UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES - CFP

Licenciatura em Educação do Campo: habilitação em Ciências Agrárias

 

 

 

 

LUCIANE SILVA DOS SANTOS

 

 

 

 

 

A FESTA DO AGRICULTOR NO MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DAS MATAS-BA: HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÕES.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Amargosa/Ba

Julho/2019

 

LUCIANE SILVA DOS SANTOS

 

 

 

 

A FESTA DO AGRICULTOR NO MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DAS MATAS-BA: HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÕES.

 

 

 

Monografia apresentada ao Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciada em Educação do Campo: habilitação em Ciências Agrárias.

 

Orientador: Prof. Dr. Fábio Josué Souza dos Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Amargosa/ Ba

Julho/2019

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha calalográfica

 

 

 

 

 

LUCIANE SILVA DOS SANTOS

 

 

FOLHA DE APROVAÇÃO

 

A FESTA DO AGRICULTOR NO MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DAS MATAS-BA: HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÕES.

 

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciada em Educação do Campo: habilitação em Ciências Agrárias, para ser avaliado pela seguinte Banca Examinadora:

 

 

 

 

 

__________________________________________

Prof. Dr. Fábio Josué Souza dos Santos

Doutor em Educação e Contemporaneidade, Universidade do Estado da Bahia - UNEB

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB

 

__________________________________________

Prof. Dr. Alex Verderio

Doutor em Educação, Universidade Federal do Paraná – UFPR

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB

 

__________________________________________

Prof. Me. Antoniel dos Santos

Mestre em Educação do Campo, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB

Escola Municipal Madre Maria do Rosário, Laje-Ba.

 

 

 

 

Aprovado em ___/___/_____.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aos meus pais, Edivane e Maria Lúcia; meus irmãos, Edevan e Elielton Carlos; ao Padre Cristóvão Figueredo, e a todos os agricultores que me impulsiona na luta por uma sociedade mas justa e igualitária para todos, seja no campo ou na cidade.

AGRADECIMENTOS

 

Agradeço, primeiramente, ao bondoso Deus, à Virgem Santíssima e a São José, seu santíssimo esposo, padroeiro dos trabalhadores, a quem sou devota. Sem minha fé Naquele que tudo sabe, tudo ver e tudo pode, eu não estaria aqui e não teria como realizar esse trabalho, pois até aqui minha fé me sustentou.

Agradeço também aos meus pais Edivane e Maria Lúcia a quem devo o que sou hoje, pois sempre estiveram e estão muito presentes na minha vida, são minhas referências de honstidade, caráter, companherismo, humildade. Eles que me puseram no mundo e mesmo diante das dificuldades que a vida nos apresenta, sempre esteveram ao meu lado, ajudando-me e acreditando em meus sonhos, lutando junto comigo, dando o melhor de si mesmo para a concretização desse sonho que não é só meu, mas deles também. Sem o apoio e amor deles não teria chegado até aqui!

Agradeço ainda a meus irmão “de sangue” Edevan e Elielton Carlos, que sempre estiveram junto comigo dando-me apoio moral e emocional e até mesmo financeiro. Deus não podia ter dado-me presente melhor do que tê-los como meus irmãos! A eles a minha gratidão eterna por acreditarem que eu seria capaz. Aos meus irmãos “de coração”, Valmirene, Edenilson, Marcos, que além de irmãos “de criação”, são também meus primos. A vocês só tenho a agradecer aos conselhos e às brincadeiras que fizeram com que meu fardo ficasse mais leve, pelos abraços sinceros.

Também sou grata à minha cunhada, Daiane, que com suas palavras incentivadoras sempre impulsionou-me a ir atrás de meus sonhos com garra e determinação. Ao meu sobrinho Heitor, que chegou num momento corrido da minha vida, mas que me trouxe calmaria para que eu tivesse a serenidade de fazer tudo conforme a vontade do Pai Celestial.

Cabe agradecer à minha vozinha paterna, que mesmo distante e não estando lúcida, me inspira para a vida. Seus exemplos de mulher guerreira, lutadora, de coração grandioso, fizeram-me, cada vez mais, ter a certeza de o caminho o qual escolhi, é o melhor. Agradeço também aos meus Avós maternos, Ana Maria e Hosano, pessoas íntegras, humildes, pessoas de fé, que sempre me ensinaram que o melhor caminho é seguir o nosso Senhor Jesus Cristo.

Agradeço imensamente a todos os meus familiares, primos, tios que direta ou indiretamente contribuíram com essa conquista que não é só minha, mas de toda família. Também sou muito grata à minha Comunidade de São José, à minha paróquia de São Miguel Arcanjo, à Associação dos Pequenos Agricultores e Agricultoras Familiares da Comunidade do Riacho das Bananeiras (APAAFARB), e ao Padre Cristóvão, que muito contríbuiram na construção desse trabalho.

Agradeço igualmente à segunda turma do curso de Licenciatura e Educação do Campo: habilitação em Ciências Agrárias do CFP/UFRB (turma 2014), pela caminhada conjunta. Apesar dos altos e baixos, de algumas confusões, tivemos tempo de nos abraçar, de nos confraternizar, pois durante esses quatro anos de convivência, formamos uma família. A todos meus sinceros agradecimentos pelos anos de convivência, principalmente aos mais próximos: Minha amiga/irmã Magna Oliveira, meu filhão Ricardo Cerqueira, Raniele, Daniela Moraes, Josimário, Saádia, Ilmara, Ariane, Ornele, e a todos que de uma certa forma fez e continuará fazendo parte da minha história.

Aos professores queridos Terciana Vidal, Eider Silva, Letícia Santos, Nancy Orrico, Janaíne Zdebski, Élcio Rizério, Raul Lomanto, Maíra Lopes, Ricardo Pacheco, Analdino, Gisélia Freitas, Carlos Adriano, Priscila Dornelles, Priscila Brasileiro, Franklin Carvalho, pela contribuição na minha formação acadêmica e pessoal.

Meu agradecimento especial ao meu orientador Fábio Josué dos Santos, que mesmo diante de tantos afazeres, de tantos compromissos, aceitou o desafio de me orientar. Afirmo que não poderia ter escolhido orientador melhor, atencioso, exigente, de uma inteligência invejável. Agradeço também ao Professor Antoniel dos Santos Peixoto que me deu todo suporte que precisava,  atuando como co-orientando durante esse percurso. A vocês a minha gratidão!

Por fim, agradeço ainda a todo povo da minha amada São Miguel das Matas, aos agricultores, à Igreja Católica, ao Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar, às Associações rurais, que contribuíram para o enreqecimento desse trabalho. Sem a colaboração de vocês, esse trabalho não seria possível. A vocês irmãos miguelenses, que a cada dia ensinam-me que o povo de São Miguel das Matas é um povo de fé e luta, muito obrigado!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo” (Paulo Freire).

 

 

RESUMO

 

SANTOS, Luciane Silva ds. A “Festa d Agricultor” no município de São Miguel das Matas-Ba: história e transformações. Monografia de Conclusão de Curso de graduação em Educação do Campo: habilitação em Ciências Agrárias. Amargosa-BA: UFRB/CFP, 2019.

A pesquisa investiga a “Festa do Agricultor”, evento histórico e social realizado no município de São Miguel das Matas, no Recôncavo Sul da Bahia, desde 1957. O evento ocorre no dia 1º de maio, feriado nacional destinado à comemoração do Dia do Trabalhador, que no município referido converte-se em uma grande celebração ao trabalhador rural, sendo conhecida como “Festa do Agricultor”. A Festa, que surgiu, a partir de ações da Juventude Agrária Católica (JAC), com o propósito de organizar politicamente os trabalhadores rurais, sempre se constituiu em um importante evento na dinâmica sociocultural e política do município desde a segunda metade do século XX. Justifica-se o presente estudo pela importância social do evento, pela escassez de estudos sobre o mesmo, sobretudo tratando-o em uma perspectiva histórica e, também, pelo envolvimento pessoal com a Festa. Assim, a pesquisa teve como objetivo geral investigar a realização da “Festa do Agricultor” no município de São Miguel das Matas/BA, explorando as motivações para sua criação, suas transformações e permanências, bem como e contribuições desta para a afirmação da Identidade Camponesa miguelense. Especificamente, procurou: Apresentar o contexto histórico do surgimento da festa no município de São Miguel das Matas-BA; Identificar as transformações históricas ocorridas na Festa do Agricultor de 1957 até 2019; Analisar as contribuições da Festa do Agricultor para a formação da Identidade Camponesa miguelense. O estudo foi realizado a partir das seguintes questões orientadoras: Quais razões motivaram a realização da Festa do Agricultor no município de São Miguel das Matas? Que transformações e permanências ocorreram nesta Festa, ao longo do tempo de sua realização, entre 1957 e 2019? Qual a contribuição dessa festa para a afirmação da Identidade Camponesa miguelense? Trata-se de uma pesquisa de natureza histórica, que utilizou como procedimentos para levantamento de dados entrevistas semiestruturadas com seis (6) sujeitos, algumas que participaram da organização da Festa desde o seu início, e outras que apenas foram expectadoras da mesma; bem como da análise de documentos, fotografias e pequenos relatos autobiográficos redigidos por pessoas que participaram da organização do evento. A análise dos dados me permitiu concluir que a Festa foi um marco na organização política dos camponeses miguelenses e muito contribui para a afirmação da identidade camponesa no município. Ao longo de sua existência de mais de seis décadas a festa sofreu significativas transformações, entre as quais se destacam o esvaziamento de seu conteúdo político, expresso nos sentidos atribuídos à festa, nos grupos que organizavam o evento e em sua programação.

 

Palavras-chave: Juventude Agrária Católica, Festa do Agricultor, São Miguel das Matas.

 

 

 

LISTAS DE ABREVIATURAS

 

CFP           Centro de Formação de Professores

IBGE         Instituito Brasileiro de Geografia e Estatística

JAC           Juventude Agrária Católica

PNHR        Programa Nacional de Habitação Rural

SINTRAF  Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar

STTR        Sindicato do Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

STR          Sindicato do Trabalhadores Rurais

UFRB        Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO.................................................................................................

12

 

 

CAPÍTULO 1: CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E SOCIAL DE SÃO MIGUEL DAS MATAS.....................................................................................

21

1.1 BREVES NOTAS SOBRE A FORMAÇÃO DO RECÔNCAVO.................

22

1.2 HISTÓRIA POLÍTICA DE SÃO MIGUEL DAS MATAS............................

28

1.3 FESTAS RELIGIOSAS EM SÃO MIGUEL DAS MATAS........................

 

42

CAPÍTULO 2: IGREJA E FORMAÇÃO CULTURAL E POLÍTICA EM SÃO MIGUEL DAS MATAS.....................................................................................

44

 

2.1 IGREJA CATOLICA E ORGANIZAÇÃO CAMPONESA ..........................

45

2.2 O MEB E A JAC.......................................................................................

48

 

 

CAPÍTULO 3: A FESTA DO AGRICULTOR: HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÕES......................................................................................

 

53

3.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA FESTA DO AGRICULTOR EM SÃO MIGUEL DAS MATAS...............................................

 

54

3.2 ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: PERMANÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES NA FESTA DO AGRICULTOR ...................................

 

64

3.3 CONTRIBUIÇÕES DA FESTA DO AGRICULTOR PARA A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA MIGUELENSE. ..................

 

80

 

 

CONCLUSÃO..................................................................................................

84

REFERÊNCIAS...............................................................................................

86

APÊNDICE.......................................................................................................

90

ANEXO.............................................................................................................

91

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa propõe-se a investigar a “Festa do Agricultor”, evento histórico, social e cultural que é realizado no município de São Miguel das Matas, no Recôncavo Sul da Bahia, desde 1957. O evento ocorre no dia 1º de maio, feriado nacional destinado à comemoração do Dia do Trabalhador, que no município referido converte-se em uma grande festa de celebração ao trabalhador rural, sendo conhecida como “Festa do Agricultor”.

A Festa do Agricultor surgiu a partir da ação da Juventude Agrária Católica (JAC) no município, com o propósito de organizar politicamente os trabalhadores rurais e tem se constituído, ao longo do tempo, como dispositivo de afirmação da identidade camponesa miguelense. Atualmente, é organizado por membros da Igreja Católica, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (SINTRAF), outrora Sindicato dos Trabalhadores e Rurais (STR)[1] e diversas Associações de Trabalhadores Rurais miguelenses.

A Festa do Agricultor sempre se constituiu em um importante evento na dinâmica sociocultural e política do município desde a segunda metade do século XX.

O evento inicialmente era realizado na comunidade rural de Ponto da Serra, há cerca de sete (7) km de distância da sede municipal; e, após sua quinta edição (1961), passou a ser realizado no centro da cidade de São Miguel das Matas. Reúne grande contingente de trabalhadores rurais provenientes das diferentes comunidades miguelenses e outros municípios vizinhos.

Potente, grandiosa e participativa nos seus anos iniciais, a Festa sofreu interrupções e retomadas ao longo de seus 62 anos de existência, mas tem se firmado como evento de grande relevância histórica, social e política do município, projetando-a para toda região.

Marcado por um componente religioso, é momento culminância da organização política dos camponeses, de celebração, de confraternização e também de entretenimento entre os agricultores e os povos urbanos do município, trazendo consigo marcos importantes na história de São Miguel das Matas.

Assim, a realização deste estudo tem a pretensão de analisar este evento histórico, bem como discutir a sua contribuição na identidade cultural dos trabalhadores(as) rurais miguelenses.

As razões para a realização do estudo deste tema para elaborar este Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em Educação do Campo: Ciências Agrárias, decorre de interesses pessoais, sociais e acadêmicos, a seguir explicitados.

A Festa do Agricultor sempre esteve presente em minha trajetória de vida. Filha de pequenos agricultores familiares[2], nascida na comunidade rural de Ponto de Serra (onde surgiu a Festa), em São Miguel das Matas, em 1982,  sempre vi minha família sempre foi envolvida nas festas religiosas, incluindo a Festa do Agricultor, que sempre teve um significado especial para a nossa comunidade.

Lembro-me que, quando criança, participava das confecções dos vestidos, das músicas, da ornamentação e preparativos para a Festa do Agricultor. Como a comunidade de Ponto da Serra produzia bastante café, a “Rainha[3] da Comunidade” era a “Rainha do Café”. Quando criança, sempre sonhava em representar minha comunidade ocupando este posto. Durante minha adolescência, continuei participando da Festa. Em 2006, com o objetivo de defender a permanência de uma casa de farinha comunitária existente em nossa comunidade, ameaçada de ter sua gestão apropriada pela Prefeitura de São Miguel, por incentivo do Sindicato de Trabalhadores Rurais, participei, juntamente com outros moradores locais, da criação da Associação dos Pequenos Agricultores e Agricultoras Familiares da Comunidade do Riacho das Bananeiras (APAAFARB)[4]. Por quatro anos, entre 2010 e 2014 fui presidente desta Associação. Nesta condição, tive a oportunidade de participar mais ativamente da organizaçao da Festa do Agricultor no município. Em 2015, representei minha comunidade nesta Festa como a “Rainha da Mandioca”, título que expressa a grande produção desta raiz tuberosa na comunidade e no município. Nos últimos anos continuo participando, tanto dos preparativos como, propriamente, da realização festejos. Portanto, sempre tive uma relação muito próxima com a Festa do Agricultor e esta condição, afetivamente, é uma das razões que me impulsionam a tomá-la como objeto de estudo. No percurso inicial deste trabalho, a intenção era pesquisar as “manifestações culturais nas comunidades rurais de São Miguel das Matas”. Entretanto, após conversas com o orientador, fomos afunilando o tema e definindo a Festa do Agricultor como objeto de estudo. 

O município de São Miguel das Matas é um município eminentemente rural e a agricultura é a fonte principal de sobrevivência da maioria das famílias miguelenses. A Festa do Agricultor, realizada desde 1957, com algumas interrupções, tem se constituído em um grande evento que congrega trabalhadores rurais de todo o município e, ainda, de outros municípios vizinhos, constituindo-se em uma grande ocorrência na dinâmica sócio-cultural local. É por meio das manifestações políticas, culturais, religiosas, que o povo demonstra a alegria de ser agricultor, expondo seus anseios e dificuldades, através da Festa. Ao mesmo tempo o evento expressa um grito de clamor como forma de exigir respeito à classe trabalhadora rural, pois sua produção, seus costumes, sua cultura, expressa um modo peculiar de vida.

Apesar de sua importância social, o evento tem sido pouquíssimo  estudado. Conhecemos apenas o trabalho de Adenilda Andrade Argolo, apresentado como TCC de graduação em Artes Visuais na UFRB/Cachoeira, sob o título “Festa do Agricultor em São Miguel das Matas: Memória e Arte” (ARGOLO, 2017). Neste trabalho, a autora “Foca a participação da comunidade envolvida, e as maneiras dos lavradores se utilizarem nesta manifestação da linguagem artística e cultural para se auto representar, afirmando o segmento social local, subvertendo visões de subalternidade cultural do campo em relação à cidade” (ARGOLO, 2017, p. 8).

Portanto, considerando a importância social do evento e a escassez de invetigações, torna-se relevante a realização de outros estudos que aprofundem o tema.

O objetivo geral do trabalho é investigar a Festa do Agricultor no município de São Miguel das Matas/BA, explorando as motivações para sua criação, suas transformações e permanências, bem como e contribuições desta para a afirmação da Identidade Camponesa miguelense.

Especificamente, a pesquisa procurou:

  • Apresentar o contexto histórico do surgimento da festa no município de São Miguel das Matas-BA;
  • Identificar as transformações históricas ocorridas na Festa do Agricultor de 1957 até 2019;
  • Analisar as contribuições da Festa do Agricultor para a formação da Identidade Camponesa miguelense.

 

O estudo foi realizado a partir das seguintes questões orientadoras: Quais razões motivaram a realização da Festa do Agricultor no município de São Miguel das Matas? Que transformações e permanências ocorreram nesta Festa, ao longo do tempo de sua realização, entre 1957 e 2019? Qual a contribuição dessa festa para a afirmação da Identidade Camponesa miguelense?

Trata-se de uma pesquisa de natureza sócio-histórica. Para o levantamento dos dados utilizou-se dos seguintes procedimentos: entrevistas semiestruturadas, análise de documentos escritos, fotografias e pequenos relatos autobiográficos. Além disso, as memórias da participação da autora deste TCC na organização e na festa em si ao longo de quase três décadas também se constituiu em fonte de dados.

As entrevistas semiestruturadas, realizada com seis (6) sujeitos constituíram-se na principal fonte de dados. Para selecionar os entrevistados, procuramos, através de conversas preliminares com moradores do município, pesquisadores e pessoas do clero, indicações de lideranças que estiveram envolvidas na Festa ao longo de suas mais de seis décadas de existência[5]. A partir dos nomes sugeridos e dos seus perfis previamente descritos, procuramos, junto com o orientador, identificar aquelas que tiveram maior envolvimento com o tema e que pudessem se constituir em entrevistados com maior potencial de fornecer informações. Muitas sugestões confluíam para uma relação de aproximadamente uma dezena de sujeitos, que estiveram envolvidos com a organização da Festa, ao longo do tempo, sobretudo em suas edições iniciais.

Considerando que alguns haviam falecido e outros encontravam-se residindo em municípios distantes (Rio de Janeiro, Brasília), ou ignorado, relacionamos colaboradoras nos municípios de São Miguel das Matas, Amargosa, Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista. Conseguimos os contatos telefônicos de do aplicativo WathsApp, através dos quais foram realizadas conversas prévias em que explicava o objetivo do nosso trabalho e solicitava uma entrevista.

Considerando o pouco tempo disponível para a realização das entrevistas, foi possível realizá-las com quatro (4) pessoas, ambas mulheres, que, igualmente, participaram do evento em suas edições iniciais. Em três casos, as entrevistas com estas mulheres foram realizadas presencialmente em suas casas, nos municípios de Amargosa, São Miguel das Matas e Santo Antônio de Jesus, onde residem, entre meses de maio e junho de 2019. Uma quarta entrevista, realizada com uma moradora de Vitória da Conquista, foi feita na casa em sua irmã, em Santo Antônio de Jesus, por ocasião de sua visita a esta anfitriã. As entrevistas, orientadas por um roteiro prévio (ver Anexo I), foram gravadas com a permissão das colaboradoras e tiveram duração de variável (26, 40, 40 e 86 minutos). Das quatro colaboradoras, apenas uma reside no campo, no município de São Miguel.

Além disso, dada a oportunidade, foi entrevistada, mais duas (2) pessoas, sendo uma mulher e um homem, ambos naturais da localidade rural de Palmeira, em Amargosa, que participaram da Festa nas décadas de 1960 e 1970, a convite de seus parentes, moradores da localidade miguelense de Cabeça do Boi. A participação destes dois últimos entrevistados na Festa do Agricultor demonstra a importância deste evento na dinâmica sociocultural da região, sobretudo para os trabalhadores rurais e é um indicativo da repercussão e do alcance deste evento. Quanto a estas duas últimas entrevistas, uma foi feita na cidade de Amargosa, onde reside a entrevistada; e outra foi feita com a utilização do aplicativo WathsApp, a um morador atualmente residente na cidade de Salvador. 

 

            Assim, foram realizadas um total de seis (6) entrevistas, cinco mulheres e um homem. Descevemos, nos parágrafos seguinte, um breve perfil de cada uma das colaboradoras.

A primeira entrevistada, dona Ignez Ana da Silva Santana, nasceu na zona rural de São Miguel das Matas em 26 de junho de 1947. Residiu na localidade de Tabuleiro da Santa, próximo ao Ponto da Serra. Ainda criança, participou da primeira e seguintes edições da Festa do Agricultor. De 1961 a 1964 foi monitora do MEB – Movimento de Educação de Base, na localidade de Tabuleiro da Santa. Migrou para Amargosa, para estudar, continuando seus estudos na Escola Santa Bernadete[6] e, depois, no Colégio Estadual Pedro Calmon. Em 1975, retornou para São Miguel das Matas, ocasião em que assumiu a função de Supervisora do MEB na Diocese. Anos depois, com a interrupção do projeto do MEB em Amargosa por falta de financiamento, Dona Ignez foi para Feira de Santana-BA. Na sequência, já na década de 1980, foi para Simões Filhos-BA, ocasião em que participou da criação do Sindicato dos Calçadistas. Sempre esteve presente, participando efetivamente da Festa do Agricultor em São Miguel das Matas, exceto nos anos que esteve morando fora deste município. Sempre atuou como militante em favor dos direitos dos agricultores junto às associações, cooperativas, Sindicatos, Igreja, sendo referência para os agricultores miguelenses e de demais regiões. Assim Dona Ignez é considerada peça importante e fundamental na construção e valorização da identidade camponesa miguelense.

