Gilberto Pereira Fernandes

A educação brasileira tem enfrentado inúmeros problemas relacionados a questão da qualidade do serviço que tem prestado a população, freqüentemente tem sido acusada de não cumprir o seu papel na formação dos sujeitos, isso porque encontra-se desestruturada tanto no âmbito físico, quanto pedagógico segundo a visão que tem sido transmitida a sociedade pelos próprios sujeitos que estão inseridos nesse contexto educacional.

Se há uma palavra em voga no mundo da Educação, essa palavra é qualidade. Esse é um tema que circula na maioria das conversas, desde um simples diálogo de alunos ou professores, a manifestações feitas por autoridades educacionais. Tem se tornado uma meta de todos os que estão envolvidos em educação, inclusive daqueles que não se sentem confortáveis com o tema.

Converte-se ainda em uma palavra de ordem mobilizadora, em torno da qual todos devem reunir forças. Surge no discurso dos professores justificando melhoria nos salários, dos que querem conseguir resultado educacional a qualquer custo, dos estudantes, visando maior conexão com seus interesses. No entanto, no cenário educacional ela vem substituindo a problemática da igualdade, e da igualdade de oportunidades (ENGUITA, 2001, p. 96).

A Qualidade é um processo de desenvolvimento de uma cultura empresarial e pessoal, formada a partir de amplos treinamentos, debates, workshops, etc., que permite aos funcionários, de todos os escalões, incorporarem os valores relativos à permanente satisfação do cliente. É um termo de utilização em larga escola no léxico neoliberal, em especial na educação, por seu um vocábulo carregado de significação e imbuído de "investimento afetivos" de uma imensa desejabilidade ao tratar das questões da educação (SILVA, 1996, p. 169)

Por ser um termo fundamentado em uma ideologia de poder de mercado, este não pode ser transferido a educação, tratando esse espaço de racionalização do ser humano, uma empresa, com fins exclusivos de uma unidade capitalistas. Não simplesmente pelo caráter capitalista, mas pelo cunho que é dado a forma de se constituir o ser em torno de bens materiais e de serviços, pois o ser humano deve constitui-se enquanto sujeito de valores.

Na visão de muitos especialistas da administração educacional o conceito tem sido bastante modificado e se apresentado em realidades distintas. Inicialmente foi adotado para caracterizar os recursos humanos e materiais dos sistemas escolares; mais tarde se deslocou para a eficácia do processo e atualmente se identifica com os resultados obtidos pelos escolares através da avaliação que é feita do processo. Mesmo assim cada nova versão não substitui a anterior, ao contrario, vê-se obrigada a conviver com elas (ENGUITA, 2001, p. 98).

Nesse jogo desleal busca-se construir parâmetros para educação pautado em mudanças constantes ao não se conseguir atingir os objetivos do mercado. No entanto, não foi nenhuma dessas mudanças, que por si só converteu a qualidade da educação ou do ensino em monotema dessa época, mas o fato de sua progressiva centralidade e sua mudança de significado representarem duas faces do mesmo processo, que tem raízes históricas.

A Qualidade é um conceito bastante utilizado pelo neoliberalismo que vem há anos se inserido no contexto educacional como resposta a luta dos educadores por uma educação de qualidade, que se prende na verdade mais a uma questão política e social, buscando ser solução para os problemas que a sociedade enfrenta por conta das desigualdades sociais, levando a uma concepção de "qualidade em educação" a partir de uma ótica econômica, pragmática, gerencial e administrativa, contudo:

Ao reduzir o (mal) funcionamento da instituição educacional a uma questão de gerencia, o controle da qualidade total suprime, esconde e silencia o fato de que a qualidade de um bem social como a educação está estreitamente ligada a desigualdades sociais organizadas em torno da classe social, do gênero e da raça, entre outros eixos (SILVA, 1996, p. 173).

A tentativa de melhorar a qualidade na educação tomou uma dimensão gerencial que foge aos verdadeiros objetivos que esta deve possuir. Por não ter encontrado outros caminhos de solução de seus problemas, que vão alem da questão educacional, a escola brasileira, terminou por adotar um sistema operacional fundamentado em uma teoria neoliberalista, a teoria da Gerência de Qualidade Total (GQT).

