A ESTRADA DO SOL

Disse Prudentius, depois de tantos anos vivendo em sua terra natal: "Adeus Terrinha que me manteve vivo até o dia de hoje, adeus!".
Montou no seu burrico e sem se perder, tocou pra frente pela estrada onde todos seguiam e nem um terço chegava, há pelo menos metade dela!
Essa estrada começava ali na terra natal de Prudentius e sua extensão era imensa, incalculável. Ela passava por diversos lugares, desertos, planícies, pântanos, abismos, desfiladeiros, bosques até a Montanha do Sol. Um número bem reduzido de viajantes a haviam percorrido de toda.
Muito cuidadoso Prudentius em sua jornada, cuidava para não perder-se. Cavalgava lentamente olhando e vigiando bem o caminho: dia e noite. O Sol surgia à sua frente, a Lua descia à sua retaguarda. E ele não desviava nem para a esquerda, nem para a direita. Por fim disse ao seu burrico: ? Fiel, estou cansado, paremos um pouco.
-Quer se perder? Eu voltarei para a nossa terra, voltarei para a Terrinha e você ficará perdido por aqui. Pois, seu ato de parar fará com que nossa percepção fique errante e não mais em sincronia.
-Que faço então?
-Fica firme ou jamais atingirá o cume dessa estrada.
-É uma estrada penosa.
-Sim por isso ouve: não és o primeiro que conduzo. Antes de me encontrares, já havia conduzido outros dos quais só dois chegaram até o cume. Os outros não me ouviram e seguindo seus instintos seguiram uns para a esquerda, outros para a direita, estando ainda perdidos neste lugar terrível!
-Não me abandone Fiel!
-Não abandonei aos demais e não vou abandoná-lo. Você é que pode perder-se. Olhe bem por aonde vamos, não se engane. Enganar-se é fatal. A atenção, percepção é tudo.
-Vou prestar mais a atenção.
-Isso mesmo, fique atento, não se perca em devaneios, cuidado com as ilusões da mente.
-Fiel, em que parte estamos?
-sobre um pântano. Que quer te engolir com sua força maléfica devastadora! Quais estes aí à esquerda e à direita, estão atolados. Seus gritos, sussurros, lamentos não podem lhe perturbar.
-São pessoas?
_Pessoas e outras coisas que se desviaram, mas não se abale, o levarei até o cume.
-Fiel! As pessoas e as outras coisas estão fazendo sinais, querem que os ajudem.
-Não pode ajudá-los.
-Não mesmo?
-Não. Eles querem é você lá com eles, mas enquanto estiveres comigo, estás salvo.

O pântano parecia não ter fim. O Sol surgiu e desaparecia e ressurgia à frente, sem que Prudentius e Fiel chegassem a outro ponto. E antes que num momento de fraqueza, Prudentius preparava-se para pegar uma mão, que do pântano acenava-lhe em desespero. Fiel o socorreu, detendo-o, e chamando a sua atenção para sair do pântano.

-Viva! Vamos sair deste pântano! Por pouco não te deixei Fiel, ficando neste pântano.
-Detem-te! Guarda tuas energias. Controla-te, pois eis que um deserto surge a nossa frente.
-será pior que o pântano?
-Nem pior, nem melhor, somente o mesmo perigo e o mesmo cuidado.
O deserto parecia tranqüilo. Prudentius não compreendia a advertência de Fiel. Mas este ouvia seus pensamentos e o advertiu em tons mais esclarecedores: _ Amigo escuta. No pântano havia muito perigo. O objetivo é te desviar do caminho sublime. Aqui neste deserto de igual forma, este é o mesmo objetivo. Também sucederá tentativas de te desviar, mas de outra maneira. Eis que neste deserto ? revela Fiel ? mora um Monstro de anéis tortuosos! Não te enganes com a aparência bela deste deserto é ilusão! Ele é horripilante, mas não permitirei que o veja.
-Ai de mim!
-Confia. Estou contigo.
-Estou atento Fiel.

De súbito! Um vento varreu e o deserto. A poeira entrou nos olhos de Prudentius que não enxergou seu inimigo.
-Sinto uma força puxando-me para o lado!
-Não desanimes. Este monstro nada pode, enquanto, me tiveres. Deixa teus olhos arderem, quando não houver mais perigo, estarás melhor.

