A EDUCAÇÃO QUE CLAMA POR MUDANÇAS

Maria Eunice Gennari Silva

 Os conteúdos curriculares, ainda hoje e por muito tempo, têm sido utilizados na educação, para que o aluno, na maioria das vezes, apenas tenha informações. E informação sem conhecimento, ou seja, sem aprender e compreender o que fazer com ela (a informação), não promove mudanças. O pior é que, cada vez mais, cresce, assustadoramente, a facilidade com que se obtém informações desprovidas de uma análise aprofundada e criteriosa, dentro da sala de aula.

Sem correr o risco de cometer injustiça, é necessário ressaltar, antes de dar continuidade a este texto, a existência de profissionais da educação comprometidos com fatos, conceitos e procedimentos, em relação aos conteúdos curriculares. São educadores que realizam ações planejadas, visando alcançar metas definidas. São aqueles que oferecem, aos educandos, um ensino/aprendizagem que possibilita e permite aplicação prática, para o resto de suas vidas. São professores e professoras que deixam marcas do verdadeiro sentido de aprender para ensinar e ensinar para aprender... mais.

Por outro lado, na escola, seja ela pública ou não, o número de professores recém formados que chegam para assumir salas de aula, com o objetivo de ensinar turmas de alunos de diferentes faixas etárias, estão, na grande maioria, ligados às novas tecnologias de comunicação e informação (TCI’s). Principalmente, os antenados em seus celulares, nas redes sociais, nas conversas entre grupos formados nos WhatsApp’s da vida escolar. Mas, até aí, tudo bem. O que realmente preocupa é o nível ortográfico e gramatical, a elaboração de frases sem conteúdo, além da troca de informações desprovidas do real conhecimento sobre elas.

A educação, então, corre o risco com este excesso e nível de informação, ao ser oferecida, também, ao aluno. É a informação repassada e, nem sempre, acompanhada por profissionais capacitados, para tal. Ela não está integrada no Plano de Ensino que deveria ser elaborado, para conduzir o processo de desenvolvimento das atividades escolares, mesmo com a utilização dos celulares na sala de aula (uma boa ideia pra quem sabe como fazê-lo).

São considerações a respeito de uma realidade que, somada aos muitos desacertos ao longo dos anos, reflete a urgência com que a educação clama por mudanças. Basta verificar os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). É claro, que os motivos têm diferentes origens, desde recursos financeiros não repassados, material didático precário, falta de espaços com estruturas voltadas para arte/educação, merenda questionável sob vários aspectos, alunos agressivos e/ou com dependências químicas, famílias ausentes e sem o menor interesse pela vida escolar de seus filhos e/ou dependentes (lembrando o grande número de alunos na responsabilidade de avós cansados e com aposentadorias minguadas), e por aí vai.

No entanto, nada e nenhum destes grandes e complexos desafios pode impedir, ou minar, a determinação do educador que quer contribuir no processo de construção de uma nova geração. A educação precisa de mudanças, mas com profissionais capacitados, que transmitam informações fundamentadas em fatos, procedimentos e conteúdos sólidos. Que promovam a formação de indivíduos conscientes da sua importância ética e estética, para o país. Estas exigências, mesmo diante de um quadro problemático em que a escola se encontra, são possíveis quando há um equipe gestora administrativa e pedagógica que sabe onde e como quer chegar, no mínimo, até o final do ano letivo.

Precisa-se, urgentemente, de mais coerência entre o que é registrado no Projeto Político Pedagógico – PPP, da escola, com o que, de fato, acontece, na maioria das vezes, no cotidiano escolar. Ora, o PPP é o documento norteador dos caminhos que se pretende percorrer, durante todo o ano letivo, de forma organizada, respeitando os eixos temáticos da convivência, do currículo, da gestão democrática e da avaliação. Logo, conclui-se que, coletivamente, este documento foi elaborado em tempo hábil, revendo, anualmente ou quando necessárias, mudanças que possam contribuir no aperfeiçoamento e na qualidade do ensino.

Vale ressaltar que,

A escola é um texto escrito por várias mãos e sua leitura pressupõe o entendimento não apenas de suas conexões com a sociedade, mas também de seu interior. Atrás de um projeto político-pedagógico ficam resgatadas a identidade da escola, sua intencionalidade e a revelação de seus compromissos (REZENDE, 2008, p. 91).

