A experiência reflexiva segundo São Tomas de Aquino no De Veritate q.1, a. 9, C.

RESUMO: O texto quer ser uma explicitação da concepção de Tomas de Aquino sobre a verdade, assim como ele expressa no De Veritateq.1, a.9, c, ou seja, como experiência reflexiva do indivíduo; de fato, no texto referido ele diz que a verdade seja adequação, iluminação, correspondência, reconhecimento entre o individuo e a coisa, ou seja, o intelecto apreende a quididade da coisa e assume em si e nesse processo de sair de si e depois retornar a pessoa faz uma reflexão, pois não somente conhece, mas conhece quando está realizando o conhecimento. A autoconsciência do indivíduo no momento da operação de conhecimento demonstra que a verdade está nesse e também na coisa de maneira, mas de maneira diversa, porque somente o sujeito espiritual pode fazer uma experiência reflexiva sobre seu ato de conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: essência, ser, ente, conhecimento, intelecto, adequação, verdade.

INDICE

  1. Introdução
  2. O contexto cultural de 1200
  1. As universidades e as questões “Disputadas”
  2. A definição da verdade
  1. A verdade para São Tomas
  2. O texto de São Tomas:
    1. Questio: “Utrum veritas sit in sensu”
    2. Responsio: “a verdade está no intelecto e nos sentidos, mas não do mesmo modo”
  3. Conclusão
  4. Bibliografia
  1. Introdução

A experiência de conhecimento do ser humano é, sobretudo, uma experiência de transcendência de si mesmo. No conhecimento se sabe de saber e se busca encontrar a verdade. Entretanto: O que é a verdade? É esta a pergunto, que segundo formulações diversas, colocaram-se os filósofos de todas as épocas, e que não obstante a aparente simplicidade esconde não poucos enigmas. As respostas dadas em nossos dias e no passado a esse interrogativo têm diversos valores e são aparentemente muito diferentes, mesmo que em quase todas as indicações está presente um elemento comum que se identifica propriamente com aquele descoberto pela metafísica clássica[1]. De todos os modos, esta pergunta nos convida tomar consciência sobre si mesmo e sobre a própria consciência, ou seja, fazer uma experiência reflexiva, metafísica sobre a verdade.  Escolhemos para nos guiar neste itinerário a questão número1, no artigo 9 C, do tratado De Veritate de São Tomas de Aquino porque retemos que entra no cerne mais profundo da questão sobre a verdade.

Em são Tomas, assim como no nosso contexto de “experiência reflexiva”, a dissertação sobre a verdade se coloca dentro de um contexto filosófico global[2]. É conhecido de muitos que são Tomas começa a deduzir os transcendentais partindo do conceito indiscutível de ente, ou seja: “aquilo que a inteligência concebe imediatamente como a coisa mais notável e do qual se refere todos os outros conceitos” (De Veritate, q.1, a.1, c). Sem esse postulado é impossível qualquer ciência[3]. O ser é, dessa forma, para a metafísica, o fim e o ponto de partida de toda investigação.

A sentença fundamental da doutrina de são Tomas sobre a verdade das coisas se encontra na Questiones disputate de veritate (I, 2) e se exprime dessa maneira: “res naturalis inter duos intellectus constituta (est), ou seja, o intelecto divino e o intelecto humano. No artigo 9, que vamos analisar nesse estudo, tem uma referência bastante importante, o qual se revela um dos fulcros da gnosiologia tomista. O artigo considera se a verdade está nos sentidos. A resposta é afirmativa, mas Tomas mostra que essa está no intelecto e nos sentidos de maneira diversa. Tomas realiza a mais perfeita descrição de como o intelecto conhece a verdade por meio do ato de reflexão que a acompanha.

Ele demonstra ainda que não é a divisão entre atividade direta e espontânea da mente em contrasto com a atividade reflexiva como num segundo momento, mas a mesma reflexão que é essencial ao próprio ato de conhecer a verdade. Para ele a reflexão no segundo momento deve evidenciar aquilo que no juízo é uma reflexão no primeiro momento: somente essa reflexão acompanha inseparavelmente o conhecimento da verdade[4]. Certamente essa reflexão que acontece no momento do juízo não é algo posterior, coisa própria de um juízo reflexivo (segundo momento), mas implícita no mesmo momento. Assim, ao conhecer a verdade, no mesmo momento, implicitamente se conhece que a natureza do intelecto é se conformar ao ser. Esta é uma reflexão completa sobre o mesmo momento e no mesmo instante.

Como se usava nas disputas de então, no primeiro artigo da questão que abre o De Veritate, são Tomas se coloca tal interrogativo: quid sit veritas?, e dá a seguinte resposta: “a verdade é a adequação da coisa ao intelecto”. Tal resposta possui duas características que a faz preferível a qualquer outra, isto é: 1) exprime a razão formal da verdade (a conformidade ou a adequação entre a coisa e o intelecto exprime realmente a essência da verdade); 2) compreende todos os significados que o termo verdade pode assumir e a esse pode ser aplicado. Entretanto, somente compreendendo precisamente tal definição se podem recolher todas as virtualidades. No corpo desse manuscrito buscaremos detalhar ainda mais a noção de verdade como adequação e a o seu conhecimento por meio do intelecto no seu ato reflexivo.

 

 

 

  1. O CONTEXTO CULTURAL DE 1200[5]

 

 

Filho de Teodora e Landolfo, o nosso Tomas nasce em Roccasecca (vizinhança a Cassino, Itália), em 1225 ou 1226. A sua primeira educação se deu nos átrios de Montecassino. Em 1243, em Nápoles, quando freqüentava a faculdade de artes, decidiu entrar na ordem dos dominicanos, ainda que contra a vontade dos pais. Transferiu-se para o colégio dos frades predicadores em Paris, onde se tornou aluno de Alberto Magno, ao qual seguiu até Colônia (Alemanha) em 1248. Em 1252 ele volta a Paris e aí inicia as suas aulas universitárias: comentou as Sagradas Escrituras e as Sentenças de Pedro Lombardo. Em 1256 ele se torna mestre regente de teologia. Durante esses anos ele escreve o De ente et essentia, o comentário às Sentenças, ao De Trinitate de Boécio e ao De divinis nominibus de Dionísio Areopagita. Fustigado pelos mestres seculares da universidade parisiense, ele escreveu o opúsculo Contra aqueles que contrariam o culto e a religião de Deus. Inicialmente, o Papa parecia dar razão aos mestres seculares, mas no ano seguinte decidiu a disputa em favor das ordens mendicantes. Então Tomas foi nomeado, juntamente com seu amigo Boaventura, mestre na Universidade de Paris, era 1257.

Em 1259, Tomas deixou Paris e retornou para a Itália, quando em 1265 teve o compito de ordenar os estudos da ordem em Roma e foi teólogo da corte pontifícia. Desse período pertencem as suas obras maiores: a Suma contra gentes e a I e II parte da Suma Teológica. Em 1269 volta a Paris  e por três anos obtém a sua cátedra de mestre de Teologia. Contra a difusão do aristotelismo averroista, especialmente por conta de Brabante, ele escreveu a obra Sobre a unidade do intelecto contra os averroistas. Em 1272 retornou para Itália, a causa da solicitação de Carlo D’Angiò para fundar em Nápoles o novo Centro de Estudos Teológicos dos dominicanos. Em janeiro de 1274, designado pelo Papa Gregório X, ele partiu para o Concílio de Lion (França). Durante a viagem as suas condições de saúde pioraram e transportado ao mosteiro Cisterciense de Fossanova, ali ele veio a falecer em 07 de março de 1274.

Todo esse percurso histórico para dizer que na metade do século XIII, Papas e Imperadores se ocupavam sempre mais dos ensinamentos superiores. É de 1224 a fundação do Centro de Estudos geral de Nápoles, o que representa um momento fundamental no programa de reorganização político-administrativa concebido por Federico II; cinco anos mais tarde Gregório IX institui o Centro de Estudos geral de Tolosa. Em 1225 Inocêncio IV concede privilégios especiais ao Studium Urbis, o centro de Estudos gerais que foi instituído junto à mesma corte papal. O reconhecimento do Papa e do Imperador se torna determinante para que aos diplomados de um centro seja reconhecido o jus ubique docendi, isto é, a faculdade de ensinar em outros centros.

