O mundo chamado pós moderno encontra-se envolta em uma profunda crise moral e ética que repercute na formação dos profissionais. a busca principal deixou de ser qualidade ética para se direcionar para o possuir. Por isso, a vida humana e a sociedade precisam ser revistas sob a ótica da ética se quisermos construir uma sociedade justa, com paz e feliz.

A raiz do problema se encontra justamente na inversão do sentido do homem, passou-se do ser para o ter, assim o homem é considerado por aquilo que tem e não pelo que é. Valoriza-se "a conquista e o domínio desse mundo pelo dinheiro e pelas armas, pela ciência e pela tecnologia do que à assimilação pessoal e à vivência comunitário dos valores que dão sentido a vida humana, como a verdade e o bem, a justiça e o amor" (CATÃO. 1997: 103). Desse modo, a ética sofre uma derrota brutal perante o caráter econômico, "a ética perdeu (espaço) para a economia. O homo faber, o homo economicus, prevaleceu sobre o homo sapiens" (CATÃO, 1997: 103).

Contudo, a própria economia caminha por veredas tortuosas. No entender de Catão, "não deixará nunca de ser humana" (CATÃO, 1997: 103).

O desenvolvimento do modelo de produção capitalista, que nos seus primórdios se voltou para o enriquecimento próprio, o progresso e o desenvolvimento da técnica, do capital financeiro, modificando-se com o decorrer do tempo e estabelecendo-se de modo migratório transitando "historicamente da produção para o consumo, pois o crescimento do mercado e a satisfação dos produtos foram levando-o a reconhecer que não basta produzir mais, mas é preciso produzir melhor para satisfazer os consumidores e conseguir vender, tal a 7importância que se dá hoje à qualidade de vida" (CATÃO, 1997: 103).

Isso implica necessariamente na suplantação da qualidade diante da quantidade, configurando-se como um dos principais conceitos da economia contemporânea. Isso significa precisamente que no "conjunto de propriedades e características de um produto ou serviço, que o torna apto a satisfazer necessidades expressas ou implícitas dos eventuais consumidores" (CATÃO, 1997: 103). Deste modo, referir-se a qualidade implica em recorrer a ética porque esta confere a referida qualidade ao ser e a vida.

Entendo desta maneira, o conceito de qualidade apresenta alguns desafios para o engenheiro e o economista que lidam com a produção e a distribuição, e também para o filosofo que percebe a mudança do foco e conseqüentemente o desenvolvimento da cultura.

No âmbito educacional a pedagogia vê transportados para este campo (educação) os mesmos problemas, isto é importante para não se restringir o problema ao nível da economia e da produção.

Assim, "incitados a refletir sobre ética e educação propomo-nos a trilhar o caminho da qualidade" (CATÃO, 1997: 104), e que "quando transportado para a educação, suscita de maneira nova a questão ética" (CATÃO, 1997: 104). Assim, iniciaremos discorrendo sobre o conceito de qualidade para posteriormente discutir a ética e entender as implicações deste conceito de qualidade em educação. Portanto, o 1º passo é o conceito de qualidade, o 2º passo é discutir a ética e,

o 3º as implicações do conceito de qualidade em educação.

1-revendo o conceito de qualidade.

Seguindo o raciocínio dos filósofos antigos, "os conceitos são siana ad placitum" (CATÃO, 1997: 104), ou seja, empregam-se para "designar aspectos inteligíveis da realidade" (CATÃO, 1997: 104) sendo consenso a condição fundamental para examinar e dialogar de modo profundo em nossa humanidade.

A pergunta que precisamos considerar é qual o aspecto da realidade que é designado pelo conceito de qualidade? Contudo, se pensarmos desse não alcançamos uma resposta única, porque os conceitos não atemporais, ou seja, eles variam conforme o contexto histórico, ou a forma em que são tomados da experiência varia muito.

Por isso, é importante distinguir o contexto em que foi tomado da realidade pelos gregos. O conceito de qualidade, portanto, é muito antigo. Assim, linguagem possui uma carga maior "é mais pesada" (CATÃO, 1997: 105) do que as idéias. As idéias variam conforme a cultura e as questões postas, mas as palavras permanecem "por simples força inercial" (CATÃO, 1997: 105).

A qualidade do sujeito. Para Catão o conceito de qualidade passou por três períodos distintos do ponto de vista histórico.

