A FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE

ADISON AIFF DOS SANTOS SILVA

LUCIANA DE MEDEIROS NOGUEIRA

PRISCILA DE ARAÚJO PINHEIRO

RESUMO

O Direito a propriedade é um direito constitucionalmente instituído no seio do Estado Democrático de Direito, cujo manutenção, preservação e tutela, perante seus jurisdicionados constitui um dos mais nobres deveres do Estado, mas os detentores do direito de propriedade também têm deveres perante a sociedade e para com o meio ambiente no qual está devidamente inserido. Neste aspecto compete ao Direito Civil, em especial a área dos Direitos Reais regular a relação jurídica oriunda da relação natural do proprietário com o bem imóvel e o meio ambiente. Na doutrina civilista denominada de Função Socioambiental da propriedade.

Palavras-chave: Direito. Direitos Reais. Função Socioambiental. Propriedade.

 

ABSTRACT

The right to property is a constitutionally established right in the Democratic State of Law, whose maintenance, preservation and protection, before its jurisdictions constitutes one of the noblest duties of the State, but the holders of property rights also have duties before society and to the environment in which it is properly inserted. In this aspect it is the duty of the Civil Law, in particular the Real Rights area to regulate the legal relationship arising from the natural relationship of the owner with the immovable property and the environment. In the civilist doctrine called the Socio-environmental Function of property.

Keywords: Law. Real rights. Social and Environmental Function. Property.

 

INTRODUÇÃO

A Constituição da República garante ao cidadão o direito de propriedade, estabelecendo algumas exigências para o exercício pleno desse direito. Essas exigências visam a promoção do controle de desenvolvimento urbano, o aproveitamento racional de recursos naturais presentes nas propriedades rurais, bem como o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente.

Refletindo sobre essa temática, abordaremos neste trabalho alguns pontos relacionados ao direito de propriedade e sua função socioambiental determinada em nosso ordenamento pátrio.

1. DIREITO À PROPRIEDADE

A Constituição Federal de 1988 contém vários dispositivos sobre a propriedade, direito que se encontra entre os de garantia fundamental descritos no artigo 5º, juntamente com os direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança.

Os direitos fundamentais são entendidos como aqueles que compõem o mínimo considerado essencial para a vida digna de cada indivíduo. Porém, se por um lado a Constituição da República brasileira garante o direito de propriedade, colocando-o em um patamar elevado; de outro lado, afirma que a propriedade deve atender a sua função social, criando claramente limites a esse direito a partir de institutos que regulam a utilização da propriedade e possibilitam a intervenção do Estado nesse domínio privado.

Sendo assim trabalharemos nesse tópico, sem a pretensão de esgotar o tema, uma breve definição do conceito de propriedade, bem como sua evolução histórica, culminando com a apresentação de alguns limites constitucionais ao exercício do direito à propriedade privada.

1.1. Conceito e evolução da propriedade

Se for entendida no seu sentido estritamente imobiliário e privado, a propriedade pode ser considerada a partir do vínculo entre o homem e a terra. Porém, como resultado da influência de vários povos e culturas, ao logo da história o vocábulo “propriedade” comportou um número de acepções bem mais abrangente.

Na antiguidade a propriedade era comunitária, com uma finalidade exploratória e temporária, visto que as sociedades primitivas eram nômades e habitavam cada região visando à subsistência. Desse modo, assim que os recursos começavam a se tornar escassos havia a migração para novos lugares.

Com o desenvolvimento da agricultura e da domesticação de animais começa a haver uma separação entre terras públicas e privadas, apesar de a princípio as terras particulares ainda pertencerem a grupos, em geral, familiares.

Foi apenas no Direito Romano que começou a ser desenhado um conceito jurídico de propriedade. Neste sentido, Maria Helena Diniz (2002, p.99) enfatiza que “é no Direito Romano que vamos encontrar a raiz histórica da propriedade”. Apesar disso, os romanos ainda não possuíam um conceito concreto de propriedade. Sobre isso, Moreira Alves (2003, p. 281) resgata que:

Os romanos não definiram o direito de propriedade. A partir da Idade Média é que os juristas, de textos que não se referiam à propriedade, procuraram extrair-lhe o conceito. Assim, com base num rescrito de Constantino (C. IV, 35, 21), relativo à gestão de negócios, definiram o proprietário como suae rei moderator et arbiter (regente e árbitro de sua coisa); de fragmento do Digesto (V, 3, 25, 11), sobre o possuidor de boa-fé, deduziram que a propriedade seria o ius utendi et abutendi re sua (direito de usar e abusar da sua coisa); e de outra lei do Digesto (1, 5, pr.), em que se define a liberdade, resultou a aplicação desse conceito à propriedade que, então, seria a naturalis in facultas eius quod cuique facere libet, nisi si quid aut ui aut iure prohibetur (faculdade natural de se fazer o que se quiser sobre a coisa, exceto aquilo que vedado pela força ou pelo direito).

