A escola formal não é um elemento natural, mas sim uma instituição criada com finalidades bem específicas. “Ela surgiu no século XIX, dentro do CAPITALISMO INDUSTRIAL com o objetivo fundamental de ensinar as letras e os números, e propagar um IDEÁRIO RACIONAL, de modo que o divino (de Deus) volta-se para as igrejas – enquanto espaço de oração –, ao passo que a produção de mercadorias é reforçada pela exploração dos elementos da natureza e do trabalho” (ABREU, 2012, p. 11). A escola está vinculada às ideias iluministas, buscando a criação de uma sociedade com indivíduos racionais. A escola seria a responsável pela criação do “bom cidadão” (ABREU, 2012, p. 12). A escolarização é, portanto, um projeto de sociedade. A escola carrega tanto a CARGA IDEOLÓGICA quanto o CONTRADISCURSO. “A escola seria, do ponto de vista das frações de classes e das ideias dominantes da sociedade industrial, o lócus por excelência onde os conhecimentos científicos tornam-se coletivos e públicos e são apreendidos. Responderia, assim, a uma visão científica, moderna e civilizada da sociedade” (ABREU, 2012, p. 12). Para Gramsci “a escola é aparelho ‘privado’ da sociedade civil e dos interesses das frações dominantes da sociedade, contudo, ela também recebe a influência de outras concepções de mundo que não a dominante e, portanto, pode permitir a superação dos valores dominantes pela expressão do seu contrário” (ABREU, 2012, p. 13). Assim, a escola pode ser espaço de disseminação de uma Ideologia dominante, mas também pode ser espaço da construção da cidadania. “Um agente fundamental do processo ensino-aprendizagem escolar é o professor, que ‘ensina’, que domina a reproduz um conjunto de conteúdos formalizados em um currículo escolar e que, historicamente, é mal remunerado, subordinado aos interesses e valores hegemônicos. Uma visão simplista, mas ainda dominante, que coloca o professor como transmissor do conhecimento, reduzindo a produção do conhecimento a uma função mecânica e descontextualizada” (ABREU, 2012, p. 13). Qual é o papel do Professor na escola? (ABREU, 2012, p. 13). Por qual razão os livros didáticos são escolhidos a partir de uma pequena lista pré-estabelecida antes de chegar às mãos dos Professores? Estes livros não deveriam ser adequados às múltiplas realidades vividas nos Estados? Como ensinar crianças indígenas com o mesmo livro didático produzido para crianças que viveram toda sua vida no espaço urbano? Por qual razão não há um respeito pela diversidade cultural e étnica no momento de produção e distribuição dos livros didáticos? Por qual razão os conhecimentos científicos continuam sendo disseminados no espaço escolar de forma fragmentada, como as disciplinas não tivessem relação alguma entre si? Essa fragmentação do conhecimento só pode produzir conhecimentos e visões de mundo parciais... Ou não? Em relação ao ensino de Geografia, como professores e pesquisadores, buscamos incansavelmente dissolver a DICOTOMIA entre Geografia Física e Geografia Humana. Como são aplicados estes conhecimentos na escola? “Mesmo os livros didáticos elaborados dentro da chamada Geografia Crítica, em que os autores procuram consolidar a crítica à sociedade vigente, encontramos capítulos inteiros da mais pura descrição de fenômenos naturais, não conseguindo romper com os conteúdos convencionados pela chamada geografia tradicional criticada” (ABREU, 2012, p. 15). Para superar a visão limitada da Geografia Tradicional (conteudista), é preciso não “maquiar” aqueles conhecimentos antigos, mas permitir uma expansão dos conhecimentos. Muitos conceitos e afirmativas são construções sociais, e precisam ser desnaturalizados. Ex: a existência de apenas 3 setores econômicos na sociedade: primário, secundário e terciário. Outro grave problema nas escolas e que interfere na qualidade dos conhecimentos adquiridos é a falta de material didático adequado, como globos, mapas, laboratórios, livros, etc. Como contornar o problema da falta de recursos didáticos e ainda assim dar uma “boa” aula? Vocês consideram que existe a separação entre a teoria e a prática na formação acadêmica? A escola tem uma função social, desde a década de 1960: produção de “capital humano” necessário ao modelo político-econômico existente. A Universidade tem outro papel social: lugar por excelência da produção/transmissão do saber. Especialmente a partir de 1968, vinculado à um programa de “desenvolvimento nacional” a escolarização é disseminada mesmo entre as classes mais baixas, servindo à um ideal bem definido: FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS! (Disseminação da ideologia dominante e também mão-de-obra). No contexto da Ditadura Civil-Militar brasileiro não havia espaço