O Monstro rodava a esquerda e a direita de ambos os viajantes, formando uma barreira que parecia intransponível. Prudentius nada viu, no entanto, sentia tudo aquilo.
-Fiel!(...) mãe minha! Socorre-me.
-Quieto! Confie em si. Mas pode orar, isso é bom.

Prudentius tranqüilizou-se e cavalgaram até o limite do deserto. O monstro enfurecido soltou um rugido: Prudentius estremeceu.
-Calma amigo! Mantém tua confiança.
-Farei isto.
-Sentes arder teus olhos?
-Não mais. Estou bem.
-Nem o viste amigo
-Fiel, eu o vi sim!
-Não viu! Só sentiu. Silencio!
-Que houve Fiel?
-Chegamos no termo do deserto. Por essa prova já passamos.
-Mas. Há um abismo à frente!
-Sim. E vamos transpô-lo.
-Parece não ter fundo. Tremo só olha-lo.
-Ele, o abismo não tem mesmo fundo, todavia, o saltaremos amigo Prudentius.
-Ai de mim! E se eu cair?
-Não tema. Agarre-se.
-O que há do outro lado?
-Um desfiladeiro.

De um salto. Fiel alcançou o outro lado e obviamente, Prudentius não caiu.
A vista de ambos levanta-se o Sol.
-Vamos penetrar aí amigo!
-Parece a garganta de um ser gigantesco Fiel.
-Não tema. Vamos.
Prudentius temeroso pensava em voltar. Fiel que o ouvia, o advertiu que não poderiam mais voltar e, queria muito leva-lo até o fim da jornada.
Nesta parte do caminho tudo parecia tranqüilo. Até Prudentius achar tudo monótono. Eles estavam atravessando um desfiladeiro e seu comportamento era um disparate naquele lugar desconhecido. Fiel o advertiu que agora, eles já não passariam impunemente. Neste instante, Prudentius percebeu pedras rolando a direita e a esquerda acompanhando seu cavalgar. E uma brisa fria tomou conta do desfiladeiro. Fiel lhe instrui para não se importar com as pedras, mas com a "brisa fria", pois esta poderia derrubá-lo. Ela era o hálito da garganta do ser gigantesco em que estavam atravessando!E que não ficara satisfeito por Prudentius te-lo ofendido sem que soubesse. Fiel o advertiu mais uma vez como a um menino que faz uma travessura e desconhece o mal que fez a si mesmo.
-Vou lhe explicar detalhadamente. Da mesma forma que outros viajantes, foi estúpido: nesta estrada tudo é real. Não existem "impressões" no sentido que lhe deu. Impressões na Estrada do Sol é percepção pura. Esta brisa saiba, ela é o hálito do Gigante. O hálito vai tornar o seu cavalgar mais lento, é a sua propriedade. E quando o Sol descer o horizonte (o pôr do Sol), o desfiladeiro se fechará. Portanto: avante!
-Por isso sinto um peso enorme ao meu redor.
-Seja forte. Estou com você.

Em um dado momento Prudentius balançou para o lado.
-Fiel! Acho que voltarás sozinho mais uma vez para a Terrinha.
-Escute você. Agarre-se como na travessia do abismo.
-Estou firme.

