A EMISSÃO E A CESSIBILIDADE DAS DEBÊNTURES NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS[1]

Leon Hassan Costa dos Santos[2]

Leonardo Leitão Salles[3]

 

Sumário: Introdução; 1. Conceito de títulos de crédito; 2. Princípios inerentes ao direito cambiário; 3. Classificação dos títulos de crédito; 4. Debêntures e sociedade anônima: conceito e características; 4.1. Requisitos para emissão e cessibilidade das debêntures nas sociedades anônimas;

 

RESUMO

Inicialmente, conceituam-se os títulos de crédito, analisando desde a sua origem até a função desempenhada por eles. Definem-se os princípios mais relevantes ao direito cambiário, seguido pela classificação dos títulos de crédito e as formas de transferência destes. Em seguida, analisa-se conceito e características das debêntures e das sociedades anônimas. Por fim, analisam-se os requisitos para emissão e cessibilidade das debêntures nas sociedades anônimas.

PALAVRAS-CHAVE

Títulos de crédito. Emissão. Cessibilidade. Sociedades anônimas. Debêntures.

 

Introdução:

A palavra crédito provém do latim “creditum” de “credere”, que significa ter confiança, acreditar. Ou seja, o crédito é a confiança que uma pessoa tem na outra de que esta irá cumprir com as obrigações assumidas. Hodiernamente, o crédito tem a importante função de facilitar as operações comerciais, pois com a sua utilização, as transações se tornaram mais rápidas e mais amplas, principalmente pela possibilidade da pessoa utilizar o dinheiro hoje e efetuar o pagamento posteriormente. Surgindo então para facilitar a vida da sociedade, através da rápida circulação da moeda.

Porém, havia um problema na circulação do crédito, relativo à circulação dos direitos das partes que participavam deste negócio. Não havia uma determinação quanto à separação entre a pessoa e o seu patrimônio, o que gerava uma confusão no momento do cumprimento da obrigação estabelecida. Este problema só veio a ser solucionado com o surgimento dos títulos de crédito.

Os títulos de crédito surgiram na Idade Média, que foi quando começaram a aparecer os documentos que representavam os direitos de crédito, sendo posteriormente incorporados aos próprios títulos. Os títulos de crédito facilitaram as atividades desempenhadas pelos indivíduos, pois são documentos que além de facilitar a circulação rápida da moeda, também incorporam os direitos creditórios, dando a possibilidade de rápida circulação e transferência, garantindo a segurança e a confiabilidade.

 

1. Conceito de títulos de crédito

“Título de crédito é um documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo, nele mencionado”. Tal conceito de título de crédito tem expressiva aceitação na doutrina jurídica, e foi formulado pelo jurista italiano Cesare Vivante. Dele pode-se inferir que o título de crédito é um documento que prova a existência de uma relação jurídica entre partes que possuem um vínculo de crédito entre si, sendo uma das partes credora da outra. Letra de câmbio, duplicata, nota promissória ou qualquer outro título de crédito carregam consigo uma obrigação creditícia.

             O título de crédito reúne propriedades que o distingue de outros documentos que também possuem caráter de direitos e obrigações. Ele se refere restritamente a relações creditícias, nenhuma outra obrigação de dar, fazer ou não fazer pode ser reportada num título de crédito. Apenas o crédito titularizado por um ou mais sujeitos ante outro ou outros pode constar no instrumento cambial.

            Outro atributo que o afasta dos demais documentos representativos de obrigação é o fato de o título de crédito ser definido pela lei como título executivo extrajudicial (CPC, art. 581, I), ou seja, o credor tem direito de promover a execução judicial do seu direito, o que garante celeridade da cobrança do crédito em juízo.

            Por fim, o título de crédito sustenta o condão da negociabilidade, que facilita a circulação do crédito, ou seja, do direito nele contido. Se o credor tem seu direito representado por um título de crédito, ele dispõe, com prontidão, da faculdade de negociar com terceiros interessados seu título em troca de uma antecipação do valor da obrigação, ou parte dele. Isso só é possível em decorrência do regime jurídico-cambial, que fixa regras que garantem a segurança da transação de crédito.

2. Princípios inerentes ao direito cambiário

 

Parte da doutrina afirma que o Direito Comercial é regido por princípios do direito cambiário. Fábio Ulhoa Coelho (2004) aponta a existência de três princípios do direito cambiário: 1) Princípio da Cartularidade; 2) Princípio da Literalidade e o 3) Princípio da autonomia das obrigações cambiais, este último deu origem a outros dois subprincípios, que são o subprincípio da abstração e da inoponibilidade das exceções pessoais a tercerios de boa-fé.