 

  1. A Universidade e as questões disputadas[6]

No século XIII nascem quatro Ateneus (Bolonha, Paris, Oxford e Montpellier), que rapidamente se tornam quinze. E, trezentos anos depois, são mais de sessenta e cinco na Europa. Por que um crescimento assim rápido? Como era estruturada a Universidade das origens? Uma imagem ideal não se pode muito fazer, mas se podem verificar os seus pontos de força e os pontos fracos, assim como a grandiosidade e os limites, ou seja, uma instituição que sustentou por muito tempo uma boa parte da cultura européia e na qual se encontra a figura moderna do intelectual. O período que, na história política, econômica e social, assinalou-se com o florescer da vida urbana e as primeiras organizações dos estados nacionais; na história da cultura se ilustra o conhecido renascimento do século XII e se caracteriza, no referente à história da escola, o desenvolvimento da Universidade.

Os homens da Universidade não se sentem de serem repetidores, mas criadores de cultura. Dado que o aparecer e o desenvolver da universidade é um fato novo na historia da escola medieval: as exigências pelas quais nascem, os seus conteúdos culturais, o modo como acontece o ensino, tudo vem estruturado com uma precisão desconhecida até então e a sua organização interna. Todas essas coisas ajudam a compreender que a universidade forma uma mentalidade nova: uma consciência de si mesmo e dos próprios afazeres que poderemos dizer “profissionais”, algo desconhecido aos estudiosos das eras precedentes. Percebemos aqui que a “questio” é um método de ensino e de aprendizagem abertos, do qual podiam usufruir também os estudantes de outros cursos e até de outros mestres, quando acontecia na sua forma ordinária ou pública. A interrogação colocada pela “questio” se movimentava entre as duas coordenadas lógico-ontológica da afirmação e da negação, como se percebe claramente no De Veritate de Tomas de Aquino[7].

 

  1. A definição da verdade

O conceito de verdade nasce da relação entre o ente e um bem definido termo, o intelecto. Mas é lícito se perguntar: como é possível que o ente transcendental possa se referir ao intelecto que é situado em um indivíduo? Pode-se tentar responder que isso somente é possível porque, também a inteligência é, do seu próprio modo, transcendental. Esta consideração constitui um ponto fundamental e imensamente fecundo da antropologia aristotélica que acompanhará o inteiro pensamento ocidental no seu desenvolvimento.

O enunciado chave aparece no III livro do De Anima: aqui o estagirita afirma que “a alma é, de um certo modo, todas as coisas”, e é isso que o “verdadeiro” acrescenta ao “ente”, quer dizer, a adequação da coisa com o intelecto. O conceito de verdade pressupõe aquele de ente, neste se funda e é implicitamente contido. O que na coisa vem explicitada è essa conformidade, ou seja, no que a verdade consiste formalmente.

Agostinho de Hipona em relação ao problema da verdade realiza uma fecunda síntese entre as aquisições da filosofia grega e as novas ilustrações da mensagem evangélica. Na sua pesquisa Agostinho consegue dois resultados excelentes em relação à verdade. O primeiro a dimensão interior da verdade, pois afirma ele: “Noli foras ire, in interiore homine habitat veritas”. Mas imediatamente acrescenta Agostinho que, essa verdade não mora em nós como nossa propriedade que podemos dispor arbitrariamente, mas como um dom, e diz ele: “Confessa que não és tu a verdade, pois ela não busca a si mesma: tu, ao contrário, buscando-a não no espaço, mas com o afeto da alma, tu estás junto dela para te unir, como homem interior, com ela, teu hóspede, não com o baixo prazer da carne, mas com uma vontade suprema e espiritual” (De vera religione, 39, 73). O segundo resultado é o caráter transcendental: a verdade. Ela é presente na mente, ela exige um fundamento diverso, superior à mente; esse fundamento é Deus, ou melhor, o Verbo eterno de Deus, que é o lugar apropriado das idéias exemplares ou das verdades eternas segundo as quais foram criadas todas as coisas, raiz e norma de todas as outras verdades, término de felicidade para todo espírito inteligente (cfr. De libero arbítrio II, 15 39s).

Outro exemplo de estudo sobre a verdade, anterior a Tomas é Anselmo d’Aosta, que escreve o primeiro tratado inteiramente consagrado sobre a determinação do conceito de verdade. O De Veritate de Anselmo é um breve diálogo, seguindo as indicações de Agostinho demonstra a existência indefectível da verdade e logo esclarece a sua natureza. Para Anselmo a essência da verdade consiste em uma rectitudo ou conformidade de tudo o que é, com o que deve ser segundo o pensamento divino, no qual se reflete a sua essência ou forma exemplar, e diz ele: “Tem verdade no ser de todas as coisas, pois essas são assim como são na suma verdade”. A verdade em si é única e eterna, é o mesmo Deus, mas essa penetra por si mesma o inteiro universo das criaturas e da historia sem se despedaçar, resplandecendo na unidade analógica da retidão das verdades singulares.

Assim, para Anselmo “a verdade do enunciado não é outra coisa que uma retidão” (De Veritate, 2). E por enunciado reto se entende aquele enunciado que “significa como estão as coisas” (ibidem), ou seja, o enunciado declarativo na sua forma afirmativa, porque se o enunciado é formulado com o objetivo de dizer como as coisas estão, esse atinge esse objetivo somente quando afirma[8]. No tempo de Tomas o problema da verdade tinha sido enfrentado de todos os pontos de vista e em todas as suas dimensões e das quais foram colocadas diversas soluções, que se pode reduzir substancialmente em três: aquela platônica, aquela aristotélica e aquela patrística[9]. Agora vemos a seguir como Tomas consegue construir a sua portada original sobre a verdade.

 

 

  1. A VERDADE PARA TOMAS DE AQUINO

 

 

 

São Tomas enfrenta o problema da verdade em diversas obras, desde a juvenil Comentário às  Sentenças aos Quaestiones disputate De Veritate, assim como na primeira parte da Suma Teológica, no contexto da ciência e da vida divina. Em toda parte ele se atém ao conceito aristotélico de verdade como algo que pertence essencialmente e primariamente à inteligência. Essa designa a relação de adequação (adaequatio) ou correspondência (correspondentia, convenientia) que o intelecto tem em relação ao ser de uma coisa. Mesmo concordando com Aristóteles no conceito geral de verdade, são Tomas vai muito além do Estagirita, enriquecendo-o notavelmente graças aos novos impulsos provenientes em parte da revelação bíblica e em parte das suas intuições metafisicas inspiradas na filosofia do ser. Os ganhos maiores são: no nível lógico, a ligação do ato do juízo com o actus essendi; no nível ontológico, a radicalização de toda verdade finita ou participada na verdade infinita e in-participada de Deus[10].

Intellectus autem formans quidditatem rerum, non habet nisi similitudinem rei existentis extra animam, sicut et sensus in quantum accipit speciem sensibilis; sed quando incipit iudicare de re apprehensa, tunc ipsum iudicium intellectus est quoddam proprium ei, quod non invenitur extra in re. Sed quando adaequatur ei quod est extra in re, dicitur iudicium verum; tunc autem iudicat intellectus de re apprehensa quando dicit aliquid esse vel non esse, quod est intellectus componentis et dividentis; unde dicit etiam philosophus in VI Metaph., quod compositio et divisio est in intellectu, et non in rebus (De Ver. Q.1, a.3; dr. III Sent., d. 23, q.2, a.2, sol. 1; IV Meth., lect. 4).