para as HUMANIDADES. “O processo ideológico se concretiza a partir da repressão e do ideário anticomunista” (ABREU, 2012, p. 19). A retirada das disciplinas das humanidades gerou o que Rouanet chamou de DEMOCRACIA DO ANALFABETISMO UNIVERSAL, gerando uma condição de CONFORMIDADE, de ANESTESIA e de PERDA DE SENSIBILIDADE CRÍTICA. Vocês sentem essa conformidade em algum momento da vida de vocês (âmbito familiar, profissional, acadêmico)? À quem serve esse conformismo? Como esse conformismo se mostra oposto à democracia? “No âmbito da escola se inseriram questões de etnia, idade, gênero, religião, sexualidade e diferença de classes, no sentido do desvendamento de valores pré-estabelecidos e de preconceitos a serem superados com o objetivo de consolidar outros parâmetros para além dos interesses de mercado e que passam pela compreensão e respeito à humanidade, às diversidades e às diferenças culturais” (ABREU, 2012, p. 21). Como seria a formação de um Professor que seja capaz de despertar nos alunos a consciência da cidadania? Quais atitudes promovem, no âmbito da escola, uma prática cidadã? É preciso retomar, segundo a autora, o papel do Professor de INTELECTUAL. Rompendo com a racionalidade tecnocrata que foi construída ao entorno da figura do Professor. “Desse modo, o professor de geografia deverá permitir/estimular o aluno na sua capacidade de pesquisar, raciocinar, relacionar, argumentar, criar e aprender, superando a prática da cartilha e do exercício simples de memorização, sem negligenciar a importância dos conteúdos científicos sistematizados e sua apreensão como possiblidade emancipatória. Trata-se de assumir o papel de FORMAÇÃO DO CIDADÃO para a sociedade, preparando-o para ser SUJEITO, QUESTIONADOR e TRANSFORMADOR de sua realidade” (ABREU, 2012, p. 22). Até recentemente no Brasil, os cursos de licenciatura estavam vinculados à FORMAÇÃO TÉCNICA do Professor. Algumas críticas em relação a este método são: Separação entre a TEORIA e a PRÁTICA; Teoria sobrepondo à prática docente; Visão da prática enquanto mero processo de aplicação dos conteúdos; Visão de que “para ser um bom professor basta o domínio da área do conhecimento específico que se vai ensinar” (ABREU, 2012, p. 22). Divisão histórica entre bacharel e licenciatura, meios e objetivos. “Certamente que se deve reconhecer que tem ocorrido mudanças, mas o formato dos cursos de licenciaturas tem se constituído no oferecimento de um conjunto de disciplinas de conhecimento específico (conteúdo), que acrescido do conhecimento pedagógico (técnicas de ensino, aplicação e prática) formam o professor de geografia” (ABREU, 2012, p. 24). A prática docente deixa de ser meramente a aplicação prática dos conteúdos científicos (como na Ditadura) para ser um processo de CRIAÇÃO E REFLEXÃO. Vários debates foram travados para definir o ensino da Geografia. Especialmente em relação às diferenças entre bacharel e licenciatura. No entanto, surge um problema: divisão entre a teoria e a prática. Assim, havia uma separação entre a produção do conhecimento científico (pesquisadores) e a prática docente (professores). Alguns cursos passam a ter as duas modalidades: bacharel (TCC) e licenciatura (estágio supervisionado). “Não basta o domínio de conteúdos específicos ou pedagógicos para alguém se tornar um bom professor, também não é suficiente estar em contato apenas com a prática para se garantir uma formação docente de qualidade. Sabe-se que a prática pedagógica não é isenta de conhecimentos teóricos e que estes, por sua vez, ganham novos significados quando diante da realidade escolar” (ABREU, 2012, p. 26). Como resolver este problema em nossa formação? Qual a importância das disciplinas de Prática nos cursos de licenciatura? Como o estágio supervisionado contribui para a formação docente? É possível conceber um curso de licenciatura sem dedicar horas exclusivamente para as disciplinas do ensino? Ou a prática pode ser fragmentada no âmbito das várias disciplinas teóricas?

ABREU, Silvana de. Formação do Professor de Geografia: construindo conhecimento, consolidando práticas. Aspectos da relação ensino-aprendizagem. In: ANDRES, Juliano; FRANCISCHETT, Mafalda Nesi; AGUIAR, Waldiney Gomes de (Orgs). Ensino de Geografia: abordagens sobre representações geocartográficas e formação do professor. Cascavel: EDUNIOESTE, 2012. p. 11-48.

  • O presente artigo é uma breve análise realizada no âmbito da disciplina de Prática de Estágio III, do curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Não se pretende seguir uma linearidade no texto ou rigorosidade científica, mas levantar questões e estabelecer análises sobre a escola e a formação do professor de Geografia, sem grandes formalidades.