A DIFICULDADE DE APURAÇÃO DOS CRIMES DE PEDOFILIA COMETIDOS ATRAVÉS DA INTERNET

ANDRÉ FERREIRA DE ARAÚJO[1]

RESUMO

Este artigo objetivou estudar a dificuldade de apuração dos crimes de pedofilia cometidos através da internet. Buscou conceituar o crime usando-se das teorias do crime e da ação, bem como discorrer sobre o iter criminis, para relacioná-lo com a pedofilia como transtorno mental e, como ação criminosa. Apresentou, sucintamente, os mecanismos legais utilizados e os projetos de leis propostos relacionados a tais crimes. Procurou confrontar o desenvolvimento histórico-social da internet com involução jurídica deferindo-se daí a impunidade dos crimes de pedofilia virtual. Discorreu sobre os crimes cometidos por pedófilos através dos meios virtuais. E por fim, tentou relacionar os meios usados na repressão a esses crimes com a dificuldade de investigar, apurar e tipificar suas causas. 

PALAVRAS-CHAVE: Pedofilia. Crime. Internet. Lei. Pena. 

1 INTRODUÇÃO 

O presente artigo tem por fim a realização do estudo da dificuldade de apuração dos crimes de pedófilos cometidos através da internet. Devido aos avanços tecnológicos e à popularização desse meio, o Direito distanciou-se da proteção dos bens jurídicos da sociedade, sobretudo, do amparo à liberdade sexual de crianças e adolescentes. As condutas virtuais praticadas em razão da falta de previsão legal e de métodos de investigação eficazes ficaram, deste modo, na impunidade. A demanda social, nesse sentido, direciona-se para a criação de tipos que descrevam essas condutas e procedimentos que coíbam o mau uso desse meio de comunicação. Para a consecução desse fim é que se discorreu sobre o tema em 07 (sete) seções.

Na Segunda Seção, busca-se traçar o conceito de crime lançando mão das teorias do crime e da ação, bem como analisar o iter criminis, para, desta forma, relacioná-lo com a pedofilia como transtorno mental marcado pelo desejo sexual por crianças, e a pedofilia como ação criminosa de pedófilos.

Na Terceira Seção, faz-se uma sucinta apresentação dos mecanismos legais, atualmente, utilizados, quais sejam, a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Penal e a expressa preocupação de regulamentar essas condutas manifesta na proposição de projetos de leis relacionados a tais crimes.

Na Quarta Seção, procura-se confrontar o desenvolvimento histórico-social da internet com involução jurídica deferindo-se daí a impunidade dos crimes de pedofilia virtual.

Em seguida, na Quinta Seção, discorre-se sobre os crimes cometidos por pedófilos que se utilizam dos ardis virtuais para concretizarem suas ações de forma anônima.

E por fim, na Sexta Seção, há a tentativa de relacionar os meios usados na repressão a esses crimes com a dificuldade de investigar, apurar e tipificar suas causas. 

2 CONCEITO E CONSTITUIÇÃO DO CRIME E SUA RELAÇÃO COM A PEDOFILIA 

O crime, mesmo conceituado ou definido, só será importante para o Direito Penal se observado sob a ótica de sua constituição, por isso é necessário fazer alusão ao seu conceito e às etapas que constituem o iter entre a idéia de crime e a existência do fato típico. Por isso, a teoria do crime é o inicio de onde se parte o estudo da existência ou não do delito (CAPEZ, 2011).

Depois de conceituado e constituído o crime, mister é relacionar essas categorias com o estudo da pedofilia para determiná-la como crime.

É pressuposto do conceito de crime o estudo das teorias do crime e da ação, bem como do caminho percorrido pelo agente até a consumação da ação criminosa, o que a seguir será exposto.

2.1 Teorias do Crime e da Ação 

O Direito Penal, embora tenha como centro de formação o crime, não traz dele, em seu bojo, o conceito, mas apenas arrola as condutas que são ditas criminosas e deixa à competência da doutrina tal empresa. Por isso, é possível falar nas teorias do crime e da conduta criminosa.

As teorias do crime se traduzem nos aspectos material, formal e analítico, enquanto as teorias da conduta ou da ação se referem à naturalista ou causal e à finalista. 

2.1.1 Teorias do crime 

De início é necessário conceituar o que seja crime tendo como fonte inspiradora a doutrina, que tenta fazer isso levando em consideração os aspectos material, formal e analítico do fato típico e, que, por isso, darão consistência à tentativa de vislumbrar a dimensão criminosa dos atos de pedófilos.

Sob o aspecto material, pode-se dizer, segundo Capez (2011, p. 134), que crime é “todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social”. Assim, se estabelece o conteúdo como fundamento que faz com que certo ato seja crime e outro não.

Diferente desse aspecto, o formal leva em consideração os acidentes ou a aparência da ação e, por isso mesmo, Mirabete e Fabbrini (2011, p.79) afirmam que as definições que se baseiam nesse aspecto “alcançam somente um dos aspectos do fenômeno criminal, o mais aparente, que é a contradição do fato a uma norma de direito, ou seja, a sua ilegalidade como fato contrário à norma penal”.

No entanto, não apenas revestido de forma, nem somente em relação à matéria se observa o crime, mas também levando em conta suas características e aspectos próprios. Assim pode-se falar do aspecto analítico, sob cujo enfoque se estuda e se define o crime. Por causa disso, conceitua-se o crime estabelecendo os elementos estruturais que o compõem. Pode-se, com isso, afirmar que: 

Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito. (CAPEZ, 2011, p. 134).