 
 

A verdade segundo o Angélico é uma exigência fundamental da inteligência, o seu fim próprio e especifico: a inteligência é feita para a verdade e, portanto, somente quando a alcança fica tranquila. Como o fim que tranquiliza a vontade é o bem, analogamente, o fim que tranquiliza o intelecto é o verdadeiro, isto é, “Bonum virtutum intellectualium consistit in hoc quod verum dicatur” (Summa Theologiae, Prima Pars, Q. 16, Art. 1, c.) Como a natureza não nunca nega seus fins próprios e essenciais de determinados entes e operações, pode-se concluir legitimamente que em condições normais o intelecto humano alcança a verdade (I Sent., d. 3, q. 1, a. 2).  Tem ainda mais: a razão não somente é em grau de alcançar a verdade, mas de conseguir o conhecimento crítico.  E segundo são Tomas, como já feito por Aristóteles, isso acontece somente no juízo:

Da verdade o Angélico menciona diversas definições propostas por santo Agostinho, Avicena, santo Anselmo e outros (Cfr. I Sent., d. 19, q. 5, a. 1; De Ver., q. 1, a. 2), mas encontra a forma mais justo no aspecto lógico - gnosiológico a definição atribuída a Isaac Ben Israel (sec. X), em que a verdade consiste essencialmente na correspondência entre as ideias e  as coisas (veritas est adaequatio rei et intellectus). São Tomas esclarece o sentido dessa definição indicando os casos nos quais não tem lugar a correspondência que se exige para a verdade. Isso acontece seja quando a mente acrescenta algo que a coisa representada não possui, seja quando omite algo que a coisa engloba, e afirma ele:

“A verdade é uma certa correspondência entre o pensamento (mentem) e a coisa. E porque a correspondência é algo que está entre o mais e o menos, dar-se que o bem da virtude intelectiva (que é a verdade) ocupa a posição intermediaria entre o mais e o menos e isso acontece quando se pensa e se fala da coisa o que ela é. Ao contrário, quando excede seja acrescentando algo a mais ou assinalando algo de menos, cai-se no erro” (III Sent., d.33, q.1. a.3, sol.3).

                       

O aspecto mais interessante e original do conceito tomista de verdade se refere à atenção que se tributa ao ser. E isso se encontra em perfeita sintonia com a filosofia do Aquinate que é essencialmente filosofia do ser. De fato, o ser para são Tomas é “actuali­tas omnium actuum e a perfectio omnium perfectionum”, aquele ato primordial e fundamental, aquela perfeição integral que permeia todas as coisas oferecendo a elas consistência e realidade. Pelo qual cada coisa é tal em força da sua participação ao ser.  Sabendo-se que a verdade está na correspondência entre o pensamento e as coisas, são Tomas afirma logicamente que tal correspondência tem espaço no momento no qual o intelecto colhe o ser das coisas e isso acontece, como já acenamos, no ato do juízo. De tal modo o Aquinate obtém um explicação mais profunda do que a tese aristotélica segundo a qual a verdade é propriedade de um juízo.

 

 

  1. O TEXTO DE SÃO TOMAS

 

  1. Questio: “Utrum veritas sit in sensu”

A verdade pertence à esfera do conhecimento humano e se encontra em maneira plena no entendimento adequado às coisas no ato de julgar. O conhecimento começa nos sentidos e para o homem essa é  a única porta de acesso ao não-sensível.  São Tomas, no primeiro artigo da questão primeira do De Veritate, depois de fazer um amplo panorama sobre os transcendentais  (ens, res,  unum, aliquid, verum e bonum) e esclarecido qual a relação existe entre eles e o ente que compreende a todos, ele escreve que a definição formal da verdade (a verdade lógica), ou seja, a definição da verdade considerada na sua essência  (para são Tomas a coisa é considerada formaliter, quando é considerada na sua essência (Cfr. In Sent. I,8, q.5, a.3, ex), aquela que teria sido formulada primeiramente por Isaac Ben Israel, quando disse que “a verdade é a adequação da coisa e do intelecto” (De Ver., q. 1, a. 1), ao passo que a definição material (a verdade ontológica) é a explicitação daquilo que é da coisa, ou seja, a sua essência, como quando se diz verdadeiro ouro ou verdadeira prata[11].

 

 

  1. Responsio: “A verdade está no intelecto e nos sentidos, mas não do mesmo modo”

 

A verdade é a conquista do conhecimento humano por meio de todas as suas potências.  Chegar à verdade é comum às potências conhecedoras, cada qual na sua ordem, tanto sensível, quanto intelectual. O intelecto supera os sentidos enquanto não somente é apto a descobrir a verdade e faze-la sua, mas tem a capacidade de conhecer esse possesso. A verdade é algo que é ao mesmo tempo coisa e intelecto, como uma moeda que pudesse ter uma única face e ao mesmo tempo ser cara e coroa. É a representação da coisa existente como predicado no juízo do intelecto possível[12]. Para são Tomas o intelecto teorético depende das coisas, aquele prático é autônomo em relação às coisas. O primeiro descobre, o segundo cria e inventa; o primeiro pensa como as coisas são, o segundo faz que as coisas produzidas sejam como esse lhe pensa (Cfr. Sent. Libri Ethicorum I, lec. I, n.1). Uma coisa se representa ao intelecto especulativo de um modo e ao intelecto prático de um outro modo (De Ver. Q. 1, a.2)[13].

Para são Tomas o objeto próprio do intelecto humano é a quididade, isto é, a natureza existente na matéria corpórea particular. Os objetos do conhecimento humano comportam um elemento universal e inteligível, associado a um elemento particular e universal. A operação própria do intelecto agente consiste  em dissociar esses elementos, para que possa proporcionar ao intelecto possível o inteligível e universal que era presente no sensível. Essa operação é a abstração[14] . O Conhecimento é possível ao sentido, mas não na forma reflexiva como ao intelecto e sim de maneira direta. O objeto formal do intelecto é o ser, o verum, quod quid est, ou seja, o intelecto é inteligência enquanto orientado necessariamente ao ser. A prioridade intencional do intelecto é o ser e em virtude dessa orientação primária o intelecto conhece tudo quanto conhece: a mediação formal do ser é condição a priori da intelecção de cada objeto concreto[15].

É certo que a verdade formalmente e propriamente considerada, ou seja, a “verdade lógica”, não se  encontra no conhecimento sensível[16]. Isso não significa que os nossos sentidos nos enganam ou que a sensação não corresponda à coisa sensivelmente percebida, mas que a adequação presente nos sentidos não tem caráter verificável,  justo porque não é possuída do ponto de vista do conhecimento. Possuir a verdade equivale conhecer a adequação; pois bem, os sentidos não tem modo de conhece-la, porque, por exemplo, mesmo que os olhos tenham em si a semelhança do que vê, eles não conhecem a relação existente entre a coisa vista e aquilo que ela percebe. Em todas as sensações existe  a consciência de sentir, mas não sendo a potencia sensível reflexiva, isso não equivale a conhecer a adequação entre a coisa e o que dessa vem colhido.

 

De fato, no intelecto reside como consequente ao ato do intelecto e como conhecido mediante o ato do intelecto:

O intelecto segundo a tradição escolástica recolhe em si três significados que se completam: faculdade de entender (inteligência), habito dos primeiros princípios (sabedoria) e ato de entender (compreensão). Na definição da verdade o intelecto deve ser tomado nesse ultimo significado. Portanto, o intelecto é o juízo da res pronunciado pela mens[17]. O intelecto reconhece a verdade existente na coisa, ou seja, Tomas quer afirmar que o intelecto (no ato do juízo que a autoconsciência u reflexão do espírito faz sobre si mesmo que é própria qualquer ato de juízo, mesmo naquele espontâneo), conhece a natureza do seu ato como proporcionado à coisa, como apreensivo do aliquid, isto é, conhece-se como provocado ou passivo no conhecer o aliquid, no ato de simples apreensão[18].

O juízo não é originário, mas secundário, pois exige um “prima”, uma apreensão prévia de aliquid. O intelecto, ao contrário, pode conhecer a própria conformidade com a coisa conhecida. Todavia, tal adequação não é colhida no nível da primeira operação da mente ou “simples apreensão”, com a qual se conhece a essência o quididade da coisa, formando o conceito correspondente. Desde Aristóteles se fazia notar que “o verdadeiro e o falso não estão nas coisas, mas na mente, todavia, guardando a apreensão do simples ou a definição, necessita-se reconhecer que não estão nem mesmo na mente”. O intelecto aferra a verdade existente na coisa e a faz própria. O intelecto curvando sobre si mesmo reconhece a si mesmo e a verdade existente em si. Então a intencionalidade tomista pode ser resumida na orientação primordial verso o outro de tal maneira que somente no aspecto formal ou sentido particular se pode encontrar a verdade: por meio de uma presença objetiva, imanente que permite um conhecimento do ser como outro e como tal[19]. O inteligível como tal não pode encontrar a verdade no estado puro no mundo sensível, mas somente com a abstração[20] e no intelecto mesmo, porque imaterial e capaz de pensar a si mesmo.

