Chico Leandro era um sertanejo da Vacaria, município de São Mateus, que desafiava todo mundo, era metido à valente, protegia cangaceiros, tinha prestígio político e também, tinha a fama de se apossar das terras alheias, especialmente de seus vizinhos. Por essas e outras razões ele criou muitas inimizades. Mas um dia ele se deu mal, com a dupla de cearenses que não levava desaforo pra casa, os irmãos Clementino Rufino e Ladislau Camilo.

Clementino era um homenzarrão em relação à altura média dos nordestinos daquela época, tinha um metro e noventa de altura, pesava 120 quilos de massa corporal bem distribuída em forma de músculos. Tinha ossatura forte e força suficiente para levantar de uma só vez, um saco de 60 quilos nos dentes, mais outros dois em cada mão. Aparentava a doçura de uma criança quando calmo, a conversa afável de um político, porém as feições de uma onça quando bravo e a força de um leão quando ruge. Segundo informações de Antonio Ferreira Lima, era conhecido como o "Pelado", pois em plena vigor da sua força física, já era completamente careca.

Clementino era muito disposto para o que desse e viesse, tanto para o trabalho, quanto para criar confusão, especialmente quando bebia. Se fosse para uma festa e tivesse dinheiro pagava bebida pra todo mundo, se não tivesse dinheiro, sob as suas ordens todo mundo bebia de graça. Por esses e por outros motivos, Clementino era uma "persona non grata" na maioria das festas da região.

Foi numa dessas festanças nordestinas, lá na Malhada Grande, numa noite enluarada do início da década de 1940, que Chico Leandro cutucou o cão com vara curta. Não é que ele insultou Clementino e Ladislau! Aí começou uma grande confusão, foi aquele furdunço, safanão pra cá, safanão pra lá! A poeira levantou, o barulho foi medonho, mas a turma do "deixa isso pra lá" entrou em ação e apartou a briga, antes que faiscassem as pontas das peixeiras.

Essa foi uma das maiores enrascas em que se meteram os dois irmãos valentões, pois Chico Leandro era poderoso na região, tinha influencia política e não deixou por menos. Ele conseguiu testemunhas falsas contra Clementino e Ladislau, e os acusou na delegacia de Várzea Alegre por tentativa de extorsão, movendo assim um grande processo que durou por muito tempo.

Nesse tempo Clementino teve que fugir para não ser preso. A fim de escapar da perseguição policial, refugiou-se então por um bom tempo na cidade de Acopiara, onde estavam morando uns primos de sua esposa Maria Rufino de Lima, Francisco Rufino de Lima e Antonio Rufino de Lima, que chegaram a essa região por volta de 1944.

Em Acopiara Clementino se sentia protegido, mas não largava a sua fama de ser valentão, pois segundo Antonio Ferreira Lima isso lhe rendia fama e status social, numa época dominada pelo coronelismo. Certa vez apareceu por aquela região um bandido que aterrorizava todo mundo, por isso nem a polícia tinha coragem de enfrentá-lo pessoalmente.

O delegado soube que o tal malfeitor estava na cidade, mas não tinha coragem de efetuar a sua prisão, porém apareceu alguém que lhe falou:

- Senhor delegado eu conheço aqui um homem que é muito brabo! Chama-se Clementino, portanto tenho certeza que ele tem coragem de prender esse infame!

- Então, diga a Clementino que venha até a delegacia, pois quero saber se ele tem coragem de prender o tal bandido.

Dito e feito! Chamaram Clementino e ele topou na hora a parada, sem nenhuma cisma. Aquele serviço para ele era como caçar inhambu no Tabuleiro do Santo Antonio. O delegado chegou a lhe oferecer uma escolta de dois soldados e as armas necessárias, mas ele rejeitou a proposta e disse:

- Quero que você me dê apenas dois revolveres carregados de bala até a tampa. O resto deixe comigo.

