A Educação Física escolar e as práticas corporais não convencionais e alternativas

Autor: Dr. Elionai Dias Soares

Professor de OMF / Anatomia Humana – Cesmac / AL

Curso: Licenciatura em Educação Física – Claretiano / SP

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Introdução

As PCAs se configuram em pluralidade cultural, revelando, em qualquer pessoa, uma dinâmica com estímulos visuais, táteis, auditivos e cinestésicos de um corpo em constante movimentação. Assim, as PCAs procuram o desenvolvimento de um corpo capaz de autorregulação, isto é, capaz de lutar ou fugir, de arremeter ou esperar, de cair e levantar e de perceber, refletir, sentir, simbolizar e transcender, dotado de firmeza e doçura, determinação e sensibilidade, força e relaxamento. No significado das PCAs encontra-se um indivíduo abordado de forma holística, onde o corpo é entendido como uma interação de fatores psicológicos, físicos, emocionais, sociais e culturais, em sua integralidade.

 

Conceitos de holismo e pluralidade:

Holismo: é uma palavra derivada de holos, que dá a ideia de um fato, pensamento, algo ou alguém percebidos na sua completude, e não na soma de suas partes. Pluralidade: O significado de pluralidade é justamente o inverso de "unidade", ou o fato percebido apenas de um único ponto de vista.

Assim, o indivíduo deve ser considerado na sua totalidade e percebido nos seus gestos, olhares arregalados ou baixos, testa franzida, supercílio levantado, poses, atitudes, pois tais gestos podem significar (diante de um olhar experimentado) um comportamento inteiro. Em outras palavras, devemos estar cientes de que a pessoa pode mostrar ou esconder fatos excusos, problemáticos e impossíveis de confessar por meio da palavra oral, muito embora tais fatos sejam perfeitamente relacionados entre si.

 

Os percussores das PCAs
 

Émile Jaques-Dalcroze: Nascido em Viena, na Áustria (1865-1950), trabalhou a fim de mudar o método tradicional de formação do ator e do bailarino, rompendo com os padrões tradicionais da dança clássica. Foi professor de música e utilizava a iniciação auditiva e rítmica das pessoas, criando uma metodologia que influenciaria uma gama de profissionais da dança moderna. Ele chamou seu método de eurritmia, que visava desenvolver e aperfeiçoar a sensibilização corporal de atores e ginastas, apresentando o método de coordenação musical com movimentos corporais, pois acreditava que qualquer segmento corporal era receptivo ao som: um instrumento primordial para a assimilação musical. Segundo ele, o corpo somente poderia desenvolver uma atividade estética quando o sentido muscular estivesse suficientemente amadurecido para converter sensações em movimento.

François Delsarte: Nascido na França (1811-1871), tentou a carreira de cantor, sofreu problemas com a voz e decidiu estudar a relação entre o gesto, as emoções e a natureza em toda a sua exuberância. Ao visitar hospitais, asilos, necrotérios, prisões, seus olhos não procuravam a perfeição, mas a humanidade com todas as suas irracionalidades, defeitos e possibilidades. Delsarte fundamenta-se na transdisciplinaridade entre o movimento, a voz, a expressão, o sentido, a respiração e a emoção, criando exercícios que suscitassem essas faculdades e despertassem a criatividade do aluno. Ele acreditava na união corpo / mente / alma / movimento, pois esses fatores faziam parte de uma mesma dimensão, de uma mesma realidade.