 

A intencionalidade está na operação do intelecto, na medida em que o juízo do intelecto se refere à coisa segundo o que essa é.

A segunda operação do conhecimento, o juízo, opera a similitude entre o intelecto e o ser, ou seja, entre conhecedor e conhecido. São Tomas recorre a diversos termos para exprimir essa proporção: assimilatio, convenientia, correspondentia, aequalitas, commensuratio, etc.,. A ratio veri é constituída precisamente da proporção, conveniência ou correspondência entre o ente e o sujeito conhecedor. Num primeiro momento o sujeito e o ente são separados, como se fossem anteriores à verdade (De Ver. q.1., a.1., c). Em um segundo momento tem a adaptação (adaequatio et assimilatio) do intelecto com a coisa. Aqui nasce formalmente a verdade, constituída pela união do ente por meio da presença da forma do ente no intelecto. Estabelece-se a assimilatio do conhecedor com a coisa conhecida (De Ver., q.1., a.1. c). Em um terceiro momento, o sujeito conhecedor pronuncia, declara e manifesta o ente (forma rei) a si mesmo[21].

Sem dúvidas, o objeto do conhecimento humano é a essência das coisas corpóreas, conhecidas imaterialmente, espiritualmente; Tomas afirma ainda que o primeiro objeto do intelecto humano é o ser, no sentido que o âmbito cognoscitivo adequado ao intelecto é constituído por toda a realidade; então, o intelecto colhe a primeira vez o ser na realidade sensível considerada na sua essência, porque conhece primeiro as noções mais universais das coisas e em seguida as suas propriedades e os seus modos de ser. Para alcançar esse último conhecimento ele deve realizar uma série de juízos:  o ato de julgar ou juízo consiste em unir (se o juízo é afirmativo) ou no separar (se o juízo é negativo) e o sujeito e o predicado, que exprime uma propriedade ou um modo de ser ou de agir do sujeito.

O intelecto se torna a sede do verdadeiro, da verdade; o intelecto possui em si a exata representação da coisa conhecida e, no juízo, rende-se conta que a coisa é tal, como lhe manifesta a forma apreendida[22]. Percebe-se claramente que o intelecto não cria ou determina o objeto, mas reconhece, abstrai do objeto aquilo que nesse tem de inteligível. O objeto primário do nosso intelecto é a quididade da realidade material, ou seja, aquilo que permite que uma coisa seja aquilo que é. Disto se infere a universalidade do conhecimento, o que é comum a todos da mesma espécie, quer dizer, o coletivo. A potência intelectiva do homem é caracterizada, sobretudo, pela força ou virtude coletiva[23]. Pode-se, portanto, afirmar que a verdade se encontra no intelecto, não somente como realizada, mas como conhecida; ela é conhecida porque o intelecto, no ato do juízo, reflete sobre a primeira operação, o ato de simples apreensão[24]. A reflexão é possível, como ato segundo, porque antes tem a apreensão ou ato primeiro.

 

A verdade é conhecida pelo intelecto na medida em que o intelecto reflete sobre o próprio ato

O intelecto possível tem a capacidade de voltar sobre si mesmo dado o seu caráter de reflexão, ou seja, a causa da sua condição espiritual pode retornar sobre seus passos. O intelecto vê si mesmo quando conhece algo, mas não somente isto, porque o intelecto se conhece (se manifesta em autoconsciência) no juízo quando se dobra sobre si mesmo e no dobrar-se sobre si mesmo vê em si o aliquid. Pode-se então dizer que o intelecto se conhece enquanto reflete sobre si mesmo: mas tal reflexão é provocada pela apreensão de um aliquid e termina ao aliquid e no terminar o intelecto vê concomitantemente a si mesmo e a coisa  e, portanto, a natureza espiritual, que é refletir sobre si mesmo e ter em si o pensamento das coisas no mundo próprio de um espírito[25].

São Tomas, no De Veritate, diz que o intelecto conhece a verdade por meio da reflexão e mostra, como na Summa, que o conhecimento no juízo é conhecido como término da mesma reflexão[26]. A consciência do ato intelectivo é imediatamente consciência do sujeito que se revela a si mesmo com aquela “reditio completa”, que acompanha todo conhecimento. Portanto, tal consciência, no fato de colocar-se é já consciência, atestando a natureza intelectiva, ou seja, a possibilidade de conhecer a verdade. Porém, como o conhecimento da verdade não é outro que o conhecimento da própria capacidade de conformar-se ao objeto conhecendo-o, com um único e idêntico ato de reflexão emergem seja o sujeito, seja o objeto do conhecimento[27]. No girar-se para conhecer, o intelecto conhece a si mesmo.

O intelecto, portanto, pode conhecer a verdade somente enquanto reflete sobre si mesmo e nisso está a radical diferença do sentido que, não podendo conhecer a própria natureza, não chega nem mesmo na própria capacidade de adequar-se ao objeto[28]; assim, a verdade reside no mesmo intelecto, pois é evidente que a imaterialidade de um ente é o que lhe confere o conhecimento e o grau de conhecimento depende do grau de imaterialidade, a abstração[29]; por isso, são Tomas retém o ser como primeiro objeto do conhecimento. Se o intelecto não fosse por si mesmo, no plano transcendental, discernente e crítico, não seria jamais a razão do conhecimento; simplesmente pelo fato que todo ato “refletido”,  também esse é sempre um ato originário e espontâneo. A reflexão transcendental, como momento crítico da autoconsciência, essa também é inclusiva e representativa da bipolaridade essencial: sujeito – objeto[30]; como consciência de saber é imediatamente manifestante do eu que sabe. Eu sou implicado e com-presente nas minhas representações, como a nascente e o lugar transcendental.

 

Não somente na medida que se conhece o próprio ato, mas na medida em que se conhece a proporção à coisa e tal proporção pode ser conhecida somente depois que seja conhecida a natureza do mesmo ato e tal natureza pode ser conhecida somente se conhece a natureza do principio agente, que é o mesmo intelecto, cuja prerrogativa consiste em conformar-se às coisas.

O nosso intelecto como intelecto é de alguma maneira infinito; tem uma potencia ordenadora de todos os inteligíveis, mas não pode atrair se não for sucessivamente: ao mesmo tempo infinito e limitado[31]. A sua imaterialidade e capacidade de retornar sobre si mesmo lhe permite assumir em si tudo que conhece. O intelecto da pessoa conhece a verdade desde que faz reflexão sobre si mesmo. A reflexão completa acontece nas substancias intelectuais capazes de retornarem à própria essência. A verdade está no intelecto em consequência do ato do intelecto e conhece por meio do intelecto[32]. O intelecto reconhece a verdade existente na coisa, mas confirma a verdade somente quando retorna sobre si mesmo.

No De Veritate q.1, a.9, c., não se evidencia que a reflexão funde uma dupla forma de autoconsciência. Essa distinção, entretanto, aparece em outros textos de Tomas (Scriptum super Librum III Sententiarum, dist. XXIII, q.1, a.II, ad.3; De Veritate, q.10, a.8, c;  I Summa Theologiae, q.87, a.1, c; e Summa contra Gentiles, Liber III, cap.46), dos quais resultam que a reflexão, imediatamente, testemunha a presença em si de cada alma em particular e permite, com o seu ulterior desenvolvimento, de chegar a afirmações universais sobre a natureza da alma. O conhecimento da natureza da alma, como todo conhecimento universal, implica a apreensão e o juízo, com o qual se afirma que a apreensão a mesma apreensão é conforme a verdade[33]. O conhecimento é particular e indicativo quando reconhecimento e universal e imperativo quando reflexivo.

