciativas no âmbito estadual e municipal passando a alterar as práticas pedagógicas, bem como a organização escolar, numa tentativa de se universalizar o acesso escolar.

Segundo Paro:

Em vários estados, iniciam-se processos de eleição de diretores escolares na primeira metade dessa década, com a ascensão dos primeiros governadores estaduais eleitos após a ditadura iniciada em 1964. Em 1989, vários estados inscrevem em suas constituições a obrigatoriedade da eleição como critério de escolha dos diretores nas escolas públicas. Entretanto, já ao final da década de 80 e início da de 90, verifica-se certo refluxo das eleições em alguns estados, produto da ação de governos pouco comprometidos com a democracia, que entram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra as eleições, com a clara intenção de proteger seus interesses político-partidários identificados com práticas clientelistas (1997, p.32).

 

Essa bandeira entre os movimentos brasileiros, pós governo militar, pela democratização da gestão escolar, buscava superar os procedimentos tradicionais baseados em corporativismo e clientelismo. A conscientização do papel de uma gestão escolar baseada nos princípios democráticos, produziu avanços significativos, de modo especial na escolha dos diretores das escolas públicas, bem como na implantação de Conselhos Escolares que passam a ter autoridade deliberativa e poder decisório. Esse movimento em favor da descentralização e da democratização da gestão das escolas públicas encontrou apoio nas reformas educacionais e nas proposições legislativas. Não podemos esquecer que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu princípios para a educação brasileira, dentre eles, obrigatoriedade, gratuidade, liberdade, igualdade e gestão democrática.  

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº9394/96 (LDB) estabelece e regulamenta as diretrizes e bases para a educação e seus respectivos sistemas de ensino. Em cumprimento ao art. 214 da Constituição Federal, ela dispõe sobre a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE) (art. 9º), resguardando os princípios constitucionais e, inclusive, de gestão democrática.

A elaboração do PNE, Lei nº. 10.172/2001, conforme exposto nos textos legais, visa elucidar problemas referentes às diferenças socioeconômicas, políticas e regionais, bem como as que se referem à qualidade do ensino e à gestão democrática. O PNE trata dos diferentes níveis e modalidades da educação escolar, bem como da gestão, do financiamento e dos profissionais da educação. O Plano aprovado em 2001 apresenta diagnósticos, diretrizes e metas que devem ser discutidos, examinados e avaliados, tendo em vista a democratização da educação brasileira.

Frigotto (2000), ao discutir o papel da educação, afirma a especificidade dessa prática e, ao mesmo tempo, destaca sua articulação às relações sociais mais amplas e a contradição subjacente a esse processo. No seu âmbito mais amplo, são questões que buscam apreender a função social dos diversos processos educativos na produção e reprodução das relações sociais. No plano mais específico, tratam das relações entre a estrutura econômico-social, o processo de produção, as mudanças tecnológicas, o processo e divisão do trabalho, produção e reprodução da força de trabalho e os processos educativos ou de formação humana.

Conforme Mészáros:

Além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas habilidades sem as quais a atividade produtiva não poderia ser realizada, o complexo sistema educacional da sociedade é também responsável pela produção e reprodução da estrutura de valores dentro das quais, os indivíduos definem seus próprios objetivos e fins específicos. As relações sociais de produção capitalistas não se perpetuam automaticamente. (1981, p. 260).

 

Na perspectiva das classes dominantes, historicamente, a educação dos diferentes grupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los técnica, social e ideologicamente pra o trabalho. Trata-se, conforme Frigotto (2000), de subordinar a função social da educação de forma controlada para responder às demandas do capital.

O mundo do trabalho teve sua lógica alterada, e a educação, sobretudo a qualificação profissional, passou a enfatizar a aquisição de conhecimentos e habilidades cognitivas e comportamentais. Tais alterações interferem nas políticas educacionais, redirecionando o pensar e o fazer político-pedagógico, o que certamente traz implicações para a gestão escolar. Articulado à discussão da democratização da gestão escolar, é fundamental recuperarmos, nos textos legais – sobretudo na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 (LDB) e no Plano Nacional de Educação (PNE) – o respaldo para implementar processos de gestão nos sistemas de ensino e, particularmente, nas unidades escolares.

Nos anos 1990, mudanças legais ocorreram no âmbito legislativo, destacando-se a aprovação das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB, por meio da Lei n. 9.394/96; além dessa mudança, a LDB redirecionou as formas de organização e gestão, os padrões de financiamento, a estrutura curricular, requerendo, entre outros, a implementar processos de participação e gestão democrática nas unidades escolares públicas.

Assim, por gestão democrática entendemos a garantia de mecanismos e condições para que espaços de participação, partilhamento e descentralização do poder ocorram.

As Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB dispõe que:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político pedagógico da escola;

II – participação das comunidades escolar e localem Conselhos Escolaresou equivalentes.

Desse modo, a LDB, ao encaminhar para os sistemas de ensino as normas para a gestão democrática, indica dois instrumentos fundamentais:

1) a elaboração do Projeto Pedagógico da escola, contando com a participação dos profissionais da educação;

2) a participação das comunidades escolar e localem Conselhos Escolaresou equivalentes. 