A segunda entrevistada, dona Herundina dos Santos, nasceu no município de Laje no dia 30 de maio de 1941, mas foi registrada no município de São Miguel das Matas, onde reside desde então, na comunidade Ponto da Serra. Dona Herundina participou da Festa do Agricultor desde o início, no Ponto da Serra, acompanhando Dona Ignez e seu pai, que sempre foram lideranças fortes na comunidade. Durante a década de 1970, ocasião em que a Festa do Agricultor foi interrompida em São Miguel, Dona Herundina participou da criação da Festa do Agricultor no Distrito rural de Engenheiro Pontes, no município de Laje. Hoje a entrevistada, com 78 anos, já não participa ativamente do evento, “mas gosta de ir para observar a festa”.

A terceira entrevistada foi dona Maria do Carmo Andrade Bomfim, conhecida como dona Duninha. Nascida na Comunidade de Ponto da Serra, zona rural do município de São Miguel das Matas, onde viveu durante muito tempo até mudar-se para a cidade de Santo Antônio de Jesus, D. Duninha foi casada com Miguel Bomfim, falecido, é mãe de três filhas e sempre foi muito assídua às atividades religiosas, tradição herdada com os seus pais. Ainda pequena, D. Duninha participou da primeira edição da Festa do Agricultor. Hoje aos 77 anos, viúva, mora na cidade de Santo Antônio de Jesus onde tem uma participação ativa na vida da comunidade, coleciona livros e trabalhos sobre o Padre Gilberto, a Festa do Agricultor e a JAC. Mostra-se apaixonada pela Festa do Agricultor e acredita que a festa vai crescer ainda mais nos próximos anos.

A quarta entrevistada foi dona Zorilda Andrade Santos, irmã de D. Duninha. Nascida também na comunidade de Ponto da Serra, hoje reside na cidade de Vitória da Conquista onde é conhecida como “A Mãe do Encontro dos Miguelenses” por ser a idealizadora junto com Zita Almeida deste evento. o que acontece todos os anos em Vitória da Conquista desde o ano de 1996, ano que junto com seu esposo Jonício Henrique Santos, foi residir em Vitória da Conquista. Mãe de três filhos, conviveu durante 45 anos ao lado do esposo Jonício, que, infelizmente faleceu em 03/09/2006. Desde criança teve uma vida religiosa ativa, militante de trabalhos sociais, com uma vasta trajetória de andanças por vários estados do Brasil e países do Continente europeu. Foi uma das lideranças da Juventude Agrária Cattólica (JAC) sob a direção do Padre Gilberto, participando de vários encontros patrocinados pela JAC, inclusive de um estágio na França, em 1960. Hoje com 83 anos, D. Zorilda  continua seu projeto de vida na Igreja Católica, participando de ações sociais na cidade de Vitória da Conquista, onde é muito querida e respeitada.

A quinta entrevista foi realizada na cidade de Amargosa com dona Rita Souza dos Santos, 73 anos. Nascida em 1946 na localidade rural de Palmeira (onde viveu até 2015), em Amargosa, a uma distância de cerca de 24 km do centro da cidade de São Miguel das Matas, D. Rita foi, por duas ocasiões, no final da década de 1960, participar da Festa do Agricultor em São Miguel, sendo a vez a pés, num trajeto que levou três dias; na segunda ocasião foi em um carro fretado por seu cunhado para levar a família. 

A sexta entrevista, foi feita com a utilização do aplicativo WathsApp com o Sr. Manoel Andrade Souza (Sr. Neto), irmão de D. Rita. Nascido em 1963 na localidade rural de Palmeira, Amargosa, Sr. Manoel, também conhecido como Sr. Neto, residiu por cerca de um ano na localidade de Cabeça do Boi, em São Miguel das Matas, na casa de sua avó materna, então viúva, no início da década de 1970. Em 1973, com 10 anos de idade, participou, pela primeira vez, da Festa do Agricultor na cidade de São Miguel, acompanhando sua então professora, D. Vane, e cerca de 20 alunos de sua escola localizada na Cabeça do Boi. Na ocasião, outros moradores da Cabeça do Boi também foi à festa. Atualmente residente na cidade de Salvador, Sr. Neto participou das edições da Festa do Agricultor em 2017 e 2018. A narrativa de alguém externo, que participou como observador em diferentes períodos, distantes mais de quatro décadas, é relevante para trazer elementos que nos permita melhor analisar as mudanças ocorridas na festa.

As entrevistas foram transcritas logo após a sua realização. A análise das entrevistas consistiu em três fases: num primeiro momento uma leitura mais geral, flutuante. Numa segunda análise, procurou-se destacar pontos mais relevantes de cada entrevista, individualmente. Em uma terceira etapa procurou-se confrontar as entrevistas para identificar pontos convergentes e divergentes. A partir daí elegeu-se as seguintes categorias de análise. 

Embora as entrevistas tenham sido o principal instrumento de levantamento de dados, também recorremos a outros.

Foram levantados documentos no Acervo do Padre Gilberto Vaz Sampaio, localizado na paróquia de Varzedo-Ba. Também, foram levantadas fotografias sobre o evento. Tais fotografias foram encontradas no mesmo acervo acima mencionado, bem como no acervo pessoal da pesquisadora e, ainda, junto ao site de notícias Criativa On Line, que os dispôs a esta autora.

Por fim, foram utilizados pequenos relatos autobiográficos redigidos por pessoas que participaram ou estiveram envolvidas da organização da Festa do Agricultor em São Miguel das Matas, contidos no livro Retalhos de Vidas. Depoimentos de ex-jacistas” organizado por Baptista, Carneiro e Lucchetti (2012). Deste livro, analisamos mais detidamente depoimento de oitos pessoas sobre a Festa do Agricultor.

O TCC está organizado em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado “Contexto histórico, político e social de São Miguel das Matas”, apresentamos apresentamos o contexto histórico, político e social do município, situando-o no contexto do Recôncavo da Bahia. 

No segundo capitulo, que tem o título de “Igreja e formação cultural e política em São Miguel das Matas”, destacamos o papel da igreja na formação cultural do município, destacando, sobretudo a virada política tomada pela Igreja Católica a partir da década de 1940, com a criação de sua doutrina social.

Por fim, no terceiro e último capitulo, que tem o título “A Festa do Agricultor: história e transformações”, apresentamos e sistematizamos os dados de campo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 1:

 

CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E SOCIAL DE SÃO MIGUEL DAS MATAS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. BREVES NOTAS SOBRE A FORMAÇÃO DO RECÔNCAVO

 

Focalizamos na formação do território baiano e especificamente do Recôncavo baiano, região de Santo Antonio de Jesus a qual também São Miguel das Matas fazia parte até o ano de 1891 quando foi desmembrado, por isso para compreender o Recôncavo baiano é preciso ir além de seus limites político-administrativos, pois é preciso entender a ação do homem no meio social em que vive seu modo de pensar e agir, as relações políticas, culturais e sociais.

O Recôncavo em termos físicos e político-administrativo, corresponde a região em forma de fértil crescente, em torno da Baía de Todos os Santos, possuindo aproximadamente 10.397 km², está situada entre os meridianos 37 e 39 a oeste de Greenwich e no limite dos paralelos 12 e 13 ao sul do Equador. Limita-se a leste com o Atlântico, ao sul com os municípios de São Miguel das Matas, Laje e Valença, a oeste com os municípios de Antonio Cardoso, Santo Estevão e Castro Alves e, ao norte com Feira de Santana, Coração de Maria, Pedrão, Alagoinhas e Entre Rios (OLIVEIRA, 2003, p.50).

Na Bahia a apropriação de terras ocorreu através das Sesmarias, como também por aldeamentos, arrendamentos. Os aldeamentos eram povoados por índios com direção por missionários ou autoridades leigas, porém com o abandono dos missionários, fuga dos índios, as terras eram arrendadas a terceiros ou administradas pela Câmara Municipal.

O Recôncavo faz transparecer a imagem de um recôncavo grandioso e açucareiro, porém o açúcar se concentrou mais na orla norte, enquanto, nos solos de Cachoeira, no Rio Paraguaçu, predominava a cultura do fumo e no recôncavo sul, a agricultura de subsistência como Nazaré, Aratuípe, Santo Antonio de Jesus e Maragogipe que abasteciam a população local e os mercados da praça comercial de Salvador com a produção de farinha de mandioca, café, dentre outros, como nos fala Oliveira (2003).

Sobre a caracterização do Recôncavo baiano, Oliveira afirma que:

 

A singularidade do Recôncavo também pode ser ressaltada se o identificarmos como região que se opõe ao sertão. Enquanto o Recôncavo trás em sua representação as imagens de fertilidade, produção agrícola abundante, clima ameno e suave, água fácil, entre outras, o sertão é representado por elementos que são opostos ao Recôncavo como escassez da produção agrícola, clima desértico, falta de água, aridez, etc. Não obstante, se o clima e, por consequência, a vegetação dão unidade ao Recôncavo tão próximo do oceano, o relevo variado faz com que neste mesmo recôncavo ocorreram numerosos microclimas (OLIVEIRA, 2003, p.56).

 

 

Nos dias atuais não existe tão nitidamente essa diferença entre sertão e recôncavo, pois o homem com seu modo de pensar e agir destrói a natureza causando um grande desequilíbrio na natureza e hoje muitos municípios da zona da mata, sofrem com a seca, nascentes desaparecendo e o uso indiscriminado de agrotóxico cada vez mais intenso. Os grandes latifundiários que compram as terras dos pequenos e agregam-nas às suas propriedades, optam por destruírem as matas ciliares, a agricultura transformando a terras até então produtivas, em grandes pastagens, evidenciando assim como principal atividade destes, a pecuária.

São Miguel das Matas pertence ao Recôncavo Sul da Bahia. Os municípios pertencentes a esta região tiveram como principais culturas introduzidas no século XVI, à cana, a mandioca, o fumo e a pecuária. O município de São Miguel das Matas, hoje, apesar da concentração grande de terras nas mãos de poucos, ainda existem as pequenas propriedades onde se cultivam diversas culturas como a mandioca, cacau, a pecuária, além das hortaliças e esses pequenos agricultores familiares estão organizados em associações e lutam por seus direitos e por políticas públicas que os beneficie.

O povoamento da região santantoniense só se consolidou no século XIX. Quando falamos da região de Santo Antonio de Jesus, isso também inclui o município de São Miguel das Matas que foi desmembrado se Santo Antonio de Jesus no ano de 1981.

Oliveira (2003) constata que através da análise dos registros, pode-se observar que entre os proprietários havia diversos tipos de posse como possuidores de terras arrendadas, proprietários com outros herdeiros, pais, tios e tutores que administravam os bens dos menores, dentre outros. Analisando ainda os registros, a autora afirma que as propriedades tinham mais registros de homens do que de mulheres. Dos 497 assentamentos analisados na freguesia de Santo Antonio de Jesus, 430 homens eram proprietários, contra 67 mulheres registradas como proprietárias. Sobre a aquisição dessas 497 propriedades, constatou-se que predominou a aquisição por meio de compra, com 182 propriedades; seguido das propriedades sem identificação de origem, com 137; e por meio de herança, com 132 casos. Os restantes se dividiam entre arrendamentos, mista, dote, troca, doação e hasta pública. A aquisição da propriedades pelos homens eram feitas com maior frequência por meio de compras e por origem não identificada, enquanto que a aquisição pelas mulheres eram feitas com maior frequência por meio de herança, porém não podemos deixa de constatar a aquisição feita por compras pelas mulheres, demonstrando a presença das mulheres nos negócios da terra.

Lembramos que na primeira metade do século XIX, entre 1817 e 1850, foi desenvolvida a fase áurea do posseiro, ou seja, a posse tonou-se o principal instrumento de acesso a terra; considerando que o povoamento de Santo Antonio foi consolidado no século XIX, podemos inferir que a posse também se constitui em uma das principais modalidades para obtenção de terras na região (OLIVEIRA, 2003, p. 91).

Para gear produção de alimentos e riquezas destinadas à exportação ou comercialização nos mercados regionais, a principal mão-de-obra utilizada era a mão-de-obra escrava e quem não possuía escravos e vivia de sua própria foça de trabalho era considerado em estado de extrema pobreza.

Entre os anos de 1870 e 1892 houve um crescimento em relação a concentração fundiária, segundo Oliveira (2003), aumentando também a disputa pelo acesso a terra que a partir daí começou a ser mais restrito.

Durante a segunda metade do século XIX, ocorreu um período de depressão econômica, ao mesmo tempo em que a transição da mão-de-obra escrava para a mão-de-obra livre atinge seu ápice dentro do processo de modernização que envolvia a sociedade baiana. Dentro desse processo, destaca paradoxalmente a instalação das ferrovias na Bahia e a expansão da  dinâmica econômica para alem das faixa litorânea, onde, ate então, historicamente havia se concentrado a economia baiana nos quatro primeiros séculos de ocupação européia. É nesse contexto econômico instável do século XIX que ocorre de forma mais intensiva a ocupação do Recôncavo Sul e, mais especificamente, a região onde hoje se situa o município de São Miguel das Matas. (OLIVEIRA, 2003, p.19).

As militâncias de diferentes setores de trabalhadores rurais e movimentos sociais no final da década de 1950 e início de 1960 começam a ganhar força lutando contra as desigualdades sociais, concentração de terras e pressionando o governo para realizar uma ampla reforma agrária. 

João Goulart era um presidente de ideias progressistas e entendia que seria necessária uma reforma agrária no país naquele momento para uma completa modernização, por isso após João Goulart assumir a presidência, os movimentos sociais ganham mais força diante dessa luta.

Nesse sentido, Miralha (2006, p 156) ressalta:

 

[...] O grande e principal momento histórico para a realização da reforma agrária no Brasil foi no início da década de 1960, pois se conjugou vários movimentos sociais e militâncias de trabalhadores rurais organizados no sentido de pressionar e reivindicar a realização da reforma agrária e finalmente, em toda a história brasileira o governo (na figura do Presidente João Goulart) estava realmente interessado em promover a reforma agrária.

 

O grande momento histórico da realização da reforma agrária no Brasil e diminuição das desigualdades sociais foram sabotados e destruídos pelo Golpe de Estado em 1964 que decidiram manter inalterada a estrutura fundiária do País, uma estrutura desigual onde o trabalhador rural ficava cada vez mais dependente da classe dominante, dos latifundiários.

O Estatuto do Trabalhador Rural e o Estatuto da Terra, criados no ano de 1963 pela classe dominante, foram criados no intuito de controlar os movimentos sociais, criando um obstáculo jurídico para a Reforma Agrária. Nesse sentido o Estado deixa clara a opção feita pela promoção da modernização das grandes propriedades bloqueando os militantes e movimentos sociais em favor da Reforma Agrária.

Essa modernização tecnológica da agricultura gerou efeitos positivos no que diz respeito ao plano econômico para a agricultura brasileira, como o aumento da produtividade, da produção agropecuária nacional, porém por outro lado teve efeito negativo no âmbito ambiental, cultural, social, pois intensificou o êxodo rural, gerando assim uma expulsão e expropriação de grande parte dos pequenos agricultores rurais, meeiros, posseiros que acabaram se sujeitando a trabalhos assalariados, sendo obrigados a migrar para as médias e grandes cidades em busca de emprego principalmente nas indústrias. Além de ampliar ainda mais a concentração de terras e desigualdades sociais, vários danos ao meio ambiente e a saúde humana foram causados com a utilização desenfreada de agrotóxico, alterando assim os hábitos alimentares da população.

Com o fim da ditadura militar em meados da década de 1980, pensava-se que o Estado poderia ser democrático dando oportunidade aos movimentos sociais, igrejas, sindicatos para que pudessem pressionar o governo no sentido de realizar a Reforma Agrária. Os principais grupos de pressão a favor da Reforma Agrária após a ditadura militar foram MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), CPT (Comissão Pastoral da Terra), PT (Partido dos Trabalhadores) e CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).

É nessa conjuntura que ressurgem os Sindicatos de Trabalhadores Rurais na região de Amargosa.

Sobre a pressão dos Movimentos Sociais em favor da Reforma Agrária, Miralha (2006, p 161) afirma:

 

Apesar das derrotas políticas os movimentos sociais de luta pela terra, principalmente o MST, com o apoio da CPT, seguiram crescendo e se expandido pelo território nacional aumentando o número de integrantes e simpatizantes que, por conseqüência amplia o poder de pressão, principalmente, por meio de ocupações e realização de acampamentos em grandes fazendas improdutivas ou com títulos de propriedade contestados. Assim, em meados da década de 1990 o MST atinge uma repercussão nacional com ocupações de várias fazendas, principalmente no Pontal do Paranapanema, passando assim a entrar na mídia e ganhar boa parte da opinião pública a seu favor.

 

Hoje para ter viabilidade um projeto de Reforma Agrária deve-se pensar na promoção do espaço rural, tendo a concepção de um desenvolvimento territorial considerando o capital social dos territórios.

O desenvolvimento territorial passa pela constituição de novos atores sociais locais e novas instituições que fortaleçam os capitais sociais do território. Dessa maneira, a implantação de projetos de assentamentos rurais está diretamente relacionada à ideia de desenvolvimento territorial, visto que promove a constituição de novos atores sociais locais que pode dinamizar o lugar (município) ou região onde forem instalados, mas depende também dos investimentos em infraestruturas e o fortalecimento do capital social e articulação com o mercado local/regional. (MIRALHA, 2006, p 166 e 167)

Vimos que no município de São Miguel das Matas, o cenário não é diferente do restante do Brasil. A cada ano que passa a concentração de terras nas mãos de poucos, torna-se cada vez maior. Os pequenos produtores rurais, muitas vezes sufocados em meio às grandes fazendas, se sentem pressionados pelos grandes fazendeiros que compram as terras dos pequenos produtores e estes são obrigados a migrarem para as cidades, deixando para trás os seus hábitos, costumes, cultura. Essa migração tem inchado cada vez mais as cidades e deixando o campo vazio, onde os fazendeiros transformam as pequenas propriedades adquiridas em grandes pastagens. Sobre a grande concentração de terras, Oliveira afirma:

 

Vivemos atualmente rodeados de grandes latifundiários, que utilizam uma pequena parte de suas terras para a produção de alimentos, destinando a maior parte das terras para a pastagem e para a especulação financeira através do uso de financiamentos bancários. Em decorrência dessa situação, presenciamos o deslocamento dos trabalhadores do campo para as cidades em busca de empregos e a consequente “marginalização” da maioria desses homens que, despreparados para a vida urbana, nela se perdem sem encontrar os seus referenciais e, quando possível, preservam certos hábitos estranhos à cidade, à vida urbana, mas reveladores da identidade rural destes ex-camponeses (OLIVEIRA, 2003, p.23).

 

 

Pereira (2011) enfatiza que o primeiro debate acerca da questão agrária no Brasil só aconteceu na década de 1960 devido ao momento de crise econômica pelo qual se passava o país, onde o agricultor era subordinado a um modelo capitalista. Hoje em dia no Brasil atual não vemos muita diferença da década de 1960, pois os pequenos agricultores e agricultoras familiares continuam subordinados a um modelo capitalista de produção, onde esse pequenos agricultores e agricultoras familiares não detêm condições de produção e optam por venderem suas terras para os grandes Latifundiários.

A substituição da mão de obra humana pela mecanização vem trazendo sérias consequências que afetam toda população. É o que nos afirma Stedile (2012, p 645) do Dicionário de Educação do Campo:

A tecnologia utilizada pelo modo capitalista de produzir na agricultura brasileira está baseada no uso intensivo da mecanização e dos venenos agrícolas. E essas duas formas, além de expulsarem a mão de obra e a população do campo, representam uma agressão permanente ao meio ambiente, trazendo como consequência desequilíbrios ambientais que afetam toda a população mesmo a que mora na cidade.

É visível nos dias atuais a grande concentração de terra nas mãos dos grandes latifundiários, enquanto uma pequena quantidade de terra é dividida entre muitos agricultores.

 

1.2 HISTÓRIA POLÍTICA DE SÃO MIGUEL DAS MATAS

 

A região do atual município de São Miguel das Matas foi primitivamente habitada pelos índios cariris, aldeados na fazenda Arco Verde, uma das principais ainda hoje existentes, no atual município. Devido à localização da tribo, eram os indígenas denominados “índios do arco verde”. Presume-se que o desaparecimento dos silvícolas tenha ocorrido por volta de 1820. 

Os primórdios de São Miguel das Matas datam do século XVIII, quando chegou ao local um senhor de nome Joaquim Tirana, adquirindo uma grande área de mata virgem. Posteriormente, o capitão Manoel dos Santos Ribeiro estabeleceu-se em frente a essa propriedade com um engenho de açúcar e rapadura, desenvolvendo aí a plantação de cana. 

Surgiram outros moradores e logo foi construído um pequeno cemitério. O mesmo ocorreu com a capela, que foi inaugurada em 1802, tendo o arcanjo São Miguel como padroeiro. Aumentou-se o número de edificações, contando-se, a partir daí, com os primeiros estabelecimentos comerciais. Estava definitivamente formada a povoação que, inicialmente, chamou-se São Miguel da Aldeia, pela sua proximidade da aldeia dos ″índios do arco verde″. 
Desenvolveram-se também as culturas de mandioca, fumo e café, esta, introduzida e orientada, do plantio à colheita, pelo capelão de nome frei Félix, e que se tornou uma das principais riquezas da região. 

Depois de ter alterada a denominação para Vila São Miguel, em 1891, passou a denominar-se São Miguel das Matas, em 1948, topônimo justificado por situar-se em região de matas. Os nativos de São Miguel das Matas são chamados miguelenses. 

Contarei aqui a história do município de São Miguel das Matas, descrito por Dr. Ismar Araújo Vilas Boas em seu livro, o qual não foi publicado, mas serve de objeto de pesquisa para estudantes e outros miguelenses que desejam conhecer um pouco da história do seu município.

