Quatro jardineiros trabalham na quinta de Luca Matéria. Dois cuidam dos gramados e dos chafarizes, um assiste as orquídeas e outro poda o arvoredo.

O podador faltou ao serviço por três dias consecutivos. Alegou um pressentimento.

LM exultou. Relia Rudolf Otto e anteviu a possibilidade de enquadrar o fenômeno nalgum elemento numinoso da teoria do mestre alemão.

− Venha cá, me conte como foi. O que o senhor sentiu?
− Eu mesmo não senti nada.
− Como assim? O senhor não teve um pressentimento?
− Patrão, não fui eu, foi a patroa.

Os olhos de Mestre Luca cintilaram como um espelho, refletindo o clarão de um hiato eficaz, um caso emblemático de convicção sobrenatural alheia, transformada em causa de inadimplência contratual, pertinente e objetivamente válida.

A conversa prosseguiu:

− Não me diga! Quer dizer que o senhor nada sentiu... E a patroa?
− Bem, ela me contou que sonhou com uma tesoura de poda enorme, um serrote e um buraco profundo, de onde saíam vozes estranhas. Que aquilo só podia ser um aviso.

Não foi preciso indagar mais nada. O hiato extinguira-se.

A esquematização racional do pressentimento proveu o podador de uma base difusa, mas suficiente, para sustentar a decisão de faltar ao serviço durante três dias.

Desse modo, a explicação de nada haver sentido deve entender-se como nada haver sentido "daquilo" que a patroa experimentou.

Nesse caso, a adesão ao pressentimento alheio terá sido obra do intelecto, vale dizer, um arranjo deste mundo.

Mestre Luca não descontou os três dias de ausência. Ponderou que o podador agira de boa fé. Que nada mais fizera além de seguir o modelo cultural vigente, que não costuma cobrar sentimentos, mas exige a observância rigorosa dos rituais.

Nada obstante, mandou o podador estagiar no orquidário, até aprender a distinguir uma flor de um galho seco.