Resumo: Se existe aversão a política, o poder nunca será autêntico.    

A gambiarra do voto obrigatório

É preciso examinar direitinho a alegada aversão do brasileiro a política. Há aversão? Tudo indica que sim. Aversão uniforme? Não. A tensão varia. Por exemplo, há os que não curtem política, mas não rejeitam. Há os que não curtem e rejeitam. E há ainda os que não curtem, rejeitam e o fazem sistemática e agressivamente.

Seja lá como for,  ressalvadas algumas diferenças de estilo, o fato é que, pelo geral,  política não dá ibope, assim como nunca deu a Voz do Brasil.  

Em outras palavras, o brasileiro típico acha que vai muito-bem-obrigado,  na posição de espectador sonolento, virado meio de costas para o cenário onde se desenrolam as ações políticas. De tal modo que se lhe  assenta como uma luva a expressão popular: política não é a minha praia.

Mas esse  distanciamento não caracteriza uma preferência logicamente articulada. Longe disso o distanciamento assume com frequência o aspecto de um charmoso desdém, de onde corusca o fascínio de ser simultaneamente verdadeiro e inverossímil.

Verdadeiro porque empírico, manifesto, pragmático. Inverossímil porque, apesar de verdadeiro, parece funcionar a contento, como se a rejeição em nada comprometesse o curso da liberdade.

Fascínio temerário. Ilusão perigosa. Delírio suicida.

Porque política, Hannah Arendt que o diga, não surge no homem, mas entre os homens. Entre governantes e governados.

Ora – é possível argumentar - se os governados não querem participar do banquete democrático, essa defecção não priva a política de legitimidade. A legitimidade constitucional está garantida pelo voto.

Este raciocínio, consequente da rejeição, também corusca uma centelha fascinante.  Com uma diferença. Lá, na rejeição, como vimos, a verdade é ofuscada pela inverossimilhança. Aqui, na alegação da legitimidade do poder por causa do voto, é a mentira que veste o manto da verossimilhança.

Mentira fácil de desmascarar. O voto pode ser legítimo, mas não é autêntico. Uma gambiarra alimenta o poder constituído: a gambiarra do voto obrigatório.

Quanto ao banquete democrático, quê dizer de um banquete ao qual os anfitriões não comparecem?

Fácil de responder: o banquete perde o sentido, vira festim.

A perda de sentido também pode ser demonstrada esquematicamente na esteira de um encadeamento circular, autofágico:  aversão a política  > gambiarra do voto obrigatório > poder inautêntico > banquete vira festim > aversão a política.

Para fechar o texto escolho uma expressão de rara densidade filosófica: é isso aí.