 

Desse último aspecto deduz-se que, para que o crime passe à dimensão existencial é preciso que o fato seja típico e ilícito.

Enfim, o crime é constituído pela aparência, conteúdo, elementos estruturais e característicos e somente lançando-se um olhar sobre essas nuances será possível identificar o delito.

 

2.1.2 Teorias da ação

 

A existência do crime é evidente, e ainda mais óbvio é o fato de que não existe sem que haja ação. Portanto, não há crime sem ação. Entretanto, a partir do conceito de ação ramificam-se no âmbito jurídico penal as teorias naturalista-causal e finalista.

Para a teoria naturalista-causal, também conhecida como tradicional ou clássica, fortemente marcada pelo positivismo jurídico, pratica o fato típico aquele que der causa ao resultado, independentemente, de ter ou não querido determinado fim. Ilustrativamente, pode-se dizer que alguém que ao sair do shopping dirige-se a um carro idêntico ao seu e abrindo-lhe a porta e dirige-o tranquilamente em direção a sua casa; não importa se foi por engano coincidente que levou (subtrair) consigo o carro (coisa móvel) alheio (alheia), será ele enquadrado no fato típico, furto. Observe-se que tal teoria não leva em consideração o fim, ou seja, o dolo do agente, mas apenas a causa. Como bem ministram Mirabete e Fabbrini (2011, p. 86), aqueles que defendem essa teoria “consideram que a ação é manifestação da vontade sem conteúdo finalístico. Esse conteúdo (fim da conduta) deve ser apreciado na culpabilidade, como elemento dela.”

De forma diversa, contraposta a teoria supracitada, a teoria finalista considera típico o fato se praticado com dolo ou culpa, sem os quais a ação levará à atipicidade. Portanto, tal teoria sustenta que a ação só é típica se tiver em si uma finalidade, visto que não há ação humana dirigida ao nada. Por isso, se o agente praticou a ação da ilustração acima, deve-se perquirir se quis o resultado ou se assumiu o risco de produzí-lo.

Do arrazoado, é preciso chamar a atenção para o fato de que, para o Direito Penal, não existe crime sem ação e, que esta, deve ser dirigida a um fim.

2.2 Iter Criminis

 

Feito este breve estudo do crime e da ação, é preciso ainda analisar o caminho que o crime percorre da idéia que nasce na mente humana, passando pelos atos preparatórios até a sua execução e consumação no meio externo. Por tal razão costuma-se dividir o iter criminis em duas fases, a interna que se refere a imaginação do crime ou sua cogitação, e a externa, que se relaciona aos atos preparatórios, à execução e à consumação.

A cogitação refere-se à idéia ou pensamento do crime e, em si, não é punida, pois não representa, em nada, dano a bem juridicamente tutelado. Nem mesmo a idéia externada a terceiros é punida, “a não ser que constitua, de per si, um fato típico como ocorre nos crimes de ameaça (art. 147), de incitação ao crime (art. 286), de quadrilha ou bando (art. 288) etc.” como ministram Mirabete e Fabbrini (2011, p. 142).

Os atos preparatórios, de acordo com Mirabete e Fabbrini (2011, p. 142) “são externos ao agente, que passa da cogitação à ação objetiva, como a aquisição de armas para a prática de um homicídio ou a de uma chave falsa para o delito de furto”. Essa etapa escapa a aplicação penal, visto que, em si, não traz ameaça real a bem jurídico tutelado. No entanto, como enfatizam Mirabete e Fabbrini (2011), a mens legis transformou os atos preparatórios em tipos especiais fazendo exceção à regra, como por exemplo, nos casos de o agente revestir-se de competência para celebrar casamento (art. 238, CP), que é ato preparatório à simulação de casamento (art. 239, CP) e petrechos para a falsificação de moeda (art. 291, CP) que é apenas preparação do crime de moeda falsa (art. 289, CP).

Esses passos, cogitação e preparação, não detêm tanta importância quanto à execução e consumação por causa de sua relação com os danos que podem causar aos bens jurídicos tutelados.

A execução é, como bem preleciona Zaffaroni, citado por Mirabete e Fabbrini (2011, p. 143), “quando o autor se põe em relação imediata com a ação típica.” Portanto, é o momento em que o agente dirige diretamente sua ação para o crime.

Por fim, o Código Penal, em seu artigo 14, inciso I, afirma que se consuma o crime “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição.” (BRASIL, 2012).

2.3 Conceito de Pedofilia e sua Relação com o Crime

 

No que se refere à pedofilia há que se considerar o “em si” e o “fora de si”, vez que, no que se relaciona ao primeiro aspecto, o pedófilo não é considerado criminoso, mas será se ultrapassar esse limite.

Pedofilia, em grego paidoV e filia, composta pelos radicais paidos e philia, que, respectivamente, significam criança e amor ou amizade, do que organizadamente se depreende amor por crianças.

A pedofilia “em si” é a atração sexual por crianças, e conforme definição de Scremin Neto e Sá Júnior (2002, p.360), uma “doença com quadro clínico próprio”. No entanto, o problema surge quando o aspecto de atração por menores é transposto para o âmbito jurídico.