A maioria dos doutrinadores acredita que tais princípios são inerentes ao direito cambiário, porém alguns doutrinadores como Bugarelli (2003) tratam estes princípios como requisitos essenciais dos títulos de crédito, ideia esta que vai de encontro com o pensamento de Fábio Ulhoa, que afirma que tais princípios não são totalmente aplicáveis a algumas espécies de títulos de crédito.

O princípio da cartularidade determina que o título de crédito deve ser representado por uma cártula, que é um documento que especifica a obrigação devida, resumindo o título de crédito a termo. Bugarelli (2003) afirma que a cartularidade é a materialização do direito no documento, motivo este pelo qual se afirma que o direito se incorpora ao documento. É por meio do princípio da cartularidade que o direito se incorpora ao documento, como afirma Bugarelli, e ainda, por meio deste princípio pode-se afirmar que é a incorporação do direito decorrente do título em relação ao negócio fundamental.

Acerca do princípio da cartularidade, é por meio deste princípio que se permite identificar o real portador do documento, pois, quem detenha o título, de forma legítima, tem o direito de exigir a prestação do mesmo. Porém, sem o documento, o devedor não se encontra obrigado a cumprir a obrigação, tendo em vista que não é aceita a cópia do documento, mesmo que autenticada. Sendo este o motivo para que o devedor, ao pagar o título, deve exigi-lo de volta, evitando que ele volte a circular no mercado e possa ser cobrado de forma indevida. Em razão deste princípio, a grande parte da doutrina afirma que é imprescindível a apresentação do documento real para que se possa exigir o direito contido nele.

O princípio da literalidade é o que determina que somente os atos e valores declarados no documento podem gerar efeitos jurídicos. Ou seja, os títulos de crédito podem ser considerados literais porque somente aquilo que está determinado no próprio título, pode gerar efeito jurídico, devendo ser prestada toda a obrigação declarada no título. O termo literal significa “de acordo com o sentido restrito das palavras”, e no caso dos títulos de crédito é exatamente isso que ocorre, é aquilo que acompanha rigorosamente o que foi mencionado no texto, garantindo-se ao portador do título os atos inseridos nele.

Em função da literalidade que o credor pode exigir tudo aquilo que está mencionado no título, enquanto o devedor não poderá ser cobrado além do que está estabelecido nele, atuando a literalidade em favor de ambas as partes. O direito contido no título poderá ser exercido e transmitido através da apresentação e da possível transferência do título, que será vista posteriormente.

A única exceção que comporta o princípio da literalidade é que ele não se aplica à espécie de título de crédito denominada duplicata, pois a quitação desta pode ser dada pelo legítimo portador do título, em documento separado. (LD, art. 9º, par. 1º).

Em referência ao conceito de títulos de crédito estabelecido por CésareVivante: “O documento necessário ao exercício de um direito literal e autônomo nele mencionado” podemos afirmar que o princípio da autonomia das obrigações é aquele que determina que as obrigações assumidas por meio do título são autônomas. Ou seja, quando o devedor emite o título de crédito, o credor tem autonomia para transferi-lo, por meio de endosso, a um terceiro. O princípio da autonomia das obrigações é o mais importante princípio do direito cambial, sendo este o princípio que garante o recebimento deste título por parte do terceiro, pois sua função é garantir e facilitar a circulação dos títulos de crédito.

O princípio da autonomia das obrigações deu origem a dois subprincípios, sendo o primeiro deles o subprincípio da abstração, que determina que o título de crédito, ao ser colocado em circulação, se desvincula do negócio jurídico que lhe deu origem. Ainda que o negócio jurídico que originou o título de crédito esteja viciado, o título não será afetado, pois o vendedor tem o direito de exigir o crédito representado pelo título. Já o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, afirma que o princípio da autonomia das obrigações e o princípio da abstração só se aplicam ao terceiro que está realizando o negócio jurídico de boa fé, desconhecendo os vícios presentes no título. Ou seja, o devedor do título não pode recusar o pagamento ao seu portador alegando relações pessoais com algum obrigado do título. Caso o terceiro, no momento da aquisição do título, conheça a existência de fato oponível ao credor anterior do título, se caracteriza a má-fé do terceiro, que torna o título de crédito inválido.