 

1º na perspectiva Grega "qualidade designou um aspecto inteligível que carateriza determinado ser em si mesmo que o torna tal dizia Aristóteles" (CATÃO, 1997: 105). Usando como referencia os analíticos Aristóteles "situ a a qualidade entre os atributos que se dizem do próprio sujeito, distinguindo-se da substância da relação" (CATÃO, 1997: 105). Assim, "a qualidade é pois aqui um conceito designa o que caracteriza determinado sujeito, dá conta de qual é ou como é em si mesmo sob determinado prisma" (CATÃO, 1997: 105).

O filósofo Grego de Estagira foi muito a fundo clarificando os diferentes modos de se dizer o ser. Desta maneira, o sujeito pode ser dito através das "habilidades que possui" (CATÃO, 1997: 105), amaneira com a qual exerce sua atividade de humano, a liberdade, o modo que administra sua atividade e sexualidade, isso fora denominado posteriormente de "virtude" (CATÃO, 1997: 105).

O sujeito pode ser caracterizado de diferentes formas como por exemplo "a capacidade de se mover e agir" (CATÃO, 1997: 105), e ainda de inteligir e de querer. Merece menção também, o modo como os teólogos caracterizam o sujeito, sendo clarificado devido a capacidade de "participar do amor de Deus por nós" (CATÃO, 1997: 105), mantendo o amor entre nós e comungando da intimidade divina. Isso leva o homem além da natureza, abrindo-se para a transcendência, atingindo a verdade e a vontade, ordenando o bem.

Aristóteles apresentou ainda dois modos de caracterizar o sujeito,a saber:

2º "a qualificação de um agente para operar na forma que lhe é devida" (CATÃO, 1997: 106).

3º "o aspeto que assume como agente em atividade, seu perfil" (CATÃO, 1997: 106).

Desta maneira, os dois últimos modos de caracterização são utilizados como formas de enquadramento da ciência.

Por tudo isso, no entender de "Aristóteles qualidade do ser humano é um conjunto de características inerentes ao sujeito, (...) mas que se traduzem também por um perfil e uma série de qualificações decorrentes de sua condição corpórea e de sua posição no complexo jogo das determinantes históricas" (CATÃO, 1997: 106).

 

A QUALIDADE MIMÉTICA

 

No modo de pensar Grego aparece outro conceito de qualidade no que diz respeito ao sujeito. É "a qualidade como fidelidade ao modelo, denominamo-la, por isso, mimética"[1] (CATÃO, 1997: 106). Talvez por ter de se inserir em um clima cultural platônico não tenha conseguido atingir a hegemonia, pois este filósofo lhe confere um caráter alienante porque é justamente na superação que se configura a qualidade desta.

Esse modelo de qualidade caracteriza-se justamente pela imitação de Jesus, assim, segundo os cristãos humanistas "o ser humano é tanto mais humano quanto melhor reproduzir o modelo de Jesus" (CATÃO, 1997: 107). Ou seja, o ser humano adquire mais qualidade quando consegue imitar o ideal traçado por Deus incluindo a existência histórica, "e não só como pessoa, mas também como comunidade, pois em ultima análise não é Deus, antes de tudo comunhão do Pai com o Filho no espírito Santo" (CATÃO, 1997: 107).

A sociedade moderna tornou secular o exemplarismo platônico-medieval, transformado-se em um platonismo que tem agora como ideal, não mais a positividade histórica do filho de Deus encarnado, "mas uma concepção como que endeusada do ser humano autônomo em tudo conduzido pela razão, tanto na vida pessoal como na organização da sociedade" (CATÃO, 1997: 107).

O iluminismo foi se fortalecendo sob a utopia da "onipotência da razão, do progresso infinito da ciência, capaz de um dia tornar o ser humano e a sociedade mais fiéis ao modelo de humanidade a que têm acesso os espíritos esclarecidos" (CATÃO, 1997: 107).

Porque falar de modelo? Segundo Catão todas as atividades humanas seguem um modelo, isso também vale para a educação, isso implica na existência de modos ou modelos educacionais. Poderia ser um "modelo natural, como propôs Rousseau" (CATÃO, 1997: 107). Ou um modelo de caráter "político-pragmático de manutenção do poder acima de tudo como procurou formular Maquiavel" (CATÃO, 1997: 107). E ainda um "modelo de obediência a um imperativo básico da consciência, como o expôs Kant" (CATÃO, 1997: 107).

Na concepção de Catão a qualidade da educação vai depender da fidelidade ao modelo de sociedade e de ser humano que se tem em mente, devido a função do educador que apresenta o modelo que o educando deve assimilar progressivamente.

Na modernidade este conceito mimético de qualidade foi absorvido e mantido por muito tempo na arte como na técnica, reproduzindo um modelo "ora tirado pela natureza, ora pela funcionabilidade racional do produto" (CATÃO, 1997: 107).