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10/OMS), pedofilia, “é um transtorno da preferência sexual, a qual incide sobre crianças, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade”. (BRASILIA, 2010, p. 36). No âmbito da conceituação psiquiátrica (DSM-IV/APA), a pedofilia é um transtorno da sexualidade caracterizado pela formação de fantasias sexualmente excitantes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo atividades sexuais com crianças pré-púberes, geralmente com 13 anos ou menos. Entretanto, para que uma pessoa seja considerada pedófila, ela deve ter no mínimo 16 anos e ser ao menos 5 anos mais velha que a criança (BRASILIA, 2010). A pedofilia resulta em um quadro clinicamente significativo, ou um prejuízo na vida social e ocupacional do indivíduo.

Sobre a consideração supracitada é elucidativa a jurisprudência a seguir exposta:

 

PENAL. PEDOFILIA OU PEDOSEXUALIDADE. REPRODUÇÃO FOTOGRÁFICA. FOTOGRAFAR OU PUBLICAR FOTOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM POSE ERÓTICAS. INSERÇÃO EM REDE BBS/INTERNET DE COMPUTADORES. CRIME. ART. 241 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COM A REDAÇÃO DITADA PELA LEI 10.764, DE 2003. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA.

1. A PEDOFILIA, OU PEDOSEXUALIDADE, É UM TRANSTORNO DA PREFERÊNCIA SEXUAL, sendo definido como a preferência por criança (pessoa com até 12 anos de idade) ou por adolescente (pessoa entre 12 e 18 anos) – art. 1º do Estado da Criança e do Adolescente. Pelo Código Internacional de Doenças da Décima Conferência de Genebra é a pedofilia um transtorno mental (CID-10, F65.4), O QUE NÃO SIGNIFICA QUE O ACUSADO SEJA DOENTE MENTAL OU TENHA O DESENVOLVIMENTO MENTAL INCOMPLETO OU RETARDADO.

2. Aquele que fotografa ou publica (ação múltipla), em rede BBS (Bulletin Board System) ou internet (rede de redes que se comunicam através do protocolo TCP/IP), crianças ou adolescentes em poses eróticas, comete o crime previsto no art. 241 da Lei 8.069, de 10 de julho de 1990, com a redação ditada pelo art. 4º da Lei 10.764, de 12 de novembro de 2003 (crime de ação múltipla).

3. A objetividade do crime de fotografar ou publicar crianças ou adolescentes em poses eróticas – art. 241 do ECA – é o respeito à imagem, à liberdade sexual e ao domínio do corpo da criança e do adolescente.

4. Criança é a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos; adolescente é aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade - art. 2º do Estatuto da Criança e do adolescente. Pessoas que ainda estão em condição de desenvolvimento.

5. A consumação na modalidade fotografar ocorre com o simples fato de fotografar cena erótica envolvendo criança ou adolescente. Não se exige que alguém tenha acesso à fotografia. Basta fotografar. Na ação de publicar é necessário que a fotografia seja vista, ainda que por uma só pessoa. A publicação pode dar-se por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet. Aquele que publica as fotos pode não ser o mesmo que fotografou. (Tribunal Regional Federal 1ª Região – Apelação criminal n.º 2002.33.00.016034-7/BA – Rel. Tourinho Neto – Publicação 25/11/2005).

Crime contra os costumes – Atentado violento ao pudor – Prova insofismável de autoria – Réu que, CONFORME REVELA O EXAME DE SANIDADE MENTAL, NÃO SOFRIA DE DOENÇA MENTAL, SENDO POSSUIDOR DE UM DESVIO DE COMPORTAMENTO SEXUAL (PEDOFILIA – TENDÊNCIA E PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS COM CRIANÇAS) – Pena fixada pouco acima do mínimo legal em continuidade delitiva – Regime prisional, integralmente fechado, em consonância com a lei dos crimes hediondos (n. 8.072/90) – Apelo desprovido. (TJMG – Apelação Criminal n.º 1.0000.00.146762-0/000(1) – Rel. Sérgio Resende – Publicação 14/05/1999). (BRASIL, 2012).

 

Observa-se, com isso, que definir a pedofilia “em si” como crime é um erro, porque, como apresentado acima, é ela uma doença, “causada por fatores como a predisposição genética e estímulos ambientais”. (BRASÍLIA, 2010, p. 35). Uma coisa, portanto, é ser um pedófilo clinicamente definido e, outra, ser agente de crimes sexuais. Não necessariamente um pedófilo comete crimes sexuais, nem mesmo quem os comete pode receber tal denominação.

A pedofilia só tem valor no âmbito jurídico quando fora da mente do pedófilo, porque como já trabalhado anteriormente, a idéia criminosa não traz nenhum prejuízo a bem jurídico tutelado. Assim também, as fantasias sexuais da imaginação do pedófilo apenas têm valor para o direito penal quando entram no campo do cometimento de crimes contra crianças.

Como bem ensina Nogueira,

 

A pedofilia, por si, não é crime, mas sim, um estado psicológico, e um desvio sexual. A pessoa pedófila passa a cometer um crime quando, baseado em seus desejos sexuais, comete atos criminosos como abusar sexualmente de crianças ou divulgar ou produzir pornografia infantil. (NOGUEIRA, 2009, p. 129).

Levando em conta esses aspectos de observação da pedofilia, verifica-se que o ordenamento jurídico fez bem ao não usar tal expressão como símbolo criminoso.

Do discurso acima, deve-se chamar a atenção para o fato de que, comumente as pessoas no seu cotidiano usam o termo pedofilia para designarem um tipo criminal, o que não pode ser visto dessa forma, porque uma realidade é a pedofilia como doença e outra a pedofilia como ação criminosa. Portanto, é equivocado usar tal expressão como sinônimo de crime.

