A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIREITO DE FAMÍLIA.[1]

 

 

David Costa Alves e Ecio Fonseca Costa[2]

Humberto Oliveira[3]

 

 

SUMÁRIO: Resumo. 1 Introdução. 2 Arcabouço teórico-doutrinário. 2.1 Teoria da desconsideração da personalidade jurídica; 2.1.2 Princípio da autonomia patrimonial; 2.1.3 Desconsideração inversa da personalidade jurídica. 2.4 Direito de família. 3 Implicações da desconsideração inversa da personalidade jurídica no direito de família; 3.1 Hipóteses de aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica ; 3.2 A desconsideração inversa da personalidade jurídica e suas implicações nos processos de dissolução do casamento   ou união estável 4 Considerações finais.

 

 

RESUMO

 

O presente artigo tem por objetivo geral apresentar uma análise a cerca das consequências geradas pela aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica de modo inverso no direito de família, identificando os efeitos de tal possibilidade, a legitimidade e as ferramentas jurídicas para a desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, verificando assim, a possibilidade de responsabilizar a sociedade empresária pelo devido ao ex-conjuge ou ex-companheiro. Para tanto, inicialmente se traça uma abordagem conceitual e doutrinária sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e da sua modalidade inversa, do princípio da autonomia patrimonial e algumas nuances do direito de família. Por fim, discorre-se a respeito das disposições a cerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica no processo falimentar e suas implicações nos processos de dissolução do casamento ou sociedade conjugal.

 

Palavras-chave: Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Autonomia patrimonial. Implicações. Direito de família

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

                    O Código Civil garante, em determinados casos, a desconsideração da personalidade jurídica das empresas para atingir os bens dos sócios por dividas contraídas pela sociedade. Contudo, nos processos falimentares há a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica de modo inverso. Diante disso, surgem as seguintes questões: De que forma é possível a aplicação dessa teoria e quais as consequências da sua aplicação para o direito de família?

                   Diante dessa questão, resolveu-se delimitar o tema pela relevância que o mesmo alcança no meio acadêmico, com vistas a possibilitar um maior entendimento sobre as suas peculiaridades, junto aos acadêmicos dos períodos do curso de Direito. Nesse sentido, o estudo despertou o interesse dos autores do paper em desenvolver tal pesquisa a fim de colher informações que possam fomentar a discussão acadêmica e, em um futuro não tão distante, servir de balizamento para a escrita de uma monografia.

                   Nesse tocante, o artigo tem como objetivo geral apresentar uma análise a cerca das consequências geradas pela aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica de modo inverso em no direito de família, identificando os efeitos de tal possibilidade, a legitimidade e as ferramentas jurídicas para a desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, verificando assim, a possibilidade de responsabilizar a sociedade empresária pelo devido ao ex-conjuge ou ex-companheiro. Como objetivos específicos o trabalho pretende: (i) traçar uma abordagem conceitual e doutrinária sobre a teoria da desconsideração da personalidade juídica e da sua modalidade inversa, do princípio da autonomia patrimonial e algumas nuances do direito de família; (ii) discorrer a respeito das disposições a cerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica no processo falimentar e suas implicações nos processos de dissolução do casamento ou sociedade conjugal.

                   A metodologia deste trabalho teve como base de apoio a pesquisa bibliográfica, tendo como objetivo balizar o posicionamento do pesquisador sobre as teorias que já foram expostas ou escritas sobre o tema da pesquisa. As fontes bibliográficas que deram o embasamento teórico consistiram de livros, artigos, textos, publicações da internet e/ou monografias e artigos disponíveis a consulta em qualquer um dos meios citados aqui. Caracteriza-se, pois, tal pesquisa como teórico-descritiva, cujo fulcro espelha-se na linha de pensamento de autores já conhecidos pelas exposições de seus conhecimentos didático-científicos.

 

2 ARCABOUÇO TEÓRICO-DOUTRINÁRIO 

 

2.1 Teoria da desconsideração da personalidade jurídica 

                   No que diz respeito ao tema, dispõe expressamente o artigo 50 do Código Civil de 2002 que:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (BRASIL, 2002)

                        

 

                         Não obstante as hipóteses de cabimento elencadas pelo Código Civil tais como dolo e fraude, desvio de finalidade e confusão patrimonial, faz-se necessário ressaltar que nas relações de consumo também é possível a desconsideração da personalidade jurídica.