Isso fora usado (imitação) por muito como critério para determinar a qualidade artística. Assim, "a qualidade era vista do lado da produção, mais do que do lado do consumo" (CATÃO, 1997: 107).

 

A QUALIDADE SATISFAÇÃO

 

O acumulo de capital sem limites faz com que a qualidade passe a ser a possibilidade de satisfazer as necessidades dos consumidores. Assim, o crescimento sem bloqueio gera cada vez mais lucros, então a qualidade aumenta do ponto de vista mercantil.

Deste modo, surge um novo conceito de qualidade resultante de uma série de fatores convergentes. O conceito de qualidade situa-se precisamente "na esfera do inter-relacionamento entre as pessoas, é da ordem da razão, comunicativa, se o quisermos dizer em termos habermasianos" (CATÃO, 1997: 108). O que realmente importa é vender, contudo, "importa mais, manter satisfeito o cliente" (CATÃO, 1997: 108) para poder contar com a colaboração do cliente é preciso satisfazê-lo.

No entender do pensador surge uma questão: o que seria esse conceito novo para a educação? Contudo, não é interesse tratar exclusivamente disso nessa discussão mas não é possível deixar de mencioná-la.

Dentro do leque de respostas possíveis surge uma que nos parece incoerente com a educação. Precisamente é a que considera a "qualidade da educação em termos exclusivos da satisfação da clientela tal qual é" (CATÃO, 1997: 108), não parece plausível porque "o educador trabalha com a perspectiva do que os educandos se devem tornar"(CATÃO, 1997: 108).

Isso significa que o aprender não deve estar voltado exclusivamente para o mercado, ou a concursos, é preciso que a educação seja direcionada para o ser humano se realizar efetivamente como tal. Assim, o educador procura despertar, orientar e suscitar um progressivo amadurecimento humano" (CATÃO, 1997: 108), este modelo requer coragem e austeridade para tornar possívelrelação de maneira humana entre os humanos, fundando o comportamento "no respeito ao outro, na justiça e na solidariedade" (CATÃO, 1997: 109).

 

A QUALIDADE TOTAL

 

Hoje, ao nos referimos ao conceito de qualidade pensamos imediatamente "na perfeição do produto ou do serviço medida por um critério de correspondência, ou a conformidade a um modelo, ou a capacidade de satisfazer os usuários" (CATÃO, 1997: 109). Esses três aspectos implicam no conceito de qualidade total.

No entanto, em educação a junção da qualidade do sujeito, mimética e qualidade-satisfação não implica em qualidade total. Em educação este qualidade total estrutura-se em torno do ser humano como tal, sua perfeição intrínseca ao desejo de bem "inscrito no mais profundo de seu coração e na qualidade de seu convívio social, fruto da justiça e da solidariedade" (CATÃO, 1997: 109). Isso implica que a qualidade do ser humano "é formalmente ética" (CATÃO, 1997: 109).

No âmbito humano, ressalta Catão, o conceito de qualidade total é de caráter multicomplexo, ou seja, a educação é um processo humano e como tal envolve diferentes níveis. Mencionamos a seguir três principais indicativos:

 

A)a qualidade da arte do ensino " que consiste na utilização dos meios de transmissão do conhecimento mais aptos a alcançar os objetivos visados num determinado contexto cultural, com os recursos que pode dispor" (CATÃO, 1997: 109). Ao professor cabe conhecer e dominar os recursos disponíveis para usar em favor dos educandos.

B)A qualidade das atividades escolares sob o prisma da organização escolar, infra-estrutura, matérias da escola, salas, práticas pedagógicas, currículo, metodologia e avaliação. Essa qualidade depende do domínio da técnica de ensino e dos aspectos organizativos ou de planejamento.

C)A qualidade humana dos atores da atividade pedagógica, aqui referimo-nos ao processo educativo, "educandos e educadores, portanto, orientadores, coordenadores, profissionais, funcionários e alunos, suas respectivas famílias" (CATÃO, 1997: 110).

Segundo Catão o conceito de qualidade total em educação significa "o perfeito entrosamento entre esses três aspectos {...} a organização apropriada, a excelência das atividades pedagógico-administrativas e a qualidade das inter-relações humanas"(CATÃO, 1997: 110).

No entanto para poder compreender com profundidade o conceito de qualidade em educação precisamos entender o conceito de qualidade ética como tal, uma vez que ao falarmos de qualidade em educação, isso implica no conceito de qualidade ética porque esta (qualidade) se fundamenta no agir humano.



[1]Entendida como modelo ou imitação.