 

3 LEGISLAÇÕES REGULAMENTADORAS DA CONDUTA

 

O artigo 1º do Código Penal traz em seu bojo e até mesmo na sua terminologia esta afirmação: não há crime sem lei, e não será conduta que fere bens jurídicos sem cominação legal da pena. Portanto, a tipificação ou definição do tipo brota da expressão da lei, sem a qual não há como proceder à repressão proporcional ao delito.

O princípio da legalidade, conhecido também como princípio da reserva legal, está esculpido no art. 5°, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988, nestes termos:

 

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; (BRASIL, 2012).

 

Conforme o artigo supratranscrito, qualquer pessoa só pratica uma conduta nominada criminosa, se houver a expressão dela no ordenamento jurídico vigente como típica. Assim, furtar só é crime porque há a salvaguarda jurídica legislada no art. 155, do Código Penal.

Portanto, somente a lei, fruto da atividade legislativa de sujeito competente, pode definir uma conduta como sendo ou não criminosa. Por isso, se diz que não há crime definido por analogia.

Dessa reflexão nasce a dificuldade de apuração e tipificação dos crimes, sobretudo, daqueles cometidos por pedófilos através da internet. Falta legislação que defina o que seja crime e, por isso, amparo sobre o qual se sustente a repressão das condutas que ferem bens jurídicos na internet. Daí a razão de ser da apresentação dos mecanismos legais de repressão dos crimes virtuais.

 

3.1 Constituição Federal de 1988

 

A Constituição Federal de 1988, traz em seu Capítulo VII, intitulado Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso, a previsão de que é dever das instituições sociais como a família, a Sociedade e o Estado, a prioridade na proteção da criança, do adolescente e do jovem, asseverando ainda a punição a quem desrespeitá-los. Senão, observe-se o que diz o artigo 227, parágrafo 4º, da Constituição Cidadã, como consta abaixo:

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(…)

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. (BRASIL, 2012).

 

Portanto, configurado quanto baste qualquer dos atos do caput desse artigo – negligência, discriminação, exploração, violência crueldade ou opressão, - ou do seu parágrafo específico – abuso, violência ou exploração sexual contra a criança ou adolescente, será o sujeito de tais ações submetido às penalidades da lei.

Porém, essa expressão legal está mais bem definida na Lei n.º 8.069, de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a seguir abordada.

 

3.2 Estatuto da Criança e do Adolescente

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre a proteção da criança e do adolescente de forma mais específica deixando explícito que tal garantia deve-se ao caráter peculiar da condição de desenvolvimento de tais pessoas.

O ECA versa sobre vários aspectos subjetivos referentes à criança e ao adolescente, no entanto, devido ao tema aqui abordado é necessário selecioná-los.

O estatuto prever, no artigo 17, a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral como fundamento do direito ao respeito abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, das idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais. E, no artigo 18, o dever de todos na garantia e segurança desse direito, vez que, esse imperativo, põe esses sujeitos a salvo de tratamentos desumanos, violentos, aterrorizantes, vexatórios ou constrangedores.

Essas previsões citadas registram um caráter geral, no entanto, no que se refere à liberdade sexual desses sujeitos, a Lei n.º 11.829, de 2008, que alterou o ECA, trouxe modificações substanciais e práticas no combate aos crimes virtuais, sobretudo, como expresso na sua ementa, a outras condutas relacionadas à pedofilia na internet.

O ECA teve, no seu texto, alterados e acrescentados, respectivamente, os artigos 240, 241 e, 241-A, 241-B, 241-C, 241-D, 241-E, o que aumentou a abrangência da lei a crimes de pedófilos cometidos através da internet.

 

3.3 Código Penal

 

O Código Penal, no seu Título VI, inovado pelas Leis n.º 11.106, de 2005 e n.º 12.015, de 2009, aborda os crimes contra a dignidade sexual na busca de garantir a punição de agentes que cometem atos criminosos contra a liberdade sexual de crianças e adolescentes.

Tem-se como exemplo de disposição penal contrária aos crimes cometidos por pedófilos através da internet o art. 234, que trata de escrito ou objeto obsceno, in verbis:

 

Art. 234. Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Parágrafo único – Incorre na mesma pena quem:

I – vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer dos objetos referidos neste artigo;

II – realiza, em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter;

III – realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou recitação de caráter obsceno. (BRASIL, 2012).

 

Segundo o ensinamento de Nucci (2009), a lei penal tem por fito assegurar a punição devida àqueles que atentarem contra a dignidade e liberdade sexual de crianças e adolescente, por meio de tipos penais.

Tendo em vista a escassez de legislação, é que, atualmente, multiplicam-se os projetos que tem em seu bojo explicito fim de aumentar o número de tipos incriminadores. Nesse sentido, é que são apresentados alguns que tratam de tal tema.

 

3.4 Projetos de Lei

 

A rara existência de leis que regulem os crimes de pedofilia cometidos através da internet e que favoreçam a ação de repressão devida a tais condutas somente pode ser elidida pela confecção de tipos legais. Sob esse aspecto é que se observa a apresentação de projetos de lei relacionados a tais crimes. Como não há lei específica, busca-se amparo na jurisprudência para regular os casos como todos outros praticados por meio diferentes.