O conhecimento é direto, mas acontece graças ao retorno do intelecto sobre si mesmo, no ato em que ele é o princípio e o fim, por uma reflexão completa pela qual o intelecto conhece não somente o seu ato, mas também a natureza do seu ato, ou seja, a sua própria natureza de se conformar às coisas[34]; o intelecto conhece conhecendo-se e nesse conhecer-se afirma ou nega  a verdade existente nas coisas. A reflexão do intelecto, isto é, enquanto implica conhecimento do próprio ato, implica também conhecimento das espécies que são a forma; mas disso não deriva que que o conhecimento possa, diretamente, chegar também o singular que pode ser colhido somente indiretamente, mediante uma forma de reflexão que não é tal propriamente falando; na reflexão estão os fantasmas, ou seja, a imagem singulares dos objetos (cfr. De Veritate, q.2, a.6, c)[35]. O intelecto, então, extrai o que existe de inteligível em cada ente, mas não constrói ou constitui um inteligível.

 

Por isso, o intelecto conhece a verdade na medida que reflete sobre si mesmo.

Uma explicação comum diria que o intelecto conhece e no conhecer se conhece, pois nesse refletir sobre si mesmo, ele se percebe. O significado do texto de Tomas muda radicalmente se conserva o termo “reflectitur” o sentido passivo – reflexivo, lendo desse modo: “A verdade se conhece pelo intelecto enquanto o intelecto é refletido sobre o próprio ato”. Ser refletido sobre o próprio ato  indica a situação metafisica própria do intelecto de ser transparência aberta a si como ato e aos conteúdos objetivos do próprio ato. Mas a reflexão, esta reflexão, que constitui a mesma substância do pensar, não é um momento de segunda instancia, ou de retorno, mas o elemento imanente do ato intelectivo enquanto tal, inseparavelmente vivo e real nesse como visão (subjetividade) do ser (objetividade). Essa estrutura sintética do pensamento, ao mesmo tampo é auto-advertência e revelação do ser, ou seja, reflexão transcendental[36]. Não há contradição em dizer isto, porque o ato é instantâneo, isto é, quando o intelecto conhece , ele se reconhece e pode sair de si porque tem a potência de voltar sobre si mesmo.

Nesse ponto é justo se perguntar: qual será a verdade de uma inteligência imperfeita? Cada verdade, cada possessão intelectual do inteligível deriva da verdade primária; essa derivação da primeira verdade verso a inteligências finitas segue dois canais paralelos: as mesmas inteligências e as coisas. Antes de tudo, a inteligência finita possui por própria natureza, pela criação, uma participação, limitada, mas necessária, à verdade primária, ao grau perfeito da inteligência enquanto tal. Essa participação pode ser tanto por possesso natural da inteligência (intuição das essências, inatismo das espécies nas inteligências separadas, angélicas), quanto somente uma exigência do inteligível (poder intelectual ativo-passivo no homem[37]). O intelecto conhece porque é capaz de assumir em si como conhecedor a forma inteligível do conhecido e conhece a verdade porque retorna sobre si mesma e retornando sobre si mesmo pode individuar a quidditas de tudo o que seja possível conhecer.

Independentemente do intelecto e do seu conhecimento a verdade existe, o verdadeiro pode ser ou evidente e conhecido por si, ou conhecido por mediação e deduzido. Quando ele é conhecido por si e imediatamente, o verbo tem um papel de princípio. O conhecimento imediato dos princípios no contato com a experiência sensível é o primeiro hábito do intelecto e a sua primeira virtude. É a primeira disposição permanente que adquire e a primeira perfeição com a qual se adorna; denomina-se, portanto, inteligência a virtude que habilita o intelecto ao conhecimento da verdade imediatamente evidente (abstração[38]). Há uma continuidade de ser e verdade, porque dizer o ser é dizer a verdade.

 

A verdade reside no sentido como consequente ao seu ato, quando o juízo do sentido se refere à coisa enquanto é. Mesmo assim, a verdade não reside no sentido enquanto conhecida por esse.

Como já afirmamos anteriormente, na reflexão o intelecto não somente conhece o seu ato, mas também a natureza do próprio ato, o seu valor. Também o sentido conhece, de certo modo, o seu ato, como uma determinação sua e presente, não como valor: a reflexão do intelecto, por sua vez, finaliza ao seu ato não somente enquanto psíquico ou atual, mas finaliza também o valor da origem do ato, ou seja, a sua natureza adveniente: “Intellectus humanus se habet…, ut ens in potentia tantum” (C.G., I, q.87, a.1c). O intelecto humano não “est in actu suum intelligere”, ou seja, não é evidente a si em ato, não é atual autoconsciência, mas é em potência  à evidência de si[39]. Também o intelecto “padece” do devir que comporta a natureza humana, ele não é ato fixo, mas dinamismo e capacidade de ser.

O que permite o conhecimento propriamente dito é a sua capacidade de conhecer. Na simples apreensão, a mente humana possui uma semelhança da coisa conhecida, mas ainda não é consciente;  ao passo que no  juízo “não somente tem a similitude da coisa e ainda reflete sobre a mesma similitude, conhecendo-a e formulando juízos ao redor de essa”. Em tal juízo que se refere uma simples apreensão, o conhecedor adquire um conhecimento completo do conteúdo real da apreensão; ele sabe que nesse conceito possuía uma similitude da coisa: reconhece a adequação entre a coisa e o conceito e é consciente de conhecer a coisa real. Essa maior intensidade de conhecimento foi adquirida por meio da reflexão sobre o ato no qual se conhece um conteúdo real (conhece e sabe de conhecer). Certos atos não são um juízo propriamente dito, com afirmação ou negação, mas uma simples apreensão, a pura representação de um inteligível, segundo o qual nada ainda é afirmado ou negado. O verdadeiro juízo resulta da reflexão sobre essa primeira operação do espírito[40]. No juízo acontece a confirmação do que foi já “intuído” pela apreensão.

A razão de tal diferença deve ser encontrada na mesma reflexão, pois enquanto o conhecimento do objeto é de algum modo assimilável a sair de si, o conhecimento do próprio agir é o inicio de um retorno a si e  que se completa totalmente com o conhecimento da própria essência[41]. Tudo isso acontece porque o conhecimento é proporcionado à imanência ontológica de um objeto no sujeito, onde o objeto pode ser imanente “sive per essentiam suam, sive per similitudinem”, quer dizer, seja por essência ou seja por um princípio ontológico adjunto, uma species (De Veritate, q.8, a.6, c). O conhecedor é quem possui realmente, além da própria forma, a forma dos outros seres: conhecer significa se tornar “outro”, sem deixar de ser “eu”[42].

O sensível contém o inteligível em potência, mas um inteligível determinado em ato por um modo de ser particular. A verdade se encontra na inteligência e nos sentidos, a verdade existe tanto em uma como na outra faculdade. Não somente a inteligência, mas o juízo das coisas segundo o que se é; no seu juízo está a verdade, mas não possuem da mesma maneira: na inteligência a verdade é conhecida pela faculdade ou reside nessa, no sentido a verdade se encontra e precisa ser abstraída[43]. Então nos perguntamos: Como a verdade se faz conhecida pela inteligência?

 

Mesmo que o sentido julgue as coisas de maneira verdadeira, todavia não conhece a verdade, graças a qual julga de modo verdadeiro.

A verdade, afirma Tomas, é a consciência, no pensamento, da própria conformidade com a coisa: não é o simples encontrar-se, no juízo, de acordo com a realidade, mas o saber, perceber e dar-se conta que isso existe. Essa situação de consciência que o Angélico chama com fórmula definitiva “veritas cognita per intellectum”  a qual se tem no intelecto: “conoscitur veritas ab intellectus secundum quod intellectus reflectitur supra actum suum”[44]. O intelecto reconhece e afirma a verdade da coisa e refletindo osbre o seu ato confirma a sua mesma verdade. No juízo do intelecto transparecem, são evidentes, a coisa e o próprio intelecto: somente no ato coincidem. Eu conheço a natureza do meu ato enquanto conheço a coisa; porque vejo que a coisa é transparente, coincide com o meu ato, então me vejo de ser autoconsciente, ou seja, vejo que no meu ato tenho possesso das coisas, específico das naturezas espirituais[45].

No conhecimento sensível e na simples apreensão tem uma adequação entre a potencia conhecedora e a coisa. A inteligência conhece tal adequação de modo implícito na simples apreensão e de modo explícito no juízo. A operação própria do intelecto, portanto, é o juízo, pois colhe o objeto naquilo que ele é, isto é, segundo a verdade; assim sendo, até esse ponto, a diferença entre o sentido e o intelecto é ainda aquela que existe sempre entre atos que são determinados por suas relações a objetos diferentes:  o particular para os sentidos, o universal para o intelecto[46].