Quando os portugueses aqui chegaram, nos anos de 1500, uma vasta e exuberante floresta cobria toda a planície que se inicia na foz dos rios da Dona, Jaguaripe e Jiquiriçá, penetrando para o interior por ente eles, até encontrar o primeiro obstáculo montanhoso do lado oeste, a serra do Guararu, depois Guariru, e hoje chamada de serra da Jiboia. A partir dali, a vegetação tornava-se mais imponente, diria mesmo monumental. (VILAS BOAS, S/D)

No sul da então serra da Jiboia, onde hoje situa o município de São Miguel das Matas, viviam nos anos de 1700 a 1861, várias tribos indígenas como os Sapucaias ou Arco Verde e os índios Cariris.

No ano de 1765 o lugarejo onde os frades Franciscanos celebravam as missas e mantinham a capela de São Miguel, passou a ser conhecido com o nome de São Miguel da Aldeia.

São Miguel da Aldeia foi acometido por uma grande epidemia de varíola no ano de 1795 com um grande número de mortos, diminuindo ainda mais a população. Após a epidemia em 1802, os capitães com ajuda de alguns moradores construíram uma capela em louvor a São Roque em frente ao terreno que foi usado para enterrar as vítimas da epidemia que passou a ser o local das celebrações pelos Franciscanos (decorrerei adiante sobre as festas em louvor a São Roque). Os Franciscanos já plantavam em São Miguel da Aldeia, o café e nas práticas religiosas, nos sermões, educavam os agricultores sobre o modo de plantar, colher, além de distribuir sementes entre eles.

São Miguel da Aldeia transformou-se em freguesia de São Miguel da Aldeia, através do alvará de 24 de novembro de 1823, quando o Imperador D. Pedro I cria a primeira freguesia do império. Nazareth emancipava-se da vila de Jaguaripe em 25 de outubro de 1831 e a freguesia de São Miguel da Aldeia passa a fazer parte do território da vila recém-criada, nessa época, uma epidemia de impaludismo abatia-se sobre São Miguel, o que trouxe muitas mortes em outubro e novembro de 1832.

Com o tempo São Miguel não mais se chamava São Miguel da Aldeia e aos poucos os índios foram desaparecendo deixando alguns vestígios de sua civilização e de tão espantados com o progresso da freguesia, embrenhavam-se nas matas de Guariru, Riachão e Arco-Verde. Com a chegada do progresso na freguesia o Presidente atende a um pedido do juiz Francisco Félix de Souza e constrói a primeira cadeia pública no porão da sede da Casa dos Fogos na rua do fogo em 24 de outubro de 1845.

Após a proclamação da República, em 15 de Novembro de 1889, os habitantes de São Miguel, liderados pelo padre Pompílio, que era primo do Capitão José Rodrigues da Costa, iniciaram a luta pela nossa autonomia política de Santo Antonio de Jesus e, finalmente, coube ao 5° Governador da Bahia, o Dr. José Gonçalves da Silva, que atendeu a solicitação do Intendente de Santo Antonio de Jesus, o Dr. Eduardo Augusto da Silva, motivado por um abaixo-assinado de moradores da freguesia de São Miguel da Aldeia, conceder a emancipação através do Decreto 1° de Junho de 1891. (VILAS BOAS, S/D).

A emancipação de São Miguel foi um momento de muita festa com a visita do então governador, pois também acontecia a inauguração do trecho da estrada de ferro no município e como gratidão ao governador, foi dada o seu nome a uma rua daquela cidade de São Miguel das Matas.

O município de São Miguel das Matas originou-se do município de Santo Antonio de Jesus, com área de 205 km², fazendo limite com os municípios de Amargosa, Santa Terezinha (hoje passou a ser com Elísio Medrado desmembrado de Santa Terezinha), Laje, Santo Antonio de Jesus (hoje parte desse limite é com Varzedo emancipado de Santo Antonio de Jesus em 1988).

São Miguel foi emancipado em 1º de junho de 1891, mas só no dia 08 de junho do mesmo ano é que iniciou sua administração autônoma com o nome de São Miguel das Matas que foi escolhido entre dois outros nomes: Cajatoba e São Miguel da Aldeia. A primeira festa dedicada ao Padroeiro São Miguel Arcanjo aconteceu em 29 de setembro de 1891.

Em 1896 São Miguel teve como intendente, o fazendeiro Francisco Pinheiro de Matos; Em 1903 foi nomeado o Sr. João Thomás de Quadros; Em 1911 foi intendente o fazendeiro Augusto Rodrigues da Costa, neto do primeiro intendente; Em 1925 o intendente foi o fazendeiro Sr. João Cortes.

Em 1926 o intendente de São Miguel foi o coronel da Guarda Nacional Agapito Rodrigues de Quadros que construiu o antigo mercado público inaugurado em 29 de Setembro de 1929.

De 1930 a 1931, foi intendente o fazendeiro João de Souza Bittencourt, rico proprietário do Engenho da Lama, foi ele quem construiu a Barragem da Estação da Estrada de Ferro para melhora a qualidade da água que era consumida pela população.

Francisco Félix de Andrade Barreto assumiu o município como intendente em 1932, e nomeou como delegado o Coronel da Guarda Nacional José Francisco Sampaio, mais conhecido como Coronel Zeca muito conhecido no município por seu caráter violento e arbitrário.

Em 1933, Ludgero Cidreira foi eleito Prefeito, pertencente ao grupo político chefiado por Agapito e que já contava com o filho do Coronel Zeca, o Capitão da Guarda Nacional, Evaristo Costa Sampaio, como um dos líderes daquele grupo do antigo PSD. Teve como candidato de oposição o Padre Antonio Almeida de Oliveira. A briga entre integralistas, liberais e pessedistas fervia os ânimos em São Miguel (VILAS BOAS, S/D).

A eleição de 1933 foi vitorioso o Padre Antonio Almeida de Oliveira, porém Ludgero contestou a eleição e como tinha o apoio importante, conseguiu que a eleição fosse anulada, sendo eleito na segunda eleição.

No ano de 1938, precisamente em 1º de Abril, ainda no governo do Prefeito Ludgero Cidreira, falam que pincharam a casa do Padre Antonio de Oliveira com fezes humanas a mando de Miguel Quadros filho do Coronel Agapito, este ato causou grande revolta na população. O acusado foi preso, porém negou a autoria e foi solto no mesmo dia. O mandato de Ludgero teve fim no ano de 1940 e não houve eleição, porém foi nomeado pelo interventor Renato Pito Aleixo, o comerciante Antonio dos Santos Nery como novo Prefeito do município, pessoa vaidosa, orgulhosa que não perdia a oportunidade de humilhar aquele que dele precisasse.

Assumiu  pela segunda vez a Prefeitura de São Miguel das Matas, o Coronel Agapito Rodrigues de Quadros no ano de 1944. Nesse governo eram muitas as festas populares como Natal, a do padroeiro e principalmente a comemoração do fim da Segunda Guerra Mundial. As festas de padroeiro eram regadas de muita cantoria, bebidas durante três dias. As festas no Natal regadas de muito canto, danças e representações teatrais. As comemorações dos Santos Reis com os ternos de reis, tudo bem ensaiado com componentes bem fantasiados, o cortejo emocionava e contagiava a todos.

De Abril de 1954 a Abril a 1958, o Prefeito Alyrio Athaide Andrade governou São Miguel. Alyrio era filho de Elpídio Souza Andrade e D. Maria Matilde Souza Andrade. O ex-prefeito Ademário Vilas Boas continuou atuando ao atual prefeito. No governo de Alyrio teve uma grande realização que foi a aquisição de uma estação de rádio amador junto à Polícia Militar.

No Ano de 1957 Pe. Gilberto Vaz Sampaio (in memorian) juntamente com a JAC, idealizou e realizou a primeira Festa do Agricultor do município de São Miguel das Matas no dia 1º de maio na comunidade de Ponto da Serra (

 

Alyrio Athaide Andrade apoiou como candidato para a próxima eleição seu antecessor Ademário Vilas Boas e Oldack Sampaio pela terceira vez disputaria as eleições como candidato de oposição. Oldack Sampaio perdeu mais uma vez e Ademário Vilas Boas governou o município de São Miguel das Matas pela segunda vez de abril de 1958 a abril de 1962. Um dos marcos mais importantes do segundo mandato de Ademário foi a abertura das estradas vicinais e o município vivia tranquilo e os ânimos só se acirravam na época das eleições.

Aproveitando o leito da estrada de ferro extinta, o Prefeito Ademário construiu a rodovia, ligando São Miguel ao limite do município de Amargosa em Corta-mão e São Miguel a Varzedo passando por Ponto da Serra, cobrindo os pontilhões da antiga estrada férrea com lajes de cimento, permitindo, assim, o tráfego de automóveis (VILAS BOAS, S/D).

Ademário Vilas Boas apresentou como candidato a sucessão na prefeitura, o Sr. Manoel Lemos Sandes conhecido como Zinho e como candidato de oposição pela quarta vez o Sr. Oldack Sampaio. A rivalidade do partido político com a igreja Católica era cada vez mais presente e mesmo com tantas tentativas da igreja na conscientização do povo, mas uma vez Oldack é derrotado e Zinho é eleito prefeito de São Miguel das Matas pelo período de abril de 1962 a abril de 1966.

Foi no governo de Zinho que a luz elétrica chegou a São Miguel ligada pela hidroelétrica da Cachoeira da Bananeira, integrada à de Paulo Afonso. Devido as grandes enchentes que fizeram os rios transbordarem no município, a estrada de ferro como também várias pontes foram destruídas e assim as estradas de ferro aos poucos foi deixando de operar.

O governo do prefeito Zinho começou a contrariar Ademário seu antecessor e muitos miguelenses, pois o prefeito não se importava com a pobreza que assolava o município. Apesar da desonestidade do prefeito, ele se orgulhava com os feitos de seu governo como conservação e criação de escolas, além do encascalhamento das estradas, calçamentos de logradouros públicos dentre outros.

Nos anos 60, mas precisamente no ano de 1964, nosso país viveu períodos negros e São Miguel das Matas não foi diferente, o famoso Golpe Militar de 1964 que torturou, perseguiu e matou muita gente. Os políticos de direita em São Miguel das Matas tinham grande antipatia pela Igreja Católica e Pe. Gilberto Vaz Sampaio, pároco da paróquia na época, assumindo a opção preferencial pelos pobres, sem medir esforços, tentava sempre amenizar as carências do povo miguelense.

Pe. Gilberto Vaz Sampaio motivado pelo inconformismo de ver a exploração do homem do campo daquela época, cada vez mais se simpatizava pelos movimentos políticos de esquerda e após colaborar para a construção da Congregação Mariana, lugar de encontros e debates, também foi o mentor e fundador do Ginásio Normal 8 de Dezembro hoje Centro Catequético Paroquial.

A Festa do Agricultor, objeto de pesquisa desse trabalho, foi criada pelo Padre Gilberto no ano de 1957, maior festa popular de São Miguel, que passou a ter um propósito mais voltado para o protesto, atingindo assim o seu ápice nos anos 60.

Sobre o ano de 1964, trago trecho da entrevista do Sr. Manoel Acúrcio  Figueredo cedida a padre Esmeraldo Barreto de Farias no ano de 1990. Ninguém melhor do que Acúrcio para falar de sua vivência nessa época tão conturbada. Arcúcio relata os acontecimentos de 1964:

 

O Sindicato dos Trabalhadores foi extinto. Ademário, então, anuncia a prisão do Pe. Gilberto. No dia 06 de abril de 1964, fui preso. Zinho, Delegado da época, procurou-me para me liberar, mas antes não poupou de humilhar. Otaciano foi levado para Salvador e ficou 74 dias preso. Eu fui solto, mas a perseguição continuou até mesmo no pequeno negócio que tinha (um açougue). Empréstimo no Banco? Não conseguia! Na hora de liberar dinheiro, o recurso, pediam o aval e falavam que só poderia ser Zinho ou Ademário. Só consegui através de Ernesto, de Santo Antonio de Jesus”.

 

Todo trabalho que vinha sendo desenvolvido sofreu muito e, em 64, não houve a Festa do Agricultor. “Depois de tanto trabalho, digo: o povo se acostumou com o movimento, mas não se conscientizou”. (FIGUEREDO, 1990).

 

Foi uma época de muito sofrimento. Dona Laurentina, conhecida como Loura, esposa do Sr. Acúrcio, passou muita privacidade, fome e miséria como ela relata em entrevista concedida a padre Esmeraldo em 1990:

 

Eu já participava da Igreja. A minha família era a favor de Ademário e, por isso, era contra o casamento. Era contra porque dizia que o sindicato era comunista e Acúrcio participava. Casada, não podia contar para o marido o que ouvia da família e nem para Otaciano, que era o meu compadre. Também não contava nada para a minha família, do que acontecia nas reuniões, isto é, os passos que eram dados. Em 1964, fiquei assombrada com a situação de ameaça.

 

Cristóvão tinha poucos meses de nascido. Surgiu a revolução. Acúrcio ia ser preso. Fugiu de casa, levou 15 dias dormindo no mato, tinha medo que ele morresse. Sempre, à noite, um policial aparecia à procura dele. Olhava para as crianças, chorando, com fome, e porque não tinha o que dar, nem esperanças, parecia que era o fim.

 

Se ele morresse, quem iria me ajudar a criar os meus oito filhos?

 

No ano de 65, foi ainda muito mais difícil, porque Acúrcio ficou sem ganha pão. Não teve mais condições de cortar o porco e não tinha como a fazer a feira. A presença de Deus, nas pessoas solidárias, que aliviava o sofrimento nas grandes necessidades, foi a nossa salvação. Sofri, sofri muito, mas a minha fé em Deus eu nunca perdi. Cristóvão nasceu neste momento de sofrimento, mas amado. Deus o escolheu para o ministério sacerdotal, seja feliz. Os 12 filhos que tive são bênçãos de Deus e respostas do seu amor por nós. (LAURENTINA, 1990).

 

 

O Golpe Militar de 1964 trouxe muitas consequências, muita miséria e fome, fora outras situações que sofreram a população brasileira. Otaciano, compadre de Acúrcio e companheiro na luta sindicalista junto com o Padre Gilberto Vaz Sampaio e que também foi preso, foi entrevistado pelo Padre Esmeraldo em 1990 onde ele relata todo o acontecimento de sua prisão até a soltura.

No dia 31 de março, o rádio noticiou que João Goulart estava exilado por causa de um golpe militar. No dia 03 de abril, sexta-feira, fui a São Miguel e lá participei da Missa. Depois fui ao Sindicato, com uma sobrinha, acertar um problema de patrão com empregado. Aí tive a notícia de que a polícia estava me procurando. Mas, isso não me assustou. Trabalhei o dia inteiro com as portas fechadas. Às 18 horas, fui para casa. Quando foi umas 8 horas da noite, recebi o recado, mandando que eu fugisse, pois a polícia ia pra me buscar; dizia também que eu avisasse a compadre Acúrcio, para fugirmos juntos. Saímos corridos por dentro do mato e fomos para a casa do amigo Leonel Oliveira Nazaré, que era delegado do partido do sindicato. Com ele, passamos a sexta-feira para sábado. Do sábado cedo até segunda pela manhã, ficamos escondidos no mato. Segunda, achei que tudo já tinha acabado, voltei para casa e fui ensinar. Quando a sala estava cheia, chegaram dois policiais trazendo um recado do prefeito, que queria falar comigo. Pedi licença aos soldados para trocar de roupa, pois a que vestia era velha e remendada. Eles disseram: não. Leve uma toalha e lá arrumam alguma coisa. Mas eu pedi a roupa a minha mulher e viajamos para a casa de compadre Acúrcio e de lá fomos juntos. Ele me fez companhia, após tomar banho, pois estava muito suado do trabalho que estava fazendo. Me senti mais seguro. Chegando ao quartel, fomos os dois presos. Quando o prefeito Manoel Lemos Santos chegou, procurou soltar compadre Acúrcio, mas eu fiquei preso. Às 04 horas da manhã, chegou um carro com a sobrinha de Ademário, dizendo que ia me levar para Santo Antônio de Jesus, onde eu iria depor com o sargento Delegado Alencar. Levaram-me direto para Salvador, onde fui depor. Lá encontrei alguns colegas presos. Fui escoltado por Aurelino Vilas Boas e os dois policiais que me acompanharam. O secretário avisou para o Coronel do QG que eu já tinha chegado. Este pediu que eu falasse, mas o secretário intercedeu dizendo: “– Não, são pessoas simples e não há necessidade para ir ao QG. Poucos instantes depois, o coronel chegou e, com ele, entrou Aurelino Vilas Boas, que era irmão do ex-prefeito Ademário e entregou o ofício feito pelo Delegado Juvenal Néri. No Batalhão, fui recolhido no dia 07 de abril e, dez dias após, fui transferido para o 19º BC, onde me encontrei com Francisco Pinto, deputado federal e estadual por muitos mandatos, representando o município de Feira de Santana e mais 34 prisioneiros. Neste  novo presídio, passamos alguns dias.

Às 08 horas da noite, do dia 11, chegou o sargento, chamando pelo nome de alguns colegas. Eu perguntei: para onde eles vão? Para outra Delegacia ou para casa? Para casa. Eu disse então: uma hora dessa? Sem transporte? Vâo levar até a Rodoviária e lá tomam seu destino. Ao fazer estas perguntas, chamaram meu nome. Que alegria! Foi aí que Marcos Brizola perguntou: Otaciano, você tem algum dinheiro para viajar? Respondi: todo dinheiro que tenho é Cr$200 mil réis. Ele, então, me deu Cr$500 mil réis.  Para que eu não dormisse à toa. Ele me indicou um amigo, chamado Marcos Leone. Só foi chegar e fui bem recebido. (OTACIANO MOURA, 1990).

Tanto a família de Acúrcio como de Otaciano sentiram na pele a dor de ter um familiar preso e sem notícias o que fez com que seus filhos e esposa passassem fome, frio, medo, é o que nos conta D. Silvina, esposa de Otaciano em seu depoimento em entrevista concedida a padre Esmeraldo em 1990:

 

Eu sempre o aconselhava para que tivesse cuidado. Quando ele foi preso, a situação pra mim não foi boa! Foi um desgosto tremendo. Minha vida era chorar, não se tinha notícia. Quando ele chegou, 72 dias depois da prisão, me encontrou a pele e o osso. Quando soube da notícia de sua chegada, eu reuni os filhos, na frente da Igreja, para recebê-lo. (SILVINA, 1990).

 

 

Depois da Congregação e do Ginásio, o Padre estava com seu prestígio em alta junto a nossa população. Encorajando e atuando, procurava formar novos líderes, como foi o caso da professora Zorilda Andrade, que foi enviada pelo Padre Gilberto a um congresso na cidade de Lourdes, na França. Tendo sido a primeira miguelense a pisar no solo europeu. Depois que voltou, era outra pessoa, e, apesar dos poucos dias que passou por lá, veio com uma mentalidade mais evoluída, mais politizada e mais emancipada (VILAS BOAS, S/D P. 234).

Enquanto o grupo político dominante na época se mantinha indiferente aos anseios da população que sofria com a fome, a ignorância e a falta de saúde. Pe. Gilberto ia se dedicando cada vez mais à sua opção preferencial pelos pobres, dedicando-se aos movimentos, principalmente da luta pela terra.

Padres Gilberto Vaz Sampaio juntamente com alguns companheiros como Arcúcio e Otaciano se ocupavam assim dos movimentos sindicais rurais. O primeiro Sindicato dos Trabalhadores Rurais da região do Vale do Jiquiriçá foi criado em São Miguel das Matas como uma ação da Igreja Católica e Movimentos de Educação de Base o qual o Padre Gilberto era coordenador na Diocese de Amargosa.

No dia 31 de março do ano de 1964, o Golpe Militar derrubou o presidente João Goulart e em São Miguel a repressão mostrou sua face violenta: o Sindicato Rural teve sua porta arrombada pelo Exército que veio com ordem para levar preso o Padre Gilberto e os líderes sindicais, Arcúcio e Otaciano. Porém só encontrando os dois líderes sindicais os prenderam, mas logo Arcúcio foi solto e Otaciano sofreu muito na mão dos militares.

Padre Gilberto quando soube da prisão dos amigos e companheiros, se mostrou solidário, além do seu companheirismo e dizia que queria ser preso no lugar deles e o grupo político de direita que se sentia ameaçado pelo crescimento do sindicato, comemoravam as prisões e torturas e São Miguel seguia num clima de medo, as pessoas se sentiam encurralados, ameaçados, perseguidos.

Ademário mais uma vez se candidata a prefeitura de São Miguel e Oldack pela quinta vez sai candidato pela oposição e mais uma vez Ademário vence as eleições para um mandato de abril de 1966 a abril de 1970, sendo sua 3ª gestão. Ademário assumia o papel do Legislativo, Executivo e com influência no Judiciário.

Como havia prometido anteriormente, Padre Gilberto deixou São Miguel em 1º de Janeiro de 1966 antes da posse de Ademário. Para substituir o Padre Gilberto, veio o Padre Walter Pinto de Andrade, natural de Conceição do Almeida que deu continuidade ao trabalho de Padre Gilberto, mas como sempre a Igreja Católica mantinha certa aversão ao grupo político dominante na época por causas já especificadas anteriormente.

Ademário apresentou como candidato à sucessão, Juvenal dos Santos Nery e a oposição lançou como candidato, Luiz Oldack Sampaio recebendo total apoio da Igreja Católica, porém mais uma vez o candidato da situação ganha as eleições.

Juvenal dos Santos Nery governou São Miguel de abril de 1970 a abril de 1972 que se destacou pelas pavimentações em algumas ruas e construções de doze pontes no município.

Padre Walter, como havia prometido, passou a residir em Laje, vindo à cidade de São Miguel apenas algumas vezes.

Para sucedê-lo o Sr. Juvenal lança como candidato, o seu antecessor Ademário Vilas Boas que teve desta vez como adversário Eduardo Souza Santos, o Eduardinho, ex-sapateiro que prestava serviços de enfermagem no posto médico mantido pelo MDB sob o título de Associação Miguelense de Amparo a Maternidade, a Infância e a Velhice, mas novamente Ademário ganhou as eleições para exercer seu quarto mandato no período compreendido entre abril de 1972 a abril de 1978. A prioridade de Ademário nesse mandato era a eletrificação rural e teve sua vida marcada no ano de 1973 por um trágico acidente de automóvel que ceifou a vida de seu filho Aldemiro, geólogo, e de sua nora, a professora Iza Marta Borges Vilas Boas.

