A FILA
Nazaré, 3-08-2010

Esta é a historia que eu vou contar
De um brasileiro comum,
Apenas um homem do povo
Com 65 anos de idade.
No primeiro dia,
Quando ele vai dormir,
Toma seu comprimido de anti não sei o que,
E dorme mecânica e automaticamente.
Algum tempo depois
Ele sonha que está na fila,
Mas não consegue identificar
Que fila é aquela.
Não sabe se é a fila da mãe
Ou se é a fila da outra.
Gostaria que fosse a fila
De chamada para o céu.
Logo compreende que se encontra
Na fila da porta do INSS,
Tentando pegar uma senha
Para entrar na fila do INSS,
Para provar que está vivo.
Acorda enraivado com o pesadelo,
Levanta para beber água.
São 4 horas da manhã.
Toma banho e se veste,
E corre para a fila do SAC,
Para aventurar uma ficha
Para a fila do Defensor Publico.
São 8 horas e ele conseguiu
A ultima ficha, de numero 4.
Foi atendido às 13 horas.
Enquanto isso, encarou as filas:
Do cafezinho, da merenda, do almoço e do podre sanitário.
Depois que pagou tudo,
Finalmente foi chamado.
Chegando na sala do advogado,
Este perguntou o que ele deseja.
Ele explicou que havia comprado
Uma geladeira nova,
E que funcionava como aquecedor.
Disse que foi à loja, e o vendedor
Lhe disse que não tinha nada com isso.
Então o advogado lhe pediu
Todas as provas da compra.
Apresentando tudo, ele foi embora.
Seria chamado daqui a um ano
Para resolver a questão.
Quando saiu do SAC
Eram mais de 14 horas.
Correu para a fila do banco
Para pagar o documento do carro batido.
Uma hora depois, conseguiu ser atendido.
O caixa lhe disse:
-Olha, estou fechando o caixa.
Queira se dirigir ao caixa ao lado.
E ele respondeu:
-Tenho que pegar outra fila?
Recebeu um seco "SIM".
Foi para a outra fila,
E atendido 45 minutos depois.
Entregou o documento ao caixa.
-Isso tudo!
O caixa respondeu:
-É por causa de duas multas.
Como o dinheiro não deu
Ele foi embora. Estava traumatizado.
Saiu andando a esmo,
Foi parar na fila da casa lotérica.
Trinta minutos depois, foi atendido:
Quero sacar e pagar essa conta.
A moça lhe respondeu:
Só no Banco Popular.
Foi para o Banco Popular:
A fila dobrava a esquina.
Mas, mesmo assim ficou na chuva
Por mais uma hora.
Quando foi atendido, a moça lhe disse:
-Sua conta de luz é 800 reais.
Então ele sentiu-se mal
Porque pagava 70 reais.
Então desistiu e foi para casa.
Já anoitecia quando chegou.
Então disse à mulher:
-Desde as 4 da manhã
Que estou sendo assaltado.
Se não pagar o documento do carro,
A polícia toma meu carro.
Se não pagar a conta de luz
A polícia corta minha luz.
O brasileiro é o único povo,
Que paga um seguro obrigatório do carro,
Sem que esse seguro exista.
E ainda pega a fila.
Estava cansado e foi para a cama.
Tomou seu anti não sei o que,
E dormiu mecanicamente.
Sonhou que estava na fila,
E estava perto de ser atendido.
Acordou aos berros:
Consegui! Consegui!
Sua mulher acordou apavorada:
Conseguiu o que?
-Nada. Nada. Eu sabia que era um pesadelo.
Não! Desta vez foi um sonho!
Tornou a dormir,
E acordou no segundo dia às 7 horas.
Correu para a fila do fórum
Para pegar a ficha,
Para pegar a fila de votação.
Duas horas depois, chegou a hora
De ser coagido a votar,
Num corrupto qualquer.
Na saída do fórum
Um candidato lhe perguntou:
-E aí. Votou em mim?
E ele respondeu:
-Sei lá! Nem me lembro mais...
Foi para casa descansar.
Ao chegar em casa,
Sua mulher lhe entregou
Uma carta da Justiça,
Cobrando a agiotagem da CNA,
Referente a seu pequeno sitio,
Para posteriormente
Transferir o dinheiro
Para algum latifundiário da soja.
TRANSGÊNICA!
A carta falava termos e palavras,
Que nem Aurélio e Houaiss
Conseguiria entender.
A carta era assim:
"ficando a confissão
Quanto à matéria fática
Alçada fixada.
Razões finais reiterativas
Se declara sua revelia,
Observado o rateio.
Revogam por incompatibilidade
A superveniente alteração,
A repristinação tácita
De normas revogadas,
Os pleitos da inicial
Sob pena de preclusão.
Fazenda mencionada no preâmbulo
Dos arrestos abaixo transcritos,
Contribuição sindical compulsória
No caput do arquivo oitavo,
O tribunal a quo
Que não se coaduna
In fine da cf
Júris síntese millenniun."
E por aí vai.
Foi procurar um professor que lhe disse
Que ele estava sendo roubado em latim.
Fora os artigos, incisos, apelação improvida.
No terceiro dia
Ele acordou mal humorado.
Foi para o banco pegar a fila da ficha,
Para pegar a fila do caixa,
E sacou o pouco que tinha.
Foi ao fórum dar seu dinheiro
Aos picaretas da CNA.
Lhe deram um papel
E ele voltou à fila do banco.
Pagou e voltou para a fila do fórum.
O advogado lhe chamou no cantão
Para uma conversa particular.
Ele pagou sem saber o que era,
Depois voltou para casa.
Quando acordou no quarto dia,
Foi à clinica pegar a fila do psiquiatra.
Duas horas depois, ele conseguiu.
Contou tudo ao médico e este lhe respondeu:
Seu problema é assim mesmo...
O medico passou anti-depressivos
E ele foi pegar a fila do posto de saúde.
Duas horas depois
Conseguiu a metade das drogas
E voltou para casa.

Sua mulher lhe entregou
Uma conta do Ministério da Marinha.
Era do terreno que construiu sua casa,
Financiada pelo banco.
Foi ao banco e, uma hora depois
Conseguiu pagar a conta.
Ao sair do banco foi surpreendido
Por uma forte tempestade.
O rio transbordou e invadiu sua casa.
Então, virou-se para a mulher e falou:
-Porque a Marinha não vem socorrer a gente?
Nessa hora apareceu
Uma violenta tromba d?água
E levou o homem, sua casa e sua família.
Todos foram mortos.
Dois meses depois, o banco
Colocou o nome do homem no SPC, SERASA etc.
O Juiz e a policia foram a uma sessão espírita,
Procurar seu espírito para cobrar
A conta da COELBA e CNA,
Que estavam atrasadas.