Fiel acelerou o cavalgar por si mesmo. Levando Prudentius. Pedras rolaram no seu encalço. O barulho delas afetaram Prudentius que se sentia como uma delas. Mas sentia na alma a lembrança da terra onde sempre vivera. Isto o fortaleceu a ponto de envergar o semblante e olhar as extremidades do desfiladeiro se fechando, sem sentir temor. O Sol baixou a frente e a Lua surgiu. Por fim, Prudentius percebeu que não estavam mais na garganta. Eis que um campo surgiu a sua frente iluminada pela luz suave da Lua.
Prudentius quis saber quem morava neste campo.
-Neste campo mora o Vento Forte.
-O Vento Forte?
-sim, o vento forte anda por aqui movendo sua força.
-Vai nos atacar? Fiel?
-O Vento Forte só ataca quem se aventura sozinho no seu campo, pois, é, sinal de que foi desafiado. Conheço-o, ele não incomodaria mesmo.
-Não incomodaria?
-Entretanto, deve conhecer o seu temperamento e desígnios: talvez ele o assuste. Digo sem duvida, o assustara.
-Ai de mim!
As plantas do campo exalavam um delicioso aroma. Prudentius os aspirava até a alma, isto o distraia a maior parte daquele caminho: Esquecerá mesmo do Vento Forte. Esquecera de tal sorte que nem percebeu quando de súbito o "vento forte o envolveu" dissipando os aromas e num sussurro lhe disse:
VF-Prudentius! Então meu campo não te agrada?
-Fiel! Não vejo de onde vem está voz. É como o som de muitas vozes.
-É bela a voz ou vozes?
-Sim. Mas quem falou? Fiel?
-O Vento Forte. Ele está acima de te e a tua volta.
-Ai de mim!
Assustado, Prudentius quase caiu Fiel deteve-se enquanto o Vento Forte ajudava-o a equilibrar-se novamente.
-Fiel, ele (o Vento Forte) ajudou-me?
-Ele gostou de você. Primeiro falou-lhe num sussurro, quando poderia falar com firmeza e você poderia ter se perdido nesta vastidão terrível.
Num sussurro o Vento Forte tornou a falar a Prudentius.
VF- O meu campo te agrada, é como jardim?
-Sim, Vento Forte.
VF-Se chegares ao cume da estrada. No teu retorno, darte-ei um presente.
-Uma planta de aromas?
VF--Sim tu a levarás para a terra em que cresceste, a qual chamas de "Terrinha" Nela a plantarás e colherás os seus aromas.
Assim dizendo afastou-se o Vento Forte, uma força que existia e habitava naquele campo.
-Fiel! Não é formidável!
-Você é especial, amigo.
-E as plantas daqui também.
-Olha Prudentius, sente.
-O que disse? Fiel?
-Já podes sentir os aromas do campo.
-Sim.
Os aromas do campo fortaleciam Prudentius.
Por fim, avistaram uma planície. O Sol surgiu à frente e a lua desceu o horizonte a retaguarda.
A planície surgiu imersa numa espessa neblina.
-Amigo, no momento que a neblina dissipar-se alerta!
-Fiel. Do que devo proteger-me?
-De uma Serpente de Fogo!
-Devo enfrentá-la?
-Deve.
-Estou atento e firme!


A neblina tornou-se densa e movia-se qual uma serpente. Prudentius esperava o instante da neblina dissipar-se, mas uma sombra na neblina o distraiu e num piscar de olhos, a neblina sumiu e, bem a frente, uma Serpente de Fogo surgiu no céu interpondo-se aos viajantes.
-Vai atacar. Afasta-a!
-Como farei tal prodígio, Fiel?
-Saíste forte do campo. Use a sua vontade.
-Tentarei.
Prudentius. Dirigiu sua vontade contra a serpente, querendo desviar o seu movimento em sua direção. A serpente sentiu sua "vontade e desviou", porém, preparou-se para novo ataque.

-Afaste-a de uma vez! Prudentius!
-Sim Fiel.
A serpente luminosa movia-se com graciosidade.
Prudentius tornou a dirigir sua vontade contra ela. Mergulhado em um silêncio terrível.
A serpente sumiu como aparecera: em um piscar de olhos.
A planície ficou livre da neblina e da serpente.
-E agora Fiel?
-Continue atento e siga em frente com equilíbrio e firmeza.
Era um lugar povoado de sons estranhos: aumentavam e diminuíam. Eram assustadores, mas harmoniosos.
Prudentius ouvia-os com angustia: davam-lhe náuseas.
-Estou enjoado! Fiel!
-Agüente firme, logo estaremos noutro lugar, ainda, com o Sol à frente.
-Estes sons (...).
-O pior já passou amigo.
-Mesmo assim, não vejo o momento de deixar este lugar, Fiel.