A chamada gerencia de qualidade total (GQT) é vista como um método eficiente de administração, contudo não se restringe á sala dos administradores, mas se propõe a alcançar todos os tempos e espaços em que esses recursos estejam sendo utilizados, surgindo como a "salvadora" do sistema educacional impotente.

Chega-se ao absurdo de responsabilizar exclusivamente os sujeitos do processo como os únicos responsáveis pelo fracasso do sistema, onde os educando são vistos como trabalhadores. Há então a tendência da GQT que pretende através de métodos e técnicas, buscar contribuição voluntaria dos trabalhadores (educandos e educadores), impringindo-lhe autogerenciamento e, de outro, padronizar esses conhecimentos no sentido de aumentar o controle sobre os processos de trabalho (PARO, 2001 apud FIDALGO 1994, p. 71).

Diante do exposto é importante conhecer a origem do conceito de Gerenciamento da Qualidade Total, a fim de que se possa perceber em que contexto surgiu, revelando se foi por uma necessidade educacional com um cunho pedagógico, ou para atender a uma necessidade do mercado capitalista, já que esse sistema tem definido o tipo de educação que a escola deve fornecer.

O termo surgiu logo após a 2a Guerra Mundial, para atender à demanda das Forças Armadas Norte Americanas por produtos e serviços de qualidade assegurada. Ao longo do tempo, o conceito foi atualizado e aperfeiçoado para atender às necessidades das empresas, submetidas à pressão de mercados em permanente mutação e exigências cada vez maiores por parte dos clientes – consumidores.

A teoria da GQT encontrou sua hegemonia no Brasil nos anos 90 quando o governo Collor, que criou o (PBQP) - Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade,lançado conjuntamente pelos Ministérios da Economia, Fazenda e Planejamento e o da Justiça, assim como pela Secretaria da Ciência e Tecnologia, calcado no modelo neoliberal, com o intuito de modificar as antigas formas e práticas gestionárias dos governos anteriores, atingindo entidades do próprio corpo do Estado.

Essa teoria que estava esquecida, foi resgatada através de um artigo publicado pela revista ABENGE[1] com a finalidade melhorar a qualidade da educação de uma turma de engenharia e se tornou um modismo a partir daí, como instrumento básico e forma de gestão para viabilizar a melhoria da qualidade do ensino, que segundo os estudiosos encontrava-se em colapso, e não sendo o sistema educacional capaz de resolver o problema, caberia ao sistema capitalista intervir, apontando um mecanismo de transformação, conforme argumenta PARO (2001):

A GQT é um método de administração que embora insista na questão da qualidade, tem por preocupação principal a gerencia, em especial por surgir a partir da administração capitalista, uma gerencia que visa o controle do trabalho alheio. Em vez de um dialogo entre os sujeitos, instaura-se o gerenciamento mútuo. Ao introduzir-se na escola, embora inicialmente atinja professores e funcionários, termina por transferir-se para os alunos pela força material das praticas escolares (PARO, 2001, p. 115).

Para os neoliberais, é impressindível a reestruturação da esfera educativa numa tentativa de atrelar a educação institucionalizada aos objetivos estreito do capitalismo que é a preparação para o trabalho. Nesta perspectiva, a educação é entendida enquanto uma propriedade que se adquire no mercado dos bens educacionais, enquanto propriedade (que se compra e se vende), esvaziando-se no seu sentido de um direito social, uma vez que os grupos sociais são igualados e considerados sob esse mesmo rotulo de que todos são consumidores em potencial.

Tal suposição esconde o fato de que nem todos estão e condições igualitárias e de que a idéia de qualidade é travestida em mercadoria (comprada pelos mais "capazes"), esvazia-se o conceito da qualidade na educação referida a um direito da população, pois:

Essa visão de educação e da escola como mercado onde se confrontam provedores de um serviço, de um lado consumidores, de outro a exigirem a qualidade de um produto, não constitui apenas uma teorização social inadequada, mas também uma visão político pedagógica bastante questionável. Ao transformar a espera publica da discussão questionável sobre os fins e objetivos da sociedade em uma esfera privada de reinvidicação em tono de questões de consumo (SILVA, 1996, p. 175).

