Era uma vez, no reino encantado da burrocracia, uma princesa estrangeira que vivia encastelada. Sua vida não era exatamente ruim, diga-se de passagem, tinha conforto, segurança e sempre encontrava alguma maneira de se divertir.

Uma parte considerável dos amigos da corte do seu país de origem, acreditava que ela recebia uma série de privilégios reais, que nunca passaram de lenda da carochinha. Afinal de contas e de contos, em terra de cego, quem tem um olho é angustiado. Está condenado a nunca conseguir compartilhar uma experiência por inteiro. Ou de sequer quererem ouvir suas experiências, porque nada diferente poderá ser melhor.

Pelas noites, às vezes ela se fantasiava de plebéia e ia se misturar pelas tabernas da cidade, onde apesar do odor acre e esfumaçado, era onde podia relaxar e ser quem era de verdade. Descobriu que nem era a única princesa, havia várias. Além do mais, entre princesas e plebéias, estrangeiros e nativos nem existia tanta diferença assim. Por algum motivo misterioso, quando o sol se punha, todos se pareciam muito. Talvez fossem as harpas mágicas dos druídas musicais, mas essa já seria outra fábula.

De tempos em tempos, por ser estrangeira, a princesa era enviada ao Castelo de Kafka para atualizar sua documentação. Apesar da frequência com que o fazia, nunca conseguia entender o caminho, porque a cada vez o trajeto era alterado pelo gosto dos bruxos burrocráticos, que precisavam garantir suas importantes funções no reino.

Em determinada renovação de documento, a princesa foi acompanhada pela maga advogada, que também não conhecia todos os caminhos secretos, mas possuía uma lanterninha com poderes de identificar alguns atalhos.

Ao se encontrarem, a princesa reclamou que já morava no reino da burrocracia há mais de cinco anos e, portanto, era seu direito receber um visto de trabalho. A maga lhe mostrou uma circular dizendo que sim, ela tinha esse direito e perguntou se ela queria uma cópia desse papel.

A princesa teve vontade de sugerir um local para que o tal papel fosse introduzido, mas era muito educada e a maga muito simpática. Se restringiu a dizer que uma circular não tem efeito nenhum enquanto em seu documento estivesse escrito que não a autorizava trabalhar.

A maga concordou que era absurdo e que o reino provavelmente fizesse de propósito, pois era uma maneira de fazer que os estrangeiros ficassem como cachorros,  correndo atrás dos próprios rabos.

Perfeito maga, e o que fazemos então? Porque isso é inaceitável!

A maga se lembrou que tinha um amigo bruxo, muito simpático e acessível (para ela), entrou por um atalho e foi com a princesa conversar com ele. Expôs a situação a ele, que concordou com o fato da princesa poder trabalhar, pelo tempo que levava no reino. Inclusive, citou a mesma circular que a maga havia comentado. A princesa repetiu que o papel não adiantava muito enquanto constasse em seu documento por escrito que ela não podia trabalhar.

O bruxo concordou, e admitiu que realmente muitos outros nobres estrangeiros encontravam esse problema. A princesa novamente teve pensamentos em linguagens inapropriadas à sua educação. A maga perguntou se, nesse caso, não era possível remover a maldita frase do documento, já que era um direito comprovado da princesa. Ele respondeu que sim, entrou no seu computador mágico e removeu a frase apertando um botão de deletar com seus dedos mágicos! Piscou para a maga, fez meia dúzia de brincadeiras e assim, em minutos, a situação foi resolvida.

A princesa ficou pasma! Por um lado, radiante por finalmente, após cinco anos de perrengue, resolver seu problema, ter um mínimo de dignidade cidadã restaurada. Por outro, revoltada em saber que tudo que vem enfrentando seguia regras tão rígidas que eram capazes de serem alteradas, manualmente, com um botão apertado por um bruxo, que na hierarquia dos bruxos, nem estava em um nível tão alto assim.

Como a princesa não era idiota, ela não poderia ser feliz para sempre, mas seria feliz. E sabendo que essa história se não for ilegal é imoral, era melhor que virasse uma fábula.

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