O conhecimento sensível experimenta sempre uma realidade genuína, mas não é em grau de exprimir um juízo sobre essa e é, por consequência enquanto tal, decisivamente abaixo da possibilidade de ser verdadeiro ou falso[47]. O juízo, segunda operação do conhecimento, não apenas conhece e sabe que conhece, mas pode afirmar ou negar algo sobre o conhecido porque reflete sobre a sua própria ação e sobre si mesmo.

 

Ainda que os sentidos perceba que está sentindo, todavia não conhece a própria natureza e, por conseguinte, nem mesmo a natureza do próprio ato, nem a proporção do ato às coisas; e, desse modo, nem a verdade.

O sentido não é capaz de retornar sobre si mesmo, de maneira completa, assim é incapaz de tomar consciência daquilo que realiza ou padece, por isso necessita do intelecto para fazer a correspondência entre si mesmo e as outras realidades. A verdade exprime a convenientia dos entes entre si. Essa “convenientia” das coisas com a alma é estabelecida pela correspondência que existe entre o ente e a inteligência. Assim pode-se definir a verdade desse modo: uma adaptação da coisa com a inteligência (De Veritate q.1, a.1, c.)[48]. Essa adequação ou conformidade não deve ser entendida em sentido material ou físico.

O intelecto, como bem se entende, fisicamente não pode ter a mesma forma da coisa conhecida. Quando conheço uma árvore, por exemplo, a forma da árvore não se insere em mim da mesma maneira que a alma informa o meu corpo, nem como a forma do meu rosto configura aquela imagem que os meus amigos sabem reconhecer. Quando conheço algo, eu possuo a forma, 2me conformo”, me adequo a esse, mas de modo imaterial, intencional. Conhecer é um certo possuir sem a possessão, ou seja, eu capto a quididade do conhecido, não o conhecido assim como aparece materialmente, pois permanece sempre a convenientia ou adaequatio entre o conhecedor e o conhecido, entre a mens e a res.

Necessita-se do juízo porque tal correspondência, todavia, não é auto-evidente, mas emerge do conhecimento da natureza do mesmo ato, derivante daquela natureza do princípio no qual esse se radica, quer dizer o mesmo intelecto, cuja natureza é justamente aquela de se adequar ao objeto[49]. O ato do sentido não é certamente um juízo propriamente dito, esse é chamado desse modo somente por analogia, para significar que mediante o sentido tem uma representação do objeto sensível, e por essa representação, a matéria de um verdadeiro juízo. O intelecto  manifesta a  sua superioridade ao sentido ao fazer o seu juízo verdadeiro que o sentido não pode emitir.  No sentido tem apenas uma simples apreensão, uma noção, o aferrar de um incomplexo. A certos atos, o espírito entra em posse da semelhança do objeto, mas ignora ainda a natureza da sua aquisição. O juízo, além da semelhança, possui também o conhecimento e de modo total. Julgar é, portanto, aferrar e afirmar ou não a conformidade de uma primeira apreensão com a coisa conhecida[50] .

 

A razão é que as coisas que são mais perfeitas entre os entes, como as substâncias intelectuais, retornam à própria essência mediante um reditio completa.

O retorno completo das substâncias espirituais acontece nelas por uma saída de si mesmas quando conhecem algo fora de si mesmas e quando se conhecem a si mesmas. Elas conhecem e se conhecem a causa da própria essência, conhecem o seu ato e a sua presença a si mesmas[51]. Consequentemente, o conhecimento verdadeiro, que se alcança de maneira total no juízo, comporta que o intelecto retorne sobre si mesmo: implica uma reditio. O fundamento metafisico dessa doutrina é operado sempre por Tomas de Aquino:

A razão disso está no fato que as substâncias mais perfeitas, como as intelectuais, retornam sobre suas essências com um retorno completo (reditio completa); de fato, pelo motivo que conhecem algo externo a si mesmas, de certo modo,  elas saem de si mesmas; entretanto, enquanto são conscientes de conhecer, iniciam a retornar sobre si mesmas, porque o ato de conhecimento é intermediário entre o conhecedor e o conhecido; e tal retorno se realiza enquanto conhecem a suas mesmas essências (Cfr. S. Th. I. q. 16, Art; 1, in c)

 

A verdade se conhece através dessa reflexão presente em cada juízo. A inteligência retorna sobre si mesma e, em tal reditio, ela reflete sobre seu ato, não somente no sentido que tem consciência disso, mas também no sentido que conhece a relação entre o ato cognoscitivo e a coisa: isso implica o conhecimento da natureza do intelecto e do mesmo conhecer, o que consiste em conformar-se às coisas. O intelecto humano não conhece as coisas diretamente, mas conhece por meio da reflexão completa do sujeito conhecedor sobre si mesmo e sobre seus atos de conhecimentos[52]. A autoconsciência reflexiva é fundada na presença da alma a si mesma, o que oferece razão tanto para a autoconsciência atual, quanto daquela habitual.

O conhecimento, por quando se expanda e por quanto se disperse nos objetos, permanece sempre uma presença consciente de si mesmo. Essa é a sua primeira e última coisa. Para Tomas de Aquino, o grau de possibilidade de tal retorno consciente em si mesmo constitui o índice essencial do grau de capacidade de ser próprio de um existente[53]. Disso emerge que o sujeito que se autoconhece não é apenas sujeito transcendental do juízo (o qual existe enquanto põe a condição de possibilidade desse), mas é também um sujeito subsistente cuja estrutura ontológica funda  a sua mesma capacidade noética[54]

 

Quando se conhece algo que existe fora de si mesmas, as substâncias intelectuais, de algum modo saem de si mesmas; na medida que conhecem que estão conhecendo, elas começam a retornarem a si mesmas, porque o ato de conhecimento é intermediário entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido.

No uso imediato e comum, a palavra “reflexão” significa “consciência”, coisa que pertence sobretudo ao território psicológico. Assim, consciência é o estar presente de alguma coisa, fatos ou fenômenos, os quais quando acontecem são avertidos. Entretanto, tem um modo de estar presente que atém a uma consideração de ordem metafisica. De um certo modo, cada existente é presente a si mesmo porque não pode se destacar de si mesmo; talvez, de maneira rigorosa se poderia dizer: “está sempre consigo”, ou ainda mais, “é si mesmo”. Esse “si mesmo” pode permanecer submerso e fechado: entidade pura – o cosmos. Isso implica uma situação metafisica do ser dado e recebido, do não por-se como originário, ou seja, do ser finito e potencial. No polo oposto, quase como única salvação para o finito, a instância metafisica coloca a “reflexão absoluta” como posse transparente de si na coincidência de todo o ser com o próprio infinito saber-se e querer-se[55].

A consciência do ato intelectivo é imediatamente consciência do sujeito que se revela a si mesmo com aquela reditio completa que acompanha todo conhecimento e, portanto, essa consciência, no seu por-se, de algum modo é autoconsciência, atestando a natureza intelectiva, quer dizer, a possibilidade de conhecer a verdade.

 

 

De qualquer modo, o retorno se completa segundo as próprias exigências, como se diz no “Livro das Causas”: “Cada sujeito que conhece a própria essência retorna ù própria essência com um retorno completo”.

Isso não significa que o juízo deva necessariamente ser verificado (ou falsificado) sensivelmente, no sentido moderno de verificação experimental. A experiência sensível, no sentido das ciências modernas positivas, não é a percepção completa (sensível – inteligível) da coisa singular, mas a acumulação dos dados que correspondem a sensações isoladas, de algum modo abstratas. Pelo raciocínio se obtém muitos juízos singulares não experimentáveis. Em tais casos não podemos ter uma sensação da realidade a qual se chega, seja por motivo da pouca potencia dos sentidos humanos, seja porque se tenha a que fazer com  realidades espirituais, como acontece na demonstração da existência de Deus. É possível, em todo caso, alcançar o conhecimento de realidades incorpóreas, ainda que não se tenha experiências. De fato, podemos recorrer à experiência das realidades corpóreas, das quais temos o motivo para lhes conhecer.