            Com a crise do Império Romano surgiu um novo conceito de propriedade marcando o surgimento do sistema feudal que vigorou na idade média. Cavedon (2003, p.19) afirma:

Na idade média, com as invasões bárbaras e o declínio do império Romano do Ocidente, ocorreram mudanças profundas no direito de propriedade vigente, isto é, a propriedade das terras volta a ser coletiva, quase que de forma semelhante às de tipo gentílico, pertencentes à totalidade de um determinado grupo.

Nesse sistema o senhor feudal detinha o poderio militar, público e judiciário e a terra era para uso coletivo, uma vez que o servo detinha apenas a posse útil da terra.

            A concepção individualista da propriedade começou a ganhar forças no Estado Moderno após a Revolução Francesa de 1789. Conforme Cavedon (2003, p. 19):

A propriedade foi um dos núcleos essenciais das reformas trazidas pela Revolução Francesa, sendo profundamente marcada pela ideologia liberal disseminada pela Revolução. Dois traços do regime da Propriedade pós-revolução são marcantes: a extinção do regime feudal e dos encargos sobre a terra e a exaltação da concepção individualista da Propriedade.

Esse direito foi normatizado pelo Código de Napoleão que em seu artigo 544 declarava que “a propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas de modo mais absoluto. Desde que não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos”. Porém, essa concepção exagerada do individualismo no direito de propriedade perde sua força com a Revolução Industrial e o desenvolvimento dos movimentos sindicais que buscavam garantias sociais ao proletariado.     É a partir desse momento histórico que a propriedade passa a ser marcada pelo cunho social e ambiental, inaugurando o intervencionismo do Estado na ordem econômica e social. Nesse sentido, a propriedade além de ter uma função social deve estar condicionada à proteção ao meio ambiente.

Sob o ponto de vista jurídico moderno, a propriedade é o direito de usar, gozar e possuir bens e dispor deles da maneira como quiser. Vale ressaltar que o direito de propriedade não se restringe somente a bens imóveis como casas, terrenos, pois não se refere somente a bens materiais. Existem também os bens imateriais, assim considerados quando seu valor pode ser expresso em termos monetários, como por exemplo, os direitos autorais de um escritor. Porém, nosso foco neste trabalho é a composição da propriedade enquanto bem imóvel e o desenvolvimento da função socioambiental nesse contexto.

1.2. A propriedade no direito brasileiro

Apesar de ter sido descoberto em 1500, foi apenas em 1532 que os portugueses deram início ao processo de colonização. Foi, então, que em 1549, com a nomeação de Tomé de Souza como governador, que se deu início ao tratamento de questões judiciais e fazendárias na colônia. Nesse período, o direito à terra no Brasil foi exercido com base na legislação Portuguesa, principalmente a Lei de Sesmarias, uma vez que durante muito tempo não houve poder judiciário ou exercício de jurisdição na colônia, apenas o exercício de atribuições por parte do governador e de seus auxiliares.

A forma como a colonização foi realizada no Brasil, fez que com que quem possuísse terras adquirisse prestígio. Assim, o direito à propriedade no Brasil iniciou como um direito a terra que assumiu um viés aristocrático, em que terra era sinônimo de poder, status e proximidade política com a coroa portuguesa.  Ocorre que a medida em que a Lei de Sesmarias garantia grandes propriedades à aristocracia portuguesa, igualmente crescia o número de pessoas, a margem desse sistema, que se limitavam a posse de pequenas propriedades. A posse então tornou-se coisa comum em razão da necessidade e da ausência de políticas públicas voltadas para a população em geral.