 

A gestão democrática escolar passou a ser entendida como envolvimento de todos os membros da escola na sua organização, no seu processo decisório, na ampliação do acervo de habilidades e experiências aprimoradas e aplicadas na gestão escolar paulatinamente e vão sendo aprimoradas. Não há única maneira de se implantar um sistema de gestão escolar participativa, pois é um exercício de cidadania e, torna-se fundamental para o avanço da sociedade que planeja ser mais justa e igualitária.

            Para a sociedade, e para os trabalhadores em educação, a democracia da escola é o único caminho para reconstrução da escola pública de qualidade. Mas a gestão democrática só poderá constituir um caminho real de melhoria de qualidade se for concebida, em profundidade, como mecanismo capaz de alterar práticas pedagógicas.

            A abertura dos portões e muros escolares deve estar acompanhada de uma nova  proposta pedagógica que a exija. Se as escolas não estiverem predispostas a essa mudança, a gestão e a melhoria da qualidade serão expressões esvaziadas de qualquer conteúdo substantivo.

            A gestão democrática é atitude e método. A atitude democrática é necessária, mas não é suficiente. Precisamos de métodos democráticos de efetivo exercício da democracia. Ela também é aprendizado, demanda tempo, atenção e trabalho.

A escolha do diretor das escolas públicas, por processo eletivo, no Brasil, não acompanha o processo histórico, mas é uma prática que se efetivou no início dos anos oitenta, quando ocorreu a redemocratização política, onde em vários estados, ela se inicia com a volta da eleição direta para governador em 1982, quando muitos candidatos em suas plataformas de governo garantiam o processo de eleição dos diretores de escola pública; contudo, será somente no final da década de oitenta que muitos estados, mencionamem suas Constituiçõesa obrigatoriedade da eleição como critério de escolha dos diretores. Entretanto, já ao final da década de 80 e início de 90, verifica-se certo refluxo das eleições em alguns estados, produto da ação de governos pouco comprometidos com a democracia, que entram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra as eleições, com a clara intenção de proteger seus interesses político-partidários identificados com práticas clientelistas.

Apesar disso, porém, a adoção de processo eletivo como critério para escolha de diretores expande-se em todo o país, fazendo-se realidade em grande número de municípios e estados onde antes vigorava a nomeação política. Em alguns sistemas que já haviam experimentado a escolha democrática dos diretores, como o Estado do Paraná e o Distrito Federal, os governadores eleitos em 1994 voltam a introduzir a eleição direta, em cumprimento a suas plataformas de governos ou a promessas feitas em suas campanhas eleitorais. O fato, aliás, de os políticos passarem a inscrever em suas plataformas eleitorais o compromisso com a eleição de diretores indica sensibilidade para algo que passou a fazer parte dos desejos da população envolvida com a gestão da escola pública, e esse parece ser mais um resultado positivo do movimento em torno da eleição de diretores, como se mencionou acima, a partir de inícios da década de 80.

Devemos lembrar que um dos princípios para a implantação da eleição de diretor se fundamenta na crença da capacidade do sistema eletivo de neutralizar as práticas clientelistas de favorecimento pessoal, que inibem prática da cidadania. Essas eleições tiveram importante papel na diminuição, nos sistemas em que foram adotadas, da influência dos políticos (vereadores, deputados, prefeitos, entre outros) na nomeação do diretor[1]. Mas, isso não significa que o clientelismo tenha deixado de exercer suas influências na escola. Por um lado, em alguns sistemas continuaram a existir brechas para a penetração da influência do agente político na nomeação do diretor; por outro, as práticas clientelistas passaram a fazer parte do interior da escola, quer no processo de eleição do diretor, quer durante o exercício de seu mandato.

            Como elencado, há no Brasil um grande problema que é a falta de tradição democrática que só será solucionado com a insistência em mecanismos de participação e de exercício da democracia que se conseguirá maior envolvimento de todos em suas responsabilidades. Mas, diante da associação que muitos fazem entre o direito de votar e a omissão em co-participar das responsabilidades do eleito, nunca é demais meditar sobre as palavras de Agnès Heller sobre a questão da relação entre liberdade e dever:

 

Toda pessoa tem a liberdade de não reconhecer nenhum valor moral. Mas, como já disse, isso não a ajuda a ser livre. Hegel tinha razão quando distinguiu entre liberdade e arbítrio. A liberdade é sempre liberdade para algo, e não apenas liberdade de algo. Se interpretarmos a liberdade apenas como o fato de sermos livres de alguma coisa, encontramo-nos no estado de arbítrio, definimo-nos de modo negativo. A liberdade é uma relação e, corno tal, deve ser continuamente ampliada. O próprio conceito de liberdade contém o conceito de dever, o conceito de regra, de reconhecimento, de intervenção recíproca. Com efeito, ninguém pode ser livre se, em volta dele, há outros que não o são. (HELLER, 1982, p. 155).

 



[1] Na seqüência do trabalho iremos abordar nossa experiência nas escolas municipais de Naviraí que desde o ano de 1993, passou a ser garantido em lei a prática de gestão democrática para se escolher os diretores da Rede Municipal de Ensino.