Ao transformar o sujeito em mero consumidor, a GQT cria um espaço educacional em que se tenderá produzir uma sociedade voltada única e exclusivamente para a questão do consumo, deixando de trabalhar questões sociais que são eixos de dominação como (gênero, raça etc) que define as relações de poder. Esse aspecto traz à educação pública um conjunto de dispositivos privatizantes, através da aplicação de uma política de descentralização autoritária e, ao mesmo tempo, mediante a imposição material e simbólica de uma política de reforma cultural que postula a anulação da educação democrática, pública e de qualidade para as maiorias.

Essa nova forma de produção da existência humana determinou a reorganização das relações sociais. O modo como está organizada a sociedade atual revela que a relação trabalho e educação deve está voltada para a formação do sujeito, levando em consideração sua capacidade de constituir-se enquanto agente e sujeito do modo de produção de forma igualitária que nem sempre ocorre na prática (SAVIANI, 2007).

Em termos gerais, a escola não pode tomar esse modelo para si, porque alem de não existir um modelo "pronto" de gerencia de qualidade, o mesmo na empresa capitalista pode e deve variar de acordo com a empresa, o produto e o mercado. Por esta razão, esta é uma metodologia que surge de dentro para fora, sem levar em consideração a realidade dos sujeitos envolvidos. A escola deve criar seus próprios métodos e para isso é preciso que se aprofunde a discussão sobre uma noção de qualidade que seja política e não técnica, sociológica e não gerencial, crítica e não pragmática (SILVA, 1996, p. 171)

A colonização do campo educacional pelo campo gerencial de qualidade total tem como conseqüência uma desconsideração completa de uma lógica histórica e tradição de discussão democrática sobre a qualidade substantiva da educação. Nessa tradição, a discussão da qualidade da educação não pode ser desligada de um questionamento do currículo, dos métodos e dos processos de avaliação atualmente predominantes, pois a GQT, a vê como um instrumento técnico, neutro, pragmático e gerencial.

E ainda, essa visão de Gerência da Qualidade Total nas escolas básicas do Brasil, é uma forte tendência do capitalismo de aplicar a todas as instituições educacionais, sejam elas privadas ou públicas os mesmos princípios e métodos administrativos vigentes na empresa capitalista (PARO, 2001, p. 13). Aspecto que é questionado por SILVA ao afirmar que:

Uma ação educacional na empresa não pode ser transladada mecanicamente para uma escola porque a formação educacional acontece de forma diferente. A questão temporal pode ser considerada como uma dessas diferenças, já que mundo empresarial está mais preso ao tempo do mercado, portanto, à lógica mercantil, que é diferente do tempo escolar. Na empresa, a formação educacional é imediata e com objetivos bem limitados e abrangência restrita as esses interesses, no intuito de atender uma demanda imediata - diferentemente do que ocorre numa escola (SILVA, 2002).

Portanto, é um método que se aplica diretamente a empresa capitalista para responder a questões de eficiência e controle da produção pela dominação do trabalhador, e que não pode ser aplicada a educação com tem como finalidade a constituição de sujeitos.

Os implantadores da GQT no cenário educacional não levaram em conta a inaplicabilidade de se transpor mecanicamente uma forma de gestão criada para o setor produtivo empresarial, para uma realidade educacional, pois existe um antagonismo entre a dominação própria da empresa capitalista e a especificidade da ação educativa que deve ser transformadora, e não presa a um tipo de gestão que vise a lógica capitalista; mostra-se, então, o problema da especificidade dessa Administração Escolar.

Este tema não pode, entretanto, ser tratado à maneira da visão conservadora que, raciocinando em termos de aproximação entre empresa e escola, reduz a especificidade da Administração Escolar apenas aos retoques e adaptações que se devem fazer à administração empresarial para adequá-la às peculiaridades da escola. Contrariamente a essa posição, o que vimos até aqui leva a concluir que a especificidade da Administração Escolar só pode dar-se não por aproximação, mas por oposição à administração empresarial capitalista (PARO, 2002).