Além do mais, é preciso considerar que novas ideias e teorias surgem continuamente, por isso mesmo, é impossível prever como elas se apresentarão. Então, é necessário, também, que se tenha a certeza da chegada de tantas novidades, ou seja, que haja profundo conhecimento sobre as informações a respeito destas novidades. Inclusive, o estar preparado para esperar o inesperado. E, refrescando a memória, certamente, isto só se fará com profissionais competentes e capacitados.

Lutando, então, por uma administração e uma pedagogia inovadoras, mas responsável, a educação clama por mudanças fundamentadas em conhecimentos capazes de oferecer um ensino colaborativa e orientador. Que ensine respeitando e estimulando as competências e habilidades do aluno, para que ele possa interferir e mediar o processo de participação e desenvolvimento de uma nação. Isto é visão de mundo a partir da sua moradia, da sua comunidade, da sua escola, da sua cidade...

Para aproximar o que muitos acreditam ser um sonho às necessidades da escola, e torná-los realidade, é preciso uma visão perceptiva, crítica e analítica sobre os tantos modelos educacionais que inventam “modismos” e, infelizmente, não apresentam resultados eficazes, na maioria das escolas brasileiras. Modelos estes, que foram se infiltrando na escola, contaminando com o comodismo das práticas repetitivas sem exigir esforços, para buscar novas alternativas. Infelizmente, estes modelos ineficazes acontecem já na Educação Infantil, negando, às crianças, o prazer de aprender brincando, o que seria uma metodologia simples e eficaz, apenas pelo fato de estar mais próxima aos interesses desta faixa etária.

É preciso considerar, que antes da criança entrar na fase escolar, já faz parte da sua bagagem, aprendizados sobre as impressões sensoriais, a identificação de sons, objetos e pessoas, a manipulação dos objetos, o saber andar, comer, o saber demonstrar carinho e ou agressão, a identificar símbolos e tantas outras coisas.

Segundo, o educador e filósofo, Eduardo O. C. Chaves, em trabalho elaborado para os professores e alunos do Projeto “Sua Escola a 2000 por Hora”, do Instituto Airton Senna, no seu texto "Educação Orientada para Competências e Currículo Centrado em Problemas", ele diz que:

Registre-se, porque é de fundamental importância, que nenhum desses aprendizados envolva absorção pura e simples de informação – em todos eles, o essencial é o desenvolvimento de competências e habilidade-sensório-cognitivas, psicomotoras, emocionais e sociais (interpessoais). Registre-se ainda que, em nenhum desses casos, há um processo de ensino formal e institucionalizado: a criança aprende observando, imitando e respondendo a intermitentes intervenções (estimulações ou provocações, no bom sentido) daqueles que compartilham o seu mundo. Além do mais, aprender todas essas coisas dão prazer às crianças - a curiosidade natural delas as torna auto motivadas e em nenhum momento o aprendizado lhes parece doloroso ou entediante. Aprender é parte de sua vida. Brincar para elas é aprender, e aprender é brincar. (CHAVES, 2000).

A escola, na sua maioria, tem dês-construído o processo de aprendizagem, sobre mecanismos artificiais de recompensas e punições. Basta verificar a ênfase que ela dá, nos “pontos fracos” dos alunos (aulas de reforço), ao invés de investir, motivar e estimular os seus “pontos fortes”, objetivando a formação de crianças felizes que resultarão em adultos bem resolvidos.

A pré-ocupação da escola está muito mais centrada nos problemas que os alunos têm, do que aproveitar as soluções que já existem nas habilidades e competências naturais deles, muitas vezes adormecidas. Certamente, o despertar e valorizar destas habilidades e competências possibilitaria o desenvolvimento e continuidade de projetos com qualidade, de baixo custo e com resultados eficazes. No entanto, o gasto que se faz na escola e, em nome dela, não tem nada a ver com o que a gente “acha” que o aluno quer ou precisa.

O que falta então?

Ouvir, conhecer e compreender esta geração e a sua realidade, neste século, para não correr o risco de mais décadas e décadas “fazendo de conta que o professor ensina e o aluno aprende”. É preciso observar o que o aluno quer, discutir este querer com ele, analisar suas motivações, adequá-las ao conteúdo transdisciplinar e investir nas suas habilidades, para que elas sejam aperfeiçoadas e utilizadas, durante todo processo de aprendizagem escolar e na sua vida pessoal.