Wilhelm Reich: Nascido na Ucrânia (1897-1957), com sua visão aguçada, é um dos mais importantes precursores modernos das atuais PCAs, principalmente no campo da Saúde, uma vez que ele era médico e psicanalista. Reich defendia uma ação pedagógica de natureza política e afirmava que a neurose (como a repressão e a falta de prazer) era resultado de questões sociais, cujo remédio estava na leitura correta da linguagem corporal, que, por mais que o indivíduo quisesse, revelava o que o inconsciente queria esconder ou não podia mostrar. Para ele, não haveria saúde mental sem saúde física ou ecológica, e vice-versa. Segundo ele, a criação de tensões musculares crônicas (couraças) servia para proteger o indivíduo contra experiências emocionais dolorosas e ameaçadoras, perturbando o equilíbrio da sua energia. O excesso de energia e a retenção da respiração podem criar uma couraça muscular, demonstrada por meio de pescoço duro, atitudes excessivamente orgulhosas, opressivas, de submissão ou extrema autoridade, de desdém, preconceitos, esforços mal dirigidos, falta de naturalidade, tronco travado, ausência de alegria e postura inadequada.

Elsa Gindler: Nascida na Alemanha (1885-1961), é considerada uma das criadoras da ginástica harmônica. O objetivo de Gindler era desenvolver o potencial físico e mental das pessoas, exigindo muita reflexão, responsabilidade e determinação para que desempenhassem bem suas necessidades cotidianas. Os temas, vivências e propostas de Elsa Gindler ao longo do seu trabalho, para erigir uma personalidade sensível e madura, custasse o que custasse, eram: postura, relaxamento, tônus muscular e emocional, biomecânica respiratória, consciência, musculatura do pescoço, crispações musculares involuntárias, atenção, elasticidade, vitalidade, alternância entre trabalho e repouso, atitudes maduras para enfrentar mudanças, enfrentamentos, percepção das sensações de medo, ansiedade, experiências de intenção e esforço, soltura, o silêncio que falava, leveza, autonomia, a tapotagem como forma de massagem, as surpresas e mistérios provocados pelo autotoque em uma época de grande repressão. Vale ressaltar que Gindler não se interessava apenas pelo desenvolvimento físico do aluno, mas também pelo seu desenvolvimento global, autônomo, livre e responsável.

Alexander Lowen: Nascido nos EUA (1910-2008), foi discípulo de Wilhelm Reich e deu continuidade aos seus estudos, trabalhos e práticas clínicas por meio de um método que ele chamou de bioenergética, visando compreender e dissolver as tensões crônicas apresentadas pela musculatura das pessoas, fruto de forças irracionais pessoais, sociais e políticas. Segundo Lorenzzeto e Matthiesen, em 2008, Lowen observou que sua respiração deficiente devia ser o primeiro aspecto a ser tratado, pois dele dependiam todos os outros fatores. Em seguida deveriam ser tratados os músculos da face, do pescoço e de outras musculaturas cronicamente tensas, para aos poucos mobilizar os sentimentos e as sensações, ativando e liberando as energias e os centros vegetativos. Essas tensões ou couraças musculares são assim definidas pois servem para proteger o indivíduo contra experiências emocionais dolorosas e ameaçadoras. São como um escudo que o protege contra impulsos perigosos oriundos de sua própria personalidade, assim como das investidas de terceiros. Lowen aplicava uma pressão manual (da suavidade à firmeza) sobre certos músculos, provocando tremores e vibrações involuntárias, como uma forma primária de contato, para favorecer o aparecimento de sensações, sentimentos, liberando a respiração, fornecendo apoio, conforto e calor ao paciente, evocando lembranças e facilitando o processo terapêutico.

Moshe Feldenkrais: Nascido na Rússia (1904 - 1984), afirmou que o processo acontece quando a autoimagem é formada pela integração das dimensões da corporeidade movimento, sensação, sentimento e pensamento. Segundo ele, a tensão e o estresse criados podem gerar problemas: quanto à má postura, onde a coluna vertebral pode perder sua maleabilidade, seu alinhamento e sofrer desgastes ósseos; quanto à respiração, quando ficamos incapazes de enfrentar uma poluição e impedidos até mesmo de executar um trabalho físico pouco intenso; quanto às dores, onde elas podem ser fruto da tensão muscular acentuada e apresentar problemas agudos ou crônicos na região cervical, no pescoço, na mandíbula, nos ombros e na região lombar; e quanto ao olhar, onde o uso de focos muito próximos dos olhos ocasiona o cansaço ocular e o aumento da tensão no pescoço, nos ombros e nas costas.