 

3. Classificação dos títulos de crédito

Os títulos de crédito podem se classificar quanto: 1) ao modelo; 2) à estrutura; 3) as hipóteses de emissão; 4) à circulação.

Quanto ao modelo, os títulos de crédito podem ser considerados livres ou vinculados. Os modelos livres são os títulos que não possuem uma rigidez quanto ao cumprimento da legislação ou quanto ao padrão de utilização obrigatória e ainda assim podem ser voltados para os requisitos legais e estarem de acordo com a legislação. Exemplos de títulos de crédito livres são as letras de câmbio e as notas promissórias. Os modelos vinculados são aqueles que obedecem aos requisitos estabelecidos pela legislação específica, devendo atender ao padrão exigido legalmente. Exemplos de títulos de crédito vinculados são o cheque e a duplicata.

Quanto à estrutura, os títulos de crédito podem ser uma “ordem de pagamento” ou uma “promessa de pagamento”. Entende-se por ordem de pagamento quando o sacador dá uma ordem para que o sacado pague o título a um terceiro, que é denominado tomador ou beneficiário. A ordem de pagamento pode ser representada pela letra de câmbio, pelo cheque e pela duplicata. Por promessa de pagamento, entende-se que esta se dá quando o emitente do título promete efetuar o pagamento deste a alguém na data do vencimento. Diferenciando-se da ordem de pagamento por ser uma relação em que o pagamento é realizado diretamente pelo próprio emitente do título, enquanto que na ordem de pagamento o sacador determina que o sacado realize o pagamento ao beneficiário. A promessa de pagamento é representada pela nota promissória e a maioria dos títulos de crédito.

Quanto às hipóteses de emissão, os títulos de crédito podem ser causais e não causais. Entende-se pela hipótese causal, quando é indispensável que otítulo de crédito esteja vinculado a uma ocorrência prevista na legislação. Como exemplo de título de crédito causal tem-se a duplicata. Já os títulos de crédito considerados não causais são aqueles que podem ser emitidos em qualquer hipótese, não sendo necessário estarem vinculados a um fato estabelecido em lei. Como exemplo, temos o cheque e a nota promissória, que podem ser emitidos para representar qualquer situação.

E por último, a classificação mais importante dos títulos de crédito, que é quanto à circulação deste. Quanto à circulação, os títulos de crédito podem ser considerados: títulos ao portador, títulos nominativos e títulos à ordem. Os títulos de crédito ao portador não expressam o nome do credor e a circulação deste ocorre por mera tradição, de acordo com o artigo 904 do Código Civil. Por esse motivo, os títulos de crédito ao portador têm como característica principal a facilidade de circulação. Os títulos de crédito nominativos são aqueles que possuem o nome do beneficiário, tendo como característica a transferência por endosso. Podendo ser nominativos à ordem ou não à ordem, estando prevista a cláusula à ordem no verso do título, o credor somente poderá transferi-lo pelo endosso, enquanto na ausência desta cláusula, o título será não à ordem, podendo ser transferido mediante a cessão de crédito. Já os títulos de crédito à ordem, são aqueles emitidos em favor de determinada pessoa, sendo transferidos por endosso.

4. Debêntures e sociedade anônima: conceito e características

 

Fábio Ulhôa Coelho define a classificação das sociedades empresárias em cinco tipos: nome coletivo, comandita simples, comandita por ações, anônima e limitada. Para ele, embora sejam cinco os tipos de sociedades no direito brasileiro, apenas duas têm relevância econômica: as limitadas e as anônimas. (COELHO, 2012, p. 41). É justamente este último tipo o objeto deste artigo.

A sociedade anônima consiste na sociedade empresária que tem seu capital social dividido em ações, de modo que os sócios, também chamados de acionistas, respondem pelas obrigações sociais somente até o limite valorativo referente às ações que possuem. (COELHO, 2012, p. 87). Pelo fato de o capital social ser dividido em ações e, consequentemente, alienável, podendo ser transferido a qualquer momento, alguns dos sócios podem tornar-se “anônimos”.