Foi apenas em 1823, com a suspensão da concessão de novas sesmarias, que o pequeno lavrador e o imigrante europeu começaram a ter acesso a posse legitimada pelo costume jurídico, apesar desse processo ainda ser dificultoso para os que não possuíam grandes recursos.

Já em 1850, com a promulgação da Lei de Terras e a proibição da aquisição de terras públicas por outro meio que não fosse a compra, tanto os posseiros ilegais quanto os sesmeiros que não preencheram as exigências à validação da concessão puderam registrar suas terras junto à Repartição de Terra Públicas, com o pagamento das taxas devidas e após a demarcação das terras segundo os limites estabelecidos para essas propriedades. Entretanto os preços eram tão altos que a população pobre não pode ter acesso a essa regularização, o que ocasionou aumento na oferta de mão de obra destinada àqueles que possuíam condições de adquirir terras.

A Lei de Terras de 1850 vigorou até 1964, quando da publicação do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) que surgiu como uma proposta de munir o Estado de instrumentos que lhe permitissem administrar os conflitos no campo. Desse modo, a nova lei estava mais voltada para a definição da propriedade rural.

O Código Civil brasileiro de 1916 surge conferindo prevalência às situações patrimoniais e espelhando resquícios do sistema liberal e favorecendo o acúmulo de riquezas e a estabilidade do cenário econômico. Esta tendência restou estatuída no artigo 524 ao estabelecer que: “a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que, injustamente, os possua”. Esse conceito é também apresentado pelo artigo 1.228 do Código Civil atual (Lei nº 10.406/2002) que disciplina a propriedade enumerando os poderes essenciais que integram seu domínio, quais sejam, usar, gozar e dispor.

Esse modelo liberal desenvolveu a ideia de autonomia da vontade, conceito que remete a faculdade que o sujeito possui de fazer tudo o que o ordenamento jurídico permite.

Verifica-se, portanto, que, no Brasil, a propriedade percorreu um longo processo de migração do patrimônio público para o privado, deixando o domínio da coroa portuguesa até sua gradual apropriação pelos particulares.

2. AMBIENTE E DIREITO AMBIENTAL

A atenção dada às questões ambientais é recente e tem se apresentado em discussões internacionais e internas dos Estados, por isso o Direito Ambiental é disciplina bastante atual que foi despertada a partir da preocupação demonstrada pela sociedade com o futuro da humanidade. Assim, explica-se a influência do direito ambiental sobre o direito de propriedade.

O senso comum nos fornece a noção de que meio ambiente remete para algum aspecto da natureza.  Ocorre que, do ponto de vista normativo defendido pela Lei nº 6.938/81, ou seja, pela Política Nacional do Meio Ambiente, o meio ambiente, conforme Birnfeld (2000, p. 134) “constitui o conjunto de condições, leis influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Verifica-se, entretanto, que este conceito deve ser ampliado. Neste sentido pode-se citar José Afonso da Silva (2004, p.20), que assim preceitua:

O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico. O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.

Assim, o que se busca na atualidade é uma integração de elementos naturais e artificiais bem como uma melhor relação do homem com meio, evidenciando uma preocupação em preserva e recuperar o ambiente. Essa preocupação levou ao nascimento do direito ambiental enquanto direito especializado e voltado para proteção ambiental.

Segundo Milaré (2014, p. 256), que prefere utilizar o termo “direito do ambiente”, o Direito Ambiental pode ser definido como “disciplina jurídica dotada de um conjunto de princípios e normas que buscam reger um relacionamento equilibrado do homem com a natureza, regulando toda atividade que direta ou indiretamente, possa causar dano ao meio ambiente”.

Da mesma maneira Antunes (2014, p.3) define essa área do conhecimento jurídico como:

um dos mais recentes ramos do Direito e, com toda certeza, é um dos que têm sofrido as mais relevantes modificações, crescendo de importância na ordem jurídica internacional e nacional. Como em toda novidade, existem incompreensões e incongruências sobre o papel que ele deve desempenhar na sociedade, na economia e na vida em geral. A sua implementação não se faz sem dificuldades das mais variadas origens, indo desde as conceituais até as operacionais. Contudo, uma verdade pode ser proclamada: a preocupação do Direito com o meio ambiente é irreversível.

            De modo simplificado, o direito ambiental pode ser definido como um ramo do direito que visa garantir o direito ao meio ambiente, compreendendo as interações do homem com a natureza e analisando quais mecanismos legais e efetivos para proteção do meio ambiente, visando garantir futuro as novas gerações. Verifica-se, portanto, que a preservação do meio ambiente está intimamente ligara a continuação da vida humana.

