A Espera pelo Diagnóstico de uma Doença pode Mudar a vida de uma Mulher?
                                           

                                                                             Edna Rocha Cândido¹
                                                                              Marcella Inácio Aguiar¹
                                                                                     Uélen Camargo dos Passos²
                                                                                         Wellington Luis Cardoso Bessa²

 
Resumo
O presente artigo tem como objetivo identificar a forma de significação da angústia por uma mulher perante a possibilidade de um diagnóstico de doença maligna. Busca se mostrar como o sofrimento gerado pela incerteza do diagnóstico mobiliza a paciente no sentido de produzir uma identidade de "sujeito-doente" que aplaca o não sentido inerente a angustia. Para tal foi realizado o estudo do caso de uma paciente atendida de setembro de 2010 a abril de 2011 no Centro de Psicologia Aplicada do curso de psicologia do ILES ULBRA. A paciente foi atendida dentro do método psicanalítico e as considerações feitas a partir também da psicanálise de orientação lacaniana. Percebeu - se que o reconhecimento da angústia possibilitado pela escuta analítica, possibilita uma melhor elaboração da mesma pela paciente.

Palavras-chave: Diagnóstico; Angústia; Doença.

Abstract
This article aims to identify ways of meaning for a woman's distress at the possibility of a diagnosis of malignancy. Seeks to show how the suffering caused by uncertainty mobilizes the patient's diagnosis in order to produce an identity of "sick-subject" that stills the anguish no inherent meaning. It was conducted to study the case of a patient served from September 2010 to April 2011 at the Center for Psychology Applied psychology degree from ILES ULBRA. The patient was seen within the psychoanalytic method and the assumptions made also from the Lacanian psychoanalysis. Realized - that the recognition of distress possible by analytic listening, allows better preparation for the same patient.

Keywords: Diagnosis; Anxiety; disease.



1. Introdução

Baggio (1990) postula que a angústia sucede devido ao medo da castração, a perda de alguma coisa estimada como essencial para o indivíduo, e que resume, em um mesmo afeto, o encadeamento de todas as possíveis perdas de sua história (útero, seio, fezes, frustrações, interdições, etc). A primeira teoria da Angústia de Freud exalta que:

A angústia é produto da libido não-satisfeita. A angústia seria o produto degradado da libido estancada ou impedida de fluir eroticamente. (p. 29). A angústia- sinal, ou angústia automática, é uma forma de proteção na qual o ego emprega pequenas quantidades de energia pulsional para deter a ameaça de perda (castração) simbólica. O sinal da angústia, com qualquer dispositivo, pode desarranjar e enlouquecer, adquirindo uma autonomia perturbadora, sintomática. (BAGGIO, 1990. p. 30).