Aí Clementino partiu para a perseguição, como era muito experiente o primeiro palpite foi: aquele bandido deve estar nalgum cabaré, há essas horas, tomando cerveja de graça e aterrorizando as quengas.

Dito e feito pegou o cabra de calças curtas, escalou as duas armas a altura do peito, deu ordens de prisão e levou o sujeito pelas ruas com as mãos atadas.

Chegando a delegacia, o delegado ficou surpreso com a rápida captura do bandido, e foi logo começando o interrogatório na presença de Clementino, que a essas alturas se sentia o tal. A certa altura do interrogatório o sujeito olhou para o delegado e disse:

- Doutor delegado eu quero lhe dizer que esse homem que me prendeu, também é um criminoso e já matou gente!

Naquele momento o delegado olhou para Clementino e perguntou:

- Clementino você já matou alguém, com diz esse sujeito?

Clementino estufou o peito, achava que deveria ser mais valente que o bandido e disse:

- Senhor Delegado, já matei pra mais de dez!

- É verdade o que você está dizendo, Clementino?

- Sim, doutor delegado.

- Pois, você também está preso, Clementino. Nós vamos averiguar isso que você acabou de dizer.

Logo o delegado, que era pé-quente, entrou em contato através do telégrafo com as autoridades de Várzea Alegre, e descobriu que Clementino tinha um grande processo naquela cidade e era um foragido da policia. Vejam só o que lhe rendeu ter a fama de valentão! Então ele foi levado preso para a cadeia de Várzea Alegre, onde também estava o seu irmão Ladislau, que fora recentemente capturado.

Quando Chico Leandro soube da captura dos dois irmãos, os quais ele tinha acusado de extorsão, bolou um plano para exterminá-los ali mesmo na cadeia, para tanto contava com os seus capangas mais temidos, Severino e Dourado. Os planos astutos de Chico Leandro chegaram aos ouvidos dos "Correias" de Várzea Alegre, que eram muito amigos dos dois acusados. Então, Vicente Honório foi até a cadeia e contou aos dois prisioneiros quais eram os planos de seu adversário.

E deu o seguinte conselho para a fuga:

- Amanhã na hora do banho de sol, no momento em que o carcereiro for abrindo a porta da cela, vocês empurrem com toda força o portão, e derrubem o sujeito no chão, passem por cima dele e fujam. Façam isso se não vão morrer aqui mesmo!

Dito e feito, no momento em que o carcereiro destramelou o portão da cela, os dois presos deram um sopapo tão grande, que o cabra se estendeu entanguido no chão. Assim eles fugiram e ficaram muito tempo se escondendo, na casa de parentes e amigos.

Nesse tempo Clementino foi embora para a cidade de Crato, onde recebeu a cobertura de um ilustre comerciante, chamado Machadinho. Foi então trabalhar numa propriedade do mesmo em Pernambuco. Era muito trabalhador, mas quando tirava para beber, gastava tudo que havia ganhado em um só dia. Não deu certo, por isso voltou à cidade de Crato e foi ser mascate.

Um dia Antonio Ferreira Lima foi à cidade de Crato e encontrou Clementino e seu filho mais velho, Marcial, cada um com uma bacia de alumínio na cabeça, cheia de panelas e outros objetos, então lhe perguntou:

- Clementino, você já vendeu alguma panela hoje?

Ele respondeu sorrindo:

- Já vendi pra mais de trinta, Antonio!

Cochichei com Marcial:

- É verdade que ele já vendeu mais de trinta panelas, hoje?

- Não é verdade! Nós até agora não vendemos nada.

Essa questão entre Clementino e Chico Leandro demorou muitos anos, só terminando definitivamente quando Chico, impelido pelas suas próprias trapaças, teve que vender tudo que tinha, e ir embora para a região dos Inhamuns, na direção sudoeste do Ceará. Somente depois disso, Cícero Frutuoso e os filhos de Camilo tiveram sossego na Vacaria.