Por FREIRE. Kilvia Helena Silva

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar a figura da mulher guerreira do sertão nordestino confrontada com a dificuldade da seca, um fenômeno que maltrata na busca pela sobrevivência através de trabalhos árduos e indignos, mas que ao mesmo tempo enfoca a personalidade forte da protagonista em Luzia-Homem, que ora apresenta-se masculinizada por sua força e músculos ora completamente feminina. Apresentar os valores nordestinos enraizados na personagem Luzia, a fala e os costumes. O naturalismo explicito e fiel ao sertão nordestino em Luzia- Homem, de Domingos Olímpio (1903).

Palavras- chave: A mulher nordestina, seca, Luzia- homem, Naturalismo.

 

 

Introdução

          Pretende-se aqui fazer uma abordagem focada no tema “a força da mulher nordestina”, através da personagem Luzia, na obra Luzia-Homem, de Domingos Olímpio, de modo a focar na realidade vivida pelas mulheres que enfrentam a seca em busca de melhoria de vida, e sobrevivência. A história relata o flagelo do sertanejo, demostrando o poder de denuncia social. Os sofrimentos dos que fogem da seca é um retrato bastante conhecido. Os retirantes são a composição de um quadro muito sério vivido pelos nordestinos em uma dessas grandes secas ocorrida em 1878, vários deles encontraram trabalho na construção da penitenciária de Sobral, cidade do interior do Ceará.

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Trabalho apresentado ao  Professor Vicente Martins,  no componente curricular Pratica de Pesquisa I, como atividade de  análise da obra Luzia-Homem, na Universidade Estadual Vale do Acarau- UVA

E entre eles encontra-se Luzia, que chama atenção por ser muito masculinizada e por conta disso recebe o nome de Luzia-Homem. Luzia representa a força da mulher nordestina, sua história de luta desde a infância até a sua morte.

O homem e o meio

      O Realismo, assim como o Naturalismo, é fruto de uma época de profundo apego ao materialismo e às questões científicas. A segunda metade do século XIX é profícua em teses e propostas nos variados ramos das ciências. Com a evolução das máquinas nos passos da Revolução Industrial, a utilização de novos materiais como : o petróleo, a telefonia, a telefonia, a evolução dos transportes, a abertura de frentes inovadoras na Biologia com Mendel e Darwin e a união desta à sociologia em defesa da ideia da evolução. Sem nos esquecermos da forca do Positivismo de Comte, do Determinismo de Taine, do Materialismo Dialético de Marx, da expansão do Liberalismo de Smith nos campos da política e da economia. É, sem duvida, um dos mais férteis períodos na produção de ideias e na tentativa de explicação dos fenômenos sociais, biológicos e comportamentais. Com a convivência de tão avassaladoras ideias espírito românico e suas tendências à idealização, ao sentimentalismo exacerbado e à espiritualização perdem terreno, deixando um espaço a ser ocupado por uma literatura que reproduza o espírito de seu tempo, ou seja, que procure obstinadamente o real, a realidade por trás das aparências.

       Luzia-Homem (1903) é um dos mais importantes elos da cadeia do regionalismo nordestino. Sua visão do interior cearense tostado pela seca adquire tons de intensa dramaticidade, como afirmaram Afrânio Coutinho e Maria Filgueiras. A figura central do romance, Luzia, é uma personagem marcante. A obra é constituída de conjunto realizado, em que se vê a inferioridade do ser humano em face das potências da natureza agreste.

         O livro é um espelho do drama do retirante, e, tal como em Os Retirantes, de José Patrocínio, o cenário social e político aparece em toda a sua realidade, com os exploradores da miséria popular e os parasitas e aproveitadores da situação.

         A paisagem nordestina por si só é um cenário marcado pela presença da seca, das dificuldades e do trabalho árduo. E nesse contexto de seca e sertão que o homem tem mais força e adaptação do que as mulheres, por sua natureza, natureza esta que pelas circunstâncias e pela busca da sobrevivência as mulheres são obrigadas a se adaptarem com o trabalho árduo, acostumando-se com atividades que pertencem a força masculina. O meio em que se vive é  influenciador de seus habitantes, ao ponto de suscitar transformações no que chamamos de ordem natural, no caso, mulheres em casa, submissas aos maridos e instruindo filhos, cuidando dos fazeres domésticos. E o homem com trabalho que lhe cabe a natureza e a força, como o macho alfa e protetor da mulher.

              A mudança dessa ordem resulta muito mais de uma necessidade quando se trata da vida no campo, onde a família toda trabalha unida para sobreviver. No sertão nordestino, principalmente no período de seca, a figura da mulher já não é aquela que se limita a estar guardada em casa, mas a mulher que vai lutar por uma melhor qualidade de vida e por seus direitos. A mulher passa a se adaptar ao trabalho pesado que os homens são acostumados a fazer, isso constrói uma mulher que já não se pode diferenciar de um homem simplesmente pela força que a mesma adquire, sendo a mesma ou até maior do que a força de um homem. As diferenças em meio a tais circunstâncias são deixadas de lado.

A mulher macho

      Segundo LANDIM, Teoberto (1992 p. 62) A criação da personagem Luzia – Homem deixa transparecer no discurso do narrador certa ambiguidade, a ambiguidade de dois mundos: o mundo masculino e o mundo feminino. O primeiro estigmatizado pelo físico e o outro condicionado pelos reflexos deste.                