O Sol continuou a frente Quando deixaram a planície. Entrando em um bosque.
Árvores estranhas dominavam o bosque. Altas até o céu! Prudentius não via suas copas. Via árvores belas, cheia de frutos, aparentemente deliciosos. Havia árvores feias cobertas de cipó que se moviam para esquerda e para direita.
Estas árvores de aparências magníficas lembravam a ele, a "Terrinha" e a saudade lhe fez chorar.
-Fiel o que está acontecendo?
-Agüente firme. Não se mova nem para esquerda, nem para a direita, depois daqui: o sol!
-Sinto saudades da Terrinha: os seus mares: os seus ares: as noites: os dias. Ah!
-Prudentius (...) equilíbrio.
-Eu sei Fiel. É este lugar.
-É aqui, onde quase todos se perdem.
-Fiel, vejo passar diante de meus olhos, toda minha vida!
-seja paciente. Todas as coisas que lhe prendem a Terrinha fugirão de você, ao chegar ao cume da estrada.
-Como será?
-Subirá até o cimo, o cume. Esperará o Sol subir até você sem afligir-se com as coisas do ´mundo.As quais não serão mais motivo de preocupação.
-Virá comigo?
-Não. Mas lhe esperarei e iremos juntos para onde quiser.
-Para a terrinha?
-Sim, se é para onde for.
-Será bom ter um amigo com quem compartilhar tudo.
-Não dê atenção ao que está sentindo, olhe o Sol. Os seus raios dourados são vida e você encontrar-se-á com ele no cume da estrada.
-Fiel alguém mora aqui?
-Além das arvores, um animal muito especial.
-Poderei falar-lhe?
- Só na volta.
- Não me fará mal?
- Certamente que não.

Eis que uma chuva desabou com trovões e relâmpagos. Nuvens encobriram o Sol por completo.

- Fiel, devo preocupar-me?
- O pior já passou.
- O que significa esta tempestade?
- Que chegamos ao termo do bosque. Saiba que o Guardião da Montanha fica aqui. Só indo para o santuário na ausência do Sol.
- Então, estamos na entrada da montanha?
- Não. Vamos em frente, você verá.

O Sol desceu à frente e a Lua surgiu à retaguarda.
Uma bola de fogo saiu do bosque indo na direção do Sol.

- Só verás a montanha no instante do Sol nascer. Direi o que deves fazer, bem o viste o guardião seguiu para o santuário.
- Fiel, devo estar alerta?
- Mas do que antes.
- Com o quê?

Bolas de fogo vieram da esquerda e da direita. Passavam zumbindo por Prudentius.

- Fiel! Estas bolas de fogo! Que devo fazer?
- Não lhes dê atenção. Não a estas, mas a uma que poderá surgir à frente.
- Se vier o que significa?
- O guardião o estará avisando para vos deter aqui.
- E o farei?
- Sim.

As bolas de fogo cruzavam numa velocidade incrível, mas Prudentius mantinha sua atenção numa que poderia surgir À frente.

- Fiel esta montanha está só ou existem outras?
- Não há outras seis, três à esquerda e três á direita, mas são menores que a Montanha Central e não diga "esta montanha".
- Sim, mas perceberei todas?
- Depois de atingir o santuário poderá até escalar ou subir até o cume de cada uma.
- Elas têm cada um o seu guardião?
- Elas fazem parte da maior, o guardião desta olha por elas.
- Se tentasse ir para uma das menores, ao invés da maior e o santuário?
- Seria mais fácil, no entanto, ficaria preso a que escolhesse e não poderia chegar ao Santuário do Sol.
- Fiel! Olhe!

A silhueta de uma montanha tornou-se visível. Uma bola de fogo cruzou o céu indo na direção do bosque.

- O guardião deixou o santuário. O Sol vai subir Prudentius.
- A montanha é imensa Fiel, está incendiando?
- Não.
- O Sol está surgindo de dentro ou por trás dela Fiel?
- O importante é chegares lá.
- Estou indeciso. Toda essa luz multicolorida.
- Apressa-te!

Prudentius compreendeu que não teria outra chance e subiu até o Santuário do Sol.
A montanha tornou-se incandescente e o Sol surgiu no seu cume (Fig. 15). E Prudentius já estava lá. Fiel o esperava.


Escrita de 13 a 20 de setembro de 1984 por Roberlane Monteiro Oliveira.



Notas do Autor


-O Sol: o Sol é o coração do nosso sistema solar. Princípio vital, símbolo da luz. O Sol que percebemos o Sol físico reflexo do Sol espiritual. O Sol da Terra, símbolo alquímico. No cristianismo como outras religiões, o Cristo é associado ao Sol. De fato, o Cristo Cósmico e o Sol espiritual são o mesmo.
Na Estrada do Sol, o Sol está sempre à frente dos viajantes.
-Prudentius: do latim prudente, cauteloso.
-As montanhas até o momento presente mantêm estas representações. Morada dos deuses, espíritos, bases de óvnis que são vistos nas suas cercanias, nos seus cumes, indo e vindo delas. As montanhas vivem milhões, bilhões de anos. Como seres vivos, são praticamente imortais. Conseguimos após milhares e milhares de anos captar algo sobre elas e o q