Como bem define Amados Paes de Almeida,

“as debêntures, também denominadas obrigações, são títulos de crédito emitidos pelas sociedades anônimas, em decorrência de empréstimos por ela obtidos junto ao público. Conquanto autônomos e literais são, como o Warrant, títulos causais, estando, por isso mesmo, vinculados ao negócio jurídico subjascente”. (ALMEIDA, 2008, p. 313)

Dividem-se as debêntures em dois tipos: debêntures comuns e debêntures conversíveis em ações. As primeiras consistem em um título que somente garante ao seu titular um crédito, que, apesar de privilegiado, não pode ser convertido em ações. As últimas, por outro lado, como o próprio nome afirma, são títulos que garantem um crédito privilegiado que pode ser convertido em ações. Tal conversão, no entanto, não se dá de forma desregrada. Estes títulos somente poderão ser convertidos em ações do capital da sociedade emissora noventa dias após a sua emissão. Ambos os tipos de debêntures podem ser ao portador ou nominais. (ALMEIDA, 2008, p. 314).

Para fins de esclarecimento, Almeida expõe, ainda, o conceito de crédito privilegiado: “Desde que inscrito o contrato de emissão das debêntures, no Registro de Imóveis da sede da sociedade emissora, gozam as obrigações em apreço de privilégio, tendo por garantia todo o ativo da devedora” (ALMEIRA, 2008, p. 314).

Para a efetiva compreensão do conceito de sociedades anônimas, Coelho afirma ser imprescindível a análise de outros conceitos ligados a esse tipo de sociedade, tais como: valor mobiliário, capital social e preço de emissão. Valor mobiliário, segundo ele, “trata-se de instituto jurídico cujo matiz são os títulos de crédito”. (COELHO, 2012, p. 88).

Alguns autores chegam a afirmar que o valor mobiliário constitui, ainda, espécie de títulos de crédito, afirmação essa em confronto com o pensamento de Coelho, tal como se percebe:

“A evolução das correspondentes disciplina jurídica e importância econômica, contudo, recomenda, atualmente, o seu exame como instituto distinto. O valor mobiliário por vezes documenta um vínculo jurídico de natureza creditícia, e esse traço aproxima-o, nessas vezes, dos títulos de crédito. (...) Mas os direitos titularizados pelo dono de um valor mobiliário são diversos – e mais amplos, em certo sentido – dos do credor cambiário. Além disso, o titular de valor mobiliário, em algumas situações, tem deveres. Todavia, o essencial na distinção entre as duas figuras jurídicas é a natureza de alternativa de investimento de que sempre se reveste o valor mobiliário, característica não encontrável em toda emissão, ou endosso, de título de crédito. Assim, o elemento creditício, comum em parte aos dois institutos, acaba perdendo-se no emaranhado das diferenças, de modo a recomendar a superação da lição que considerava o valor mobiliário uma espécie de título de crédito (cf. Mattos Filho, 1985)”. (COELHO, 2012, p. 88).

O capital social da sociedade anônima, por outro lado, é aquilo que é investido pelos constituintes da sociedade (sócios), e é dividido em ações.  Trata-se de uma “referência à contribuição que os sócios dão para a sociedade desenvolver a sua atividade econômica”. (COELHO, 2012, p. 89). Dessa forma, representa o capital social aquele investimento inicial dado pelos sócios, é o capital de giro da sociedade empresária, para que ela inicie suas atividades e o rendimento de lucro. É o investimento feito pelos sócios para que a sociedade possa iniciar e manter suas atividades. Isso, no entanto, não significa que novos investimentos não sejam necessários posteriormente.

O último conceito imprescindível apontado por Fábio Ulhôa Coelho para a compreensão do conceito de sociedade anônima é o preço de emissão. A ação é a subdivisão do capital social da sociedade, e, assim como todos os valores de mercado, pode variar. Segundo este autor, “o preço de emissão é o máximo que o acionista pode vir a perder, caso a empresa explorada pela sociedade anônima não se revele frutífera, e tenha esta falência decretada”. (COELHO, 2012, p. 89). Dessa forma, Coelho apresenta um conceito definitivo de sociedade anônima, no qual “anônima é a sociedade empresária com capital social dividido em valores imobiliários representativos de um investimento (as ações), cujos sócios têm, pelas obrigações sociais, responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações que titularizam”. (COELHO, 2012, p. 90).

4.1. Requisitos para emissão e cessibilidade das debêntures nas sociedades anônimas

Como bem define Rubens Requião,

“Existem, portanto, nessa espécie de sociedade, dois tipos de sócios: o sócio ostensivo, empresário, que aparece nos negócios com terceiro contratando sob o seu nome e responsabilidade, e tanto pode ser uma sociedade comercial como um empresário individual, e o sócio oculto, que é o prestador de capital para aquele, não aparecendo externamente nas relações da sociedade. É, como se vê, uma sociedade interna, oculta, entre o empresário ou uma sociedade empresária e o sócio ou sócios que não se destacam, permanecendo ocultos e anônimos”. (REQUIÃO, 2003, ps. 421-422).

