Muitas vezes ao imaginamos a felicidade de uma pessoa com quem não convivemos, estamos muito distante da sua realidade, pois dificilmente ela tem alguma semelhança com o quadro que imaginamos dela. Basta que alguém tenha uma excelente apresentação sócio econômica, saúde, sempre esteja alegre, sorridente, tenha uma família exemplar e frequente ambientes de alto custo, para que pensemos que ela foi agraciada com o que chamamos de felicidade. Só que não existem melhores amigos e mais profundos conhecedores da nossa vida do que os nossos travesseiros, amigos confidentes que acolhem em silêncio cabeças cansadas de tantas verdades não reveladas, extravasadas em lágrimas de amargura. São amigos que em silêncio nos fazem companhia em noites inteiras de insônia, que se deixam encharcar das lágrimas de quem esconde do mundo a realidade de uma vida de poucos sonhos e de pesadelos inconfessáveis.

Há alguns anos eu presenciei a cena chocante de um homem de considerável poder aquisitivo que, inconsolável chorava desesperadamente abraçado ao caixão em que se encontrava aquela que fora sua mulher por toda a vida. Entre soluços descrevia os momentos felizes que viveram juntos, falava do tempo em que se conheceram e de tudo mais que de agora em diante não teria mais sentido sem ela ao seu lado. Eu os conhecia mais ou menos, e sabia que sob o branco véu daquela cena comovente, havia um véu escuro envolvendo os momentos dolorosos que ele a fizera passar, o qual ela estava levando consigo silenciosamente, escondido sob as flores que cobriam o seu corpo. Ela o tinha amado muito e quem sabe, ele também a tinha amado, em seu estranho modo de expressar um amor inexplicável.

Fiquei ali parada envolta em meus pensamentos, tentando entender a que dimensões podem atingir certos sentimentos e também a fragilidade de que eles são feitos, a ponto de se transformarem completamente em momentos de descontrole emocional, levando alguém a destruir física e moralmente a pessoa amada, para depois tornar-se um trapo humano diante da insustentabilidade daquela frágil vida que se foi.

Nós estamos aqui de passagem e todo tempo que temos ainda é pouco para aproveitarmos os incertos momentos que imaginamos poder contar com eles e tentar realizar nossos sonhos, já que a felicidade verdadeira é algo inatingível, nada mais que um mito ou a leveza uma aurora boreal. Nossa caminhada, por mais longa que seja, diante do universo tem uma velocidade meteórica, solitária e fugaz. Não fosse o amor, esse sentimento que aproxima os seres viventes e que apesar de sua fragilidade nos dá um pouco de felicidade e nos faz gerar vidas, viveríamos em completa solidão e tédio. Infelizmente esse mesmo amor e todos os sentimentos do ser humano são tão vulneráveis e frágeis como os nossos corpos físicos. O mínimo que nós podemos fazer é nos valer dos nossos sentimentos bons e procurar fortalece-los a cada dia, para vivermos da melhor maneira possível a nossa curta e incerta existência, procurando compreender mais o nosso próximo, perdoa-lo, procurando entender os seus momentos de fraqueza e retribuir o amor e as coisas boas que recebemos uns dos outros. Acredito que assim podemos evitar que algum dia tenhamos que carregar o peso de um resto de vida cheio de culpa e de remorsos, como deve ter sido o fim daquele homem, a partir daquela fria manhã de inverno.

Júnia - 2016