O Padre Walter Jorge Pinto de Andrade deixou São Miguel em 3 de janeiro de 1976, e, para seu lugar, foi designado o Padre Edimilson Ribeiro que permaneceu entre nós até 2 de março de 1979. O período vivido pelo Padre Edimilson, entre os miguelenses, foi marcado, exclusivamente, pela continuidade de uma campanha, em surdina, contra Ademário (VILAS BOAS, S/D, P. 267).

Eduardinho se candidata pela segunda vez pela oposição para administrar a prefeitura de São Miguel contra Antonio Souza Andrade, candidato de Ademário e mais uma vez o candidato de Ademário vence mais uma vez as eleições, exercendo o mandato de abril de 1978 a abril de 1982.

Ninho, como era conhecido o prefeito de São Miguel, deu continuidade a eletrificação rural, assim como adquiriu para o município, caçambas, ambulâncias e outros veículos. No governo do prefeito Ninho, houve a saída do Padre Edimilson Ribeiro e a paróquia foi abençoada com a vinda de dois padres: Padre Abel Gemelli que ficou em São Miguel, de 18 de fevereiro a 2 de maio de 1979 e Padre João Argolo que chegou em 3 de maio de 1979 a 1º de janeiro de 1980. Quando Padre João Argolo saiu, quem assumiu foi o Padre João Nilton dos Santos Souza que ficou apenas de 5 de julho a 13 de agosto de 1980 e em 13 de agosto de 1980, retorna a São Miguel o querido Padre Gilberto Vaz Sampaio que ficou até 14 de Julho de 1987.

Para sucessão na prefeitura, Ninho lançou o candidato Ademário e a oposição lançou pela terceira vez o Sr. Eduardinho como candidato, sem sucesso, pois mais uma vez Ademário vence as eleições e tem seu 5º mandato, governando de abril de 1982 a 31 de dezembro de 1988.

O então Governador Waldir Pires, segundo relato de Ismar Araújo Vilas Boas, nomeou o Bispo, D. João Nilton dos Santos Souza, para chefiar a DIREG, na cidade de Amargosa, onde este órgão abrange, também, as regiões circunvizinhas. Após a saída de Padre Gilberto em 14 de julho de 1987, assume a paróquia o Padre Raimundo Costa Santana ficando até 1º de Janeiro de 1989.

No ano de 1986, Ademário promoveu a inauguração de uma série de obras, dentre elas, a Rua Oclenídia Villas Boas e a reforma da Praça Municipal, agora denominada Praça D. Magdalena Souza Andrade, que dominou o comércio local entre as décadas de 40 e 50, uma homenagem às grandes mulheres que em São Miguel, conquistaram o respeito da nossa população (VILAS BOAS, S/D, P. 282).

O mandato de Ademário terminou e como candidato ele apresentou Antonio Souza Andrade e como adversário, Eduardo de Souza Santos, o Eduardinho se candidatava pela quarta vez e foi derrotado.

O segundo mandato de Antonio Souza Andrade, o Ninho, foi no período de 1º de Janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 1992, que nesse governo deu prioridade à construção de casas populares, urbanizou e pavimentou as ruas do Onha e do Triângulo, melhorou as estradas e construiu algumas escolas. O Padre Zeferino Bernardi assume a paróquia de São Miguel de 4 de janeiro de 1989 a 15 de março de 1992.

Durante esse mandato de Ninho, outro grande Golpe abateu a felicidade da família de Ademário Villas Boas e grande parte da população de São Miguel. Em 28 de Agosto de 1992, morreu em Barcelona, na Espanha, o meu irmão caçula, Welington Villas Boas, médico pediatra, que residia em São Paulo, mas encontrava-se na Europa, como que se despedindo da vida, la vindo a falecer de AIDS (VILAS BOAS, S/D, p. 285).

Terminando o mandato de Ninho, Ademário se candidata novamente contra o candidato Antonio Argolo Bittencourt, o “Antonio Gordo”, porém mais uma vez Ademário Vence e pela sexta vez administra o município de São Miguel das Matas no período de 1º de janeiro de 1993 até 31 de dezembro de 1996. Ademário com os cinco mandatos dos substitutos e mais seis mandatos seus, totalizavam 11 eleições vitoriosas.

Pe. Zeferino Bernardi é transferido e para seu lugar veio o Padre Fausto Lopes Mota, um padre bastante dinâmico e forte na fé que durante seu período na paróquia trouxe de volta aos miguelenses, a Festa do Agricultor.

O povo miguelense já estava cansado e com sede de mudança e como as pessoas costumavam falar, tinham que “quebrar a espora do galo”, ou seja, tira Ademário do poder que já vinha de 11 eleições vitoriosas. Nas eleições de 1996, Ademário se candidata a reeleição e Ninho que já não estava muito bem com a situação, se candidata do lado da oposição. Eram muitos os comícios feitos tanto de um lado como do outro e o povo esperava ansiosos pelo dia da eleição, pois a esperança voltava a brilhar e para alegria do povo miguelense, Antonio Souza Andrade vence as eleições para Ademário para o mandato no período de 1º de Janeiro de 1997 a 31 de dezembro de 2000. As comemorações duraram dias, muitos fogos e muitas festas comemoravam o fim do mandato de Ademário em São Miguel que não mais conseguiu ser prefeito. Durante o governo de Ninho, praticamente o prefeito foi seu filho Toinho que mandava e desmandava na prefeitura e que logo cuidou de fazer as pazes com o grupo de Ademário que nas eleições de 2000 lançou como candidato o médico Dr. Reinaldo Andrade Sandes.

Nas eleições de 2000, Reinaldo Andrade Sandes se candidata do lado da situação e dessa vez surge um novo nome para oposição, Manoel Alves Bomfim, filho da terra que passou alguns anos morando em Santo Antonio de Jesus tendo alguns mandatos de vereador lá e volta pra sua cidade natal para disputar a vaga de prefeito do município de São Miguel das Matas. Desta vez quem levou a melhor foi Dr. Reinaldo que ganhou as eleições com 52% dos votos válidos.

Reinaldo durante seus 4 anos de mandato fez um excelente trabalho em São Miguel das Matas, porém ainda permanecia aquela velha rivalidade com a Igreja Católica e nesse período Padre Fausto Lopes Mota sofreu muita repressão, foi muito perseguido e a Diocese achou melhor afastar o Padre da paróquia e como punição, a paróquia de São Miguel Arcanjo ficou sem pároco por um bom período, ficando Padre Edézio como Administrador Paroquial.

Em 2004, novas eleições e mais uma vez Manoel Alves Bomfim, o Teté, se candidata a prefeito fazendo oposição ao então prefeito Dr. Reinaldo Andrade Sandes. Mais uma vez, pra surpresa dos miguelenses, Reinaldo vence as eleições, sendo reeleito prefeito de São Miguel das Matas para o mandato de 01/01 2005 a 31/12/2008. Nesse mandato Reinaldo pouco fez pela cidade de São Miguel das Matas e como foi reeleito, não pôde mais se candidatar nas próximas eleições. Nesse período também a Diocese de Amargosa manda um novo padre para paróquia, Padre José Edson Barros.

Nas eleições de 2008, pela 3ª vez, Teté se candidata a prefeito da cidade, fazendo oposição a Ademário Vilas Boas, mais conhecido entre os admiradores como “O Velho Guerreiro”, José Almir Almeida Barreto (Mica), Roque José do Santos, o “Roque do Sindicato” pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Manoel Alves Bomfim (TETÉ) é eleito para o mandato de janeiro de 2009 a dezembro de 2012. Nas eleições de 2008 com quatro candidatos, Roque José dos Santos (Roque do Sindicato), candidato pelo Partido dos Trabalhadores, abandona a candidatura por falta de apoio e organização na campanha.

Teté assume a prefeitura de São Miguel das Matas com muito desejo de mudança e faz valer a pena. Trouxe muitos benefícios para a cidade, alguns com recursos próprios, deixando a cidade mais tranquila, bonita e cada dia mais se desenvolvendo em todos os aspectos: Educação, Saúde, Esporte... Nesse período acaba-se a rivalidade entre Igreja e Prefeitura, pois Teté prezava pela política de boa vizinhança e sempre atendia aos pedidos feitos tanto pela Igreja Católica como pelas Igrejas Evangélicas.

Nas eleições de 2012, Manoel Alves Bomfim (TETÉ) se candidata a reeleição e como oposição mais uma vez se candidata Dr. Reinaldo Andrade Sandes que mais uma vez foi derrotado por Teté. Teté faz uma boa administração, dando continuidade ao trabalho do primeiro mandato, porém tinha muita gente descontente com seu trabalho. Seu Vice, Valdelino de Jesus Santos (BALEIA), descontente com a administração de Teté, rompe relações e começa uma campanha acirrada contra o prefeito, conquistando muitos adeptos. Em 2013 a Diocese faz, como de costume, a troca de padres e para a paróquia de São Miguel Arcanjo, sai José Edson Barros para a chegada de Padre Gonçalo Marinho, que revolucionou a cidade com seu jeito alegre de ser, conquistando de volta para Igreja muitos fiéis que haviam se afastado. Padre Gonçalo também trouxe de volta a Festa do Agricultor que por mais de uma década havia ficado adormecida.

Nas eleições de 2016, Teté como não poderia mais se candidatar, deveria indicar o seu sucessor. Foi uma dificuldade para achar seu sucessor e indicou José Renato Curvelo de Araújo, seu Secretário de Administração, para candidato 2016; na oposição, concorreram Alair de Jesus Barreto (Lai Barreto) e o então Vice-prefeito Valdelino de Jesus Santos (BALEIA). Os três candidatos tiveram uma disputa acirrada, onde José Renato Curvelo de Araújo no início da campanha tinha apenas 2% das intenções de voto, mas com a simpatia do povo pelo então prefeito Manoel Alves Bomfim, sua popularidade foi crescendo, mesmo com muitos miguelenses descontentes com a administração. A popularidade de Baleia também crescia a cada dia e a disputa ficava cada vez acirrada entre os dois mais cotados: Baleia e José Renato, enquanto Lai Barreto visivelmente estava ocupando o terceiro lugar nas intenções de voto. E como era de se esperar, por pouco o candidato da situação não perde as eleições. José Renato Curvelo de Araújo é eleito com 39,27% dos votos para um mandato de janeiro de 2017 a dezembro de 2020. Em seguida veio Baleia que ficou em segundo lugar com 36,38% dos votos e Lai Barreto em terceiro com 24,36% dos votos válidos. Muitas comemorações foram feitas, pois além dos funcionários contratados, muitas pessoas não queriam a volta de Reinaldo que estava apoiando o candidato Baleia.

José Renato inicia seu mandato dando continuidade ao trabalho desenvolvido por Teté nas suas duas gestões, mas também logo conquista muitos adeptos e muitos descontentes com a sua administração, inclusive o ex-prefeito Teté que rompe definitivamente em 2019 com o prefeito fazendo total oposição durante a eleição da nova mesa diretora da Câmara de Vereadores que elege o vereador Antonio Marcos dos Santos (Marquinhos da Sucupira) como presidente da Câmara para o biênio de 2019-2020, sabendo-se que Marquinhos também era da situação e, a partir da eleição da Câmara, torna-se oposição ao Prefeito que segundo ele explicou em redes sociais não o quis mais como candidato pela situação. A rejeição ao prefeito José Renato cresce, mas também cresce o número de admiradores. No ano de 2019, Padre Gonçalo deixa a paróquia de São Miguel Arcanjo e no seu lugar chega à paróquia o Padre Cristóvão Figueredo, filho de Arcúcio um dos líderes do Sindicato Rural de São Miguel das Matas na década de 1960. Padre Cristóvão volta a sua terra natal após 40 anos de sua partida com toda sua família depois de seu pai ter sofrido um AVC.

 

 

1.3 FESTAS RELIGIOSAS EM SÃO MIGUEL DAS MATAS

 

A devoção a São Miguel Arcanjo divide espaço com a devoção a São Roque desde a década de 1802, onde os franciscanos trouxeram a devoção a São Roque. A primeira capela dedicada a São Miguel Arcanjo foi erguida também em 1802.

O Povo miguelense tem uma caminhada constante de devoção, tanto na zona urbana como na zona rural, manifestando-se com bonitas procissões dos padroeiros, orações e muita fé. O povo de São Miguel além de ser considerado um povo acolhedor, é também um povo de muita fé, por isso a paróquia de São Miguel Arcanjo sempre se destaca na Diocese de Amargosa entre as outras paróquias.

A devoção e as festas de São Miguel Arcanjo e de São Roque são possibilidades de compreensão cultural dos sujeitos sociais miguelenses. Atitudes reveladas e ato público de fé como ter que segurar no andor de São Miguel Arcanjo ou São Roque, comer o pão de São Roque, seguir toda a procissão descalço, enfeitar os peitoris da janela, pode parecer estranho para os incrédulos, os mais distantes desta realidade, mas são carregados de sentidos para esses devotos (SANTOS, 2004, p. 37).

A Festa do Padroeiro São Miguel Arcanjo acontece todo dia 29 de setembro e, durante muito tempo, se elegia uma comissão que organizava a festa do próximo ano. Geralmente quem fazia parte dessa comissão era a elite da cidade causando um afastamento das pessoas mais humildes das comemorações festivas do padroeiro. Participar da comissão organizadora da festa do padroeiro era como uma garantia de adquirir status. A comissão fica por um período de até dois anos e esta pedia a colaboração de outros fiéis da elite para que a cada ano a festa fosse mais bonita e organizada que a outra.

Hoje essa comissão se transformou em Conselho Administrativo Paroquial (CAP) e Conselho Paroquial de Pastorais (CPP) que além de se responsabilizar pela festa do padroeiro, também é responsável por quaisquer movimentos que acontece na sede da paróquia, ligados à Igreja Católica.

A Festa de São Miguel Arcanjo, é uma festa luxuosa. Sempre foi e ainda é, porém hoje com um pouco mais de moderação.

As procissões dedicadas ao Arcanjo Miguel são até hoje um momento de muita fé e devoção não só no dia 20 de setembro como também no dia 29 de setembro, dia da festa do Padroeiro. De 2013 a 2018 com a chegada do Padre Gonçalo Marinho, a procissão do dia 29 de setembro tinha a participação de todas as comunidades rurais que também traziam os andores dos seus padroeiros muito bem enfeitados, abrilhantando ainda mais a procissão do Arcanjo Miguel.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 2

 

IGREJA E FORMAÇÃO CULTURAL E POLÍTICA EM SÃO MIGUEL DAS MATAS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2.1 IGREJA CATOLICA E ORGANIZAÇÃO CAMPONESA

 

A igreja católica, historicamente teve um papel muito importante na formação histórica e cultural da região onde se situa o município de São Miguel das Matas. Na Diocese de Amargosa, a qual o município de São Miguel das Matas faz parte, destaca-se a intervenção e formação para os camponeses liderada pelo Padre Gilberto Vaz Sampaio, pessoa muito respeitada em toda região, que introduziu e coordenou a Juventude Agrária Católica (JAC) no município e na diocese. Entre as várias ações desenvolvidas pela JAC, encontra-se a organização da Festa do Agricultor, a criação do primeiro Sindicato de Trabalhadores Rurais da região, em 1962.

 A ação da JAC está inserida em um projeto maior de reforma da Igreja Católica, empreendido sobretudo a partir da década de 1940, decorrente da influencia política da chamada Ação Católica, no mundo e, especificamente no Brasil, por meio daquilo que poderíamos chamar de Ação Católica Brasileira.    

A Ação Católica é o conjunto de movimentos criados pela Igreja Católica no século XX, visando ampliar sua influência na sociedade, através da inclusão de setores específicos do laicado e do fortalecimento da fé religiosa, com base na Doutrina Social da Igreja. Foi fundada em 1929 pelo Papa Pio XI. De caráter político conservador em suas primeiras décadas, vai se transformando radicalmente a partir da década de 1940.

No Brasil, a Ação Católica Brasileira foi fundada em 1935 pelo cardeal Sebastião Leme, no Rio de Janeiro, a partir de orientações do Papa Pio XI, com o objetivo de formar leigos para colaborar com a missão da Igreja: "salvar as almas pela cristianização dos indivíduos, da família e da sociedade". A intenção era que os leigos se tornassem o braço estendido da Igreja Católica no seio da sociedade como apostolado organizado e subordinado ao poder do clero.

O núcleo inicial da ACB era o Centro Dom Vital (CDV), fundado em 1922, que reunia parte da intelectualidade católica conservadora e defendia um nacionalismo de direita. Durante a década de 1920, o CDV era dirigido por Jackson de Figueiredo. Na década de 1930, o CDV apoiou os integralistas, o movimento fascista brasileiro. Jackson de Figueiredo foi sucedido por Alceu Amoroso Lima, que, no início era um conservador, mas depois seria um intelectual católico de esquerda. Outro importante integrante da ACB foi Dom Hélder, que, em 1947, foi nomeado como assistente daquela entidade. Dom Hélder que quando jovem foi um admirador do fascismo, logo renegaria essa ideologia, e, cada vez mais sensibilizado pela problemática social, se tornou um verdadeiro símbolo do clero progressista.

A Ação Católica tem os significados de apostolado católico geral e apostolado social. Visava à colaboração ou participação do leigo no apostolado da hierarquia da Igreja. Os estatutos apontavam para a existência de diferentes organizações da Juventude Católica (JC), a chamada Ação Católica Especializada:

  • Juventude Estudantil Católica (JEC), para a mocidade do curso secundário;
  • Juventude Universitária Católica (JUC), para os estudantes universitários;
  • Juventude Operária Católica (JOC), para a mocidade operária.

Oficializada a Ação Católica Brasileira, os núcleos de militantes cristãos foram se desenvolvendo de forma desigual. A Ação Católica por meio específico (operária, estudantil, universitária, agrária e independente), chamada também de Ação Católica Especializada, foi se firmando cada vez mais no setor de jovens. Tanto assim que, em 1948, a Comissão Episcopal de Ação Católica aprovava oficialmente a JOC como ramo fundamental da ACB e como organismo de âmbito nacional, com um assistente eclesiástico e equipe próprios, e com sede no Rio de Janeiro. 

Em 1943, começou a se delinear dentro da ACB uma nova maneira de encarar a organização do laicato. Essa nova orientação baseava-se nos princípios já difundidos na Europa do padre Cardjin, para quem era impossível promover uma reforma espiritual profunda dos indivíduos sem uma reforma concomitante do meio em que viviam e trabalhavam.

A Ação Católica Brasileira era então dirigida por Alceu Amoroso Lima, com a participação de outros intelectuais católicos, muitos dos quais ligados ao integralismo. Opondo-se à nova orientação política, mais progressista, da ACB, o grupo liderado por Plínio Correia de Oliveira desligou-se em 1943 da organização.

No pós-guerra, com a derrota do fascismo e a crescente influência de pensadores católicos humanistas, o pensamento social católico brasileiro sofreu grandes transformações.

Em 1947, o padre Hélder Câmara assumiu o cargo de assistente eclesiástico da Ação Católica Brasileira. Em 1950, logo em seguida à IV Semana Nacional de Ação Católica, celebrada em julho daquele ano, a Comissão Episcopal de Ação Católica, estabelecia novos estatutos para a ACB, dispondo da seguinte maneira o quadro geral: Juventude Masculina Católica, constituindo-se nos movimentos JAC (Juventude Agrária Católica), JEC (Juventude Estudantil Católica), JIC (Juventude Independente Católica), JOC (Juventude Operária Católica), JUC (Juventude Universitária Católica); Juventude Feminina Católica, formando a JACF, JECF, JICF, JOCF, JUCF; Homens de Ação Católica, formado pelas quatro ligas masculinas LAC, LIC, LOC, LUC; Senhoras de Ação Católica, formada pela LACF, LICF, LOCF, LUCF. Aos poucos, movimentos masculinos e femininos fundem-se numa só prática: JUC, JAC, JEC, JIC e JOC para moços e moças.

Em 1952, um fato novo veio influir na atuação da ACB. Foi criada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da qual dom Hélder era o secretário-geral. De certo modo, portanto, a CNBB brotou da ACB, e vários integrantes da CNBB haviam trabalhado na ACB como assistentes, e ainda permaneciam em contato com a entidade. Essa ligação estreita com a CNBB alterou a relação da ACB com a hierarquia católica, deixando de depender das diretrizes ditadas individualmente por cada bispo para tratar com um órgão de representação nacional, aumentando assim sua autonomia de ação.

No início dos anos 1960, já sob o pontificado de João XXIII, o Concílio Vaticano II, suscitou uma cisão ideológica da Igreja do Brasil, em uma corrente mais à esquerda, liderada por Dom Hélder Câmara, e outra à direita, ligada a Dom Jaime Câmara e Dom Vicente Scherer.

A Ação Católica contava então com cinco organizações destinadas aos mais jovens: Juventude Agrária Católica (JAC), formada por jovens do campo; a Juventude Estudantil Católica (JEC), formada por jovens estudantes do ensino médio (secundaristas); a Juventude Operária Católica (JOC), que atuava no meio operário; Juventude Universitária Católica (JUC), constituída por estudantes de nível superior; e a Juventude Independente Católica (JIC), formada por jovens que não fossem abrangidos pelas organizações anteriores.

As mais conhecidas são a JEC, JOC e JUC. O crescente envolvimento do movimento estudantil na discussão dos problemas nacionais e das chamadas reformas de base, tais como a reforma agraria, acabou por engendrar a criação de uma organização política desvinculada da Igreja – a Ação Popular, constituída por antigos membros da JUC. Em 30 de abril de 1963, a CNBB pedira reformas urgentes na sociedade, inserindo-se na discussão sobre as reformas de base, lançadas pelo governo. 

A Igreja Católica chegou dividida ao golpe de 1964. De um lado, os movimentos leigos da Ação Católica, comprometidos com vários movimentos de transformação social - Movimento de Educação de Base (MEB), Movimento Popular de Cultura (MPC) do Recife, Campanha de Educação Popular (CEPLAR) da Paraíba, etc. - destacando-se a experiência alfabetizadora de Paulo Freire, também com forte presença de cristãos. 