Inicialmente, como regra, a competência para a deliberação sobre a emissão das debêntures nas sociedades anônimas é privativa da assembleia-geral, tal como dispõe o caput do art. 59 da lei 6.404/76. Nesse sentido, Almeida afirma:

“Dispunha o §5º do art. 1º do Decreto nº 177-A, de 15 de setembro de 1893, que não se faria emissão de obrigações sem prévia deliberação da assembleia geral dos acionistas, adotada por tantos sócios quanto representassem, pelo menos, metade do capital social, em reunião a que assistisse número de acionistas correspondente a três quartos deles. Posteriormente, por força do que dispôs o art. 87, parágrafo único, c, do Decreto-lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940 (Lei das Sociedades Anônimas), tal critério foi alterado, competindo exclusivamente à Assembleia Geral dos Acionistas decidir sobre a criação e emissão de debêntures, princípio mantido pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas)”. (ALMEIDA, 2008, ps. 314-315).

O capítulo V da Lei nº 6.404/76 trata das debêntures nesse tipo de sociedade. O art. 52 da referida lei determina que a companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de crédito contra ela, nas condições constantes da escrita de emissão e, se houver, do certificado. Para Almeida, este dispositivo visa “possibilitar a necessária captação de recursos, indispensáveis à estabilidade das empresas” (ALMEIDA, 2008, p. 315).

O art. 53 prevê a possibilidade de emissão de mais de uma debênture e a sua divisão em séries. Seu parágrafo único determina, no entanto, que, quando divididas em séries, as debêntures deverão ter igual valor nominal. O art. 56, por sua vez, determina que a debênture poderá assegurar a seu titular juros, fixos ou variáveis, participação nos lucros da companhia ou premio de reembolso. Este último dispositivo é motivo de controvérsias doutrinárias, no que bem expõe Almeida:

“Ponto altamente controvertido na nova Lei, e que, por isso mesmo, vem se constituindo em objeto de controvérsias, é a regra estabelecida no art. 56, que faculta a participação nos lucros da companhia ao debenturista. Manifestando-se a respeito, assim se expressou a Federação do Comércio do Estado de São Paulo: ‘A debênture é título característico de empréstimo, sendo os juros e a correção monetária a remuneração a ela peculiar, não se justificando a concessão de vantagens adicionais, dada a natureza do negócio jurídico que origina seu lançamento. Lucro é remuneração de capital de risco e, salvo o caso especial das ‘partes beneficiárias’, não deve ser estentido a outros títulos que não as ações’”. (ALMEIDA, 2008, p. 317).

Passando ao assunto central deste paper, a Seção III deste capítulo nos apresenta e regulamenta a criação e emissão das debêntures nas sociedades anônimas. Como afirmado anteriormente, o Art. 59, caput, determina que a deliberação acerca da criação e emissão destes títulos será privativa da Assembleia Geral societária. No entanto, este dispositivo apresenta oito incisos e quatro parágrafos, representando elementares que devem ser observadas, fora a regra geral da Assembleia. Para justificar este dispositivo, Carvalhosa afirma que:

“Fica, assim, estabelecido pela lei, dentro da nossa sedimentada tradição a respeito, que nenhuma emissão será válida sem que a assembleia geral delibere a respeito. Não pode, pois, valer-se a companhia de dispositivo estatutário autorizativo de tais emissões para dispensar a assembleia de, a cada nova emissão, reunir-se para deliberar. O fundamento é o de que, tratando-se de emissão de debêntures de um contrato mútuo, estará com ele comprometido o patrimônio da companhia. Daí, no caso do mútuo debenturístico, prevalece a regra que atribui à assembleia geral deliberar sobre a alienação ou oneração de valor significativo do patrimônio social.” (CARVALHOSA, 2002, ps. 696-697).

Outro argumento capaz de fundamentar essa determinação legal é a de que não se poderia deixar que parte minoritária da sociedade empresária pudesse tomar decisões referentes à criação e emissão dos títulos de crédito, de modo que o patrimônio inteiro da empresa restaria responsabilizado, e, consequentemente, as cotas de participação de indivíduos que poderiam nem sequer ter conhecimento da transação envolvendo as debêntures.