Gerda Alexander: Nascida na Alemanha (1908-1994) criou um método chamado eutonia que propunha o equilíbrio do tônus muscular e emocional. Seu método busca a restauração da sensibilidade da superfície corporal, a melhoria da imagem corporal, do estado geral do corpo, da circulação, do sono, da maior segurança e liberdade nos movimentos e na postura, desenvolvendo em cada um a possibilidade de ser seu próprio mestre. Vale destacar que Gerda Alexander coloca-se frontalmente contra os treinos de ginástica que tenham como único objetivo o aumento da força muscular em detrimento do trabalho das torções: mobilidade (flexibilidade articular) e elasticidade (alongamento muscular, ligamentar, tendinoso e facial).

 

Discussão

Podemos verificar a compreensão do próprio corpo e a sistematização das práticas corporais no que tange à plasticidade humana, além de constatar a propriocepção, as forças, o equilíbrio e os apoios físicos e psicológicos. Dessa forma, com o intuito de sistematizar as PCAs, não é suficiente criar um ambiente diferente, com inúmeros materiais, faz-se necessário conhecer o próprio corpo, percebendo-o de formas diferentes, diversificadas, humanas, maduras, prazerosas e positivas. Portanto, verifica-se a sistematização e a aplicação dos princípios e valores das PCAs, bem como a importância do conhecimento do próprio corpo, das relações da plasticidade corporal com a propriocepção, as forças internas e externas ao corpo, os equilíbrios e os apoios físicos e psicológicos.

Assim, aprendemos com o próprio corpo na medida em que se compreende e emprega as dimensões básicas como pensamentos, sensações, sentimentos, ações, simbolismos e transcendências, onde se agrupam para formarem a inteireza do ser humano. Assim, as dimensões da corporeidade devem estar integradas e centradas no movimento, na sensação, no sentimento e no pensamento. Dessa forma, pode se afirmar que o processo acontece quando a autoimagem é formada pela integração das dimensões da corporeidade movimento, sensação, sentimento e pensamento. Portanto, as PCAs podem auxiliar todos os que estão nesse contexto, a iniciar as buscas para bem perto de si, como a sua casa ou seu corpo.

A aplicação no dia-a-dia permite que esse mecanismo de homeostase (equilíbrio) se evidencie de forma que o aluno não tenha medo do novo, das mudanças e das transformações, pois cada perda é seguida de sucesso, e cada queda se torna um treino para a autonomia. Este é um ponto importante para o corpo alternativo, ao saber que a desorganização corporal pode seguir a desorganização mental, e vice-versa, assim como o escorregão psicológico pode ter como consequência um escorregão físico. Dessa forma, conforme material estudado, verifica-se que se as bases de sustentação estão firmes, flexíveis, abertas e acostumadas à queda, o corpo vai se levantar, já que está acostumado à rotina de exercícios, e suas funções vitais não entrarão em crise com tanta intensidade; caso entrem, a normalização delas caminhará a passos bem rápidos. Desta forma, vale salientar que “a visão dos profissionais ligados às PCAs deve ser a de que o aluno aprenda a equilibrar-se, mas também aprenda a cair e a levantar-se com independência” (TERRA; LORENZETTO, 2013, p. 44.).

 

Exemplo de uma atividade de Ginástica Holística que possa ser aplicada em uma aula de Educação Física Escolar para a Educação Básica.