Sob essa visão é que existem os seguintes projetos do Senado Federal:

 

N.° 382, de 2011 que altera o Código Penal, para prever medida de segurança de tratamento químico-hormonal aos condenados por pedofilia; N.º 332, de 2010, que altera a Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para determinar que as emissoras de radiodifusão veiculem mensagens contra a exploração sexual de crianças e adolescentes e sobre o uso seguro da Internet;

N.º 333, de 2010, que altera a Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990, estabelecendo regra única para a progressão de regime nos crimes hediondos, independentemente da condição de primário, estendendo-a aos crimes previstos no art. 240 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

N.º100 de 2010, que altera a Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para prever a infiltração de agentes da polícia na Internet com o fim de investigar crimes contra a liberdade sexual de criança ou adolescente;

N.º 233, de 2009, que altera o Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) com a finalidade de dar nova disciplina ao livramento condicional no caso de condenação por crimes contra a liberdade sexual;

N.º 234, de 2009, que altera o Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) com a finalidade de modificar as regras relativas à prescrição dos crimes praticados contra crianças e adolescentes;

N.º 275 de 2008, que altera o art. 244-A da Lei n.º 8.069, de 1990, e cria o art. 244-B para criminalizar expressamente a conduta de quem se aproveita sexualmente de adolescentes expostos à prostituição, exploração sexual ou abandono, além de outras providências. (BRASIL, 2012).

 

Dessa forma, nota-se quão importante e urgente é dar substrato jurídico à ação de combate aos crimes cometidos através da internet que, em todos os aspectos, atormenta o poder de punição do Estado.

 

4 O DENSENVOLVIMENTO DA INTERNET E O DIREITO

 

Fruto de projetos do Departamento de Defesa durante a guerra fria, a internet nasceu nos Estados Unidos por volta de 1969. Inicialmente composta por 04 (quatro) supercomputadores com o objetivo de preservar dados importantes da destruição nuclear como se defere da citação abaixo:

 

O Departamento de Defesa dos EUA apoiou a pesquisa sobre comunicações e redes que poderiam sobreviver a uma destruição parcial, em caso de guerra nuclear. A intenção era difundi-la de tal forma que, se os Estados Unidos viessem a sofrer bombardeios, tal rede permaneceria ativa, pois não existiria um sistema central e as informações poderiam trafegar por caminhos alternativos até chegar ao seu destinatário. Assim, em 1962, a ARPA encarregou Rand Corporatino (um conselho formado em 1948) de tal mister, que foi apresentar seu primeiro plano em 1967. Em 1969, a rede de comunicações militares foi batizada de ARPANET (rede de agência de projetos avançados de pesquisa). (FABRIZIO ROSA, 2002, p. 29).

 

Um ano após, a internet ganhou outras finalidades como estudo científicos ou didáticos e comunicação entre usuários, o que fez com que ela se popularizasse. Isso se tornou possível graças à invenção do correio eletrônico, como se depreende do texto infra:

 

No fim de 1972, Ray Tomlison inventa o correio eletrônico, até hoje a aplicação mais utilizada da NET. Em 1973, a Inglaterra e a Noruega foram ligados à rede, tornando-se, com isso, um fenômeno mundial. Foi quando no mesmo ano veio ao público a especialização do protocolo para transferência de arquivos, o FTP, outra aplicação fundamental na internet. Portanto, nesse ano, quem estivesse ligado à ARPANET, já podia se logar como terminal em um servidor remoto, copiar arquivos e trocar, mensagens. Devido ao rápido crescimento da ARPANET, Vinton Cerf e Bob Kahn propuseram o (Transmisson Control Protocol/ Internet Protocol – TCP/IP) um novo sistema que utilizava uma arquitetura de comunicação em camadas com protocolos distintos, cuidando de tarefas distintas. Ao TCP cabia quebrar mensagens em pacotes de um lado e recompô-las de outro, garantindo a entrega segura das mensagens. Ao IP cabia descobrir o caminho adequado entre o remetente e o destinatário e enviar os pacotes. (FABRIZIO ROSA, 2001, p. 30).

 

Depois de algum tempo a rede foi disponibilizada a empresas e a APARNET continuou a financiá-la até a criação do Word Wide Web (WWW), em Genebra, 1989, com o fim de facilitar a navegação, tornando-a mais agradável, na medida que introduziu sons e imagens aos simples textos. A novidade do WWW é o conteúdo que o compõe, hipertexto que permite o relacionamento direto de um texto com outro.

Não demorou muito para o advento da internet banda larga, o que difundiu ainda mais a internet. Com ela, a navegação tornou-se mais célere e foi possível realizar uma maior quantidade de tarefas como fazer downloads de programas, postar imagens e etc. em um pequeno lapso temporal.

A internet não é um meio físico, mas um conjunto de operações realizadas por sistemas (computadores-cabos-satélites), sendo que cada equipamento possui o seu endereço lógico identificado por números, denominado de Internet Protocol (IP). Dessa forma o usuário é identificado na rede, tornando possível o seu rastreamento.

Com a popularização da internet tem-se um número maior de informações em circulação, resultado da quantidade de acessos diferenciados. Esse imenso mundo que é o ciberespaço, como avanço tecnológico, trouxe mudanças em todos âmbitos sociais e relacionais, até no direito inclusive.

A internet trouxe para o âmbito jurídico muitas facilidades como correio eletrônico, petições e acompanhamento online junto a justiça.