Sendo assim, não há outra solução para a escola, se não a de se desprender de imediato a administração empresarial tipicamente capitalista que não se preocupa em ser articulada com os interesses da maioria da população. O desenvolvimento de uma concepção de mundo que se contraponha ao neoliberalismo, no universo educacional e fazendo com que esse sistema possa, ele próprio ressignificar sua ação.

Uma escola comprometida com valores como os de democracia, liberdade e homem histórico, não antagônica, nada fazendo para que alunos para que seus alunos, pela mediação da educação, se aproxime de uma visão de mundo consentânea com esses valores(PARO, 2001, p. 116).

Põe-se com maior importância ainda quando se sabe que os jovens estão diuturnamente se alimentando dessa ideologia nos demais espaços que eles freqüentam. Mas também na escola, a influencia sobre eles não se restringe á sala de aula, e, mesmo ai, não se limita ao que o professor diz (PARO, 2001, p. 117).

Esse fato toma força porque estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. Visto que o pensamento das praticas liberais identificam liberdade e competição, reduzindo a liberdade a competição econômica da chamada livre iniciativa e competição política entre partidos (CHAUÍ, 2007, p. 46)

Neste sentido, uma vez que a preocupação atual de alguns educadores se direcionam para às práticas gestionárias nas entidades de ensino, surge a preocupação de ocorrer no campo educacional, com as mesmas impropriedades e inadequabilidades presentes na GQT, o que não é difícil de acontecer, porque o processo de mercantilização da educação que parece se intensificar no país, amedida que favorece a aproximação entre as práticas.

Espera-se, que mesmo diante das fortes condições históricas proporcionadas pelo capitalismo, esse quadro possa ser revertido, com o ressurgimento de novas alternativas para a gestão escolar, as quais devem vislumbrar direcioná-la para outros rumos, diferentes daqueles que são meramente instrumentais e que na sua maioria representam uma "pedagogia de resultados".

Dessa forma, essa perspectiva de educação deve preocupar-se sim em neutralizar a ideologia que acompanha a introdução na escola do ideário neoliberal; adotar determinada concepção de mundo implica certas responsabilidades com respeito a difusão de tal concepção. Uma escola comprometida com valores como os de democracia, liberdade e historicidade, não podem deixar passivamente, encharcar-se por uma ideologia antagônica, nada fazendo para que seus alunos, pela mediação da educação, se apropriem de uma visão de mundo consentânea com esses valores.

REFERÊNCIAS

CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia. Governo da Bahia. Salvador: 2007.

ENGUITA, Mariano Fernandes. O discurso da qualidade e a qualidade do discurso. In: GENTILI, Pablo A. A e SILVA, Tomas Tadeu da. Neoliberalismo, Qualidade Total e Educação. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

PARO, Vitor Henrique. Parem de Preparar para o Trabalho!!!. In: FERRETTI,C. (org). Trabalho, Formação e Currículo - Para onde vai a Escola? São Paulo: Xamã, 2001.

_____. Administração Escolar: introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2002.

SAVIANI, Dermeval. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista brasileira de educação. V.12 n 34 jan/abr.2007

SILVA, Tomaz Tadeu da. O Projeto edcucacional da nova direita e a retórica da qualidade tatal. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; GENTILLI,Pablo (Org). Escola S.A: quem ganha e quem perde no mercado edcuacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996.

SILVA, Aloysio Pereira da. O resgate dos velhos paradigmas. In: Educação. Porto Alegre – RS, ano XXVIII, n. 2 (56), p. 185 – 199, Maio/Ago. 2005

______. Gestão da Qualidade Total na Escola Técnica Federal de São Paulo: uma alternativa pedagógica ou uma "pedagogia alternativa"?. Tese: PUC-SP, 2002.


[1]Associação Brasileira do Ensino de Engenharia, volume 21- n. 2, de dezembro de 2002