 2.1. Princípios ambientais

Os princípios de Direito Ambiental são reconhecidos com instrumentos para a proteção do meio ambiente, cuja finalidade básica é o desenvolvimento sustentável. Assim, segundo Paulo de Bessa Antunes (2001, p. 25):

Os princípios do Direito Ambiental estão voltados para a finalidade básica de proteger a vida, em qualquer forma que esta se apresente, e garantir um padrão de existência digno para os seres humanos desta e das futuras gerações, bem como o de conciliar os dois elementos anteriores com o desenvolvimento econômico ambientalmente sustentado.

São os princípios de Direito Ambiental, portanto, que estabelecem as bases jurídicas que alicerçam os mecanismos postos à disposição da sociedade para a defesa do meio ambiente.

Importante destacar que os princípios podem ser implícitos ou explícitos, porém ambos devem regular as relações humanas e as relações dos homens e outras formas de vida.

2.1.1. Princípio do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

O Direito Ambiental é um direito fundamental, mas não somente direito individual, é um direito difuso, pertencente ao rol dos direitos de terceira geração e que exerce sua influência sobre interesses da sociedade e sobre os interesses individuais.

Nesse sentido o princípio que visa garantir o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado está inserido no caput do artigo 225 da CF/88, entretanto já estava exposto na declaração do Meio Ambiente também conhecida por Declaração de Estocolmo, constituída por 26 (vinte e seis) princípios fundamentais de proteção ambiental.

Assim, cita-se o Principio 1º da supracitada Declaração:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras.

Conforme Silva (2004, p 36):

O combate aos sistemas de degradação do meio ambiente convertera-se numa preocupação de todos. A proteção ambiental, abrangendo a preservação da natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana. Encontramo-nos, assim, como nota Santiago Anglada Gotor, diante de uma nova projeção do direito à vida, pois neste há de incluir-se a manutenção daquelas condições ambientais que dão suportes da própria vida, e o ordenamento jurídico, a que compete tutelar o interesse público, há que dar resposta coerente e eficaz a essa nova necessidade.

Referido princípio, portanto, é aquele proposto para a melhoria da qualidade de vida que visa à proteção ao maior bem tutelado, ou seja, a proteção à vida humana. Pode-se dizer, ainda, que a proteção da vida humana é um princípio norteador da proteção ao Meio Ambiente.

 Desse modo, do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado decorrem todos os demais princípios ambientais, sendo que todas as normas e diretrizes regulamentadoras da vida em sociedade deverão ter como enfoque esta busca pela qualidade de vida.

2.1.2. Princípio da precaução e da prevenção

O princípio da precaução é essencial ao direito ambiental, uma vez que está ligado a cautela, ao estudo antecipado dos riscos apresentados por qualquer atividade que promova alterações ao ambiente. Isso indica uma atuação racional sobre os bens ambientais, focando no máximo cuidado na apreensão de recursos naturais.

Já o princípio da prevenção trata-se de princípio expresso no caput do art. 225 da Constituição Federal, que impõe à coletividade e ao Poder Público o dever de proteger e preservar o equilíbrio ecológico, para as presentes e futuras gerações. Sua importância está diretamente ligada ao fato de que, uma vez ocorrido qualquer dano ao ambiente, sua reparação é praticamente impossível.

Semanticamente parece não haver muita diferença entre os dois princípios, mas o princípio da precaução, de acordo com alguns doutrinadores, antecede o princípio da prevenção, uma vez que sua preocupação não é evitar o dano e sim, antecipadamente, evitar qualquer risco de dano.

Há também doutrinadores que tratam esses princípios de forma unificada, entendendo que o princípio da prevenção engloba o da precaução. Entretanto que deve ficar claro é que esses princípios não podem ser considerados no sentido reparatório, mas de acordo com seu principal foco que é evitar danos irreversíveis ao meio ambiente.

2.1.3. Princípio do desenvolvimento sustentável

A sustentabilidade é um dos principais temas ambientais no século XXI. Ela fala da necessidade de conciliação entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental. Desse modo, o princípio do desenvolvimento sustentável está firmado no entendimento de que cabe a toda coletividade a defesa do meio ambiente.