Dos movimentos de jovens, pouco depois de 1966, a JUC e a JEC se desligam da hierarquia e, num clima de repressão política, acabam desaparecendo. A JAC também desapareceu. A JOC, com o aumento da repressão, teve toda a cúpula nacional presa e torturada e quase desapareceu; resistiu, mas entrou, praticamente, na clandestinidade, da qual tornou a emergir posteriormente. 

Posteriormente, em 1971, no auge da ditadura militar, a Ação Popular (AP) adere à luta armada, passando a se chamar Ação Popular Marxista-Lenilista do Brasil.

 

2.2 O MEB E A JAC

Um dos movimentos de formação para criança, jovens e adultos do meio rural foi o MEB (Movimento de Educação Básica) fundado em 21 de Março de 1961, vinculado a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) com a missão de contribuir para promoção humana integral e superação da desigualdade social por meio de programas de educação popular libertadora ao longo da vida.

Farias (S/D) ressalta em seu artigo sobre o MEB que o cenário político desde a segunda metade dos anos 1950 assinala movimentos de luta por direitos e entre eles direito à posse de terra, dessa forma a igreja percebe que a sua atuação deve ser modificada indo de encontro aos grupos menos favorecidos procurando construir uma prática mais apropriada com sua pregação, desenvolvendo um tipo de trabalho junto aos segmentos populares adotando o método de educação utilizado por Paulo Freire, pois o avanço das ligas era cada dia mais real e o movimento era influenciado significativamente pelo Partido Comunista Brasileiro.

O MEB reconhece que de nada adianta levar a essas populações bens materiais, sem que haja a competente aceitação, pelo “querer” da vontade, e da mentalidade aberta predisposta a iniciativas próprias e à melhoria que tais benefícios lhes trariam. De nada adianta distribuir remédios, por exemplo, se os camponeses não compreendem a razão de ser dessas medidas e continuam a andar descalços, a não usar fossas, a cavar poços de qualquer modo, a tomar água poluída e contaminada. De nada adianta tampouco instalar escolas em zonas rurais sem que elas se encarnem nas necessidades de conhecimento que tem o homem rural. (SPEYER, 1983. Pág. 113)

O MEB sofreu repressão do Estado com o Golpe Militar de 1964, porém graças a proteção da igreja e talvez por conta do trabalho desenvolvido, foi a única experiência de educação popular a sobreviver ao golpe, entretanto o preço da sobrevivência foi a moderação em suas atividades.

Em São Miguel das Matas o golpe militar de 1964 trouxe vários acontecimentos e dentre eles a perseguição e prisão de membros da igreja e sindicalistas rurais como: Padre Gilberto Vaz Sampaio, Arcússio e Otaciano por suas lutas pelas causas dos menos favorecidos (Fato que detalharei no próximo capítulo).

O MEB na Diocese de Amargosa teve como característica a conscientização para o trabalho, luta e articulação dos sindicatos rurais, resgatando a cidadania, ação sindical e comunicação popular, onde o sujeito deveria se reconhecer dono de sua história e para isso deveriam sempre lutar pelas condições necessárias, rompendo os obstáculos. Assim o MEB passa de um movimento de educação básica para um movimento de organização política dos trabalhadores rurais.

O Movimento de Educação de Base nas zonas rurais do país possibilitaram articulações de outros movimentos, como por exemplo, a organização dos sindicatos, associações comunitárias, entre outros em uma época que as reivindicações eram proibidas, limitadas e controladas. Ao mesmo tempo, é possível pensar o MEB, juntamente com outros movimentos criados dentro da Igreja como, por exemplo, a Juventude Agrária Católica (JAC) com influência significativa em alguns municípios pertencentes a Diocese de Amargosa, como um movimento que ajuda a “organizar o povo”, conscientizando de seus direitos como cidadão, como pessoa humana, além de contribuir para o surgimento de outros movimentos de base que desenvolveriam seus trabalhos em meados da década de 1970, como foi o caso da Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

A JAC tinha como objetivo difundir os ensinamentos da Igreja nas zonas rurais teve uma atuação intensa em algumas áreas, mas pouco expressiva a nível nacional. Com a repressão no Golpe Militar de 1964, a JUC (Juventude Universitária Católica) e a JEC (Juventude Estudantil Católica) foram bastante perseguidas e a JAC levou adiante suas tarefas juntamente com a JOC (Juventude Operária Católica) e a ACO (Ação Católica Operária), passando assim a aumentar o compromisso social da JAC e consequentemente aumentaram também as perseguições aos seus militantes.

A JAC entrou em processo de dissolução a partir de 1966 após novas orientações da CNBB em relação aos movimentos da igreja.

As CEBs são comunidades formadas por leigos e leigas, principais responsáveis pelas atividades necessárias à existência da Comunidade. Estas pessoas exercem a coordenação das atividades de forma colegiada, participativa. E nas CEBs emergem novos ministérios leigos. (http://www.portaldascebs.org.br).

A influência dos trabalhos do MEB na criação dos Sindicatos Rurais da região de Amargosa foi significativa, entretanto, detalhar esta relação significa analisar a complexa teia de relações criadas entre a Igreja, O Estado e o sindicato na região, destacando os interesses, os conflitos e as negociações traçadas nessa luta por uma educação de qualidade, onde o sujeito se reconhece autônomo e, portanto livre para fazer suas escolhas e decide pela sua vida e pela sua história, transformando sua realidade, criando estratégias para sobrevivência e ao mesmo tempo marcando seu lugar no mundo. (FARIAS, S/d).

Apresento abaixo (Figura 01, 02 e 03) Documentário, foto e música sobre a JAC retirada do arquivo pessoal de Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio.

 

Figuras 01 – Documentário da JAC

 

Fonte: Arquivo pessoal do Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio disponível na Secretaria Paroquial de Varzedo. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 02 – Foto de movimentos da JAC

 

 

Fonte: arquivo pessoal do Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio exposto na Secretaria Paroquial  de Varzedo.

 

Figura 03 – Música Vida Jacista

 

Fonte: Arquivo pessoal do Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio exposto na Secretaria Paroquial de Varzedo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 3:

 

A FESTA DO AGRICULTOR: HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÕES

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Festa do Agricultor, em São Miguel das Matas, teve sua primeira edição no dia 1º de maio de 1957, na comunidade de Ponto da Serra/São José[7], zona rural do município e contou com a organização e idealização do Padre Gilberto Vaz Sampaio e o grupo da pastoral da Juventude Agrária Católica (JAC), criada no município por ele. No grupo da JAC, em São Miguel, teve destaque a professora Odelita Oliveira Caldas que veio da cidade de Amargosa lecionar na comunidade, por intermédio do Pe. Gilberto.

A partir de 1961, em sua quinta edição, a Festa do Agricultor, passou a ser realizada na sede do município, ou seja, na cidade de São Miguel das Matas, considerado mais central e capaz de facilitar a congregação de maior número de pessoas de diferentes comunidades rurais e, inclusive, de outros municípios. Após o golpe militar de 1964, a festa sofreu descontinuidade, sendo retomada no final desta mesma década. Novas interrupções ocorreram durante a década de 1970. Revigorada durante os anos 1980, no contexto da reabertura democrática, a Festa foi novamente interrompida em alguns anos durante a década de 1990. Retomada durante os anos 2000, a Festa tem ocorrido com frequência nos últimos anos.

No tópicos a seguir sistematizamos os dados de campo levantados na pesquisa, sobretudo a partir das narrativas dos entrevistados. A análise das entrevistas permitiu-nos organizar os dados em três grande categorias que nos oferecesse uma compreensão do fenômeno estudado, a Festa do Agricultor, procurando assim explorar as motivações para sua criação, suas transformações e permanências, bem como e contribuições desta para a afirmação da Identidade Camponesa miguelense. Cada uma destas grandes categorias, que correspondem aos tópicos deste capitulo, é desdobrada em subcategorias que procuram descrever e explicar o fenômeno aqui analisado.

 

3.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA FESTA DO AGRICULTOR EM SÃO MIGUEL DAS MATAS

 

 

O contexto histórico que permitiu o surgimento da Festa do Agricultor em São Miguel das Matas reúne elementos da conjuntura mundial, nacional, regional, local e envolve ainda ação destacada de indivíduos, que tiveram a capacidade de agir sobre a conjuntura procurando alterar a realidade, destacadamente o Padre Gilberto Vaz Sampaio.

No plano mundial, podemos destacar o contexto dos pós-guerra, a partir de meados da década de 1940. A Segunda Guerra mundial terminou em 1945, com a vitória dos países da “Aliança Democrática”. Este cenário, impulsa a queda do Estado Novo, no Brasil, e, também, leva a Igreja Católica, nível mundial, a uma virada política que culminaria na construção de sua “Doutrina Social”. Nesta conjuntura, é criada na França o Movimento Internacional da Juventude Agrícola e Rural Católica (MIJARC).

 

 

Terminada a II Guerra Mundial, Roma enviou como Núncio Apostólico para o Brasil Dom Carlos Chiarlo com duas prioridades, entre outras: Despertar a Igreja para os desafios do desenvolvimento, bem como sensibilizá-la para as questões da alimentação e do desenvolvimento da agropecuária. Ao chegar ao Brasil, o novo Núncio Apostólico escolher o Padre Helder Câmara como Conselheiro da Nunciatura para assuntos brasileiros, pelo fato de ser ele o Assistente Geral da Ação Católica Brasileira, única organização católica dotada de uma efetiva coordenação com capilaridade nacional.

 

No plano macro, nacional, podemos afirmar que o surgimento da Festa do Agricultor, em 1957, coincide com a conjuntura nacional de luta em prol da democratização da sociedade brasileira decorrente da tradição política pós-1945. No final da década de 1950, segundo Ziggiatti (1969), intensifica-se o aparecimento de reivindicações dos operários e setores sociais médios da sociedade brasileira, bem como surgem de forma mais orgânicas movimentos de organização de trabalhadores rurais.

Nesta conjuntura, influenciados pelas mudanças que ocorriam na Igreja Católica, a nível mundial, setores progressistas desta instituição abrigados sob a Ação Católica, assumem destaque com as organizações destinadas à mobilização e à politização dos jovens através da JAC, da JEC, da JIC, da JOC, e da JUC). Passaram assim a ter grande protagonismo político, procurando fazer frente à inserção partidos políticos de esquerda, sobretudo o PCB e ala mais progressita do PTB, no meio rural. Neste cenário, a Juventude Agrária Católica (JAC) passa a ter grande destaque.

 

Na década de 50 e início de 60, a tentativa de organização das massas rurais não era feita apenas por políticos como Francisco Julião. A Igreja, por meio de vários bispos e padres, fundou cooperativas e sindicatos rurais, orientando os trabalhadores e defendendo-os na luta contra os grandes proprietários, quando surgiam choques entre eles. Baseava-se na Doutrina Social da Igreja e na Encíclica Mater et Magistra, do papa João XXIII, quando diz que os trabalhadores da terra devem sentir-se solidários uns com os outros e colaborar na criação de iniciativas cooperativas e associações profissionais sindicais. (LUCHETTI, SEIBEL E BARROS, 2012, 60).

 

 

Ao se referir à ação da Igreja Católica no meio rural, esta época, Luchetti, Seibel e Barros afirmam algo que evidencia a estratégia política da Igreja:

No sul, Dom Edmundo Kunz, assistente da JAC gaúcha e Bispo Auxiliar de Porto Alegre, foi o grande orientador da Frente Agrária Gaúcha, que tinha um duplo objetivo:

  • Despertar os agricultores para o espírito associativo, para a realidade sócio-política-econômica do pais e mostrara necessidade da organização;
  • Evitar que entidades como as Ligas Camponesas e o MASTER viessem a se instalar na região para organizar os agricultores fora do controle da Igreja. (LUCHETTI, SEIBEL E BARROS, 2012, 69).

 

 

Embora se refiram à região Sul, a afirmação é ilustrativa da estratégia política posta em jogo na buscada hegemonia cultural.

No âmbito regional, pode-se considerar a realidade vivenciada no meio rural do Nordeste brasileiro, afetado pela pobreza extrema decorrente da histórica e perversa concentração de terra. (ANDRADE, 2005). A conjuntura de forte opressão e desigualdade funcionou como um barril de pólvora com o surgimento de organizações camponesas, como as Ligas Camponesas, que lutavam pelo acesso à terra desde o pós-guerra. Nesta conjuntura, a ação da Juventude Agrária Católica (JAC) vai se constituir em uma importante ação que coadunava com os interesses políticos da Igreja, de assumir o controle do processo.

Para falarmos sobre a Festa do Agricultor, é preciso primeiro entender o contexto histórico por trás do evento e, para começar, devemos entender o que é e como nasceu o termo Reforma Agrária debatida na década de 1960 devido ao momento de crise econômica pelo qual se passava o país. Os agricultores eram subordinados a um modelo capitalista, onde os pequenos agricultores não detêm condições de produção nesse modelo e acaba vendendo suas terras para os grandes latifundiários. Em São Miguel das Matas também não era diferente. Os agricultores viviam muitas vezes em condições desumanas, sendo obrigados a trabalhar de sol a sol para os grandes fazendeiros da região, restando-lhes apenas um dia da semana para seu trabalho próprio. Segundo D. Ignez, as casas dos agricultores não tinha condição nenhuma, casas pequenas para famílias numerosas; o ganho com o trabalho era o mínimo dos mínimos, eram obrigados quando rendeiros a trabalhar nas terras de quem tinha lhe dado moradia mesmo que nessas condições. Daí a Festa do Agricultor surgiu, dentro do trabalho desenvolvido pela JAC, como uma ação para contribuir para conscientizar esses trabalhadores da importância de se organizar e lutar por seus direitos, buscando criar os sindicatos para combater a exploração que existia no campo naquela época no município de São Miguel das Matas.

Na dimensão local, pode-se considerar a presença da Diocese da Igreja Católica, criada em 1941, em Amargosa, distante 24 km de São Miguel das Matas. A criação desta Diocese será responsável por uma ação política mais forte da Igreja Católica na região, através de seu trabalho pastoral vinculado à uma forte estratégia educacional, com a criação de diversas escolas e, ainda, aa ações de educação informal.

Também na dimensão local é importante destacar o caráter eminente rural do município de São Miguel das Matas. Possivelmente, esta forte marca de ruralidade presente em São Miguel foi um motivador para o início das atividades da Juventude Agrária Católica, sob o estímulo da Diocese de Amargosa, sediada a uma distância de 24km. 

Outro elemento convergente para a criação da Festa do Agricultor foi a presença do Padre Gilberto Vaz Sampaio e sua ação política, bem como da professora Odelita Oliveira Caldas, que foi levada de Amargosa para a comunidade rural de Ponto de Serra pelo padre, com o objetivo, dentre outros, de promover a organização política da comunidade.   

Segundo Caldas (2011), Padre Gilberto, que também era professor, nasceu em Amargosa – Bahia, situada no recôncavo sul da Bahia aos 6 de janeiro de 1927. Filho de um funcionário público e de uma costureira, estudou em escolas locais e, em 1938, ao concluir seus estudos primários, aos 11 anos, deixou sua família em Amargosa e rumou para Salvador, dando continuidade aos seus estudos, inicialmente, no Seminário Menor de São José e, em seguida, no Seminário Maior Santa Teresa, sendo ordenado em 15 de junho de 1952 em Amargosa[8].

Durante catorze anos dedicou-se aos estudos que incluíam disciplinas como teologia e filosofia, tendo permanecido afastado de seminário apenas por um ano, quando prestou serviço militar. Na manhã de um domingo, logo cedo, em 15 de junho de 1952, aos 25 anos de idade, foi ordenado padre. A ordenação ocorreu em Amargosa e foi feita pelo então bispo desta Diocese, D. Florêncio Sisínio Vieira (CALDAS, 2011, p. 26).

 

A oportunidade de estudar em Salvador, de desfrutar de convivência em outro ambiente sócio-cultural, certamente mais politizado, na capital baiana, certamente influenciou a opção política progressista deste padre. Caldas (2011), em sua dissertação sobre a vida e obra deste clérigo, destaca que sua origem familiar humilde foi a principal motivação para sua opção preferencial pelos pobres.

Ordenado, em 1953 Padre Gilberto assumiu as paróquias de São Miguel das Matas, Laje e Mutuípe. Chegando à paróquia de São Miguel, envolveu-se na organização social do povo, implantando a Juventude Agrária Católica (JAC) no município, ação que posteriormente expandiu-se para outros município da Diocese de Amargosa. Através da ação da JAC, Padre Gilberto conseguiu mobilizar a organização da Feira do Agricultor. Anos depois, contribuiu para a organização do Movimento de Educação de Base (MEC). Esta ações desdobraram-se na à criação do primeiro Sindicato de Trabalhadores Rurais da região, em 1962. Esta sua atuação política resultou na sua perseguição pela polícia, sendo considerado comunista, levando-o  refugiar para fugir da repressão imposta pelo regime militar.

Dona Dunhinha, entrevistada que esteve durante muito tempo envolvida com a organização da Festa do Agricultor, reconhece a importância do Padre na comunidade, expressando-se nos seguintes termos:

Padre Gilberto eu acho que foi o maior catequista pra gente. O maior... Quem mais semeou na vida da gente, os movimentos e tudo. Foi através do Padre Gilberto que a gente... iniciou tudo e continuou o movimento de JAC, essas coisas todas e gostar mesmo do movimento e da comunicação. (Dona Duninha, entrevista, 2019).

Padre Gilberto trouxe para lecionar na comunidade rural do Ponto da Serra em São Miguel das Matas, a professora Odelita Caldas oriunda da cidade de Amargosa–Bahia. Como Padre Gilberto já tinha algum conhecimento sobre a Juventude Agrária Católica (JAC), e intentava criar esta organização na sua paróquia, viu em Odelita a pessoa indicada para liderar esse movimento.

Não foi possível, no tempo de desenvolvimento desta pesquisa, levantar mais dados sobre a Professora Odelita Caldas, nem entrevistá-la. Na busca realizada, encontramos referencias distintas a seu nome “Odelita Oliveira Caldas” e “Odelita Caldas Ferreira”. Certamente, trata-se, respectivamente, de seus nomes de solteira e casada. Pelo que apuramos, a Profa. Odelita concluiu o curso Normal na Escola Santa Bernadete, em Amargosa, entre 1955 ou 1956, vindo em seguida lecionar na comunidade rural de Ponto do Serra, onde desencadeou um louvável trabalho de organização comunitária. Permaneceu na comunidade por cerca de cinco anos, quando casou-se e foi residir na cidade do Rio de Janeiro e, na sequência, para a cidade de Brasília. A referência ao seu nome apareceu constantemente nas narrativas das entrevistadas, bem como nos materiais escritos consultados, expressando assim a importância na organização das primeiras edições da Festa do Agricultor.     

 

A Odelita que era a coordenadora que participou com ele [o Padre]. Quando ela veio de lá [de Amargosa, para lecionar em Ponto da Serra], já foi liderar. Quer dizer, quem já liderou não foi o padre, quem liderou já foi essa professora que era também camponesa e ensinava no Ponto da Serra. (D. Ignês, entrevista, 2019).

 

Luchetti, Sardi e Cavalcante, M., (2012), ao sistematizar a história da Juventude Agrária Católica no Brasil, menciona o trabalho desenvolvido por este padre e por Odelita na Diocese de Amargosa.

 

 

Em 1956, graças ao interesse e dedicação do Padre Gilberto Vaz Sampaio, o Movimento começou a ser implantado na Bahia, a partir da Diocese de Amargosa. À época, ele era responsável por três Paróquias predominantemente rurais: São Miguel das Matas, Laje e Mutuípe. Em 1958 foi realizado o Primeiro Encontro Diocesano de Assistentes. (LUCHETTI, SARDI e CAVALCANTE, M., 2012, p. 163, grifo meu).

 

 

Ainda considerando o esforço e a contribuição de pessoas da localidade na organização da JAC, no município de São Miguel das Matas, Luchetti, Sandi, Baptista, Seibel, Cavalcante e Barros (2012), destacam a experiência relizada neste município, destacando a participação de várias pessoas de várias comunidades rurais miguelenses:

 

 

Bahia - A JAC teve início em 1956, na comunidade Ponto da Serra, com Odelita Oliveira Caldas. O movimento brotou forte depois de realizadas várias reuniões e encontros, com jovens nas comunidades. Na Paróquia de São Miguel das Matas surgiram várias militantes: em Ponto da Serra, Odelita Caldas, Eunice Andrade, Zorilda Andrade, Filó Barreto e Terezinha Souza; no Rio Vermelho: Maria Júlia de Souza Santos; em Riachão, Aquilina Nunes; na sede do município, Leda Andrade e Júlia Souza; em Corta Mão, Maria do Carmo Santos. A JAC de São Miguel não se restringiu a este município. Alcançou os municípios de Amargosa, paraíso, Laje, Mutuípe, Jaguaquara, Jequié, Nova Itarana, Brejões, Santo Antônio de Jesus, Milagres, Conceição do Almeida. Tinha, então, como assistente diocesano o Padre Gilberto Vaz Sampaio que sempre contava com a ajudado Padre José Clarêncio. (LUCHETTI, SANDI, BAPTISTA, SEIBEL, CAVALCANTE e BARROS, 2012, p. 38, grifo meu).

 

 

O movimento da JAC desenvolvia seu trabalho de organização comunitária baseando-se no método “Ver, Julgar e Agir”. Este método teve origem noas reflexões da Juventude Operária Católica (JOC), na Bélgica, tendo como fundador o padre Cardijn. (SEIBEL, 2012).

 

Diante das condições de conservadorismo na Igreja Católica, em geral defendendo o status quo político e econômico, ou seja, o sistema capitalista de exploração e concentração de riqueza social, ainda em fase de expansão, o surgimento deste método significou um avanço importante, principalmente como instrumento para a descoberta da realidade, aprofundamento e engajamento organizado, nas mãos dos jovens trabalhadores.

 

A aplicação dos três momentos ver-julgar-agir, introduzia uma dinâmica mais organizadas às reflexões e podei levar os movimentos em seus núcleos de base e nas suas várias estruturas, aa obter uma visão mais ampla e crítica da situação dos jovens, seus problemas, dificuldades e desafios, dentro de toda realidade em que viviam. (SEIBEL, 2012, p. 123).