                   Nesse sentido, estabelece o Código de Defesa do Consumidor no seu artigo 28 que, quando houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração, poderá o juiz, em detrimento do consumidor, desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade.

                   Contudo, é preciso deixar bem claro que o Código Civil, diferentemente do do Código de Defesa do Consumidor, não adotou a teoria menor da desconsideração, pois " da análise do art. 50 do CC/2002, depreende-se que o ordenamento jurídico pátrio adotou a chamada teoria maior da desconsideração, segundo a qual se exige, além da prova de insolvência, a demonstração ou de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração) ou de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração) [...]" (STJ, REsp 948.117-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/6/2010)

                  

2.1.2 Princípio da autonomia patrimonial

 

                   Quanto ao corolário da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, faz-se mister evidenciar que “a ideia de autonomia patrimonial está pressuposta na concepção da sociedade personificada de responsabilidade limitada. A atribuição de uma personalidade jurídica distinta a esse ente abstrato permite edificar teoricamente a noção de autonomia patrimonial: o patrimônio societário do sujeito coletivo não se comunica com o patrimônio pessoal dos sócios e vice-versa. As respectivas obrigações permanecem em separado. Vale dizer, pelas obrigações da sociedade personificada responde apenas o patrimônio desse ente abstrato. Pelas obrigações pessoais do sócio responde apenas o patrimônio pessoal de cada sócio obrigado.” (Claus, 2013)

                   Nesse tocante, é importante ressaltar que o princípio da autonomia patrimonial está instrisecamente ligado à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pois esta, "[...] não é uma teoria contra a separação subjetiva entre a sociedade empresária e seus sócios. Muito ao contrário, ela visa preservar o instituto, em seus contornos fundamentais, diante da possibilidade de o desvirtuamento vir a comprometê-lo. Isto é, a inexistência de um critério de orientação, a partir do qual os julgadores pudessem reprimir fraudes e abusos perpetrados através da autonomia patrimonial, poderia eventualmente redundar no questionamento do próprio instituto, e não do seu uso indevido." (Coelho, 2012, p.)

 

2.1.3 Desconsideração inversa da personalidade jurídica

 

                   Conforme bem assevera Fábio Ulhoa Coelho, “desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio.” (Coelho, 2012, p. 73)

                   A desconsideração da personalidade jurídica tem como objetivo principal a coibição de fraudes, as quais são consubstanciadas através do uso da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Ocorre a sua aplicação, especialmente nas hipóteses em que as obrigações imputadas à sociedade ocultam ilicitudes.

                   Nesse sentido, cumpre destacar que “a fraude que a desconsideração invertida coíbe é, basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Os seus credores, em princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens. [...]”. (Coelho, 2012, p. 73)

                   Dessa forma, faz-se mister esclarecer que "em ambos os tipos de desconsideração da personalidade jurídica é a eficácia jurídica da autonomia patrimonial que é superada pela técnica do direito: a ciência jurídica neutraliza a autonomia patrimonial quando tal concessão à ordem econômica degenera no descumprimento das obrigações. Logo se percebe que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem por objeto o resgate do princípio da responsabilidade patrimonial, mediante a superação de aspectos formais de personificação jurídica da sociedade empresarial." (Claus, 2013)

 

2.4 Direito de família

 

                   Conforme conceitua Maria Helena Diniz, o direito de família é “[...] o ramo do direito civil concernente às relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, pela união estável ou pelo parentesco e aos institutos complementares de direito protetivo ou assistencial, pois, embora a tutela e a curatela não advenham de relações familiares, têm, devido a sua finalidade, conexão com o direito de família”. (Diniz, 2010, p.4)

                   Fazendo-se uma breve comparação entre outros ramos do direito civil e o direito de família, nota-se que este é dotado de características que lhes são peculiares, senão vejamos:

 

[...] contrapõem-se aos direitos patrimoniais, por não terem valor pecuniário. Distinguem-se, nesse aspecto, dos direitos das obrigações, pois caracterizam-se pelo fim ético e social. Embora sejam também direitos relativos, não visam uma certa atividade do devedor, mas envolvem a inteira pessoa do sujeito passivo. A infração aos direitos obrigacionais resolve-se em perdas e danos, enquanto a violação dos direitos de família tem sanções bem diversas: suspensão ou extinção do poder familiar, dissolução da sociedade conjugal, perda de direito a alimentos etc. (GONÇALVES, 2011, p.18)

                  

                   Nesse sentido, tendo em vista estas nuances expostas sobre o direito de família, necessário se faz salientar que, nos processos falimentares a desconsideração invertida da personalidade tem reflexo direto no direito de família, ao passo que muitas vezes, quando da desconstituição da sociedade conjugal ou da união estável, a partilha dos bens comuns pode restar-se fraudada.