Em nossa Constituição Federal de 1988 o mencionado princípio está presente nos arts. 3º, II; 170, VI; e 225, que prezam tanto pelo desenvolvimento econômico do país, quanto pela preservação do meio ambiente, com vistas ao usufruto racional dos recursos naturais. Assim, nossa lei maior traça diretrizes jurídicas das ações estatais relacionadas à regulação da atividade econômica, impondo ao desenvolvimento econômico e às ações de fiscalização, incentivo e planejamento o dever da proteção do meio ambiente.

Pela análise do inciso VI do artigo 170, combinado como o artigo 225, não restam dúvidas de que o Brasil positivou o princípio do desenvolvimento sustentável na qualidade de norma-fim, sujeita, portanto, a controle de constitucionalidade não quanto aos meios utilizados, mas sim, em relação aos fins almejados pelo legislador constituinte. Portanto, pelo princípio-fim do desenvolvimento sustentável, propõe-se ao menos a utilização racional do meio ambiente em índices que permitam renovação sem prejuízos às gerações futuras.

2.1.4. Princípio da responsabilidade

Traduzido como sendo aquele que implica em sanção ao responsável pela violação ao ambiente, esse princípio visa impedir que a sociedade seja penalizada com os custos de recuperação de ato lesivo ao meio ambiente causado por agente perfeitamente identificado.

A Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 225, §3º prevê três tipos de responsabilidade, quais sejam: Administrativa, civil e criminal. Esses institutos são independentes entre si, porém não se excluem.

 Conforme Leite (2000, p. 36):

O instituto da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente associado aos instrumentos jurídico-administrativos e à responsabilidade penal ambiental, assim, têm importante missão no cenário do princípio da responsabilização. Esta tríplice responsabilização deve ser articulada conjuntamente, coerentemente e sistematicamente, em verdadeiro sistema múltiplo de imputação ao degradador ambiental.

Desta forma, o princípio da responsabilidade deve ser efetivamente exigido, pois não há mais que se conceber que determinada pessoa, física ou jurídica, possa se eximir de responder por seus atos lesivos ao meio ambiente e também de reparar os prejuízos causados.

Há ainda outros princípios que englobam o direito ambiental, porém, optamos aqui por relacionar apenas alguns principais que podem ser relacionados à temática do presente trabalho.  Assim, a seguir passaremos ao estudo das funções social e ambiental da propriedade.

3. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

O direito brasileiro abarcou em seu ordenamento jurídico dispositivos que visam a proteção do direito à propriedade desde que atenda as funções social e ambiental. Assim, ao tempo em que a propriedade é direito fundamental descrito no art. 5º da Constituição Federal de 1988, verifica-se que o cunho social é o garantidor desse direito, uma vez que conforme salientado por Cristiane Derani (1997, p. 59), “a função social da propriedade é a obrigação que o proprietário tem de dar destinação à sua propriedade de forma que, além de atender aos seus interesse, este exercício promova os interesses da sociedade”.

Assim, ao tempo que a propriedade é concebida como direito fundamental ela também é parte integrante da ordem econômica, segundo dispositivos constitucionais abaixo citados:

Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...);

– é garantido o direito de propriedade;

– a propriedade atenderá a sua função social.

(...).

Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos vida digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...);

– propriedade privada;

– função social da propriedade. (...).

Verifica-se, assim, que o cunho social é garantidor do direito de propriedade. Esse condicionamento conduz ao entendimento de que o proprietário é portador de um “poder” quando direciona seu direito à satisfação da função social, esta, então, entendida como um “dever” para com a sociedade.  Dessa forma, ao contemplar sua função social, a propriedade atinge interesses sociais e coletivos, promovendo o bem comum.

Desse modo, conforme Borges (1999, p. 96):

A função social da propriedade é a obrigação que o proprietário tem de dar destinação à sua propriedade de forma que, além de atender aos seus interesses, este exercício promova os interesses da sociedade. A função social e parte da estrutura do direito de propriedade. Assim, os interesses da sociedade passam a ser deveres do proprietário.

Portanto, o cumprimento do princípio da Função Social da propriedade ao garantir a propriedade privada e as vantagens econômicas advindas desta, torna possível a compatibilização do interesse privado com interesse público.