Vamos descrever uma atividade simples, pautada em uma dinâmica de alongamento, flexibilidade e respiração, de atividade holística que pode sim ser desenvolvida em sala de aula: O aluno deverá deitar-se de barriga para cima, com os joelhos dobrados, e com uma bola macia, preferencialmente um pouco murcha. Os olhos deverão estar fechados e, preferencialmente, uma música de fundo deverá estar tocando. Caso seja possível, as luzes deverão estar apagadas, trazendo um ambiente mais reflexivo e tranquilo. Como opção, pode também colocar um rolo de toalha embaixo da cabeça. Orientar para que faça movimentos de “sim” com o pescoço. Salienta-se a necessidade de respiração constante e profunda, durante toda a prática. Repetir o movimento durante 10 vezes. Após a realização dessa sequência, inverter com movimento de negação. Repetir mais 10 vezes. Na sequência, realizar movimentos circulares. Além de relaxar a região da nuca, o movimento induz a calmaria e oxigenação cerebral. Por fim, manter-se deitado no chão e alongar-se ao máximo, mantendo-se em posição por 3 minutos. Um aspecto demonstrativo interessante nessa rápida atividade relaxante é a mensuração da atividade, ao tomar o pulso (frequência cardíaca) antes da atividade e comparar com o resultado após, em rápida roda de conversa, onde cada um poderá relatar os resultados fisiológicos percebidos.

 

Considerações Finais

Por tudo posto, pode-se constatar uma tendência dos profissionais de Educação Física voltados para as práticas competitivas e tradicionais em considerar uma visão de corpo fragmentado. Por outro lado, a concepção de profissionais que concebem as PCAs, possui uma visão de corpo mais integrado. A condução de aulas de Educação Física será totalmente distinta uma da outra, conforme cada uma dessas concepções, que são marcadas por uma construção histórica da Educação Física. No entanto, faz- se necessário a ampliação de visão, em busca da integralidade do corpo, na prática das PCAs, sem exaurir outros fatores complexos e interligados, na realidade teórica derivada das disciplinas do curso EDF.

O indivíduo deve ser entendido como um corpo alternativo e integrado. Justifica-se, pois, os sistemas orgânicos sempre estarão integrados (sistemas nervoso, locomotor, cardiorrespiratório, genitourinário e digestório). O corpo não deve ser concebido como pedaços perdidos, frases soltas e desconexas. Pensar a pele e cérebro, assim como a superfície e profundeza com essa sensibilidade mostra o quanto a axiologia (reflexão sobre os valores humanos) e a epistemologia (reflexão sobre o conhecimento humano) compõem uma filosofia de caráter holístico preocupada com a integração de todos os campos do saber humano. Assim, convém relembrar os conteúdos apresentados na obra de Práticas Corporais Alternativas sobre Corpo, Holismo e na afirmação de JUHAN apud KNASTER, 1999, p. 157: “A pele não é separada do cérebro, assim como a superfície de um lago não é separada de suas profundezas – são locais diferentes de um meio contínuo... O cérebro é uma única unidade funcional, do córtex às pontas dos dedos e das mãos. Tocar a superfície é agitar as profundezas” (TERRA; LORENZETTO, 2013 p. 49).

Por fim, a simples experiência individual ou coletiva das PCAs bem conduzida é suficiente para provocar mudanças comportamentais, atitudinais e conceituais eficazes e duradouras, mesmo em indivíduos bem intencionados e desejosos de mudanças. Quando isso não é totalmente possível, alguns autores propõem que as mudanças sejam executadas passo a passo, como foi abordado no material estudado. Portanto, o aspecto holístico, convergente, plural, transcendente e simbólico das PCAs, e a riqueza da sua diversidade e adaptabilidade, deverão ser compreendidadas e trabalhadas sistematizadas por meio de uma Educação Física mais sensível e madura.

 

Referências

DAOLIO, J. Da cultura do corpo. 6. ed. Campinas: Papirus, 1995.

GAIARSA, J. A. Couraça Muscular do caráter: Wilhelm Reich. São Paulo: Ágora, 1984.

HUNGER, D. A. C. F.; SOUZA NETO, S. História e currículo em educação física: corpo e “corpos” fragmentados... In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE, LAZER E DANÇA. 8, 2002. Anais..., Ponta Grossa: UFPr, 2002, v.1. p. 35-43.

LORENZETTO, L. A.; MATTHIESEN, S. Q. Práticas corporais alternativas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.