Sempre   que  nos  deparamos  com  a  palavra  inconsciente,  encontramo-la, predominantemente,  relacionada ao médico, neurologista e criador da psicanálise Sigismund Scholomo Freud ou, simplesmente, Freud como é mais conhecido.

                    Segundo  ele,  o inconsciente seria não só  uma  espécie de  redutor de impulsos sexuais, traumas e processos mentais contrários ao padrão de consciência  inculcado no sujeito pela educação como também o responsável por esquecimentos, distrações, fantasias, etc. Estes conteúdos estariam aparentemente criptografados para a consciência e só se manifestariam - em razão da elevada tensão interna - de forma latente nos sonhos que, com o auxílio do psicanalista, poderiam ser interpretados.

                   Em termos mais simples,  é   como  se através  dos  sonhos  o  sujeito  estivesse mostrando para si as coisas "horríveis" que carrega ou que ocorreram  consigo,  de uma forma amena e velada para não chocar a si mesmo.

                 Isso, evidentemente, não faz nenhum sentido pois,  se o inconsciente "sabe" daquilo que a consciência não sabe é porque ele está consciente. Então, estando consciente não pode ser denominado de inconsciente.

                  Neste caso será que teríamos duas consciências antagônicas?

                  Também não faz sentido pois, se tivéssemos duas consciências antagônicas,  isso significaria que uma estaria inconsciente da outra e jamais poderiam tornar-se conscientes, já que cessaria o antagonismo necessário à existência de ambas. Duas consciências trariam como consequência uma estranheza do indivíduo em relação aos seus atos, devido à incapacidade em reconhecer o que fez durante um estado de consciência, depois que passasse ao outro.

                   Mesmo naqueles casos de doença mental, onde o sujeito se torna diferente do que era, como o Alzheimer,  a amnésia e o AVC ou de cirurgias cerebrais  como  a  hemisferectomia (extirpação de um hemisfério cerebral), não há como se admitir duas consciências, porque o que se observa é um decréscimo da consciência existente e não o surgimento de uma nova consciência.

                  O que me  parece  plausível  admitir é que  a  consciência  se  manifesta  de  forma tríplice. Primeiro através das sensações e autorreparação (consciência orgânica ); segundo através das emoções e sentimentos (consciência psicológica) e, por último, através dos pensamentos não verbalizados e verbalizados (consciência mental), sendo que todas estas faculdades da consciência estão interligadas pela memória.

                   O  esquecimento  de  experiências,  supostamente  traumáticas,  referentes  aos primeiros anos de vida, na maioria das vezes, tem sido atribuído ao seu envio para o inconsciente mas, pode ser explicado de outra  forma que  exclua a participação deste último.  Na realidade  a explicação, mais simples e realista, é que a capacidade da mente de reter os fatos  (memorizar) ainda é limitada nesta fase e não havendo lembranças não há como comprovar que  certos fatos ocorridos possam ter algum efeito de longo prazo sobre o sujeito.

                   Com isso, não pretendo afirmar que certas experiências, principalmente,  de ordem física não produzem trauma. O que quero dizer é que o trauma, por causar forte impressão tanto física quanto psicológica, é retido com maior facilidade e intensidade na memória a qual guarda estreita relação com a consciência. Portanto, se a relevância que um fato tem para  o  sujeito,  é conferida pela memória que este tem do mesmo; como este fato pode manter-se relevante se se tornar inconsciente para o sujeito?

                   Ao destacar a irrelevância da suposta atuação de um inconsciente nos processos da mente, não estou admitindo a irrelevância  da  psicanálise. Importa,  sobretudo,  que  ela  seja entendida  como  "cura  pela  fala"  conforme  definiu,  brilhantemente,  a  paciente  Bertha Pappenheim, mais conhecida sob o pseudônimo de Anna O., cujo caso contribuiu para estabelecer os fundamentos da psicanálise.

                  Normalmente, o sujeito sente alívio ao falar,  que nada mais é do  que  coloca r em linguagem convencional os  conteúdos  psíquicos  que estão  em  sua  mente  e dos  quais  está consciente. Isso se deve,  em primeiro lugar,  à nossa anatomia e em segundo à necessidade de estruturação do pensamento, à comunicação e à sociabilização,  uma  vez  que  o  sujeito  só  se mostra compreensível e analizável para si mesmo através da linguagem escrita e falada. 

                 O pensamento sem dúvida alguma, precede a fala e a escrita pois,  do  contrário não teríamos criado ambos. Mas é a fala e a escrita que dão concretude e organização ao pensamento. E quando pensamos, estamos sempre conscientes de termos pensado ou de  estarmos pensando, mesmo se desprovidos de linguagem.

                  A  inaceitabilidade  não  só  social  como  também  do  próprio  sujeito,  de  certos conteúdos  que  ele  carrega dentro de si e também o  conjunto  de  experiências  repulsivas  e indesejáveis  que violam  a  integridade física e moral do mesmo,  promovém  o  adiamento  da verbalização destes conteúdos o "não pensar a respeito", devido ao estado de perplexidade gerado seja momentâneo ou duradouro o que,  frequentemente,  exige uma reestruturação  interna  de difícil e demorada execução. Porém isso não significa que o sujeito está inconsciente destes conteúdos.

                O psicanalista que aqui entendo não só como o homem dos conceitos (acadêmico), mas também como o homem prático (que viveu várias experiências), deve atuar como um provedor de linguagem, auxiliador e orientador da estruturação linguística do pensamento e também da reestruturção interna do sujeito. Sob esta nova perspectiva o inconsciente, que nada mais é do que uma alternativa ficctícia e subterfugiosa, usada para eximir o sujeito de maiores responsabilidades e para adiar a reestruturação dos conteúdos psicológicos, deixa de ser importante e readquire importância o método da maieutica, supostamente, criado por Sócrates. Quanto aos sonhos, o psicanalista deveria considerará-los apenas como um sistema de linguagem arcaico, ao qual o sujeito não deve dar atenção para não superestimar a sua importância.