É a escola comprometida com algo que o aluno faz, valorizando e respeitando suas produções. E, não com o que lhe mandam fazer, de forma imposta, para apenas cumprir um currículo distante do prazer de ensinar (pelo professor) e de aprender (pelo aluno). Estas práticas fazem com que o aprender deixe de ser um processo natural, agradável e contínuo, tornando algo doloroso e complicado assim que a criança entra na vida escolar e só termina quando, já adulto e aliviado, recebe um diploma.

E depois?

Depois, ninguém pode prever o que uma criança de sete anos fará dez ou vinte anos mais tarde. Mas o mercado de trabalho, com certeza, espera dela, bom desempenho.

E qual é o bom desempenho? O das suas habilidades que não foram respeitadas e, muito menos, aperfeiçoadas? Ou o desempenho – médio, regular – fabricado para atender os mecanismos artificiais da recompensa, por ter conseguido um emprego?

Um adulto longe das suas habilidades e competências naturais, e interrompidas por uma escola que o obrigou a concentrar sua atenção nas coisas alheias aos seus interesses, certamente, passará grande parte da sua vida (ou toda ela) tentando corrigir deficiências.

As pessoas são diferentes e, por isso mesmo, aprendem de maneiras diferentes. Cada uma tem um ritmo, uma velocidade ou um grau de atenção. Estes requisitos quando impostos de forma generalizada, a probabilidade é de pouco ou nenhum aprendizado, em função do desinteresse, da resistência e da desmotivação que cresce ao longo do ano letivo (basta observar o Índice de Repetência e Abandono Escolar).

Peter Drucker, o visionário do século 21 da gestão corporativa e pai da administração moderna, no seu livro “As Novas Realidades” descreve um novo universo perceptivo e diz que:

Nós sabemos que pessoas diferentes aprendem matérias diferentes de maneira diferente. A maioria de nós aprendeu a tabuada através da repetição e dos exercícios. Mas os matemáticos não ‘aprendem’ a tabuada; eles a ‘captam’, por assim dizer. Da mesma forma, os músicos não aprendem a ler uma partitura; eles a ‘percebem’ e a ‘sentem’. (...) Algumas coisas de fato têm que ser ensinadas – e não apenas valores, percepções e significados. Um professor é necessário para identificar os pontos fortes do aluno e para direcionar um talento à sua realização. (...) A nova tecnologia... é uma tecnologia de aprendizagem, e não de ensino... Não resta dúvida que grandes mudanças irão ocorrer nas escolas e na educação – a sociedade instruída irá exigi-las e as novas tecnologias de aprendizagem acabarão por efetivá-las. (DRUCKER, 1997).

É possível, então, que a expressão popular de alerta, que diz: “a fila anda”, signifique que é tempo de eliminar, das práticas educativas, o “fazer de conta que o professor ensina, enquanto o aluno faz de conta que aprende”. É tempo de impedir propagandas que adestram os alunos a conservarem os seus livros didáticos por quatro ou mais anos, para que os seus colegas repitam, posteriormente, o mesmo que eles fizeram. Ou seja, copiar, responder exercícios repetitivos e decorar respostas para questionários que abordam uma quantidade enorme de cultura inútil. E mais, sendo utilizados, no máximo, ¼ do extenso conteúdo informacional.

É tempo de orientar o aluno que o livro didático é um investimento que precisa ser adquirido sempre, seja comprando, ganhando ou pegando emprestado nas bibliotecas escolares, para ser manuseado, analisado, pesquisado e, inclusive, recortado. Recortado sim. Sem traumas e culpas. Mas, possibilitando, ao aluno, outras formas de aprendizagem como confeccionar, por exemplo, cartazes e portfólios. Recursos didático/pedagógicos que poderão despertar criatividade, noção de estética e socializar o aprendizado.

Quanto à reposição destes livros recortados nas escolas públicas, pode e deve vir dos recursos disponibilizados, estritamente, para a educação. Já nas escolas particulares, é só conscientizar o aluno e sua família, como abrir mão do supérfluo e investir, voluntariamente, na doação de livros, para a realização de atividades inteligentes, com os próprios educandos. Estas são ideias de escolas que buscam, continuamente, mudanças significativas. Recortar o livro didático é tirá-lo da estante, onde, muitas vezes, ele fica por ali, anos e anos, acumulando poeira e provocando alergia e coriza, no profissional responsável pela sua guarda. Até que, um belo dia, é necessário desobstruir a falta de espaço, para novos livros que chegam. E, os antigos livros aprisionados são doados pela escola toda, sem nenhuma orientação de como utilizá-los.