 

           

Padre Gilberto, ao assumir a coordenação da Juventude Agrária Católica (JAC) na Diocese de Amargosa, tomou conhecimento de experiências desenvolvidas por esta organização no estado do Rio Grande do Norte. Assim, participou de evento realizado naquele estado, provavelmente entre 1955 e 1956, ocasião em que tomou conhecimento das chamadas “festas da colheitas”, que foi realizada pela primeira vez no município de Lagoa Nova (RN), em 1954, estendendo-se nos anos seguintes para vários municípios do Rio Grande do Norte e chegando depois a outros estados como a Bahia. Foi este evento, certamente, a inspiração maior para Padre Gilberto propor a organização da Festa do Agricultor no município de São Miguel das Matas.

Portanto, pelo acima exposto percebe-se a confluência de fatores da conjuntura mundial, nacional, regional, local e, ainda, a ação destacada de indivíduos como o Padre Gilberto e a Profa. Odelita Caldas, além de outras pessoas da comunidade, como elementos responsáveis pelo surgimento da Festa do Agricultor em São Miguel das Matas, em 1957.

            Como afirmado anteriormente, Padre Gilberto atuava como pároco das paróquias de São Miguel das Matas, Laje e Mutuípe, todos municípios com grande presença de população rural. Simpático, dinâmico, empreendedor, o Padre, circulava várias localidades rurais celebrando missas e pregando a evangelização. Certamente, o caráter participativo dos moradores da comunidade de Ponto da Serra, em São Miguel das Matas, juntamente com a relativa concentração populacional na localidade, o ensejou a escolhê-la para organizar a primeira experiência da Festa do Agricultor, em 1957.

            Ao responder à indagação porque a festa foi organizada inicialmente em Ponto da Serra, Dona Ignês, assim responde:

 

Eu sei que ali no Ponto da Serra tinha umas oito a dez [jovens] que fazia parte da Direção [da JAC] do município. Então, era a comunidade onde tava mais forte e encaixou por ser aquela comunidade o padroeiro São José. [...] Sendo trabalhador e São José sendo também um operário, carpinteiro, então casou o útil com o agradável por isso que continuou sempre 1º de maio. (D. Ignês, entrevista, 2019, grifo meu).

 

A professora Odelita Caldas, em depoimento contido no livro “Retalhos de vida: depoimentos de ex-jacistas” (Luccetti, Baptista e Carneiro, 2012), detalha a inspiração para a organização da Festa:

 

Padre Gilberto e eu decidimos conhecer a JAC. Participamos do Encontro em Natal, no Rio Grande do Norte. Depois, estive também em São Paulo do Potengi [RN]. Fiquei entusiasmada! De volta, começamos a nos reunir com os jovens semanalmente criando núcleo da JAC. Nessas reuniões líamos o Evangelho, comentando-o e tirando um propósito.

 

Criamos o Dia do Agricultor com a participação dos pais! (Odelita Caldas Ferreira, in: Luccetti, Baptista e Carneiro, 2012).

 

 

Dona Duninha, entrevistada que participou do evento desde suas primeiras edições, reforça a liderança da profa. Odelita na organização da comunidade.

 

Primeiro surgiu com Odelita. Eu acho que... O plano do Padre Gilberto era lançar a Ação Católica, era a JAC, JEC, JIC, JOC e JUC.

Ai é certo que tinha a JEC, eu acho que em Amargosa. E a JAC, como era Agrária... Ai, através de Odelita, que era uma também dinâmica, que gostava muito... De história, é certo que Padre Gilberto deve ter ido em algum... um lugar ai [conhecer outras experiências]. Daí, quando veio, já veio formando equipes, naquela ocasião. E dessa equipe fez reunião várias vezes com o grupo. Nesse tempo eu era mais nova, não participei...Mas acontece que fazendo a reunião com o grupo, depois que afirmou o grupo que mostrou que era o movimento, ai assumiram que era militante. Agora, a primeira turma era militante, depois da militante era a participante.

Cada uma, cada militante, tinha um grupo pra... como diz, jogar o anzol pra pescar pessoas. (Dona Ignês, entrevista, 2019).

 

Dona Zorilda Andrade, entrevistada, também menciona o papel da Profa. Odelita e sua capacidade de liderança comunitária, que levou à realização da Festa do Agricultor.

A primeira Festa começou no Ponto da Serra. A Festa começou no Ponto da Serra, que foi onde começou o movimento. Que a professora estadual que foi pra lá foi quem começou esse movimento. Muito entrosada com o Padre Gilberto. Aí já tinha uma equipe. Nós éramos todas muito ligadas a Odelita, o nome dela era Odelita. Ai foi convidada a ajudar fulana, fulana, fulana... E começamos a reunião. Ai, depois desses encontros, veio a Festa do Agricultor. Foi assim uma, uma... uma surpresa para todo mundo! Todos gostaram, gostaram muito! E ficou uma homenagem, assim dia 1º de maio, nós tínhamos a Festa do Agricultor no Ponto de Serra. (Zorilda Andrade, entrevista, 2019).

 

A primeira edição da festa, realizada em 1957, na comunidade de Ponto de Serra, foi precedida de preparativos na comunidade e de muita mobilização nas localidades ao entorno. Dona Duninha e D. Zorilda, relembram estas ações: 

 

Agora naquele tempo... Os jovens foram convidados. Nós íamos de casa em casa, convidando. Mas naquele tempo os pais eram muito apegados aos filhos, mas mesmo assim foi soltando, soltando, formando os grupos. (D. Zorilda, entrevista, 2019).

E ai com a visita, fizemos visita né. Os domingos saía por essas roças...Convidando o povo. E o povo aceitou e foi...E aproveitou também que tinha muita gente fora da igreja, pessoas assim que temiam (Dona Duninha, entrevista, 2019).

 

Havia várias e várias reuniões. Havia muitas reuniões, levantando os problemas dos agricultores, antes de chegar o dia da festa. (D. Ignez, entrevista, 2019).

 

No Ponto da Serra, o roteiro da Festa, contava com a acolhida dos visitantes, uma caminhada ou “desfile” a determinado ponto, e culminava com uma celebração. Na caminhada, ou desfile, os camponeses levavam produtos cultivados em suas terras, numa ação que visava agradecer a deus pela colheita, pela produção, como também afirmar a sua identidade de homem camponês, agricultor.

Tinha uma quantidade de pessoas que foi de véspera, para se confessar. [O bispo] Dom Florêncio veio de véspera, com padre Zé Clarêncio, que era também uma pessoa bem movimentada, trabalhava com a JOC, JAC, com a Ação Católica. Esse povo...Teve desfile, né? Reuniram todos e todos com os frutos da terra. Uma pessoa trouxe um pé de fumo, de sandália...Ai desfilou de lá debaixo da Linha até cá na Cova do Anjo e todo mundo cantando. Tinha aquele canto Cai o trabalho. (Dona Duninha, entrevista, 2019).

Quando começou no Ponto da Serra era um grupo só [da localidade]. Os homens com seu facão amarrado na cintura, a enxada ou a foice no ombro. Com roupa de trabalho, chapéu... As mulheres também a mesma coisa...As mulheres ia à vontade. Ou de chapéu, ou de pano na cabeça...(D. Herundina).

 

Com o passar dos anos, a Festa foi ganhando força, ampliando-se, incorporando outras comunidades rurais miguelenses. Sua repercussão atrai grande continente de camponeses de vários municípios da Diocese, ainda hoje, e serviu de inspiração da Festa do Agricultor no Distrito de Engenheiro Pontes, no município de Laje, que é realizada desde 1969. Por conta do potencial de conscientização política que a Festa fomentou entre os camponeses, a mesma foi interrompida por alguns anos durante a década de 1960, no contexto da ditadura militar. Nesta conjuntura, quando de sua retomada, a festa sofreu um esvaziamento de seu conteúdo político, assumindo um caráter mais festivo e religioso, com mudanças significativas na sua organização, conforme veremos no tópico a seguir.  

 

 

3.,2 ENTRE O PASSADO E O PRESENTE: PERMANÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES NA FESTA DO AGRICULTOR

 

Após alguns anos de realização da festa na comunidade do Ponto da Serra, houve a necessidade da transferência do evento para o centro da cidade. Possivelmente, esta mudança ocorreu a partir da quinta edição do evento, ocorrida em 1961.

A alteração do local de realização da festa, da comunidade rural de Ponto da Serra para o centro da cidade de São Miguel das Matas pareceu ser motivada por uma questão logística, visto que a sede municipal era capaz de oferecer maior infraestrutura para receber os camponeses, deste e de outros municípios, bem como possuía uma localização geográfica mais central, facilitando assim a convergência de pessoas provenientes das distintas comunidades rurais do município, em uma ocasião em que o deslocamento feito sobretudo a pês. Dona Zorilda, assim se pronuncia sobre a mudança de local do evento, para a sede da cidade: Porque em São Miguel abre mais o movimento e no Ponto da Serra ficava muito fechado... E [então] foi para São Miguel”.

Entretanto, D. Duninha especula outra razão: “Foi político [local], porque achou que o movimento tava abrangendo e acontece que pra ter fama, pra ter fama ai [influenciou para transferi-lo para a cidade]”. Nesta visão, a entrevistada interpreta que como a festa havia ganhado uma visibilidade maior, os políticos se aproveitaram da festa para se autopromover influenciando na transferência do local. Na nossa análise, ainda que lideranças políticas locais tenham influenciado a alteração do local da festa, havia razões logísticas objetivas que impulsionaram o movimento, conforme apontado no parágrafo anterior.

            Para a realização da festa na cidade, era preciso um trabalho muito intenso de organização. As várias comunidades rurais se mobilizavam com antecedência. No dia da Festa, dirigiam-se para a cidade de São Miguel, por onde chegavam por três entradas, para simultaneamente, adentrarem a cidade:  

 

Terminou de Ponto de Serra, foi pra São Miguel [cidade]. Juntava todo mundo. Organizava os grupos. Quando foi pra São Miguel eram três grupos. Quem chegasse lá pelo Tabuleiro [vinha] era do Arco Verde, Areia Fina, Ponto de Serra, esses meio tudo era lá. Quem chegasse pela Rua do Fogo era [proveniente de] Corta Mão, Rio Vermelho, Entroncamento [da BA 026]...Esses meio tudo que chegasse por ali era Rio Vermelho, mas era todo mundo junto. Quem chegasse pelo Onha, era [proveniente de] Engenheiro Pontes, Engenho Velho, Riachão... Os daí que vinha por lá. Aí juntava tudo. A turma toda, se unia tudo no Onha pra arrumar os grupos... pra seguir em frente.

Ia daqui de pé. Chegava lá se juntava no meio dos outros. A gente ia porque a gente queria. Se juntava... Lá era [formado] um grupo só. (Dona Herundina, entrevista, 2019). 

 

Ao que parece, os grupos, provenientes de três distintas regiões do município, fariam paradas na chegada da cidade para aguardar determinado horário, para entrarem na cidade, simultaneamente.  Esta entrada sincronizada dos camponeses na cidade dava uma dimensão simbólica muito forte ao evento. Manoel Andrade Souza, o Sr. Neto, entrevistado, que participou apenas uma vez da Festa, possivelmente em 1974, quando tinha 10 anos de idade e residia na localidade de Cabeça do Boi, a 18 km da cidade de São Miguel, destaca o impacto deste cortejo político e festivo, ainda presente em sua memória quatro décadas e meia depois: 

 

Veja bem: eu só fui uma vez! Na época, eu morava na Cabeça do Boi. Eu tinha dez anos. Fomos andando da Cabeça do Boi pra lá. Levamos umas duas horas pra chegar lá. Quando chegou lá, de manhã cedo, umas oito, nove, horas...Rapaz!! A cidade cheia!!!!. Eu me lembro mesmo que fosse hoje, eu subindo ali aquela ladeira. Muita gente! Rapaz, era realmente era muito bonita! (Sr. Manoel, Neto, gravação por WathsApp, 2019).

 

Dona Ignês, também destaca este componente místico da festa, quando afirma que:

Quando veio pra cidade, tinha muita gente. Foi mais de 1000 pessoas, só da nossa [comunidade]... Porque era assim: como tem três estradas [na cidade], três chegadas, então cada região chegava por uma rua e se encontrava na praça...da igreja. Então, chegava de vez e cantando o mesmo canto. Isso dava aquela unidade, entendeu? [...]. Todo mundo cantava, esse hino era cantado por todo mundo.

 

 

Festa do Agricultor na década de 60

 

Fonte: Blog São Miguel das Matas

 

As primeira edições da festa, realizadas ainda no final da década de 1950 foram marcadas por um forte conteúdo político. 

Nos meses e semanas anteriores, as comunidades organizavam-se para a realização do evento. Para tanto, eram realizadas reuniões e encontros diversos, em que se debatiam os problemas das comunidades e apontava-se alternativas para solucioná-los, tomando como referência o método Ver-Julgar-Agir. Este debate era feito em cada uma das comunidades participantes que, no dia da Festa, fazia suas apresentações para todos.

 

Havia várias e várias reuniões. Havia muitas reuniões, levantando os problemas dos agricultores, antes de chegar o dia da festa. (Dona Ignez, entrevista, 2019).

Tinha várias faixas onde revelava o problema do agricultor, já levantado nas reuniões que era feita anteriormente. Faixas, cartazes... E os teatros, e poesias e cantos, que eram apresentados depois da missa...Tudo era falando em cima da necessidade do agricultor se organizar, principalmente nas comunidades, buscando criar os seus sindicatos e cooperativas para garantir a renda do produto daquilo que produzia. (Dona Ignez, entrevista, 2019).

 

E ai foi formando, aí foi espalhando. Depois que caiu no conhecimento da Paróquia, que também teve pessoas... Teve muitas pessoas contra viu? Muitas pessoas contra. (Dona Duninha).

 

 

Este conteúdo político, entretanto, incomodava as oligarquias locais. Quando o evento ainda estava em sua fase inicial e ainda era realizado na comunidade de Ponto da Serra, sua visibilidade era maior. Entretanto, a partir do momento que o mesmo ganhou maior alcance e projeção e passou a ser realizado na cidade, a partir de 1961, passou a sofrer maior oposição.  

 

Quando foi pra São Miguel ai começou, assim, política...

Por que... Os fazendeiros ricos e outros, e outros [eram contra]... Por que a JAC, esse movimento, trabalhava com os Sindicatos. Aí é certo que [os fazendeiros] não queria que o povo da roça se instruísse, ficasse sabido; eles os tinham como escravo. Depois que o Sindicato veio, com o Padre Gilberto...Foi Acúrcio, o pai do Padre Cristóvão, Otaciano que [lideraram a criação do Sindicato]... Eram pessoas muito sábias...Ai Padre Gilberto fez reunião com eles e formou [o Sindicato]... Quando notaram que ia ter Sindicato, é certo que... Ai começaram a perseguição.

Agora, antes [de 64] já havia umas... Umas conversinhas. Havia algumas pessoas mesmo querendo [que a JAC] fosse extinta... [...] Antes de [19]64, já teve... Já teve problema. Antes [de 64] teve uma festa que teve problema... (D. Duninha, entrevista, 2019).

 

Com a deflagração do golpe militar de 1964, a oposição política ao movimento ganhou força, repercutindo seriamente sobre o movimento. Nos dias seguintes ao golpe, repressão chegou ao município, com a prisão de algumas lideranças e amedrontando os demais camponeses.

A Festa do Agricultor sofreu os impactos e a JAC foi extinta por ser considerada apoiadora do comunismo. Nesta mesma época o Sindicato dos Trabalhadores Rurais foi fechado, algumas pessoas foram presas, outras perseguidas. Esse foi um momento considerado muito difícil no nosso país. Padre Gilberto Vaz Sampaio líder religioso, incentivador e criador do Sindicato em São Miguel das Matas juntamente com seus amigos coordenadores do sindicato naquela época, os senhores Otaciano e Acúrcio, sofreram na pele as consequências desse período. Padre Gilberto foi perseguido, porém não foi preso, tendo que fugir do município. Foram presos Acúrcio e Otaciano. Acúrcio ficou por alguns dias, mas Otaciano ficou preso por cerca de dois meses quando voltou para o município. Padre Gilberto no livro depoimento de ex-jacistas relata esse momento:

 

O golpe militar golpeou duramente a JAC. Atingiu rudemente o Movimento na região, principalmente em S. Miguel. Na ocasião estava se iniciando a formação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de São Miguel das Matas. Esse movimento era tido, pelos grandes fazendeiros e pelos políticos de São Miguel e da cidade vizinha, de Santo Antonio de Jesus, como um perigoso movimento comunista. A JAC ficou visada por dar apoio à fundação desse órgão. A pequena cidade foi cercada pela força militar dizendo-se autorizada a prender, principalmente o Pároco, mas isso não aconteceu. Prendeu apenas um cidadão que motivava a fundação do sindicato. Na realidade não foi por causa do Sindicato, mas por ser inimigo do Chefe Político Local. Antes de a força militar chegar, corria a notícia de que o alvo principal seria o Movimento Jacista. Cuidaram de coletar todos os papéis da JAC e os incineraram, sem que o Padre soubesse. Quando o que fora preso voltou a São Miguel, homem pobre e líder, após 91 dias de cárcere em Salvador, o povo (com forte ajuda da JAC) lhe doou um terreno de oito hectares. Esse cidadão foi recebido com grande manifestação pelo povo não político. (SAMPAIO, 2012 p.).

 

Segundo D. Zorilda Andrade foi um momento muito difícil, pois ela e a família eram muito próximas do Padre Gilberto e acompanharam todo sofrimento dessa época e quando se lembram desse momento, tanto D. Zorilda como D. Duninha se emocionam muito.

 

1964, minha filhinha... Ia nascer. Já tava nos dias de nascer. Eu morava em Areia Fina, capela de São João. Quando eu estou lá – estava na cozinha – e veio uma pessoa lá de São Miguel, uma fazendeira grande, ai foi dizendo assim: “- Oh, Dona Zorilda! A senhora sabe o que aconteceu? Vieram prender o padre, Padre Gilberto. Quase eu perco [a criança] nesse dia. Eu fiquei chocada! Foi uma época muito, muito difícil. (Dona Zorilda, entrevista, 2019).

Levaram Otaciano... Otaciano e Acúrcio. Um, eu acho que com poucos dias mandaram pra casa, agora... o outro ficou um bocado de tempo. Otaciano morava [nas fazendas dos outros] e [depois do retorno da prisão]... Ninguém queria mais ele na fazenda... Otaciano ninguém queria. E depois que vinha não achava morada em lugar nenhum, não achava em lugar nenhum. Ninguém queria... porque, às vezes, as pessoas podiam até querer, mas acontece que via as autoridades de São Miguel [ameaçando]...

 

Em 1º. de maio de 1964, um mês depois a deflagração do golpe, o clima era de grande tensão no município, diante das prisões de camponeses já efetuadas pela polícia, da eminência de novas prisões e da repressão policial a ocorrer durante a Festa do Agricultor. Entretanto, ela ocorreu e foi grandiosa!

 

Então foi um momento forte realmente. Nessas alturas do 1º de maio já tinha sido quatro agricultores de São Miguel presos. Eles já tinham criado o Sindicato e tava participando ativamente. (Dona Ignês, entrevista, 2019).

Houve uma pressão muito forte. Pra mim o que mais me marcou na Festa do Agricultor, até hoje, foi isso ai. O pessoal já tinha certa consciência e o gosto tão grande pela coisa, que toda propaganda que fizeram dizendo que vinha polícia, que vinha soltar bomba na cidade, que não ia entrar nas três entradas que entrava em organização. Quer dizer, foi muita propaganda que foi feita e os agricultores partiram e foram pra lá! E na hora da missa, em vez de ter soltado bombas para espalhar os agricultores, o MEB que atuava na Diocese de Amargosa, conseguiu – até hoje eu não sei como eles fizeram isso – um pequeno aviãozinho que soltou panfletos em homenagem e valorização do trabalhador. Foi uma coisa linda, linda, linda de jamais ninguém poder esquecer!!! Pelo menos pra mim não sai de minha memória nunca, nunca. Então aquilo deu uma vida! Mas a coisa era tão forte que, na volta pra casa, é, só se ouvia o comentário assim: “- Fulano, Beltrano e Cicrano já foram presos e Você, Fulano e Beltrano, que também tá liderando, vai ser preso”. (Dona Ignês, entrevista, 2019).

 

A ousadia de providenciar um avião para soltar panfletos no encerramento da festa não foi a única demonstração de enfrentamento. Tempos depois do retorno de Otaciano, o camponês que liderou a criação do Sindicato de Trabalhadores Rurais, e não encontrava trabalho nas roças e fazendas da região – por conta de retaliação a sua posição política, ou por temor de ser acusado de complacência – Padre Gilberto iniciou uma campanha para levantar recursos com vistas a adquirir um terreno para Otaciano:

Ai, nessas alturas [Otaciano] ficou, sem casa. Foi quando Padre Gilberto fez campanha pra todo mundo contribuir com o que pudesse e ai comprou um terreno naquela ocasião para Otaciano, porque Otaciano era carregado de filhos. Aí é certo que comprou um terreno e deu pra Otaciano... (Dona Duninha, entrevista, 2019).

 

O episódio da campanha realizada por Padre Gilberto para a aquisição de propriedade de terra para Sr. Otaciano, camponês sem-terra, demonstra a atitude de persistência do pároco diante das circunstancias adversas que esvaziavam o movimento por ele iniciado. Ainda que traduza uma ação de inserção do camponês na lógica das relações de propriedade individual, ao invés de uma reforma agrária coletiva, expressa a perspectiva de solidariedade e resistência do padre e da comunidade que a ele se juntou para a compra do terreno, doado a Otaciano. 

Apesar de alguns atos de resistência, o clima de temor prevaleceu sobre os camponeses.

Tote fazia parte também do grupo. Aí, o que acontece? Tote ficou tão nervoso, que ficou sem sair [de casa] não sei quantos dias. E tudo que tinha mandou queimar, com medo. (Dona Duninha, entrevista, 2019).

Naquela época quer dizer, o povo tinha medo de tudo... A Revolução vinha nas casas das pessoas, tinham pessoas que não saia, ficavam com medo de encontrar [com outras]... Quando via zoada de carro – tinha pouco carro –, mas ficam com medo de [ser preso]... (Dona Duninha, entrevista, 2019).

