Desafios e possibilidades teórico-práticos

Nas últimas três décadas, o que mais se observa na literatura sobre a formação de professores, especialmente relativas às Ciências Naturais, são temas que expressam constatações de que, em muitos casos, esses profissionais possuem fragilidades formativas para dar conta do processo de ensino e aprendizagem de seus estudantesEssas temáticas acabam provocando algumas reflexões importantes sobre a complexidade da profissão professor, principalmente em relação às necessidades abancadas pela sociedade atual.

ANTÔNIO NÓVOA ressalta que é difícil afirmar se na atualidade,  ser professor é mais complexo do que no passado, porque a profissão docente sempre foi de grande complexidade. Hoje, os professores lidam não só com alguns saberes, como era no passado, mas também com as tecnologias e suas complexidades no cotidiano social, o que não existia no passado. Contudo, os saberes docente superam a ideia de simplesmente obter informações. Para SELMA PIMENTA, o ato de Conhecer implica em trabalhar as informações, isto é, analisar, organizar, identificar suas fontes, estabelecer as diferenças destas na produção da informação, contextualizar, relacionar as informações e a organização da sociedade. Por isso, trabalhar as informações na perspectiva de transformá-las em conhecimento é uma tarefa primordial, que se consolidará na medida em que o professor não assente o seu saber na informação, procurando desenvolver seus conhecimentos no modo como se investiga, como se faz ciência.

Em muitos centros universtários, é possivel verificar que o modelo norteador para formação docente ainda se associa com o paradigma da racionalidade técnica, uma forte referência educacional que perdurou ao longo de todo o século XX, guiando a atividade do professor para uma prática instrumental, dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação de teorias e técnicas científicas. Isso, caracteriza uma visão simplista sobre o Ensino de Ciências, que é ensinada, basicamente, por transmissão dos conhecimentos científicos já elaborados, sem permitir aos estudantes uma aproximação direta com a construção desses conhecimentos, podendo levar a visões distorcidas e obstáculos para o aprendizado dos estudantes, revelando limites da prática docente, e consequentemente, os limites de sua formação, seja inicial, seja contínua.

Como proposta de superação formativas do professor para atender às novas exigências da sociedade e da realidade escolar frente ao ensino de ciências, resgata-se algumas considerações de ROSELI SCHNETZLER como: I dominar os conteúdos científicos ensinados em seus aspectos epistemológicos e históricos, explorando suas relações com o contexto social, econômico e político; II questionar as visões simplistas do processo pedagógico de ensino das Ciências, usualmente centradas no modelo transmissão-recepção e na concepção empiricista-positivista de Ciência; III saber planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino que contemplem a construção-reconstrução de ideias dos estudantes; IV conceber a prática pedagógica cotidiana como objeto de investigação, como ponto de partida e de chegada de reflexão e ações pautadas na articulação teoria-prática.

MAURICE TARDIF ressalta que o professor deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, possuindo certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia, buscando desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os estudantes. Por isso, TARDIF define o saber docente como um saber plural, formado pela união de saberes da formação profissional, que são transmitidos pelas instituições de formação de professores, pelos saberes disciplinares definidos e selecionados pela instituição universitária e incorporados na prática docente, os saberes curriculares relacionados aos objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos, e os saberes experienciais que brotam da experiência e são por ela, validados, incorporando experiências individuais e coletivas.

As duas abordagens enfocam as necessidades formativas no conhecimento do professor, indo ao encontro de que a mudança no Ensino de Ciências só ocorrerá a partir de uma mudança profunda na epistemologia do professor. Nesse sentido, o conhecimento do professor pode ser compreendido como um conjunto de concepções epistemológicas que são concepções globais, preferências e pessoais, nem total e nem coerentemente explicitadas, nem ordenadas, nem com uma estrutura hierarquizada entre os elementos que a compõem.

SELMA PIMENTA defende a ideia que o conhecimento oriundo nas dimensões científica, técnica, tecnológica, pedagógica e humana, devem proporcionar as condições para o professor analisar criticamente a sociedade e seus valores. Para PIMENTA, atualmente o conceito de saberes está sendo substituído pelo de competências, capaz de deslocar do trabalhador para o local de trabalho a sua identidade, ficando este vulnerável à avaliação e controle de suas competências, definidas pelo posto de trabalho. Se estas não se ajustam ao esperado, facilmente poderá ser descartado.

O que se observa em síntese nessas abordagens, é uma articulação teoria-prática que busca oferecer elementos para fazê-lo do professor, a partir de uma prática refletida. Essa prática é vista, principalmente, nas últimas duas décadas, como espaço privilegiado de construção de conhecimento, estando entre as principais necessidades a serem consideradas no processo formativo do professor, seja na formação inicial ou contínua.