          Luzia é o tipo da mulher masculinizada, de músculos fortes “ aquela que nem parece mulher fêma” (LH,28); “é homem como trinta” (id.ib., 79), como lhe dizia o pai. Esta caracterização física de Luzia firmou na opinião pública um conceito difícil de ser desfeito, mesmo que o narrador tenha tentado desconstrui-lo. O pregão da rua, “olha a Luzia-Homem, a macho e fêmea!” (id.ib., 47) criou fama... e o preconceito das moças que se afastavam dela era o registro de uma sociedade de convenção. 

            Em Luzia-Homem, podemos perceber na própria protagonista, que desde criança é parte de um cenário duro da seca e vive como retirante, trabalhando em uma penitenciária de Sobral para sustentar sua mãe. Em meio ao cenário masculino do sertão é possível ver os olhos e a força da mulher, que de perfil heroico se distingue das demais. Domingos Olímpio logo no início de sua obra Cap. II, faz menção das características que compõe a força da moça que a tornava tão cobiçada e causava espanto nos homens por seus músculos e habilidades no trabalho da penitenciária.   

[...] Um dia, visitando as obras da cadeia, escreveu ele, com assombro, no seu caderno de notas: "Passou por mim uma mulher extraordinária, carregando uma parede na cabeça." Era Luzia, conduzindo para a obra, arrumados sobre uma tábua, cinqüenta tijolos. Viram-na outros levar, firme, sobre a cabeça, uma enorme jarra d'água, que valia três potes, de peso calculado para a força normal de um homem robusto. De outra feita, removera, e assentara no lugar próprio, a soleira de granito da porta principal da prisão, causando pasmo aos mais valentes operários, que haviam tentado, em vão, a façanha [...]

Segundo ALBUQUERQUE, (2001, P. 247, Citado por Erika Derquiane Cavalcante, p. 6), “ A mulher-macho era uma exigência da natureza hostil, marcada pela necessidade de coragem e destemor. E que o discurso regionalista nordestino vai criando não só o homem nordestino, mas a mulher nordestina também, como caracterizada por traços masculinos”

A beleza, o amor e a luta contra a prostituição.

       

            A mulher do sertão não deixa de ser feminina, assim como uma flor não importa a estação, não deixa de ser flor. Luzia representa muito bem a essência feminina das mulheres dos sertões, o narrador ensaia mostrar o outro lado de luzia, escondido duplamente: pelo físico de homem, e agora pela solitária e taciturna mulher(Id.ib.39) e mesmo num cenário quase impossível para a beleza desfilar de cabeça erguida, essa essência feminina se mostra na garra, no silencio e no respeito da mesma. A história de uma mulher que sofreu desde menina pela sobrevivência, mas que hoje mesmo com aparência bruta fascina os olhos de muitos homens, representa também a realidade de muitas meninas e mulheres que trabalham, pegam pesado, mas vivem e cuidam de sua beleza sem deixar de ser mulher, apesar de o meio maltratar, mas cada uma tem seu jeito de se cuidar. Luzia então representa o tipo exótico de uma mulher sertaneja.

“Notava-se lhe, no entanto, certo cuidado excepcional no arrumo dos cabelos em grossas tranças luminosas, dum brilho escuro de cobras negras, a escolha do vestido de chita cabocla, guarnecido de rendas, as posturas faceiras” (OLÍMPIO, Domingos 1996, p.118, citado por  Maria Janete Rodrigues Moura)

       Não era mulher como outras” Luzia com seus músculos de aço, resistia, fechava o coração ao sentimento. Não admitia deixar-se dominar, “escravizando-se” ao homem amado, mesmo que este homem fosse Alexandre, por quem sentiu ciúmes declarados. Mas isso é uma particularidade em Luzia, pois sabemos que nem todas as mulheres conseguem se manter longe da voz do amor. Terezinha é um exemplo de submissão ao amor, pois era o avesso de Luzia ”branca alourada, bem parecida de cara e bem feita de corpo, uma perfeita relação entre seu mundo físico e o seu mundo interior, o ponto negativo foi sua vida irregular que por conta da dificuldade a fez se submeter a prostituição, sua desgraça. Se Terezinha era a negação da moral da sociedade, era também superior pelos sentimentos.  Luzia era a afirmação desses preceitos morais, mas era a negação do amor.

           Outra coisa que podemos perceber nas mulheres do sertão nordestino é simplicidade, a timidez, a braveza, o respeito e a religiosidade. Luzia traz em sua personagem todas essas características, o autor é fiel na narrativa desde os costumes até a fala. Em vários momentos da obra registramos isso em nossa leitura. 

 

Considerações Finais

          Ainda se tem muito para falar da mulher nordestina, a sua vida, seus costumes e até preconceitos com a mesma. Autores como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz abordam essa temática que atinge o nordeste, a seca, e não deixam de compor sua obra com afigura da mulher sertaneja, a qual tem contribuição significativa na montagem do quadro dramático, em que a família é o alvo das dificuldades e dos perigos de andar por aí em busca de terra, de agua, de melhores condições, até submetendo-se a trabalho escravo. Essa é uma obra que retrata mais uma vez o caráter heroico da mulher sertaneja, na luta pelo seu espaço e pela sua dignidade.  Podemos aqui compreender um pouco da vida dessas mulheres na pessoa de Luzia, seus traços, e suas virtudes.

Referencias Bibliográficas

OLÍMPIO, Domingos- Luzia Homem 1903

http://www.zemoleza.com.br/trabalho-academico/sociais-aplicadas/letras/analise-do-livro-luzia-homem/

http://www.webartigos.com/artigos/masculinidade-versus-feminilidade-da-personagem-luzia-na-obra-de-domingos-olimpio-luzia-homem/99627/