 A título de curiosidade, os livros de todas as disciplinas de um determinado ano, se colocados um sobre o outro, normalmente, ultrapassam um metro e meio de altura. Tudo isso para colocar na cabeça de uma criança ou jovem adolescente, durante todo ano letivo, na maioria das vezes, sem orientação e sem critério de qualidade. O que, na realidade, nem acontece e nem teria tempo para acontecer. É muita informação, para interagir com o conhecimento necessário.

Esta realidade nos leva a questionar outro desafio muito maior: a pedagogia digital. Onde está o educador preparado para tanta informação? Onde está o educador preparado para as inteligências coletivas, através da internet? Onde está o educador que conseguiu ir além de ‘aulinhas estereotipadas’, para, agora, orientar o seu aluno a separar o “joio do trigo” nesta máquina fascinante, perigosa e sem volta?

É claro que muitas escolas, espalhadas por este Brasil afora, possuem educadores e projetos sintonizados com as exigências deste século digital. Tem gente fazendo e acontecendo. Mas, “a fila anda”. É preciso ampliar oportunidades que ofereçam mudanças concretas no exercício de aprender e ensinar. 

Por estas e outras, há uma luta contínua no espaço escola, onde a educação procura alternativas que possibilitem resultados satisfatórios. Entre elas, a pedagogia de projetos – promover uma mudança na maneira de pensar e repensar a escola e o currículo na prática pedagógica.

Nesta visão, é preciso projetos inteligentes, criativos e que transitam entre a escola nova, sem modismos, e a escola tradicional que fundamenta o conhecimento. Projetos que tenham começo, meio e fim. E, que no final, sejam reavaliados, repensados e reelaborados, para corrigir e implementar sua continuidade nos próximos anos. São projetos construídos para uma geração que tem um modo muito diferente e próprio de perceber e se relacionar com o mundo. Por isso, mais uma vez, refrescando a memória, certamente, isto se faz com profissionais competentes e capacitados.

Em 1897, John Dewey, já defendia a Pedagogia Ativa, que era, na época, nada mais nada menos que a Pedagogia de Projetos, tão discutida, atualmente, com a finalidade de provocar mudanças na educação. Nesta concepção, ele afirmava que: “a escola deve representar a vida presente tão real e vital, para o aluno, como a que ele vive em casa, no bairro ou no pátio.” Mais tarde, entre 1927 e 1929, o educador Anísio Teixeira, que foi aluno de Dewey, inspirado nas suas filosofias, também defendia que “...o interesse do aluno deve orientar o que ele vai aprender. Portanto, é preciso que ele escolha suas atividades.” E, de preferência, na companhia de educadores capacitados.

O que estamos esperando, ainda, para que as mudanças na educação comece a partir da aprendizagem com história de vida do próprio aluno, dos seus gostos e interesses, das suas habilidades e competências? É tão simples, prático e de baixo custo.

Afinal, a educação ainda é o único veículo seguro que oferece caminhos diversificados, para as relações do saber. Um saber traduzido em desempenho que pode florescer, desde que haja zelo e afetividade ao plantar as sementes, porque só assim elas darão bons frutos.

Quanto aos maus frutos, é preciso observar quem deixou de zelar pelas suas sementes e arrancá-las, para começar tudo de novo... e novo.

Pode-se brincar no processo educativo, mas não com a educação.

REFERÊNCIAS

 CHAVES, Eduardo O. C. Educação Orientada para as Competências. Disponível em: https://socorroalencar53.wordpress.com/2010/01/04/educacao-orientada-para-as-competencias/. Acessado em: 28 abr. 2014.

 DRUCKER, Peter F. As novas realidades: no governo e na política, na economia e nas empresas, na sociedade e na visão do mundo. 4. Ed. São Paulo; Pioneira, 1997.

 RESENDE, Lúcia Maria Gonçalves de. Paradigma – relações de poder - Projeto político-pedagógico: dimensões indissociáveis do fazer educativo. In: VEIGA, Ilma Passos A. (Org.). Projeto Político-Pedagógico da Escola – Uma construção possível. Campinas, SP: Papirus, p. 53-94, 2008.