Ninguém podia falar em JAC, só podia falar em MEB. Essa menina... Ignez de Zacarias, foi trabalhar em Amargosa, no MEB, por causa que não podia mais falar em JAC. Tinha um movimento que a gente tinha jornal. O jornal, como era o nome do jornal? [refere-se ao Correio Rural]. É certo que, como vinha gente fiscalizar a casa da gente, muita pessoa rasgou, jogou tudo fora. Pra não ter vestígios. (Dona Duninha, entrevista, 2019).

 

Nesta conjuntura, a Diocese, também sofrendo perseguição, como por exemplo a apreensão, em Amargosa, dos rádios utilizados nas atividades de alfabetização de adultos pelo Movimento de Educação de Base (MEB), decidiu por afastar o padre Gilberto da paróquia e da Diocese, enviando-o para outra circunscrição, onde ficou por um período de cerca de dois anos.

O impacto das prisões, das ameaças, e o afastamento do padre, desmobilizou os camponeses e, em virtude disso, a festa foi descontinuada: “Me parece que [a Festa] parou uns dois anos... Depois voltou [a ocorrer]”. (Dona Duninha, entrevista, 2019).

As forças políticas que dominavam a política local, alinhada aos militares, pareceu agir fortemente a favor da repressão. Entretanto, certamente, anos depois, o cálculo político deve ter orientado ações deste mesmo grupo em emprestar apoio à organização da festa, agora sobre o seu controle. Assim, ainda na segunda metade da década de 1960, a Festa voltou a ser realizada, mas com seu sentido político inicial significativamente esvaziado. 

Não foi possível levantar ao certo quando a Festa foi retomada. D. Rita, diz lembrar-se de ter participado da festa, por duas vezes, no final da década, embora não se lembre se foi na seqüência ou com algum intervalo. A narrativa desta entrevistada, que morava na localidade rural de Palmeira, em Amargosa, cerca de 24 km de distância da sede de São Miguel, evidencia o quanto a festa mobilizava camponeses de outros municípios

 

Eu fui quando Vaní estava noiva em... 19[66] ou [19]67... Sessenta e...E uma outra vez nós fomos com Valda e Zinho. Pela a primeira vez eu fui com Tonhe, Vaní, mamãe... Fez um vestido para Vani e fez uma camisa pra Antonio, do mesmo pano. A gente dormiu lá em Zú de Conça [para facilitar o trajeto]. E no outro dia, seguimos. Foi festa o dia todo. À tarde, nós voltamos... A gente foi pra casa de Vaní... Fomos pra casa do povo de Vaní. Dormimos lá e no outro dia de manhã, nós viemos. [...] A segunda vez eu não estava paquerando Josué ainda. Foi na década de 60 ainda... Eu não tava paquerando ainda. A gente foi com Zinho e Valda. E os filhos de Valda. Tinha menino pequeno, tudo. Fomos pela tarde. Fretou um carro. Saiu [de Amargosa] uma hora [da tarde] mais ou menos. (D. Rita, entrevistada, 2019).

População Miguelense na Festa do Agricultor na década de 90

 

Fonte: Blog São Miguel das Matas

 

 

 

Agricultores na Festa do Agricultor no ano de 2018

 

Fonte: Arquivo Pessoal de Luciane Silva

 

 

 

Naquela época a Festa do Agricultor era organizada pelos agricultores, principalmente pelos jovens participantes da JAC que tanto liderava os agricultores como conduzia a festa. A JAC era coordenada pela professora Odelita Caldas juntamente com outras colaboradoras da comunidade do Ponto da Serra, comunidade com uma liderança muito forte na época e esse foi um dos motivos para que se iniciasse a Festa do Agricultor nessa comunidade. A JAC no início era só de mulheres e, só após alguns anos, envolveu os homens.

Segundo D. Ignez, a Festa tinha o seguinte roteiro: a celebração da Santa Missa, a benção dos trabalhadores, das ferramentas, dos produtos.  Nesse momento, os trabalhadores faziam-se suas apresentações trazendo suas problemáticas de vida. Ainda segundo ela, as problemáticas que eram trazidas no dia da festa, eram discutidas em reuniões realizadas antes em cada comunidade onde os agricultores decidiam entre si qual a necessidade de cada comunidade. Era usada uma metodologia de levantamento de dados através de questões que incentivavam a reflexão sobre a realidade e o despertar da consciência crítica.

Ambas as entrevistadas lembram como muita alegria desse momento festivo na paróquia, pois segundo elas, era um momento em que os agricultores tinham para celebrar sua colheita, celebrar a vida e ainda lutar pelo direito de todos.

            A dimensão da autoorganização dos camponeses foi algo que apareceu muito evidente nas falas das entrevistadas que participaram da organização das primeiras edições da festa, incluindo aquelas realizadas na cidade de São Miguel (possivelmente), entre 1961 e 1964, antes do golpe militar.

Quando a festa muda para a cidade também aumenta o número de participantes, que continua apenas com suas representações campesinas e os agricultores cada vez mais animados, buscando sua conscientização e principalmente lutando por seus direitos.

 A Festa do Agricultor acontece desde o início dia 1° de maio, dia de São José Operário e também dedicado ao trabalhador. Havia representantes de cada comunidade que junto com os demais trabalhadores apresentavam as suas problemáticas como também traziam seus instrumentos de trabalhos, os frutos para apresentarem e serem abençoados.

 

Ele não tinha pena [de caminhar, trazendo seus produtos]. Era uma coisa de louco, rapaz! Léguas e mais léguas com aquele produto levando, com aquela fé, aquela esperança de progredir, naquilo que tava sendo planejado. (Dona Ignês, entrevista, 2019).

 

D. Rita, que participou da festa por duas ocasiões na década de 1960, como visitante, destaca a dimensão da cultura e da produção rural presente na ocasião, possivelmente, entre 1966 e 1967.

 

Mas linda a festa. Aquele povo da roça tudo com aqueles animais, com aquelas cangas, aqueles bois tudo com as cangas, aquelas duplas de bois e burrinha. Muito, muito animado. Foi muito lindo, nós fomos de Amargosa, daqui Valda fretou um carro.

Ai teve a missa e teve um desfile, aquele desfile muito lindo, muito lindo.

O povo da roça com uma cesta, com uns balaios de café, cesta de fruta, que caracteriza a roça. Tinha uma pessoa com um pé de mandioca, olha a grossura da raiz! Parece que já foi encomendado. Tudo, tudo: mandioca, aipim, tudo referente a agricultura.

Teve desfile, cantoria...não me recordo bem não. Tinha o barracão. O barracão tava cheio de mercadoria. Ou pegava dentro do barracão ou quando saia da procissão voltava lá. O barracão era ali no fundo da Igreja... Foi muito lindo! Muito lindo! Agora não sei se continuaram fazendo, eu não vi mais ninguém falando... Mas foi lindo. (Dona Rita, entrevista, 2009).

Também, Sr. Manoel (Neto), que participou da festa em 1974, destaca o componente da produção presente na Festa:

 

Naquele tempo chovia muito, tinha muita mata naquele tempo, ali. Chovia mais [que hoje]. Então tinha muitas... Tinha muita produção... Aquelas mandiocas grandes, aquelas... Muitas frutas, né? Que em outras regiões não tinha tão bonita quanto naquela região de São Miguel das Matas, né? A terra era muito boa, então quando se plantava, nascia e sempre dava frutos bem maiores do que em outra região. Então naquela região ali se conseguia uma abóbora muito grande, um pé de melancia, tudo era muito grande, né? Eu me lembro de que tinha uma mandioca lá, de não sei quantos metros. (Sr. Manoel/Neto, entrevista, 2019).

 

Tanto que eles faziam uma casa de farinha em cima do caminhão. Ai eu me lembro de quando eu subia a ladeira, de um lado o caminhão subindo a ladeira, do outro o cara botando fogo no alguidar e mexendo a farinha. Era, era tudo muito bonito, muita gente... (Sr. Manoel/Neto, entrevista, 2019).

 

 

D. Herundina conta com alegria como era bonito as camponesas representando cada produto. Ela, assim como as outras entrevistadas que participavam ativamente da organização e realização da Festa do Agricultor na época, afirma que a simplicidade é que fazia a festa mais bonita. Todos iam realmente representando o agricultor, o camponês, de chinelos, roupas de trabalho assim como as camponesas tinha em suas roupas a simplicidade do agricultor.

Cada coisa ia uma pessoa representando. Quem fosse representando o feijão, a sua roupinha... Ia uma menina... Era uma moça, uma menina, era toda enfeitada com os caroços de feijão. Era o caroço do feijão, a folha do feijão, era tudo assim. Quem fosse representando o milho: a menina não aguentava andar porque o vestido era feito de milho. A gente levava não sei quantos dias cortando milho. Botava milho dentro d’água, “cabar” cortava assim olha, em quina, que desse pra... Pra ir fazendo o tipo daquelas carreirinhas, do tipo que fosse uma espiga de milho mesmo. Aí essa ia em cima... Ia pesada. Em cima de um arado. Tinha o boi... Botava o boi puxando o arado e a menina em pé em cima porque ela não aguentava andar. O chapéu botava... O chapéu era feito com a palha do milho, palha seca. O cabelo puxava assim por dentro daquele boné, daquele gorrozinho puxava o cabelo. Então a menina vinha de... O cabelo da menina não tinha o que tirar de um cabelo de milho. Era tanto que o povo que vinha de fora só acreditava que o cabelo era natural porque ia pegar: “- Vocês me dão licença que eu vou olhar aqui”. E pegava no cabelo da menina. O cabelo era natural mesmo, agora só que ficava uma espiga de milho” (Dona Herundina, entrevista, 2019).

 

 

As entrevistadas que participaram da organização da Festa nas primeiras edições indicam que após o ano de 1964, com toda represália do regime militar, os agricultores foram desanimando e a Festa do Agricultor foi interrompida por alguns anos, só sendo retomada anos depois, com a chegada de Padre Walter na paróquia de São Miguel das Matas. Não foi possível precisar em que ano ocorreu esta interrupção[9]. Dados levantados indicam que Padre Walter assumiu a paróquia de São Miguel em 01/01/1966 e ali permaneceu até 03/01/1976. Entretanto, este período coincide com as idas de D. Rita (1966 e 1967) e Sr. Manoel/Neto (1974), à Festa. É possível que as festas do final da década de 60, mencionadas por D. Rita, tenha sofrido grande esvaziamento, quando comparada às edições anteriores. Entretanto, o testemunho de Sr. Manoel, indica a realização de um evento muito grande em 1974, quando, pela primeira vez, este entrevistado, foi à Festa, como participante:

Naquele tempo tinha 10, 12 mil pessoas...Então era uma festa muito badalada!” [...]. Eu não tenho muita coisa pra te dizer porque eu só fui uma vez, mas eu me recordo muito bem que foi uma festa muito bonita e era muito badalada, naquele tempo. Aquela redondeza toda ali ia pra essa festa...Era uma festa muito comemorada, eu não tenho muito pra te falar porque só fui uma vez. (Sr. Manoel/Neto, entrevista, 2019).

 

Pode-se hipotetizar que, nos anos finais da década de 1960, que coincide com o período de maior repressão militar (os chamados “Anos de chumbo”), a festa tenha sido interrompida, ou, tendo sido realizada, sofreu um completo esvaziamento. A realização de uma grandiosa festa em 1974, pode coincidir com o período de distensão que o governo militar iniciava.  A hipótese de interrupção da festa é plausível, porque, nos anos finais da década de 1960, uma nova Festa do Agricultor começou a ser realizada, no município de Laje.

Segundo apurado, durante os anos de interrupção, algumas lideranças que participavam da organização da Festa em São Miguel, juntaram-se com lideranças da comunidade de Engenheiro Pontes no município de Laje-Bahia e criaram lá, também, a “Festa do Agricultor” que nunca foi interrompida, porém grandemente transformada. Hoje a organização da festa ficou por conta da Prefeitura Municipal de Laje, perdendo assim o sentido de “Festa do Agricultor” e transformando-se em “festa de largo”.

 

Depois que Padre Walter retomou a festa, surgiu a ideia de colocar rainhas para representar as comunidades com o intuito de ver qual rainha mais bonita, mas também de animar os trabalhadores.

 

 

Tinha aquela, aquelas, aquelas meninas bonitas da região que faziam os vestidos de... Por exemplo, aqueles fazendeiros que tinham aquelas engenhos, então faziam o vestido de palha de cana, né? Lasca de cana, né? E aqueles outros fazendeiros que tinha laranja, faziam vestidos de casca de laranja...Iam fazendo esses vestidos dessas meninas bonitas que davam o nome de rainha. Rainha de não sei o que, Rainha da Cana, Rainha do Coco, Rainha não sei o que...Inclusive hoje ainda tem, né? Mas só que não naquela proporção que tinha naquele tempo. (Sr. Manoel/Neto, entrevista, 2009).

 

 

 

Rainha da Laranja na década de 90

 

Fonte: Blog São Miguel das Matas

 

 

 

 

 

Rainhas das Comunidades na década de 90

 

Fonte: Blog São Miguel das Matas

 

 

O efeito desta mudança, que expressa uma reorientação do sentido original da festa, de forte fortemente reinvidincatório, implicação desastrosa sobre a Festa. Ela gerou concorrência, competição e descontentamento entre as comunidades e entre os participantes. Muitos dos que participaram ficaram desgostosos porque com a competição todos se esforçavam, porém só uma pessoa era beneficiada com o prêmio, a rainha vencedora. Além disso, segundo D. Ignez, a premiação não condizia com os anseios dos agricultores e não beneficiava os agricultores e sim outras pessoas que nem participava do movimento.

 

[Anteriormente], ocorriam as palestras [nas comunidades] sobre saúde... Vamos dizer, sobre agronomia, melhora do agricultor, mas como palestra e não com estudo... Antes [da Festa] pra nascer dele a necessidade de assumir sua lógica de pensamento. Com a [introdução da] questão das rainhas, entrou a questão das disputas. O grupo... dos três [regiões] que tivesse melhor apresentação como desfile, organização... Foi isso mesmo: desfile, apresentação da rainha e animação. O grupo que ganhasse nessa competição [seria premiado]. Criou uma comissão para fazer o julgamento. O grupo que ganhasse, ganharia um prêmio e, infelizmente, o prêmio foi pra uma pessoa e não tinha nada a ver: foi uma bolsa de estudos que outras pessoas da cidade ganharam [também] e que não participou da festa nem nada. Então usou...Deus me perdoe!, de má fé [com] esse prêmio...Porque, em vez de crescer o gosto das comunidades, criou uma disputa e marcação à pessoa que recebeu essa bendita bolsa. Então, nessa hora em vez das lideranças se unirem começou a dividir. (D. Ignês, entrevista, 2019).

 

Quando chegou a história da rainha, tirou essa parte de conscientização. As lideranças hoje, em vez de cuidar da conscientização dos trabalhadores para reivindicar seus direitos, é envolvida a arrumar a rainha, a arrumar caminhão, a arrumar não sei o que, já que essa coisa de aparência cresceu. O agricultor não trás mais suas ferramentas. É como se ele não trabalhasse nem com a enxada, nem com o facão, nem com foice, nem com o machado, nem com nada, porque quem vem é o trator ou uma caminhonete bem enfeitada trazendo a rainha. Isso passa a ser o principal e não aquilo que ele trazia, seus produtos nas costas: uma jaca, banana, um pé de laranja... (D. Ignês, entrevista, 2019).

 

Depois da saída do Padre Walter do município, em 1976, novamente a Festa é interrompida. Não conseguimos identificar, entre as entrevistadas, elementos para indicar sobre a realização da festa nos anos 80, mesmo após o retorno do Padre Gilberto, que atuou no município entre 1980 e 1987. Verificamos, porém que a chegada do Padre Fausto Lopes Motta, no ano de 1995, trouxe de volta a Festa do Agricultor. Com a saída do Padre Fausto a festa teve outra interrupção por alguns anos e, só em 2013, com a chegada do Padre Gonçalo Marinho, foi retomada com algumas mudanças. Uma das principais foi que a figura da rainha, que antes era por Comunidade, passou a ser por setor, a saber: Rainha da Mandioca (Setor São José); Rainha da Banana (Setor do Entroncamento); Rainha do Cacau (Setor Santa Terezinha); Rainha da Laranja (Setor Arco Verde); Rainha do Coco (Setor Areia Fina) e Rainha do Milho (Setor Nossa Senhora de Fátima). Padre Gonçalo Marinho deixou a paróquia em janeiro de 2019, vindo para assumir seu lugar na paróquia de São Miguel, o Padre Cristóvão filho de Acúrcio que depois de 40 anos volta à sua cidade natal dando continuidade à Festa do Agricultor sem modificações até o momento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A autora como Rainha da Mandioca 2015

 

Fonte: Arquivo pessoal de Luciane Silva

 

 

Quando se comparada festa no passado e na atualidade, além das mudanças descritas acima, pode-se registrar, também, alterações quanto ao seu alcance e repercussão. O testemunho a seguir, de Sr. Manoel/Neto, que participou da festa em 1974, pela primeira vez, e teve oportunidade de a ela retornar em 2017, é bem interessante:

 

Então, era uma festa muito badalada naquele tempo. Hoje tá voltando, né? O padre lá tá voltando a ter aquela festa que foi muito badalada naquele tempo né? Mas nem se compara. Hoje nem se compara com aquela festa bonita que eu fui naquele tempo, né? A festa naquele tempo, era totalmente diferente da de hoje. Hoje é uma festinha pequena, que o padre depois de tantos anos tá voltando, querendo voltar com aquela festa que antigamente teve, mas naquele tempo era uma festa que ia... Badalava ali aquela área toda, aquela região toda!!!. Então o pessoal já ficava na expectativa de chegar o dia para fazer essa festa. Era tipo um carnaval. A festa era muito grande, tinha quantas mil pessoas? Era aproximadamente... Tinha aproximadamente umas 10 mil pessoas ou mais. Tinha umas 10 mil pessoas que eu me recordo, porque de baixo até lá em cima na praça, tudo cheio de gente... umas 10 mil pessoas. Muito cheio! Aquelas ruas tudo cheia... E esse ano que eu fui com Romilda, tem dois anos que eu fui com Romilda. Só tinha o pessoal da igreja...Tinha o que? Umas mil pessoas...Porque teve a missa, né? Depois teve o desfile daqueles, daqueles... Daquele pessoal ali, daquelas meninas, fizeram tipo um mini desfile.... E outra coisa, não tinha muita gente: tinha aproximadamente mil, mil e duzentas pessoas. Agora, naquele tempo!!!? Tinha 10, 12 mil pessoas...Então era uma festa muito badalada naquele tempo, que se perdeu com o tempo. E outra coisa: hoje já nem existe mais aquelas frutas bonitas, grandes, como naquele tempo. Não existe mais mata, desmataram quase tudo; as matas ali em São Miguel das Matas, nessa região toda. Então já não tem mais terra fértil como naquele tempo, que pegava uma mandioca e conseguia uma mandioca de três metros. Hoje, não! Tem dois anos que fui com Romilda...Teve lá aquele pessoal com aqueles vestidos de palha de cana, de não sei o que, não sei o que... E tinha lá bastante fruta, lá no altar da igreja...As frutas o pessoal que trouxeram lá da roça...Mas antigamente era bem mais bonito! Bem mais organizado! Naquele tempo, Ave Maria! Naquele tempo, era outro espetáculo!

 

 

3.3 CONTRIBUIÇÕES DA FESTA DO AGRICULTOR PARA A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA MIGUELENSE.

 

 

A Festa do Agricultor tinha como principal objetivo, o desenvolvimento dos agricultores, o despertar para alfabetização, pois o índice de analfabetismo no município era muito alto. Nas reuniões as jovens tinham orientação sobre o cuidado com casa, higiene, saúde e a conscientização do trabalhador na busca de seus direitos.

A Festa do Agricultor tem sua grande importância para os agricultores miguelenses, pois valoriza o trabalhador rural, o homem do campo, ajuda na conscientização da luta por dias melhores além de se configurar como um momento de celebração e comemoração pela colheita e pela vida.

A JAC, como já falamos, teve sua grande importância na idealização e organização da Festa do Agricultor. D. Zorilda e D. Duninha, ex-jacistas foram também peças fundamentais na construção desse movimento organização e condução dos trabalhadores rurais naquela época. A JAC que antes era formada apenas por jovens mulheres, logo também agregou os homens tornando-se mista. Haviam muitos encontros que reuniam os jovens jacistas, principalmente as lideranças nos âmbitos paroquial, diocesano, regional, nacional e internacional. D. Zorilda no ano de 1960 foi escolhida para representar a JAC da diocese no “Encontro Internacional” da JAC em Lourdes na França. D. Zorilda nos relata com saudades dessa experiência proporcionada pela JAC e incentivada pelo então pároco da época, Padre Gilberto Vaz Sampaio.

 

... Nessa época eu me recordo que eu fui pra Itapetinga cuidar de minha irmã que ganhou o primeiro filho. Ai eu digo, não, ai fiquei na minha. Daí Niniu disse eu não vou também por que eu sou noiva e eu não vou. O que fez Padre Gilberto? Zorilda que está a frente sempre das coisas, Zorilda que vai. Foi lá em casa falar com mamãe e papai. E eu estava em Itapetinga. Que o mês de Janeiro... Ai chegou lá... Dona Zezé e família, eu vim aqui pedir uma coisa de Zorilda (risos)... Ela foi escolhida para ir para Europa representar o nosso movimento Juventude Agrária Católica e pedir primeiro a sua permissão. O que fez mamãe e papai? Disse com muita boa vontade... Eu lá em Itapetinga. Olha meu amor, sem saber de nada. Quando... Naquele tempo era carta não era? Eu recebi uma carta de papai e outra de Padre Gilberto falando assim... Ai Padre Gilberto, na carta né? Padre Gilberto disse: Odelita que começou o movimento podia ir, não vai por que já vai casar e Eunice também não vai porque já é noiva e não pode ir. Você foi a escolhida e seus pais disseram que pode. Inclusive eu já tinha ido em Fortaleza, foi a primeira vez que eu viajei de avião eu fui com Leda da JAC, fui a Fortaleza, eu tinha mais ou menos ideia o que era o encontro, o que era o avião e tudo. Voltei, quando... Fui logo embora, meus pais foram me buscar. Passou Janeiro... Isso foi em Janeiro, estava de féria que eu tinha escola municipal em casa, janeiro, fevereiro, março... Por que 1º de Maio eu tinha que ir em Salvador tirar passaporte e tudo... Eu vim, quando cheguei ai, o que fez padre Gilberto? Vamos tirar logo. Padre Gilberto e Ademário me levaram em Salvador para tirar o passaporte... Fui a Salvador e voltei quando foi no dia 1º de Maio, eu parti para Europa. Eu fui até o Rio de Janeiro sozinha de avião. Me deixaram no aeroporto em Salvador, peguei o avião para Rio de Janeiro sem conhecer ninguém, uma menina que muito mal tinha o curso primário. Parti com essa coragem que estou aqui agora... Levei três meses lá... A juventude foi mais... ô Duna eu tenho tanta história. Foi do Nordeste e do Sul. Já daqui da Bahia não tinha ninguém, eu consultei o Padre Gilberto, mas Padre Gilberto o senhor está por dentro de tudo, por que o senhor não vai? Ô ele não participada do encontro regional por que não queria deixar a paróquia imagina se ia para o internacional, imagine (risos). Mas padre Gilberto o senhor que tem que ir. O senhor já foi duas vezes com Odelita em vários lugares. Não, eu não vou, eu não vou, eu não vou, você foi a escolhida, você vai. Ai obedeci e fui, levei três meses lá” (Dona Zorilda, entrevista, 2019).

