O primeiro semestre foi marcado por sinais de esgotamento do modelo de crescimento econômico baseado no consumo e no crédito que foi o que garantiu alta popularidade ao Governo Lula e a eleição da presidente Dilma.

Isto se deve a dois fatores principais:

 a) a renda e o emprego não vêm crescendo como anteriormente e

b) a elevação do crédito dos últimos anos parece ter batido no seu limite.

Segundo dados do Banco Central, tanto a renda real como os indicadores de emprego estão crescendo, porém a cada mês a taxas decrescentes. (Vide Gráfico Abaixo)

                       

Fonte: BACEN

De outro lado, o crédito após atingir 44% da renda das famílias começou a declinar. As obrigações com juros e amortizações apenas das dívidas bancárias ( ou seja, sem contar as mais diferentes formas de compras a crediário) vem comprometendo quase que 22% da renda da população. (Vide Gráfico Abaixo)

Fonte: Bacen

Devido ao cenário de endividamento, a inflação no grupo de alimentos nos últimos meses teve um efeito devastador sobre os níveis de consumo e por que não dizer de satisfação geral, sobretudo da nova classe média e dos segmentos de renda mais baixos. A inflação de alimentos chegou a ser quase o triplo da taxa média de inflação comprimindo o orçamento das famílias comprometido com o pagamento de juros e amortizações das compras de períodos passados. ( Vide Gráfico Abaixo)

 A taxa de crescimento real das vendas dos supermercados que crescia na casa dos  6% ao ano, caiu para menos de 2%, dado até abril. Com tendência a finalizar muito próxima à esta taxa no primeiro semestre.

                                                  Vendas Reais no Supermercados

Com efeito, os níveis de confiança dos consumidores da FGV caíram sensivelmente nos últimos meses tanto no que diz respeito às condições futuras de consumo como também quanto à situação atual.

Os dados recentes mostram que o crédito dirigido para compra de produtos vem caindo em detrimento as linhas de crédito que oferecem dinheiro vivo, como o crédito consignado.

O crescimento no volume de operações de crédito consignado cresceu 21% nos últimos 12 meses até abril. As linhas dirigidas ao consumo como, por exemplo, para compra de veículos recuaram 5.9% no mesmo período.

Isto denota que as famílias estão renegociando dívidas e pegando recursos para fechar seus orçamentos e não tomando dívidas para consumir como no passado.

É neste contexto amplo que deve ser entendido o sentimento generalizado de frustração de amplas parcelas da população e por que o preço dos transportes urbanos foi o detonador dos movimentos de protestos por todo país. 

Porém, não é só no aspecto econômico que os protestos devem ser entendidos. Há um componente muito importante. A dinâmica de liderança familiar na nova classe média.

Em 2002, o Brasil tinha aproximadamente 800 mil estudantes ingressando no ensino superior. Hoje são quase 1.8 milhões. Este aumento se deve em grande parte ao PROUNI e ao aumento de renda dos últimos anos.

Uma das características importantes da nova classe média é que os jovens universitários exercem uma espécie de liderança sobre estas famílias. São eles os formadores de opinião da casa com maior acesso aos meios de comunicação, redes sociais e internet. Muitas vezes são os primeiros a ter nível superior nestas famílias.

Como diz Jorge Claudio Ribeiro “ estes jovens não se envolvem com o ambiente universitário, mas querem ter o diploma... Não viram ainda muita efetividade em uma escolaridade maior. Interessante é que muitos não tem ainda muita segurança nessa nova posição. Estão endividados, não tem uma perspectiva de futuro muito clara e os laços anteriores que são sua rede de sustentação se mantêm. Essa rede é representada pelo hábitos, pela cultura, pela religião e pelo relacionamentos comunitários do seu bairro.”

Ao que parece, estes jovens sem formação política e com um futuro nebuloso pela frente que  lançaram-se às ruas para dar um recado da família da nova classe média e de suas comunidades.

- “ Estamos endividados, a inflação está alta e os serviços públicos estão muito ruins.”

Mas não só isso.

Nos lemas das ruas apareceram temas conservadores com a redução da maioridade penal, um moralismo excessivo em relação aos gastos públicos, o repúdio as organizações da sociedade civil, como partido e sindicatos, bem como outros temas que a media vem colocando no ar como a PEC 37, os gastos com a Copa, impostos, Mensalão entre outros.

 Este jovem, que representa esta nova classe média sabe que  ascendeu socialmente mas ainda sente-se de fora da sociedade e contra ela exprimiu sua revolta. Sem saber ao certo quais os alvos prioritários para conduzi-lo a ação. O que se vê é uma relação neurótica entre o desconforto social e o confronto. As propostas, com exceção das conduzidas pelo MPL, são vagas e contraditórias muitas vezes.

O desfilar do protesto lembra as páginas de um FACEBOOK. São páginas superficiais e sem profundidade de uma classe que ainda busca seu posicionamento político e de participação. E com uma liderança sem a menor formação política e condição de representá-la.

 Numa pesquisa da empresa FRACTAL, a nova classe média, da qual este jovem é líder e porta voz, que ter respeito próprio (99.2%), ser respeitada pelos outros  (99.2%), ter segurança para viver (99.1% ), desfrutar a vida (98.5%) e sentir que alcançou as suas aspirações (98.2%).

A elevação de preços e o endividamento colocaram por terra alguns destas aspirações.

O alvo natural foram os políticos em todos os níveis, mas é notório que os estabelecimentos comerciais que mais sofreram ataques nas ruas foram os bancos. Como se ali estivesse o efeito simbólico e inconsciente da revolta contra o endividamento, a inflação e os juros.

Por esse motivo, é que se engana quem acha que estas manifestações têm aspectos revolucionários e transformadores da sociedade. Na verdade, elas têm características conservadoras. São “os de fora” pressionando ” os de dentro”. É o embate entre o bem e o mal, entre o Estado e o cidadão.

 Como se o Estado, a sociedade civil e a própria  organização da estrutura econômica brasileira não fosse, per si, a arena privilegiada para a luta de classes e para possíveis avanços .

Muitos, sobretudo aqueles que  vêm no movimento tão e somente uma oposição ao Governo Federal, estão errados. O movimento não é apartidário ou suprapartidário. O movimento é contra os partidos e contra qualquer forma de poder estabelecido.

Não é por outra razão que o candidato a presidente, segundo pesquisa do DATA FOLHA, preferido dos manifestantes seja o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa ,ou seja, um salvador da pátria acima dos partidos e da sociedade.  Um justiceiro capaz de restaurar o respeito próprio e o respeito dos outros, longe dos partidos, sindicatos e sociedade civil. Estes são os valores apresentados na passarela “facebooking” das ruas.

Por essa razão, não há como se iludir com este movimento social.

Os possíveis desdobramentos destes protestos são imprevisíveis, mas , sem dúvida, está criado um caldo de cultura para o avanço de uma pauta  mais conservadora e  mais retrograda no Brasil . Há que se ter cuidado para que não haja um retrocesso.

Vitor Bellizia, 46 anos , é executivo financeiro, consultor, professor, graduado e pós graduado pela FGV/SP. Foi Vice Presidente da ANFAVEA.