É importante ressaltar que a criação de debêntures não se confunde com a sua emissão. Deve ser feito, portanto, um distanciamento entre estes dois conceitos. Para isso, recorre-se aos ensinamentos do renomado doutrinador Carvalhosa, nos quais afirma ele que a criação destes títulos é consequência da deliberação da Assembleia Geral, enquanto a emissão somente é constatada posteriormente, no momento em que é formalizada da escritura. (CARVALHOSA, 2002, p. 704).

O inciso I do art. 59 da Lei nº 6.404/76 determina que devem ser observados: “o valor da emissão ou os critérios de determinação do seu limite, e a sua divisão em séries, se for o caso (inciso I); o número e o valor nominal das debêntures (inciso II); as garantias reais ou a garantia flutuante, se houver (inciso III); as condições da correção monetária, se houver (inciso IV); a conversibilidade ou não em ações e as condições a serem observadas na conversão (inciso V); a época e as condições de vencimento, amortização ou resgate (inciso VI); a época e as condições do pagamento dos juros, da participação nos lucros e do prêmio de reembolso, se houver (inciso VII); o modo de subscrição ou colocação, e o tipo das debêntures (inciso VIII)”. (Lei 6.404, 1976).

Passando aos parágrafos deste dispositivo, todos tiveram sua redação alterada pela lei nº 12.431/11, que foi além e incluiu o parágrafo 4º. O primeiro parágrafo determina que o conselho de administração poderá deliberar sobre a emissão das debêntures impossibilitadas de conversão em ações nas companhias abertas, salvo se houver estatuto dispondo de forma diversa.

O segundo parágrafo também fala das companhias abertas, e determina que o seu estatuto poderá autorizar o conselho de administração a deliberar sobre a emissão das debêntures conversíveis em ações, especificando o limite do aumento de capital decorrente da conversão das debêntures, em valor do capital social ou em número de ações, e as espécies e classes das ações que poder emitidas.

O terceiro parágrafo afirma, de forma bastante simplória, que a deliberação da assembleia geral poderá englobar a possibilidade de a emissão ter valor e número de série indeterminados, dentro dos limites fixados pela própria assembleia. Por fim, o parágrafo 4º determina que, “nos casos não previstos nos parágrafos primeiro e segundo, a assembleia geral pode delegar ao conselho de administração a deliberação sobre as condições de que tratam os incisos VI a VIII do caput e sobre a oportunidade de emissão.” (Lei nº 6.404/76).

Conclusão

O presente paper nos permitiu ter uma visão abrangente do que efetivamente são as debêntures e a forma que são estes títulos de créditos aplicados no mundo fenomênico empresário. Como afirmado anteriormente, os títulos de crédito ensejam relações jurídicas baseadas na confiança de que o outro indivíduo adimplirá sua obrigação.

Uma vez emitidos, os títulos de crédito geram obrigações, e as debêntures representam uma dívida que a sociedade anônima adquire com relação ao beneficiário do título. Por essa dívida responde todo o seu capital social, e, portanto, as quotas de todos os sócios. O ordenamento jurídico deve vedar, portanto (e o faz), a emissão desenfreada destes títulos e a constante aquisição de dívidas por parte de um único sócio, sem que os outros tomem conhecimento disso. Para isso, o art. 59 estabelece estes requisitos, e, principalmente, a vinculação da sua criação e emissão à assembleia geral.

Sendo assim, conclui-se que os títulos de crédito evoluíram bastante desde a criação deste instituto, e, de forma conjunta, evoluíram as formas que o ordenamento jurídico dispõe para proteger a boa-fé, a confiança e manutenção das relações jurídicas nos moldes da legislação. A confiança é a base da relação contratual. A má-fé é típica dos indivíduos que querem retardar a justiça e a boa desenvoltura das relações jurídicas, e deve ser, portanto, reprimida nas mais severas formas.

 

 

 

 

Referências

 

ALMEIDA, Amador Paes. Teoria e prática dos títulos de crédito. 27. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

BRASIL. Lei nº 12.431, de 27 de julho 2011.

BULGARELLI, Waldirio. Títulos de Crédito. São Paulo: Atlas, 2003.

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as modificações das Leis nº 9.457, de 5 de maio de 1997 e 10.303, de 31 de outubro de 2001. São Paulo: Saraiva, 2002

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 1: direito de empresa. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2: direito de empresa. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2003.



[1] Paper apresentado à disciplina de Títulos de Crédito como forma de obtenção da segunda de três notas semestrais.

[2] Discente do quinto período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[3] Discente do quinto período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.