Besset (2002) descreve que as expressões da angústia atingem o corpo do indivíduo que pronúncia, assim sua presença. A angústia é uma marca que desvia qualquer saber na medida em que não se trata de algo que possa ser narrado como uma verdade, mas como algo que o indivíduo apresenta como uma certeza para si. Estaria assim, dentro das categorias descritas pela teoria lacaniana, no Real, ou seja, no impossível de se escrever. O Real, para Lacan, é aquilo que não pode ser dito, ou seja, esta fora da linguagem. Dessa forma a angustia é o único afeto que não engana, sendo inseparável da condição humano. A angústia poderia assim ser caracterizada como aquilo que é estranho ao eu, que não pode ser categorizado, significado por este. Saad (2000) relata que a angústia é real, é sinal de que nem tudo é ordem do significante, ou seja, da ordem da linguagem. A angústia revela a certeza da morte e do enigma da sexuação representado pela angústia de castração. Por ser um afeto, aliás, o único para a psicanálise, a angústia não é recalcada. Sem nenhuma ligação, ela permanece à deriva, desconectada dos representantes palavras. Em um movimento de torná-la inútil, o sujeito tenta recobri-la dando sentido à falta de sentido que ela vem pontuar, ou liga quase que completamente o quantum de energia que ela porta a um representante palavra escolhido por uma lógica de proximidade e/ou contigüidade.
Segundo o autor acima a angústia muitas vezes é interpretada como o nada. Entretanto ela é da ordem do real, traz uma certeza, uma nodulação que permite que algo dela seja suportável, que possa haver um tempo de afetação que provoque algum efeito, que provoque desejo. Há diferença entre o nada e o vazio, uma vez que este último já porta uma borda. O vazio nos diz que onde hoje não há nada antes havia algo, algo que foi tirado deixando assim o vazio. Daí a angustia indique mais um vazio que um nada, nesse sentido um vazio, uma perda que possa ser elaborada.
Saad (2000) mostra que reconhecer que há angústia, poder escutá-la, é reconhecer que o ponto real está sendo mantido e incluído na tentativa de elaboração de um sujeito. É também no tempo da elaboração de cada um que reconhecemos a angústia, como aquilo que não permite que o sujeito se defenda recobrindo o que incidiu como real. A angústia mantém a questão em aberto, mas, com uma direção.
Existe na atualidade, como constata Forbes (2003), uma tendência a banir o sofrimento de nosso mundo e desconsiderá-lo como uma eventualidade necessária de nossas vidas. Segundo Lyotard (2002) a vida, no contexto pós-moderno, se caracteriza pela atitude cética, a perspectiva relativista, o gosto pelo obscuro, e pela crítica a qualquer critério essencialista de verdade. Vivemos uma sociedade que se caracteriza pela dessimbolização e por um tecnicismo condicionado pelo imperativo da utilidade. Assim, conhecer se resume, hoje, a apenas procurar respostas úteis a tudo. Nesse contexto, segundo Forbes (2003), a depressão é o “novo nome dos velhos medos, da insegurança, da dúvida, da dor de cotovelo, eternas doenças do homem”. Ainda segundo esse autor o viver implica em constantes escolhas e atos de criação. Escolher e criar a partir do inesperado implica rupturas, cortes. Dessa forma não há escolhas, não é possível um ato criativo sem sofrimento.
Segundo Brant (2001), o sofrimento depende de um processo de significação construído no tempo e no espaço. Para ele o que faz o homem sofrer é a percepção de sua finitude, que remetendo o sofrimento a uma dimensão não apenas psicológica, mas, sobretudo, existencial. Ainda segundo esse autor, falar em tempo exige também falar em memória. É através da memória do sofrimento que o sujeito é capaz de implicar seu ser na preservação da vida. Essa é, para Brant (2001), a “importante função do sofrimento na construção do sujeito”.
Para Freud (1920), o sofrimento é “o estado de expectativa diante do perigo e da preparação para ele” (s/p) podendo ser um perigo desconhecido (angústia) ou conhecido (medo) ou ainda um perigo com o qual o sujeito topa sem estar preparado para enfrentá-lo (susto). Dessa forma, diante de uma ambiente desfavorável, o sofrimento se constrói como um fenômeno reativo, marcando a insistência do sujeito em viver, em reagir aos eventos desfavoráveis desse ambiente.
A partir desses autores podemos disser que o sofrimento é uma dimensão essencialmente humana, contingente e necessária.
A chamada psiquiatria biológica acadêmica responsável pela classificação e categorização das diferentes doenças, bem como de sua organização em manuais diagnósticos (como os atuais CID-10 e DSM IV TR), obcecada pela questão da evidência, desconhece o paciente enquanto sujeito, autor e personagem de um drama singular e sempre aberto, do qual é, ao mesmo tempo, protagonista e joguete. Ignora o sofrimento inerente a existência desse sujeito singular. A psiquiatria só reconhece amostras e populações de pacientes. Os manuais de psiquiatria praticamente aboliram as vinhetas clínicas e despejam uma serie infinita de dados estatísticos descritivos e inferenciais (Costa, 1989b).
Assim, nas diretrizes diagnósticas da CID-10 (1993) a depressão é diagnosticada a partir dos sintomas mais típicos: “humor deprimido, perda de interesse e prazer e fatigabilidade aumentada com atividade diminuidade” (s/p) com a gravidade sendo determinada pelo numero de sintomas presentes da seguinte lista: “Concentração e atenção reduzidas; auto-estima e auto-confiança reduzidas; idéias de culpa e inutilidade; visões desoladas e pessimistas de futuro; idéias ou atos auto-lesivos ou suicídio; sono perturbado; apetite diminuído” (CID-10, 1993,s/p).
Já o DSM IV compreende a depressão como um conjunto de sintomas existentes durante certo período de tempo, sem, no entanto privilegiar nenhum destes sintomas, nem interrelacioná-los. Segundo Leite (2002), “o simples agrupamento dos sintomas responderia a um único critério comum a eles, que seria sua resposta à administração de uma determinada substância química (imipramina)”, (s/p).
O sujeito da psiquiatria atual é um sujeito ausente, não há sujeito psíquico. Trata se de um sujeito claudicante, que não pode ser transparente a si mesmo – tal como pretendem ser o sujeito neurocognitivo e o jurídico – é um puro software a ser instalado e desinstalado pelo novo arsenal técnico dos médicos psiquiatras. O esvaziamento da noção de subjetividade é correlato a esse efeito medicalizante. (Leite, 2006).
Essa transformação desse processo que é o sofrimento em uma doença trás uma dupla conseqüência: por um lado ela discrimina, estigmatiza e exclui, abrindo espaço para uma medicalização crescente e indiscriminada, principalmente de medicações antidepressivas e ansiolíticos (Brant e Gomes 2004); por outro produz um efeito de irresponsabilidade no sujeito (Forbes 2003). Pensar que sofro de uma doença significa disser que sofro de algo externo a mim, que independe de mim, da minha capacidade de significar os eventos de minha vida. Como um vírus que me ataca, só resta me render à tecnologia médica, tornando-me passivo a esse discurso sem nenhuma implicação nele. O resultado final desse processo de adoecimento leva a construção da “identidade de individuo - doente”, entendida como “processo pelo qual o indivíduo se reconhece e constrói a significação da sua vida com base no atributo cultural de ser doente” (Brant e Gomes 2004, s/p).
Para a psicanálise não há clinica sem sujeito, sendo assim Leite (2010) afirma que:

A palavra clínica tem origem em clinê, que significa “leito”, “clinicar” quer dizer “ficar ao lado do leito”. A clínica médica surgiu com Hipócrates para diferenciar sua prática dos médicos, que na Grécia a identificavam com a religião. Foram os médicos influenciados por Hipócrates que fundaram a medicina científica, baseando-a na observação e na correlação de evidências em detrimento de explicações religiosas ou filosóficas. Em primeiro lugar, diferenciou-se sintoma de sinal. Sinal seria um dado sensível à observação, e um sintoma, a correlação entre sinais. (p. 126).

Leite (2010) postula que o psicanalista concorda com a realidade de lidar com muitos sintomas diferentes.  É na relação transferencial que o próprio psicanalista utiliza para fazer o seu diagnóstico, onde ele foi disposto pelo paciente, é de acordo com a relação que o indivíduo estabeleceu como Outro, que ajudará na realização do diagnóstico desse paciente. Então o psicanalista só realizará um diagnóstico depois de escutar o seu paciente muitas vezes, contudo em muitos casos o diagnóstico será concluído depois do tratamento do sujeito.
Coutinho (2007) nos mostra que por mais que um diagnóstico estrutural seja importante, ele não oferece todos os subsídios para a realização de um diagnóstico, até porque no decorrer de uma análise surgem muitos conceitos novos e direções para o tratamento por isso a escuta do sujeito é sempre mais proveitosa e importante, sendo assim indispensável à realização de um diagnóstico rápido correndo um risco de trespassar uma interpretação mal elaborada.
Saad (2000) descreve que a inquisição do diagnóstico, não se prende apenas no sintoma, mais vai mais longe do sintoma.  É por meio do expressar do sujeito e não do pronunciado que o analista apanhará os traços estruturais do sujeito. É uma espécie de índices que separam o funcionamento da própria estrutura psíquica.
Diante desses argumentos, pode-se realizar o seguinte questionamento: como a  espera pelo diagnóstico de uma doença pode mudar a vida de uma mulher?
Como podemos pensar a angústia apresentada pela paciente? Como a espera por um diagnóstico se relaciona com a angústia? Como o “adoecer” possibilita um forma de significação para a angústia? O que aqui se pressupõe é que a espera do diagnóstico de uma doença produz a mobilização de um conjunto de significações na vida de uma mulher que reencobre a não significação da angústia.
 Justificou-se por ter contribuído para o avanço de um estudo científico sobre a angustia, o sofrimento e o processo de adoecer. O presente estudo contribuiu para a formação acadêmica da pesquisadora, pois proporcionou a abertura para novos estudos teóricos sobre o assunto.
O presente estudo teve como objetivo geral: identificar a forma de significação da angústia por uma mulher perante a possibilidade de um diagnóstico de doença maligna.
 Os objetivos específicos foram: investigar a instalação do sofrimento na história da paciente; verificar o processo de depressão estabelecido a partir da possibilidade do diagnóstico médico; investigar, no discurso da paciente, as formas como a paciente lida com a angústia; Identificar as conseqüências desse adoecimento psíquico referente a espera dos resultados dos exames na construção da identidade do sujeito.