4. FUNÇÃO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE

Considerando que toda atividade humana sempre implicará em alteração das condições naturais e que os recursos naturais são finitos é sabido que o principal objeto do direito ambiental é a busca por um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Assim, visto que a preservação do meio ambiente é condição indispensável para o desenvolvimento da pessoa humana, bem como da garantia de futuro à humanidade, a consciência ecológica tem avançado a passos largos na história presente. Hoje, grande parte dos países ocidentais abarca em seu arcabouço legislativo a preocupação com as questões ambientais.

Sobre essa função ambiental que toda propriedade deve obedecer, Cavedon (2003, p. 124) escreve que:

A Função Ambiental da Propriedade impõe limitações ao uso da Propriedade, requerendo do proprietário a adequação deste uso às exigências de ordem ambiental, em nome da proteção do patrimônio ambiental comum. (...) Entende-se que a incorporação de uma Função Ambiental à Propriedade estimulará o proprietário a promover a proteção dos bens ambientais sob o seu domínio o que, de forma geral, levará à preservação do meio ambiente em sua integralidade.

No Brasil, a partir da proteção conferida ao meio ambiente, conforme previsões Constitucionais dos artigos 170 inciso VI, 186 inciso II e 225, verificou-se a existência de uma função ambiental, inerente ao conceito de propriedade e de função social, que pode ser compreendida como os deveres atribuídos ao proprietário para que utilize de maneira adequada os recursos naturais e preserve o meio ambiente.

Tem-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro ao condicionar o direito de propriedade ao atendimento da proteção e preservação do meio ambiente, acaba por gerar a Função Ambiental da Propriedade, eis que seu exercício estará condicionado às limitações impostas pelo dever de garantir a integridade ambiental.

5. FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE URBANA

O artigo 182 caput da Constituição de 1988 ao dispor que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Nesse sentido, esclarece Fernanda Cavedon (2003, p. 60) que:

É preciso considerar que a Política de Desenvolvimento Urbano e a preservação e uso racional dos recursos ambientais do município são indissociáveis. Assim, o Plano Diretor deverá considerar as características e as limitações ambientais do espaço urbano ao determinar o seu uso e ocupação, bem como se adequar às disposições legais de proteção ao Meio Ambiente.

Roxana Cardoso Brasileiro Borges (1999, p.110) também considera a função ambiental como componente da função social da propriedade urbana ao dispor:

A propriedade urbana cumpre sua função social, segundo o § 2º do art. 182 da Constituição, quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Também aí é necessário falar-se em função ambiental como sendo um componente da função social da propriedade territorial urbana, pois o plano diretor contém normas ambientais que devem ser obedecidas pelo proprietário, uma vez que compõem a cidade e o meio ambiente natural, ou o que resta dele, e o meio ambiente artificial ao mesmo tempo.

Verifica-se, então, que o Plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento urbano, deve ser executado a partir de objetivos que atinjam as funções sociais e, por conseguinte, ambientais da cidade.

A Lei 10.257/2001, que veio regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, a qual fixou as diretrizes urbanísticas que devem estar previstas no plano diretor, a fim de garantir o bem-estar da população é a lei nº 10.257/2001, também conhecida como “Estatuto da Cidade”, fixa em seu  artigo 1º , parágrafo único que:

Art. 1º (...).

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Frisa-se, deste modo, a relevância do Estatuto da Cidade, uma vez que permitirá a concretização das funções Sociais e Ambientais da propriedade urbana, que devem ser alcançadas através de instrumentos da política de desenvolvimento urbano previstos no artigo 4º da Lei 10.257/2001, podendo-se citar, entre outros, o Plano Diretor, zoneamento ambiental, o parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo, desapropriação com pagamento em títulos.

6. FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE RURAL

A propriedade rural deve aproveitar, racionalmente, o potencial produtivo da propriedade e fazer o uso sustentável da terra, garantindo a preservação do meio ambiente. Uma das formas encontrada, pelo Legislador, para propiciar, ao proprietário, o devido atendimento ao requisito ambiental está disposta no Novo Código Florestal, em seu artigo 12:

Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:      (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).

I - localizado na Amazônia Legal:

a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;

b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;

c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais;

II - localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte por cento).

            Assim, trabalhar a função social da propriedade rural é também trabalhar sua função ambiental.