 

Além da JAC, o MEB também teve sua importância, sua contribuição na valorização do homem do campo, pois o MEB após a extinção da JAC deu continuidade ao trabalho que os jacistas faziam, porém se dedicando mais a parte da educação, da alfabetização, conscientização e formação sindical, entretanto o MEB também sofreu as consequências do regime militar já que o objetivo tanto da JAC como do MEB era a formação de cidadãos pensantes, empoderados e conscientes de seus direitos.

Após a análise das entrevistas, podemos dizer assim, que a Festa do Agricultor é um fruto da ação do movimento da JAC que animou os agricultores do município que até então não tinha nenhuma perspectiva de vida. A JAC e a Festa do Agricultor fizeram despertar nos agricultores o desejo de lutar e reivindicar os direitos como nos fala D. Duninha:

 

O povo da roça era tabaréu... Agora tinha fazendeiros, mas acontece que era muito assim... uns porque eram tímidos mesmo, mas outros são porque achavam que não podiam se apresentar. Ai, depois que veio o movimento de JAC, ai é certo que deu vez a todo mundo voar, todo mundo falar, todo mundo também dizer o que gostava o que não gostava, o que achava que estava certo, o que não estava certo... porque [antes] era boca pio, infelizmente; todo mundo tinha medo...” (BONFIM, 2019 p. 7).

 

 

Hoje a Festa do Agricultor continua, porém com um outro tipo de organização e preservando o objetivo de valorizar a cultura do povo camponês, dos agricultores.

Segundo D. Herundina, o evento hoje se transformou numa festa luxuosa onde pouco representa o trabalhador, mas que fica feliz por ver que ainda existe algo em que o agricultor possa chamar de seu. Já D. Ignez além de enfatizar a questão do luxo da Festa do Agricultor de hoje, ressalta que é preciso avançar muito mais na conscientização do homem do campo, mas lista as conquistas obtidas com a Festa do Agricultor.

 

Eu listaria a participação cidadã do agricultor. Até então ele não tinha... A valorização da cultura, ou pouco ou muito ela vem sendo incentivada... Por conta disso o trabalho comunitário, mesmo dirigido pela igreja, nunca parou. Almeja sempre que tenha alguma coisa na frente que ninguém quer perder que é a Festa do Agricultor. É tanto que os que saem [do município] não fala de outra coisa... O saudosismo continua... Não sei se esse ano teve gente de fora, mas o ano passado teve alguns que foram... E prometia voltar... É um momento de rever aqueles agricultores e tudo isso... Querendo ou não, ou menor ou maior, sempre foi um lugar de organização... Agora pode avançar muito mais. (D. Ignês, entrevista, 2019).

 

Ultimamente, a cada ano que passa, mais pessoas aderem à Festa do Agricultor, como mencionou D. Duninha. Com isso a festa vai ganhando uma proporção maior e desperta também mais simpatizantes.

D. Zorilda apesar de hoje morar em Vitória da Conquista, carrega uma imensa vontade em participar da Festa do Agricultor, pois ela acredita na volta do crescimento desse movimento importante no município de São Miguel das Matas. Esse desejo se expressa nessa fala:

 

Foi uma semente que a JAC semeou e estamos colhendo. E como Duninha está dizendo, eu tenho a impressão que daqui pra frente vai crescer muito esse movimento de Festa do Agricultor. Eu tenho essa impressão. Ai vai continuar a festa anual, é... Fazendo juntamente com o padre, os agricultores, a juventude... Vai crescer com certeza...” (D. Zorilda, entrevista, 2019, p. 15).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente estudo, que procurou analisar a “Festa do Agricultor” no município de São Miguel das Matas-Bahia nos possibilitou confirmar a relevância de tal evento para os miguelenses e principalmente os homens e mulheres do campo.

Partindo do objetivo de identificar às razões pelas quais motivaram os agricultores miguelenses na criação da “Festa do Agricultor”, as transformações e permanências ocorridas ao longo de 62 anos bem como sua contribuição para a afirmação da identidade camponesa dos miguelenses, podemos afirmar que a “Festa do Agricultor” é fruto da ação da Juventude Agrária Católica (JAC), liderada pelo Padre Gilberto Vaz Sampaio e pela professora Odelita Oliveira Caldas, que, juntamente com outras lideranças, empreendeu uma relevante experiência que possibilitou aos agricultores uma maior conscientização das busca por seus direitos e confluiu para a realização de um relevante evento em que se celebra a vida, mas também é um momento de celebrar o plantio e a colheita, um momento de confraternização, reivindicação e festa para os agricultores miguelenses.

Produzir esse trabalho de pesquisa foi de grande relevância para a comunidade miguelense como também para a autora, pois permitiu um maior conhecimento sobre o tema abordado além de que perceber as contribuições desse evento para os camponeses miguelenses.

A “Festa do Agricultor” ao longo desses 62 anos teve algumas interrupções, passou por algumas transformações, porém permanece até os dias atuais sendo hoje conduzida pela igreja católica com a participação e colaboração dos agricultores organizados em associações, Sindicato dos Trabalhadores e demais cidadãos miguelenses.

A pesquisa nos fez perceber que apesar de visíveis transformações ocorridas, a “Festa do Agricultor” deu seus frutos. Um desses frutos é a organização dos trabalhadores em associações onde juntos são discutidos os problemas das comunidades e assim buscam melhores condições de vida, capacita e conscientiza o agricultor para ir em busca de políticas públicas para o trabalhador rural.

A pesquisa de campo como esmiuçado no capítulo de análise de dados, nos possibilitou ter uma visão mais ampla de como era a “Festa do Agricultor” de 1957(ano de sua 1ª edição) e como é realizada nos dias de hoje (2019), a importância do movimento da JAC e MEB para a afirmação da identidade camponesa bem como sua contribuição na formação e conscientização do homem do campo levando em consideração as suas especificidades, as consequências do regime militar implantado no ano de 1964 onde houve a tentativa de desarticulação das forças sindicais e da igreja católica no Brasil e, por conseguinte no município de São Miguel das Matas fato esse que fez com que alguns líderes sindicais fossem presos e outros perseguidos sendo acusados de comunismo.

Além de tudo que foi mencionado, a pesquisa nos fez entender o nosso papel social dentro desse contexto e a contribuição que a mesma não só para comunidade acadêmica, mas pra todos os miguelenses e futuros pesquisadores que desejarem aprofundar mais o tema, haja vista que esse é o segundo trabalho que aborda o tema.

Para finalizar deixamos a afirmação que o trabalho , assim como a “Festa do Agricultor” não se conclui aqui, apenas um dos ponta pés iniciais para o aprofundamento de novas pesquisas, pois esperamos não haver mais interrupções essa festa tão importante para o município de São Miguel das Matas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ARGOLO, Adenilda Andrade. Festa do Agricultor em São Miguel das Matas: Memória e Arte. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Artes Visuais. Cachoeira-BA: UFRB, 2017.

As CEBs. Disponível em: http://www.portaldascebs.org.br Acesso em 25 de Março de 2019.

AZAR, Zaira Sabry. Questão Agrária no Brasil: aspectos históricos- conceituais. IV Jornada Internacional de Políticas Públicas. Universidade Federal do Maranhão. S/D.

BAPTISTA, Francisca Maria Carneiro. et al. História e Organização de Jovens Camponeses Cristãos 1947- 1972. 1ª Edição. Editora abrace. Rio de Janeiro, 2012.

BAPTISTA, Francisca Maria Carneiro; CARNEIRO, Joana Guida; LUCCHETTI, Ângela Neves. Retalhos de Vidas. Depoimentos de ex-jacistas. Brasil, 2012.

CALDART, Roseli Salete. et al. Dicionário da Educação do Campo. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Expressão Popular. Rio de Janeiro/ São Paulo, 2012.

CALDAS, Mayra Sara Teixeira. Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio: uma importante liderança na construção político social no Recôncavo Sul Baiano 1952-2008. Santo Antônio de Jesus: UNEB, 2011. 140 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local, Departamento de Ciências Humanas - Campus V, Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2011.

CARNEIRO, Maria José; CASTRO, Elisa Guaraná. Juventude Rural em Perspectiva. Rio de Janeiro – RJ. Mauad X, 2007.

CASTRO, Antonio Maria Gomes de. et al. Juventude Rural, Agricultura Familiar e políticas de acesso à Terra no Brasil. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Brasília- DF, 2013.

CEOLIN, George Francisco. Crise do Capital, precarização do trabalho e impactos no Serviço Social. Serv. Soc. Soc. São Paulo, n. 118, P. 239-264, Abril/Junho, 2014.

COSTA, Vania A. MUSIAL, Gilvanice B. da Silva; BRANDÃO, Nágela A. Desafios na Construção da Escola do Campo. Viçosa – MG, Jul/Dez, 2015.

SANTOS, Joilza Farias. Religiosidade, Festa e Memória (São Miguel das Matas – Bahia – 1960-2000). Santo Antônio de Jesus:UNEB,2004. 119 p. Monografia (Especialização) – Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local, Departamento de Ciências Humanas - Campus V, Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2004.

Fotos de São Miguel das Matas. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/sao-miguel-das-matas/historico Acesso em 15 de Abril de 2019.

GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo. Métodos de Pesquisa. 1ª edição; UFRGS Editora. Porto Alegre, 2009.

Gráfico: A importância da Agricultura Familiar no Brasil. IBGE, Censo 2006. Disponível em: http://softwarelivre.rg/bertoni/blog-do-bertoni/agricultura-camponesa-e-agronegocio-um-comparativo-grafico-esclarecedor Acesso em 02 de Maio de 2019.

Juventude Agrária Católica. Disponível em: http://www.fgu.br/cpdoc/acervo/dicionario/verbete-tematico/juventude-agraria-catolica-jac Acesso em 25 de Março de 2019.

Mapa do Município de São Miguel. Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/ba.ilheus/s.miguel.htm  acesso em 26 de Abril de 2019.

MENEZES, Durval Lemos. A República dos Miguelenses. Vitória da Conquista – Bahia, 2016.

MIRALHA, Wagner. Questão Agrária brasileira: origem, necessidade e perspectivas de reforma hoje. Revista Nera- Ano 9, nº 8- São Paulo- SP, Janeiro/Junho, 2006.

OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Recôncavo Sul: Terra, homens, economia e poder no século XIX. UNEB, Salvador – Bahia, 2003.

O MEB. Disponível em: http://www.meb.org.br/quem-somos/ Acesso em 25 de Março de 2019.

PEREIRA, Luciene Maria Pires. Questão Agrária no Brasil: A formação do território brasileiro e o debate da esquerda na década de 1960. Congresso Internacional de história. 21 a 23 de Setembro de 2011.

PIANA, Maria Cristina. As Políticas Sociais no contexto Brasileiro: Natureza e Desenvolvimento. Scielo Books – Editora Unesp – São Paulo, 2009. P. 23-56.

PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do Trabalho Científico: Métodos e técnicas da Pesquisa e do trabalho Acadêmico. 2ª edição; Universidade FEEVALE. Novo Hamburgo- Rio Grande do Sul, 2013.

SANTANA, Cristiane Soares de. Notas sobre a história da Ação Popular na Bahia (1962-1973). In: ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro (organizador). Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes. Salvador: EDUFBA, 2009, pp. 152-173. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/diversos/bahia.pdf

SANTOS, Joilza Farias. Religiosidade, festa e memória: São Miguel das Matas-Bahia, 1960–2000. UNEB, Santo Antonio de Jesus – Bahia, 2004.

SILVA, Miguel José da. Educação da Rainha do Lar: um estudo sobre a formação das mulheres no Ginásio Santa Bernadete em Amargosa – 1946/1973. (Monografia de conclusão de Curso de Especialização em História Regional). Santo Antônio de Jesus-BA:  Universidade do Estado da Bahia – UNEB, 2006.

SILVA, Miguel José da. De jovens piedosas a Rainha dos Lares: formação de professores no ginásio Santa Bernadete em Amargosa – BA, 1953/1973. (Dissertação de conclusão de curso de Mestrado). Santo Antônio de Jesus-BA: Universidade do Estado da Bahia – UNEB: Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local, 2013. Disponível em: http://www.ppghis.uneb.br/wp-content/uploads/2019/04/Miguel-Jos%C3%A9-da-Silva.pdf

ZIGGIATTI, Laerte Melloni. Resenha bibliográfica do livro “O colapso do populismo no Brasil” (de Octávio Ianni, Rio de Janeiro, Editôra Civilização Brasileira, 1968, 236 páginas). Disponível em: Revista de Administração de Empresas, vol. 9, no. 4, São Paulo, Oct./Dec., 1969. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75901969000400008

SOUZA, João Valdir Alves de. Pedagogia da Alternância: Uma alternativa consistente de escolarização Rural? UFMG/GT – 14: Sociologia da Educação. Pág. 2.

SPEYER, Anne Marie. Educação e Campesinato: uma educação para o homem do meio rural. Edições Loyola: São Paulo, 1983.

STEDILE, João Pedro. Questão Agrária. Dicionário da Educação do Campo. Expressão Popular, Rio de Janeiro/São Paulo, 2012.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entrevistas realizadas pela autora

Maria do Carmo Andrade Bomfim. Entrevista concedida a Luciane Silva dos Santos. Santo Antonio de Jesus – Bahia, 20 de Junho de 2019.

Ignêz Ana da Silva Santana. Entrevista concedida a Luciane Silva dos Santos e Fábio Josué Souza dos Santos. Amargosa – Bahia, 27 de Maio de 2019.

Herundina dos Santos. Entrevista concedida a Luciane Silva dos Santos. São Miguel das Matas – Bahia, 16 de Junho de 2019.

Zorilda Andrade Santos. Entrevista concedida a Luciane Silva dos Santos. Santo Antonio de Jesus – Bahia, 20 de Junho de 2019.

Rita Souza dos Santos. Entrevista concedida a Fábio Josué Souza dos Santos. Amargosa – Bahia, 21 de julho de 2019.

Manoel Andrade Souza (Neto). Entrevista concedida a Fábio Josué Souza dos Santos. Salvador – Bahia, 21 de julho de 2019.

Entrevistas encontrada em outros acervos

Manoel Acúrcio Figuerêdo. Entrevista concedida a Padre Esmeraldo Barreto de Farias. Transcrição atualizada em 05 de Janeiro de 2007. Nazaré – Bahia, 1990.

Otaciano Barbosa de Moura. Entrevista concedida a Padre Esmeraldo Barreto de Farias. Transcrição atualizada em 05 de Janeiro de 2007. Nazaré – Bahia, 1990.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

APÊNDICE

 

ENTREVISTA SEMI ESTRUTURADA

TEMA: FESTA DO AGRICULTOR EM SÃO MIGUEL DAS MATAS

1 – Conte-me um pouco sobre sua história de vida.

2 – Fale-me sobre a realidade de São Miguel das Matas naquela época passada?

3 Em relação à organização dos trabalhadores rurais, como era isso.

4 – Fale-me um pouquinho sobre a Festa do Agricultor.

Para Zorilda:

Porque se escolheu o dia 1º. De maio para realizar a Festa do Agricultor?. Onde surgiu a festa do Agricultor?

Em que ano?

 

5 Quem organizava a festa? [Quem idealizou a festa?].

6 – Como era a festa? [Atentar para indícios de transformações ao longo do tempo].

7 – A emergência da Ditadura Militar tem alguma implicação na Festa do Agricultor [Mudou alguma coisa na Festa depois da Ditadura]?

8 – Quais eram as motivações que levavam os agricultores a celebrar esse dia? Quais os objetivos de se realizar esta festa?

9 – Houve mudanças, transformações da Festa do Agricultor de 1957 para a de hoje? Quais foram às mudanças?

10 – Na sua opinião, qual a importância da Festa do Agricultor para o povo migulense?

11 – Na sua opinião, como esta Festa contribuiu ou ainda vem contribuindo para a valorização do homem do campo?

12 – Como a senhora vê a Festa do Agricultor hoje em dia?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXOS

 

 

Jornal Correio Rural

 

Fonte: Livro História e Organização de Jovens Camponeses Cristãos 1947-1972.

 

 

 

 

Padre Fausto Lopes Mota e as Rainhas das comunidades na década de 90.

 

Fonte: Blog São Miguel das Matas

 

 

 

 

 

Apresentação das Comunidades na Festa do Agricultor na década de 90

 

Fonte: Blog São Miguel das Matas

 

 

 

 

Padre Gonçalo Marinho com a Laranja gigante apresentada pela Rainha da Laranja no ano de 2015

 

Fonte: Arquivo da Criativa Online

 

 

 

 

 

Rainha da Banana 2015

 

Fonte: Arquivo pessoal de Luciane Silva

 

 

 

Casa de Farinha manual apresentada  pelo Setor  São José em 2015

 

Fonte: Arquivo Pessoal de Luciane Silva

 

 

 

Encenação  da torração de Farinha na Festa do Agricultor – Ano de 2016

 

Fonte: Arquivo da Criativa Online

 

 

 

 

Adenilda Argolo representando a Rainha da Mandioca 2016.

 

Fonte: Arquivo da Criativa Online

 

 

 

 

 

 

Agricultores Apresentando a cultura da laranja – Ano de 2015

 

Fonte: Arquivo pessoal de Luciane Silva

 

 

 

 

Apresentação das  Rainhas no ano de 2018

 

Fonte: Arquivo pessoal de Luciane Silva

 

 

 

 

 

Rainha da Cana 2019

 

 

Fonte: Arquivo pessoal de Luciane Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rainha da Mandioca 2019

 

 

Fonte: Arquivo pessoal de Luciane Silva

 

 

 

 

[1] O STR de São Miguel das Matas foi criado em 1962, a partir de uma ação política e social da Diocese de Amargosa, sendo o primeiro sindicato rural criado na região do Vale do Jiquiriçá. A principal liderança que mobilizou a criação do STR foi o padre Gilberto Vaz Sampaio, que coordenou o Movimento de Educação de Base (MEB) na Diocese de Amargosa no inicio da década de 1960. Padre Gilberto foi perseguido pela Ditadura Militar, tendo que fugir do município e da região, e o STR foi fechado, só sendo reaberto na segunda metade da década de 1980, a partir de uma ação do MEB/Igreja Católica de Amargosa. A Festa do Agricultor continuou a ocorrer durante o período em que o STR estava fechado, embora em com ações mais retraídas, diante do contexto de medo instaurado pela Ditadura.

[2] Meus pais vivem em uma propriedade herdade de meu avô materno por ocasião de seu casamento em 1980.

[3] Mais adiante abordaremos sobre os títulos honoríficos de rainhas no âmbito da festa.

[4] Riacho das Bananeiras é uma pequena comunidade localizada na comunidade maior de Ponto da Serra.

[5] Agradecemos aqui as indicações feitas pelos miguelenses Padre Cristóvão Figueiredo, Pároco de São Miguel das Matas; Prof. Miguel José da Silva, mestre em história local e regional e professor do Colégio Estadual Pedro Calmon, em Amargosa; e D. Ignês Ana da Silva Santana, esta a primeiras das entrevistadas.

[6] A Escola Santa Bernadete, conhecida popularmente como “Escola das Sacramentinas” ou “Escola das Freiras” foi uma instituição privada de educação criada na cidade de Amargosa em 1946 pela Igreja Católica, pertencente à Congregação das Religiosas Sacramentinas, que funcionou até o final de 1973, quando foi vendido para a rede pública estadual de ensino. Em 1955 formou a primeira turma de professoras normalistas da região. Em 1974 a Escola foi adquirida pelo Governo do Estado da Bahia, que mudou o seu nome para “Escola Estadual de 1º. Grau Antônio Carlos Magalhães”, numa designação personalista que homenageava o então governador que encampou a escola. “Em 1987, sendo governador do Estado Waldir Pires, houve uma mudança do nome para, Escola Estadual de 1º Grau Santa Bernadete. E no ano de 2002, com a implantação do curso médio, na modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos), passou a ser denominado Colégio Estadual Santa Bernadete” (SILVA, 2013, p. 116). Sobre a história da Escola Santa Bernadete, ver Silva (2006) e Silva, 2013.

 

[7] Oficialmente, esta localidade é denominada como Ponto da Serra. Entretanto, por influência da forte presença católica no município, muitas vezes a localidade é denominada de “São José”, em referência ao padroeiro local.  

[8] À ocasião, Amargosa não contava ainda com o Seminário Menor Imaculada conceição, implantado no município em 1944 pela Diocese local. A ausência de instituições escolares obrigava aqueles que desejavam continuar seus estudos e que possuíam condições para tal, a migrar para as cidade de Nazaré das Farinhas, onde existia o Colégio Clemente Caldas, masculino, e a Escola Nossa Senhora Auxiliadora, feminina; ou ainda para Salvador, onde o leque de opções era maior.  

[9] O coincidente afastamento de duas destas entrevistadas do município neste período (Dona Zorilda, que casou-se e migrou; e D. Ignês, que migrou para Amargosa, para estudar), contribuiu para a apresentação desta lacuna, neste trabalho.