1.1 Método

O estudo realizado se caracterizou como uma pesquisa qualitativa e pautado pela metodologia psicanalítica. A pesquisa foi do tipo estudo de caso documental. Toda pesquisa no campo psicanalítico usa a metodologia qualitativa, ou seja, trabalha casos específicos através de uma analise aprofundada. No método psicanalítico não existe diferença entre as dimensões da pesquisa e da clínica na medida em que sua pratica terapêutica é uma forma específica de investigação que pretende promover a assunção pelo sujeito da verdade de sua historia e de seu desejo. Dessa forma trabalhamos a todo tempo com a “interpretação clínica”, que é o processo da pesquisa.
A forma de registro adotada no trabalho foi à descrição das sessões com as impressões clínicas do pesquisado e do pesquisador, este último considerado parte do processo de pesquisa.
Utilizou-se de duas formas de relato das atividades: os relatos cronológicos e a associação livre, como possibilidades de escrita do relato da sessão. A primeira forma foi pelos relatos cronológicos, nos quais se separou o narrador dos participantes da cena acompanhada e foi escritos os fatos observados, uma escrita que se aproxima do que está instituído. A segunda forma foi por meio da associação livre, pensando em uma escrita que obedece ao fluxo do pensamento, e a cronologia dos acontecimentos não é importante, podendo ser até suspensa, uma escrita despida de quaisquer regras, seguindo a lógica instituíste, que proporcione um escape do que é consciente e instituído como relato de uma observação de campo, para que assim, se tenha acesso ao não dito, ao implícito nas relações com o objeto da pesquisa.
Como base nesse referencial, foi analisado o caso clínico de uma paciente com 46 anos, 1° grau incompleto, casada, com cinco filhos (dois biológicos e três adotivos); trabalha como empregada doméstica. No momento da primeira consulta (acolhimento), ela relatou: “Em um exame descobri que estou com nódulos no seio e tenho medo de estar com câncer, pois na minha família tem casos e acabaram morrendo. A três meses atrás tive uma crise de madrugada, estava me sentindo sufocada e sem ar e comecei a abrir as janelas e portas. Fiquei quase um mês sem comer, porque tinha medo de morrer. E também não queria ficar sozinha, tinha medo. Tinha medo de ir no banheiro só. A partir daí minha vida perdeu o sentido, então resolvi ir em um psiquiatra e ele me falou que eu estava com depressão.”

Local e materiais
Os atendimentos aconteceram nas salas do Centro de Psicologia Aplicada da ULBRA, individualmente, que dispunha de duas poltronas, um ventilador, uma mesa, três cadeiras e lenços descartáveis.
Outros materiais também foram utilizados, tais como: prontuário, fichas próprias do CPA, papel e caneta.

Procedimentos
Para o processo de intervenção, duas sessões de triagem foram realizadas, objetivando esclarecer o diagnóstico e indicação do tratamento.
Feito o acolhimento da paciente pela estagiária do curso de psicologia na primeira fase do atendimento em setembro de 2010, em sessão com duração de 50 minutos, foi apresentada verbalmente à paciente a forma que o processo terapêutico se desenrolaria, argumentando sobre o sigilo entre terapeuta e paciente segundo as normas estabelecidas pela ética do profissional de psicologia.
Na segunda fase do atendimento psicológico, foi possível a terapeuta realizar a intervenção com pontuações na fala da paciente, a partir da associação livre. A terceira fase do processo terapêutico consistiu em observar se a paciente respondeu ou não ao tratamento, para que ela pudesse continuar ou ser desligada da psicoterapia. As sessões terapêuticas foram realizadas às quintas-feiras, das 17h30min às 18h20min, totalizando onze sessões aproximadamente.
Os registros de informações foram realizados em seguida aos atendimentos, com as impressões clínicas do pesquisado e do pesquisador, pois conforme preconiza o referencial teórico em Psicanálise, não se realiza nenhuma anotação frente ao paciente. Assim, não foram feitas anotações frente ao participante, nem gravados ou filmados os atendimentos. Sendo assim, não foi utilizado nenhum tipo de material dentro do consultório.
De acordo com a resolução 0196/96 do Conselho Nacional de Saúde, foram tomados os cuidados éticos previstos, possibilitando ao participante o entendimento dos objetivos do estudo e os esclarecimentos necessários à sua participação ou não na pesquisa.

Análise dos dados
Por meio das transcrições de todas as sessões anteriores, foi realizada a análise do discurso da paciente, relacionando estes dados com a literatura em psicanálise para identificar a forma de significação da angústia por uma mulher perante a possibilidade de um diagnóstico de doença maligna.