Esse conteúdo é previsto pelo artigo 186 e incisos da Constituição Federal que preceituam:

Art. 186. A Função Social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I         – aproveitamento racional e adequado;

II        – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do Meio Ambiente;

III       – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV       – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Desse modo, para a propriedade rural, não basta que ela seja produtiva e que não utilize mão-de-obra escrava ou infantil, é necessário também o cumprimento da função ambiental, utilizando de maneira adequada os recursos naturais visando à preservação do meio ambiente. Verifica-se, portanto que é dever do proprietário rural preservar o ambiente para presentes e futuras gerações, pressuposto a realização da função social da propriedade.

7. LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE

Embora a Constituição de 1946 já fizesse remissão à função social e a constituição de 1967 tenha compartilhado esse pensamento consagrando a função social da propriedade como princípio da ordem econômica.  É somente a partir do final do século XX que a doutrina do individualismo perde força.

Com a transformação da sociedade derivada da industrialização dos modos de produção e a proliferação dos centros urbanos, somada ao surgimento de doutrinas socializantes, evidenciou-se a necessidade de tutelar, sob a ótica do direito de propriedade, não apenas direitos individuais do proprietário, mas, igualmente, interesses supraindividuais que poderiam ser afetados pelo exercício do direito individual.

Assim, com a Constituição Federal de 1988 a função social da propriedade começou a ser tratada como um direito fundamental. A partir desse momento histórico, a primazia do direito individual deu lugar a preponderância do direito coletivo. Essa mudança, para além de metodológica, foi também axiológica ao ser estabelecido pela constituição um plano reflexivo inédito à doutrina dos direitos reais, reafirmando estes direitos como fundamentais e exigindo que se observe sua carga funcional como pressuposto de legitimação para o exercício do direito à propriedade.

Em seu artigo 186 e respectivos incisos a CF/88, estabelece, expressamente, as hipóteses nas quais a função social da propriedade imóvel rural é cumprida quando existe:

(...)

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

Caso não atenda a um desses requisitos, a propriedade não está cumprindo sua função social e corre o risco de ser desapropriada para fins de reforma agrária mediante prévia e justa indenização a ser paga com títulos da dívida agrária, resgatáveis em até vinte anos, a partir do segundo ano de emissão.

Também em relação à propriedade imóvel urbana, a CF/88 explicita, em seu artigo 182, § 2º, que deve ser cumprida sua função social, determinando que essa exigência será atendida quando estiver em conformidade com as exigências fundamentais de ordenação expressa no plano diretor de cada cidade. O parágrafo 4º do mesmo artigo estabelece, ainda, sanções aplicáveis na hipótese de imóvel não edificado, subutilizado ou não utilizado como forma de constranger o proprietário a observar a função social de seu imóvel. Nesse sentido, poderá incidir p parcelamento ou edificação compulsória, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e, por fim, a desapropriação, prévia e justa, mediante pagamento de títulos da dívida pública, cuja emissão deverá ser aprovada pelo Senado Federal, resgatáveis em até dez anos em parcelas iguais, anuais e sucessivas. Tais formas de desapropriação constituem hipóteses de desapropriação por interesse social, de modo a prestigiar a função social da propriedade.

São estas limitações de caráter positivo, afinal, limita-se a propriedade não em razão do que o proprietário não deve fazer, mas, sim, em função do que deve fazer. É, portanto, uma limitação de caráter teleológico, assim como no caso do abuso de direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo presente estudo verifica-se que o direito à propriedade não é mais considerado um direito supremo do indivíduo, mas, dada a devida ênfase aos direitos sociais, coletivos e difusos, esse direito passou a sofrer limitações necessário para a conciliação entre propriedade, desenvolvimento e conservação de recursos naturais.

Assim, o ordenamento jurídico brasileiro contempla a função socioambiental da propriedade, a fim de promover o bem-estar coletivo, visando atingir o equilíbrio ecológico.

 

Verifica-se, ainda, que as limitações apresentadas à propriedade não objetivam causar prejuízos ao proprietário, mas sim, a adequação da propriedade aos padrões ambientais estabelecidos.

Todavia, sabe-se que é utopia imaginar que os princípios ambientais estão sendo exercidos da forma como previstos constitucionalmente. Necessário é, pois, a incorporação desses princípios pela sociedade, para que se possa, enfim, haver um desenvolvimento sustentável e que se conquistar de fato um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

REFERÊNCIAS

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