Os avanços tecnológicos ocorridos nos últimos anos apresentam a Internet como uma ferramenta muito versátil e cada vez mais popular, conseqüentemente, as pessoas são cada vez mais influenciadas pela tecnologia, revolucionando a percepção e a prática de atividades corriqueiras, tais como a leitura de um jornal, o envio de correspondências ou a audição de uma música.

Afora os benefícios trazidos ao direito, certo é, que o ciberspaco da internet mostra-se como um desafio ao controle da ordem e segurança jurídica de seus usuários, pois, ao lado dos benefícios trazidos, surgiram com a disseminação dos computadores e do acesso à internet, novas formas de afrontar e ferir os bens jurídicos tutelados por meio de criminosos especializados em linguagem informática e virtual. Esses crimes foram denominados virtuais, digitais, informáticos, telemáticos, de alta tecnologia, crimes por computador, fraude informática, delitos cibernéticos, crimes transnacionais e outras exclusive. Os crimes praticados nesse espaço se caracterizam pela ausência física do agente ativo, por isso, ficaram usualmente definidos como sendo crimes virtuais.

As condutas criminosas mais comuns cometidas através da internet são variadas e se referem aos crimes contra a honra, contra a liberdade individual, contra o patrimônio, contra a pessoa e contra os costumes.

Devido à especificidade do tema, deve-se limitar o campo de abordagem referindo-se apenas aos crimes contra os costumes, dentre os quais a restrição pousará sobre o crime de pedofilia.

 

5 CRIMES DE PEDOFILIA COMETIDOS ATRAVÉS DA INTERNET

 

Com um espaço favorável, popular e sem identificação aparente do sujeito virtual, a prática de crimes relacionados à Pedofilia aumentou. Isso se tornou possível, porque, segundo Landini (2007, p. 171-172) “a internet, e seu uso como mídia de massa, transformou o mercado da pornografia infantil, aumentando seu público e, consequentemente, transformando também o seu significado.”

O relativo anonimato propiciado pela Internet favoreceu a produção e a distribuição de fotos e vídeos abjetos de crianças e adolescentes em cenas de sexo explícito. Possibilitou, também, que adultos assediem livremente crianças em salas de bate-papo virtuais, ou encontrem outros adultos portadores da mesma patologia em sites de pornografia ou comunidades de relacionamento.

Nesse sentido, preceitua Kalb,

 

Alguns dos motivos para que o abuso sexual e a publicação de foto e vídeos pornográficos aumentassem significativamente foram a confidencialidade de usuários de salas de bate-papo, hospedagem de sites nos mais variados países, dificultando a identificação e a prisão dos responsáveis, pouca legislação específica para crimes de informática, etc. (KALB, 2008, p. 121).

 

Foi justamente a Lei n.°11.829, de 2008, que, simultaneamente, alterou e ampliou a abrangência do ECA sobre os crimes de pedofilia virtual. Nesse sentido, foi que a nova lei definiu estas figuras típicas abaixo descritas.

Foram incluídos no artigo 240 os verbos reproduzir, fotografar, filmar e registrar, e, no parágrafo 1°, a introdução do verbo coagir “configurador de uma modalidade especial de constrangimento ilegal (art. 146, CP).” (NUCCI, 2009, p. 255). Essas alterações expandiram o tipo às condutas, cujo objeto sejam cenas de sexo explícito ou pornografia abrangendo crianças e adolescentes. Para melhor entender a modificação, observe-se, abaixo, as versões do artigo transcritas em sequência cronológica:

a) Antes da inclusão dos verbos:

 

Art. 240. Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva, cinematográfica, atividade fotográfica ou de qualquer outro meio visual, utilizando-se de criança ou adolescente em cena pornográfica, de sexo explícito ou vexatória:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem, nas condições referidas neste artigo, contracena com criança ou adolescente.

§ 2° A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos:

I – se o agente comete o crime no exercício de cargo ou função;

II – se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial. (BRASIL, 2012).

 

b) Depois da nova redação dada pela lei:

 

Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1o Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.

§ 2o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime:

I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;

II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou

III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento. (BRASIL, 2012).

 

O artigo 241-B, trouxe a seguinte redação:

 

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, 2012).

 

punindo quem obtiver qualquer material pornográfico envolvendo menores de 18 anos com objetivo de guardar consigo, o que não tinha previsão antes do acréscimo pela Lei.

Pela Lei 11.829/2008, o art. 241-C, do ECA tem a seguinte redação: “Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo (…)” (BRASIL, 2012), alcançando desta forma não só as situações reais como também aquelas que envolvem pseudo-imagens, cartoons, desenhos animados, pinturas. As pseudo-imagens são aquelas criadas artificialmente que aparentam ser a reprodução fotográfica de uma criança real em situação de exploração sexual, dificultando a distinção de cenas reais. Já as imagens assemelhadas aos cartoons são, como bem ensina Reinaldo Filho (2011, p. 11), “dotadas de animações com intenções voltadas à pornografia infantil, mas que são facilmente distinguíveis de cenas reais”.

Mesmo que as imagens sejam fictícias e aparentes, ou seja, não correspondentes à verdade dos fatos, o fato de demonstrarem crianças sofrendo abusos sexuais, a sua divulgação, por si, já constitui a caracterização do tipo penal, uma vez que, conforme ministra Nucci (2009, p. 267) “de qualquer modo fere-se o bem jurídico tutelado, vale dizer, a boa formação moral da criança ou adolescente”.

Houve também o acréscimo de uma norma explicativa, o artigo 241-E, que definiu a expressão cena de sexo explícito ou pornográfica, in verbis:

 

Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. (BRASIL, 2012).