O operar depende do ser, ou seja, a capacidade operativa de um sujeito é condicionada pela natureza ontológica do sujeito que opera, é condicionada pelas perfeiçoes formais que consentem de ativar as operações[56]. Certamente, a mende assim como juíza das coisas, dos sentidos, não pode julgar a esses se não segundo o modo no qual lhes encontra em si mesma. Na sua cognição do seu ato cognoscitivo e de si mesma, percebe que a sua natureza e aquela do seu ato é conformável e conforme às coisas.

De onde vem que se estabeleça um acordo entre os espíritos e que tenha, além do conflito de opiniões, uma verdade? O intelecto, na busca do fundamento impessoal das verdades dadas, reflete sobre seu ato e julga que esse fundamento se encontra na identidade específica da natureza que coloca em sintonia todas as razoes humanas, e, na objetividade impessoal das coisas conhecidas por essas razoes. Mas o ato de um pensamento que encontra uma coisa, ele mesmo é concebível? Existe em nós um princípio tal que possa produzir um conceito cuja garantia seja o conformar-se com o objeto? A adequação do intelecto ao real, que define a verdade, afirma-se legitimamente numa doutrina sobre a qual o intelecto refletindo sobre si mesmo, descobre-se capaz de se fazer realidade[57].

 

O sentido, que entre outras coisas, é mais vizinho à substância intelectual, começa certamente a retornar à própria essência, porque não somente conhece o objeto sensível, mas sabe que está conhecendo; todavia, o seu retorno não alcança a totalidade, pois o sentido não conhece a sua essência.

Os sentidos conhecem o objeto e possuem uma certa consciência do seu ato, mas não são capazes de conhecer a própria essência, porque a corporeidade do órgão impede a “reditio completa”. Essa é própria do intelecto. O intelecto, diferentemente dos sentidos, pode conhecer a própria conformidade com a coisa inteligível, mas não no momento em que colhe a essência, mas quando julga que a coisa corresponde realmente à forma por esse expressa. Somente então o intelecto conhece e diz o verdadeiro, ou seja, compõe e divide: nas proposições, de fato, atribui-se ou separa-se de uma coisa expressa pelo sujeito.

O hábito de conhecimento é o ponto de partida do próprio ato de conhecer; e é princípio do ato de conhecimento enquanto dispõe o sujeito a conhecer em ato. A verdade se define como a conformidade do intelecto e da coisa conhecida. Então conhecer certa conformidade é conhecer a verdade[58]. O objeto próprio do nosso intelecto no estado presente são as naturezas das coisas sensíveis; ainda que o intelecto receba a sua luz e vem atualizado por meio da natureza das coisas, porém não lhe é dado de ver-se diretamente e de dar razão intuitivamente da natureza dessa luz que emana de suas virtudes.  Por isso são Tomas afirma:

o objeto próprio do intelecto humano unido ao corpo são as essências ou natureza

que possuem a sua subsistência na matéria corpórea; mediante essas essências das coisas visíveis, o homem pode chegar a um certo conhecimento das coisas invisíveis (…). Por isso, para o intelecto possa conhecer o próprio objeto é necessário que se dirija aos fantasmas e apreenda assim a natureza universal subsistente em cada coisa singular (S. Th., I, q.84, a.7). O objeto adequado é o ser em toda a sua extensão e compreensão.

 

Disso Avicena[59] afirma essa razão: o sentido conhece somente por meio de um órgão corpóreo; ora, non é possível que um órgão corpóreo seja capaz de ser intermediário entre a potência sensitiva e si mesma. Ao contrario, as potências não sensitivas em nenhum modo retornam sobre si mesmas, porque não sabem que estão agindo, como o fogo não sabe que está esquentando.

Para Tomas, a razão última pela qual a inteligência pode conhecer é porque essa se coloca na relação ao ser e nada essa recolhe se não sob o aspecto de ser.  A tríplice definição da verdade e do verdadeiro que conclui o complexo itinerário seguido pelo Aquinate no artigo 1do De Veritate é uma tentativa de conciliar divergentes influxos doutrinários que o Ocidente latino herda da cultura antiga. Estabelecido que o verdadeiro consiste numa relação do ente com o intelecto, dar-se três modos d entender tal relação[60]. Em um modo, a entidade da coisa precede, como o fundamento está ao fundado, assim, a noção de verdade, e, portanto, o verdadeiro, subsiste em uma relação de prioridade do ente em relação ao intelecto (Tomas reconduz nesse modo de entender o verdadeiro, as definições de Agostinho, de Avicena e aquela magistral[61]). Depois tem a concepção que a verdade do intelecto precede aquela da coisa enquanto capaz de abstrair o inteligível da coisa e também aquela da convenientia,  quer dizer, da adequação entre a coisa e o intelecto conhecedor.

Faz-se mister sublinhar que nessa percepção das razoes ideais a alma se torna semelhante às razoes mesmas. Assim, quando Agostinho diz “o verdadeiro é aquilo que é” (Soliloquios, II, 5), define a verdade do ponto de vista ontológico, mas quando diz que pode contemplar  as razoes estáveis e imutáveis das coisas somente a alma pura “que tem o olho íntegro, sincero, sereno e assimilado às realidades que deseja ver” (De Diver. Quaest., 83, q.46, 2), está definindo a condição do conhecimento da verdade, ou seja, a adequação da alma ao objeto do seu conhecimento[62]. O conhecimento não passa de um vital processo de semelhança intencional do sujeito ao objeto. É uma atividade imanente em ordem essencial ao objeto: relação entre ente conhecedor e ente conhecido.

Para Tomas conhecer é ver, manifestar. O critério último e fundamental de verdade é ver que a coisa está assim como é. Segundo a filosofia de Tomas é impossível a verdade se m a intervenção da causa primeira. É Deus a razão última da verdade. Nele, como Criador, encontram-se presentes as formas das coisas (S. Th., q.14, a.5, c). Na visão tomista, o fundamento da verdade são as razões eternas imitadas pelas formas criadas. Essas formas se colocam em contato com o intelecto humano (De Veritate, q.1, a.8, c). Segundo Tomas “a verdade se encontra no intelecto divino num modo próprio e principal; no intelecto humano num modo próprio e secundário; nas coisas num modo improprio e secundário, desde que se encontra somente por referência às duas primeiras verdades” (De Veritate, q.1, a.4, c)[63]. Deus que se faz homem porque o homem se faça divino, a Verdade que se faz encontro com o homem para que ele possa caminhar na verdade.

 

 

  1. Conclusão

 

Nesse percurso vimos que para são Tomas as coisas tem a sua inteligibilidade, a sua luz interna, a sua luminosidade, o seu caráter manifestante porque Deus lhes pensou. Por tal razão as coisas são essencialmente pensamento. As coisas inteligíveis porque criadas. O ser é aquilo que é de mais íntimo em cada coisa e o que é mais profundamente inserido em todos os seres (De Veritate, I, 8, 1). Para Tomas, a natureza do ser do ente  é conhecer e ser conhecido numa unidade originária, que podemos chamar experiência reflexiva, auto transparência do ser por si mesmo ou autoconsciência.

Como para Tomas, também nós retemos que a verdade deveria ser o fundamento e a aspiração humanas. Entretanto, quantas contestações, negações, falsificações, sofismas, adulterações, controvérsias e contradições. A posição do homem comum atualmente não é de nenhum modo fora das grandes elaborações filosóficas. É nesse sentido que sobressai a extrema atualidade de Tomas de Aquino: a atualidade do corretivo. Do permitir ao homem hodierno de retornar à própria essência como originária abertura ao ser e ao significado da própria existência.

Nesse caminho vimos que para o Aquinate a verdade é conformidade do conhecedor em ato com o conhecido em ato. No estádio de simples apreensão, portanto, o intelecto não se encontra ainda em ato em relação ao completo conhecimento do ser da coisa. Essa completa atualização acontece somente no juízo. A diferença entre essas duas operações da mente, consiste, em tal prospectiva, em que “durante a apreensão o espírito ainda não sabe que o conteúdo da própria representação seja conforme (ou não) à realidade, à res, mas quando julga sabe” (De Veritate). É claro que Tomas rejeita a concepção vulgar do ato cognoscitivo como um versar tendencialmente ao externo, mas é um retorno do conhecedor sobre si mesmo, reditio ad se ipsum.