2. Desenvolvimento (Resultados e Discussão)
           
A paciente atendida durante o período de setembro de 2010 até Abril de 2011 chama-se M.S.L, possui quarenta e sete anos de idade, é casada e possui três filhos, um homem, e duas mulheres, entre elas uma é adotiva. Nas entrevistas iniciais a paciente contou que buscou apoio de um médico psiquiatra, que concluiu que ela estaria com depressão e então receitou dois tipos de medicações: fluoxetina-20mg e ranbaxy- 25mg. A paciente queixava-se de medo, angústia, excesso de preocupação (filhos), choro constante, insônia, falta de apetite, ansiedade, sensibilidade, nervosismo e o medo do resultado da biopsia de alguns nódulos que apresentava nos seios.
A incerteza em relação ao possível diagnóstico de alguns nódulos no seio aproxima a paciente da certeza da morte, intensificando a angústia: “Em um exame descobri que estou com nódulos no seio e tenho medo de estar com câncer, pois na minha família tem casos e acabaram morrendo”. Saad (2000) relata que a angústia é real, é sinal de que nem tudo é ordem do significante, ou seja, da ordem da linguagem. A angústia revela a certeza da morte e do enigma da sexuação representado pela angústia de castração. Por ser um afeto, aliás, o único para a psicanálise, a angústia não é recalcada. Ela está à deriva, não-ligada, ela se faz presente. Como nos mostra a fala de M.S.L: “Há três meses tive uma crise de madrugada, estava me sentindo sufocada e sem ar e comecei a abrir as janelas e portas. Fiquei quase um mês sem comer, porque tinha medo de morrer. E também não queria ficar sozinha, tinha medo. Tinha medo de ir no banheiro só”.
 Em um movimento de torná-la inútil, o sujeito tenta recobri-la dando sentido à falta de sentido que ela vem pontuar, ou liga quase que completamente o quantum de energia que ela porta a algum evento possível: - “são muitas coisas na minha cabeça, estou me sentindo muito sozinha”.
-“Eu ajudo todo mundo mais ninguém me ajuda, meus filhos não me enxerga”. “É muita pressão pro meu lado, cuido da minha irmã com problemas mentais e também da minha filha (adotiva) com problemas de convivência”.
 Nesse sentido o diagnóstico psiquiátrico vem como um alívio, pois nomeia o sem sentido que incomoda a paciente. O diagnóstico de depressão atribuído pelo psiquiatra torna o afeto uma “doença” concreta, cujo tratamento não depende mais da paciente, não depende de sua capacidade de significar de forma saudável, o sem sentido, o real, que a invade, o tratamento agora é através da medicação: “quando tenho recaída, eu fico sufocada, choro muito, me dá um aperto forte no peito, tenho muito medo que deixo até a luz do meu banheiro acesa, ai recorro ao Diazepam para me acalmar e dormir”. Todos os sofrimentos cotidianos do ser humano se tornam insuportáveis, pesados demais: -“As coisas de Deus é pesada”
  -“Eu penso que estou com a doença ruim, pois apesar dos médicos não me darem uma conclusão eu penso que sim e eles mexe e mexe em mim e nada”.
 “- Estou com medo de saber que estou fazendo o meu papel de esposa e ele com outra”. Como relata Forbes (2003), a depressão é o novo nome dos velhos medos, da insegurança, da dúvida, da dor de cotovelo, eternas doenças do homem.
As falas da paciente revelam o traço marcante da sociedade atual condicionada por um tecnicismo utilitário (a busca por respostas úteis para tudo), por uma dessimbolização: -“Tem hora que penso em desistir de tudo e largar nas mãos de Deus e penso que ele pode me curar, mais tem hora que penso que tenho que continuar e confiar na medicina”.  
-“Tomei mesmo (Diazepam), estava com vontade de morrer, não agüento mais tudo isso, eu quero sossego”. Onde a morte concreta se torna uma saída possível para os sofrimentos não simbolizáveis.

3. Considerações Finais

    O relato da paciente durante o breve período de atendimento revela como a incerteza de um diagnóstico, o sofrimento diante do desconhecido, produz uma angústia Esse afeto leva a paciente a criar diferentes significações, a recobrir de sentidos aquilo que a angústia revela como sem sentido.
A primeira tentativa da paciente é a de transformar esse sofrimento numa doença, a “depressão”, que encontraria assim sua resposta, a “cura”, na medicalização. A psicoterapia vem como uma tentativa de reconhecimento desse sofrimento e de uma busca por uma melhor elaboração dessa angústia.
     Como nos diz Saad (2000) reconhecer que há angústia, poder escutá-la é reconhecer que o ponto real está sendo mantido e incluído na tentativa de elaboração de um sujeito. É isso que a análise se propõe e que se apresenta na insistência da paciente em continuar o processo de psicoterapia:
-“estou 80% melhor”.




























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