 

Do arrazoado acima, depreende-se que a internet com seus avanços trouxe muitos benefícios à sociedade, no entanto, o mau uso, como a utilização do espaço virtual para o cometimento de delitos, mormente aqueles contra a liberdade sexual de menores, transformou-a em um perigo, visto a volatilidade de seus programas e virtualidade dos seus usuários. Entretanto, tem-se tentado reprimir essas condutas criminosas cometidas através da internet por meio da confecção de leis específicas e de métodos de investigação virtual mais eficazes.

 

6 MEIOS REPRESSIVOS E A DIFICULDADE DE APURAÇÃO

 

Da abordagem acima ficou configurado que os meios de divulgação de dados (imagens, vídeos com cenas de sexo e pornografia) são diversos e que veloz é a difusão de seu conteúdo. São vários e gratuitos os programas de compartilhamento dentre os quais se destacam websites, e-mails, programas de troca de arquivos eletrônicos (tipo Kazaa), arquivos ou mensagens ofensivas trocados em programas de mensagem instantânea (MSN Messenger ou ICQ, arquivos ou mensagens ofensivos trocados em salas de bate-papo, grupos de discussão (yahoo groups), comunidades virtuais como o Orkut, facebook, twiter e etc.

A grande dificuldade reside na agilidade, no conhecimento técnico específico de seus remetentes e, no quase, anonimato desses conteúdos. Quando não são anônimos, a agilidade e o caráter técnico se encarregam de garantir a sua invisibilidade. Muitas vezes, o conteúdo com que se depara o internauta tem aparência lícita, mas se revela uma pornografia, um vídeo com cenas de sexo. Como afirma Brutti (2008, p. 24) “dessa forma, o receptor inocente acreditará estar baixando para seu computador um vídeo lícito, mas, na verdade, tratar-se-á de uma filmagem doentia envolvendo o estupro ou o atentado violento de uma criança de tenra idade”. Deste modo, os ardis como utilizar arquivos e sites com nomes dissimulados tornam muito difícil a responsabilização penal dos agentes criminosos.

Para facilitar a repressão a esses crimes há referência explícita, no Manual de Crimes Cibernéticos, dos termos de compromisso assinados entre o Ministério Público Federal e os provedores locais objetivando fazer com que eles:

 

a) divulguem campanhas contra a pornografia infantil e contra os crimes de ódio; b) orientem o público sobre a utilização não criminosa de salas de bate-papo, grupos e fóruns de discussão, blogs, páginas pessoais e outros serviços disponibilizados ao usuário; c) insiram, nos instrumentos de adesão ao serviço, cláusula que preveja a rescisão contratual na hipótese do usuário valer-se do provedor para veicular fotografias e imagens de pornografia infantil, ou idéias preconceituosas quanto à origem, raça, etnia, sexo, orientação sexual, cor, idade, crença religiosa ou outras formas de discriminação; d) mantenham link pelo qual os usuários possam noticiar ao provedor signatário as condutas referidas neste termo, quando praticadas em ambiente, página, grupo de discussão, álbum eletrônico, ou outro serviço prestado pelo próprio provedor; e) informem imediatamente ao Ministério Público Federal, quando tomem conhecimento de que abrigam pornografia infantil ou conteúdo manifestamente discriminatório, assegurada a proteção ao sigilo dos dados telemáticos; f) preservem e armazenem, pelo prazo mínimo de 6 (seis) meses, o registro de logs de acesso discado e, quando possível, também os IP’s originários dos usuários dos serviços de web page, salas de bate-papo, fotologs, fóruns de discussão on-line e outros. g) solicitem e mantenham os dados cadastrais informados por seus assinantes de acesso; h) exijam que os novos usuários informem o número de algum documento validável de identificação, como por exemplo o número do RG ou do CPF. (BRASIL, 2006, p. 44).

 

Como se vê, o objetivo dos termos é comprometer os provedores no combate aos crimes de pornografia infantil, quando cometidos através da Internet.

Inclusive sob o aspecto ético, a responsabilidade dos provedores em zelar pela não disseminação de tais práticas é algo incontestável, visto que, uma vez hospedando conteúdos de pornografia infantil, os provedores contribuem, em muito, para o convencimento do público em geral, inclusive crianças, muitas delas já usuárias da Internet, de que a pornografia infantil e a exploração sexual de crianças e adolescentes é algo natural, divertido e prazeroso.

Os provedores mais usados hoje são: AOL Brasil – América OnLine, Click 21 – Comércio de Publicidade Ltda. (Embratel), TV Globo Ltda. (Globo.Com), Google Brasil (Gmail e Orkut), Internet Group do Brasil Ltda. (IG), Microsoft do Brasil (Hotmail e Messenger), Terra Networks Brasil S.A., UOL – Universo OnLine, Yahoo do Brasil Internet Ltda. E com eles se mantém termos de responsabilidade no intuito de “unir esforços para prevenir e combater a pornografia infantil, o racismo e outras formas de discriminação na rede mundial de computadores”. (KALB, 2008, p. 368).

No entanto, identificar os autores de tais crimes não é tarefa fácil, sobretudo, quando envolve empresas, escolas, lan-houses, e locais públicos de acesso à internet. Nucci (2009) posiciona-se entre aqueles que defendem que os profissionais não poderão alegar desconhecimento para se isentarem da responsabilidade ou alegar a falta de controle de toda a rede. De tal forma que, será responsabilizado, quando conhecendo a propagação de material ilícito na rede desde que fique inerte.