Tomas considera o juízo como sede própria da verdade, assim coloca em boa luz uma das teses chaves de sua filosofia do ser: quer dizer, da distinção entre essência e ser, com o primado do ser em relação à essência. Tal distinção lhe concede de assinalar o conhecimento da essência ao intelecto que abstrai e o conhecimento do ato do ser ao intelecto que julga. Eis como o Angélico argumenta de modo limpidíssimo esse ponta capital da sua gnosiologia:

A verdade tem o seu fundamento nas coisas, mas formalmente essa se realiza na mente, quando essa apreende as coisas assim como são (…); porém, nas coisas existem dois princípios, a saber, a essência e o ato de ser, a verdade se funda mais sobre o ser do que sobre a essência, assim como a palavra ente tira sua origem do verbo ser. Realmente, a relação de adequação, na qual reside a verdade, se cumpre nessa operação do intelecto quando esse recebe o ser da coisa mediante uma imagem do mesmo ser, ou seja, no juízo. Para tanto, afirmo que o mesmo ser da coisa, mediante a sua representação mental é a causa da verdade; mas, propriamente, a verdade se encontra, sobretudo, no intelecto e depois na coisa (I Sent., Ad 19, q.5, a.1).

 

Concluímos afirmando que o dinamismo do pensamento de Tomas pode ajudar, ainda hoje, fazer uma extraordinária síntese do patrimônio filosófico sem “sincretismos” e encontrar na pessoa humana o seu mesmo distintivo, abertura ao ser em geral para poder acolher o Ser Absoluto. A noção de verdade como adequação do intelecto ao ser das coisas evita o subjetivismo ou relativismo que reduz a verdade somente ao pensamento ou visão do sujeito, mas também evita a pretensão de reduzir a verdade a equações lógicas e coerências predicativas, assim como evita o ceticismo absolutista, isto é, que não se pode conhecer a coisa assim como realmente é. Ao evidenciar a verdade como concordância, iluminação, reflexão e juízo, o De Veritate nos oferece a via para se chegar à veracidade do raciocínio e da coisa, como única realidade a ser explorada, porque revela o que ha de mais profundo em cada coisa, ou seja, a sua mesma existência assim como é.

 

 

 

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[1] G. ROSSI, Filosofia della conoscenza. In http:\\ home.datacomm.ch \ giuseppe.rossi \ llano \ filosofia_della_conoscenza2.htm (in 2\4\2008). 

[2] O. PEGORARO, La verità in S. Tommaso e M. Heidegger. In  «Atti del Congresso Internazionale, vol. 6, Tommaso nel suo settimo centenario», 311.

[3] Ibidem, 312.

[4] Esse foi uma reflexão feita também por Edith Stein, especialmente no Ser finito e ser eterno.

[5] Para maior aprofundamento das questões históricas veja-se: M-D CHENU, Introduction a l’étude de Saint Thomas D’Aquin. Vrin, Paris 1954. E. GILSON, El Tomismo. Eunsa, Pamplona 2000.

[6] Cfr. M. GRUNDMANN, Vom Ursprung der Universität im Mittelalter, in <<Berichte über die Verhandlungen der Schsischen Akademie der Wissenchaften zu Leipzig>>, 103 / 2 (1957).

[7] F. FIORENTINO, Introduzione al “Sulla Verità di Tommaso d’Aquino. Bompiani, Milano 2005, 86.

[8] F. FIORENTINO, op. Cit, 70.

[9] Ibidem, 72.

[10] Cfr. E. GILSON, El Tomismo, 296.

[11]  Cfr. F. FIORENTINO, 6.

[12]  Ibidem, 7.

[13] Ibidem, 11.

[14] E. Gilson, El Tomismo, 395.

[15] J, ALFARO, La dimension trascendental en el conocimento humano de Dios segùn S. Tomas, in “Atti del Congresso Internazionale: Tommaso nel settimo centenario”. Vol. 3, Napoli (1974), 241.

[16] C. BOYER, Le Caractère experimental et immanentd e la connaissance sensible. In “Acta Pontf Academiae Romanae S. Thomae Aq. Et Religionis Catholicae”. Vol VI. Marietti (1940),  181.

[17] O. PEGORARO, La verità in san Tommaso e Martin Heidegger. In “Atti del Congresso Internazionale”, vol. 6, Tommaso nel suo settimo centenario, 312.

[18] G. CERIANI, Evidenza e autocoscienza. In “Actes du Xléme Congrés International de Philosophie”. Vol. II. Ed. Nauwelaerts, Lowain 1953, 12.

[19] S. BRETON, Etudes phénoménologiques conscience et intentionnalité selonsaint Thommas et Brentano. In “Archives de Philosophie”. Tomme XIX, Paris (1955), 70.

[20] E. GILSON, El Tomismo, 379.

[21] O. PEGORARO, La verità, 313.

[22] A. GHISALBERTI, Tommaso d’Aquino.  In “Enciclopedia filosofica”. Vol. 12, Bompiani, Milano 2006, 11679.

[23] R. ARNOU, La critique de la connaissance intellectuelle de l’homme dans la philosophie de saint Thomas. In “Gregorianum”, 52 (1971), 277.

[24] C. BOYER, Le sens d’un texte de St. Thomas: “De Veritate, q.1, a.9”.  In “Gregorianum”, 5 (1924), 443.

[25] G. CERIANI, Evidenza e autocoscienza, 128.

[26] C. BOYER, Le sens d’un texte, 429.

[27]  G. SALATIELLO, L’autocoscienza come riflessione originaria del soggetto su di sé in San Tommaso D’Aquino. EPUG, Roma 1996, 106.

[28] Ibidem, 13.

[29]  E. GILSON, El Tomismo, 18.

[30]  U. VIGLINO,  Autoriflessione tomistica come riflessione trascendentale. In “Atti del Congresso Internazionale”. Vol. 6, Napoli (1974), 438.

[31] R. ARNOU,  La critique, 275.

[32]  Ibidem, 285.

[33] G. SALATIELLO, L’autocoscienza, 37-38.

[34]  R. ARNOU, La critique, 287.

[35] G. SALATIELLO, L’autocoscienza, 23.

[36] U. VIGLINO, Autoriflessione, 437.

[37] J. MARECHAL, Ontologia generale della conoscenza. In “Il punto de partenza della Metafisica”. Vita e Pensiero, Milano 1995, 87.

[38] E. GILSON, El Tomismo, 465.

[39] G. CERIANI, Evidenza, 127.

[40] C. BOYER, Le sens d’un texte, 430.

[41] G. SALATIELLO, L’autocoscienza, 13.

[42] J. MARECHAL, Il punto di partenza della metafisica, 96.

[43] C.BOYER, Le sens d’un texte, 425.

[44] U. VIGLINO, Autoriflessione, 436.

[45] G. CERIANI, Evidenza e autocoscienza, 128.

[46] G. SALATIELLO, L’autocoscienza, 12.

[47] K. RAHNER, La verità in Tommaso D’Aquino. In “Teologia come scienza”. Nuovi Saggi V. Paoline, Roma 1972, 33.

[48] O. PEGORARO,  La verità, 312.

[49] G. SALATIELLO, L’autocoscienza, 13.

[50] C. BOYER, Le sens d’un texte, 431.

[51] Karl Rahner chama esse movimento de saida de si mesmo e de retorno com o nome de “exodo”.

[52] R. ARNOU, La critique de la connaissance, 281.

[53] K, RAHNER, La verità in Tommaso, 47.

[54] G. SALATIELLO, L’autocoscienza, 71.

[55] U. VIGLINO, Autoriflessione, 435.

[56] A. GHISALBERTI, Tommaso, 11677.

[57] E.GILSON, El Tomismo, 423.

[58] R. ARNOU, La critique de la connaissance, 282.

[59] Cfr. De anima, V,2.

[60] M. MAMIANI, La definizione formale della verità e la genesi delle nozioni trascendentali nella “Questio I De Veritate” di Tommaso D’Aquino. In “Atti del Congresso Internazionale”: L’essere, vol. VI. Napoli (1974), 262.

[61] Ibidem, 263.

[62] Cfr. F. FIORENTINO, Tommaso, 67.

[63] O. PEGORARO, La verità, 313.