Nesse mesmo sentido, afirma-se que:

 

(...) as pessoas que navegam pela web sentem como se estivessem em um espaço privado, protegidas pelo uso de um nickname e, consequentemente, agem como se estivessem em suas próprias casas escondidas dos olhares e censuras dos outros. Eles podem – ou pensam que podem- agir livremente, fazer o que desejarem. (LANDINI, 2007, p. 177).

 

Além da agilidade, do conhecimento técnico, da estratégia de simulação de nomenclatura em sites e arquivos, há também as lacunas da falta de legislação específica, assim, as redes de pedofilia ultrapassam limites territoriais de qualquer legislação penal.

Sobre o que é necessário para se evitar a impunidade, plausível é ensinamento de que,

 

Necessitamos de um trabalho investigativo rigoroso, que exige uma estrutura grande, com policiais treinados e com conhecimento de informática, computadores de última geração para fazer o rastreamento e localização de forma rápida, e tudo isso requer pessoal treinado, tempo e necessita recursos, (...). (NOGUEIRA, 2009, p. 177-178).

 

O desenvolvimento sóciotecnológico dos ciberespaços, demanda a confecção de leis atuais que restrinjam a ação do mau uso da internet. Vê-se, nesse sentido, expressa no projeto de lei n.° 100 de 2010, citado alhures, a tentativa de acompanhar essas ações criminosas, mormente no que diz respeito à infiltração de policiais na rede mundial de computadores para investigar crimes contra a liberdade sexual de crianças ou adolescentes. O relator do projeto Demóstenes Torres, em seu parecer assim se pronunciou:

 

A infiltração é um poderoso instrumento de intimidação. Ele serve tanto à repressão quanto à prevenção. Tornada Lei, a proposta criará um ambiente de dúvida e insegurança para os pedófilos que poderão ser surpreendidos por todo um aparato garantido pelo Estado e presente no outro lado da conexão. (BRASIL, 2012).

 

Do exposto, observa-se que são muitos os obstáculos a serem superados no que se refere à punição de crimes cometidos através da internet contra a liberdade sexual de crianças e adolescentes, vez que, há uma dissonância gritante entre os meios repressores, a ação técnica dos criminosos e os mecanismos de apuração. Observa-se, diante dessa dicotomia tipificação e crimes de pedofilia, de acordo com o provérbio, “o direito não socorre os que dormem”, que o direito não socorre, não porque não foi provocado, mas porque não consegue acordar.

 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A construção lógica acima faz concluir que a popularização da internet e o seu avanço tecnológico trouxeram muitos benefícios a sociedade, no entanto, o mau uso dessa ferramenta comunicativa favoreceu a prática de ações criminosas com o anonimato, a indeterminação, atipicidade e, por isso mesmo, com a impunidade.

A pedofilia como crime existe apenas quando vai além dos limites do pensamento, e quando isso ocorre tem-se o chamado crime cometido por pedófilo, doutra forma não há como se falar nessa espécie de crimes visto que o direito não penaliza a idéia da ação criminosa, mas sim, a sua preparação, execução e consumação, como quando, por exemplo, um pedófilo pública na internet cenas de sexo tendo como personagens crianças ou adolescentes.

Há uma tentativa de atacar o cerne dessa problemática com a elaboração de uma legislação que tipifique os crimes cometidos por pedófilos através da internet, de forma a asseverar o tratamento dado à matéria, a criar novas formas de investigação e a realizar termos de compromissos entre a justiça e os provedores.

No que se refere à legislação já se alcançou um certo avanço com as alterações do ECA pela Lei n.º 11.829/2008, e com o Código Penal, alterado pelas Leis n.º 11.106/2005 e n.º 12.015/2009. Ademais, a proposição de projetos de lei nas casas legislativas denota uma séria preocupação em combater os crimes contra a liberdade sexual de crianças e adolescentes.

Em desfavor de tudo isso, há uma tremenda dissonância entre os mecanismos de enfrentamento desses crimes e a dificuldade de apuração, que se reflete na virtualidade dos criminosos, na volatilidade de suas ações, no despreparo técnico de policiais na investigação e na deficiência da tipificação legal dessas ações. Essa dificuldade de apuração das condutas criminosas de pedófilos através da internet gera um prejuízo enorme à liberdade sexual de crianças e adolescentes, pois não se pune a conduta não tipificada em lei, nem muito menos aquela da qual não se consegue determinar o seu sujeito ativo.

 

THE DIFFICULTY OF CALCULATING THE PEDOPHILIA CRIMES COMMITTED OVER THE INTERNET

 

ABSTRACT

 

This paper aimed to study the difficulty of calculating the pedophilia crimes committed over the internet. We tried to conceptualize the crime using the theories of crime and action as well as discuss the iter criminis to relate it to pedophilia as a mental disorder and as criminal action. Briefly presented the legal mechanisms used, and proposed bills related to such crimes. Sought to confront the social-historical development of the internet with involution is thus deferring legal impunity for crimes of virtual pedophilia. He spoke about the crimes committed by pedophiles through virtual means. Finally, tried to relate the means used in the prosecution of such crimes with the difficulty to investigate, assess and classify its causes.

 

KEYWORDS: Pedophilia. Crime. Internet. Law. Penalty.

 

 

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[1] Aluno do 9º período do Curso de Bacharelado em Direito do Centro de Ensino Unificado de Teresina – CEUT