                   

3 IMPLICAÇÕES DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO DE FAMÍLIA

 

3.1 Hipóteses de aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica  

                   Como já demonstrado aqui anteriormente, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica visa basicamente à coibição de fraudes perpetradas através da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

                   No caso da desconsideração inversa, a fraude coibida é do desvio de bens, onde o devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica da qual tem o controle ou é sócio, para assim se perpetuar no uso dos bens, os quais seriam patrimônio da pessoa jurídica e não mais seu. Dessa forma, quando os credores dele pretendessem executar os seus bens por dividas contraídas junto a estes, não poderiam fazê-lo a principio. Nesse sentido dispõe Fábio Ulhoa Coelho:

A fraude que a desconsideração invertida coíbe é, basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Os seus credores, em princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens. É certo que, em se tratando a pessoa jurídica de uma sociedade, ao sócio é atribuída a participação societária, isto é, quotas ou ações representativas de parcelas do capital social. (COELHO, 2012, p. 73)

 

                   Nesse tocante, corroborando com esse entendimento, Silmara Resende Soares evidencia que “a fraude que a desconsideração inversa visa reprimir é o desvio de bens pessoais para a pessoa jurídica com a finalidade de fraudar interesses de credores e terceiros. Dessa forma, o sócio “protege” seus bens particulares da execução de obrigações pessoais, tornado-se insolvente”. (Soares, 2013)

                   Nesse sentido, destaca-se que “para haver a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica serão observados a existência de fraude, simulação ou abuso na utilização da personalidade jurídica por parte dos sócios”. (Filgueiras, 2007)

                   Quanto ao tema, faz-se mister transcrever aqui um julgado do Superior Tribunal de Justiça, onde a Ministra Nancy Andrighi, deixa pacífico a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇAO DE SENTENÇA. PENHORA DE BEM PERTENCENTE À EMPRESA DA QUAL É SÓCIO O EXECUTADO. TEORIA DA DESCONSIDERAÇAO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. DISREGARD DOCTRINE.

I A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador.

II Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art.50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.

III A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art.50 do CC/02. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução, "levantar o véu" da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa.

IV À luz das provas produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, entendeu, mediante minuciosa fundamentação, pela ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se utilizar indevidamente de sua empresa para adquirir bens de uso particular.

VI Em conclusão, a r. decisão atacada, ao manter a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, afigurou-se escorreita, merecendo assim ser mantida por seus próprios fundamentos.

Nesses termos, pode-se concluir, que a retirada da personalidade da pessoa jurídica deve ser o último meio para satisfação. (STJ, Processo nº RE- Nº 948.117 - MS (2007/0045262-5, Relatora Ministra Nancy Andrigh, Publicado em: 22/07/2010).

 

 

                   Dessa forma, “[...] entende-se que a desconsideração inversa aplicar-se-á aos casos concretos em que o abuso da personalidade jurídica implique o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, de forma que seja imprescindível afastar a autonomia patrimonial para responsabilizar a pessoa jurídica por obrigação do sócio”. (Soares, 2013)

                   Portanto, a luz do exposto, pode-se concluir que, de uma forma geral, a teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica tem lugar todas as vezes em que ocorrer o abuso de direito perpetrado pela fraude de credores, gerado pela confusão patrimonial entre os bens do devedor e da pessoa jurídica, afastando assim a sua autonomia patrimonial, favorecendo dessa forma o enriquecimento sem causa.

 

3.2 A desconsideração inversa da personalidade jurídica no e suas implicações nos processos de dissolução do casamento ou união estável

 

                   Como se verá aqui, a teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica é largamente aplicada no direito de família, nos casos de prestação de alimentos, por exemplo, mas principalmente nos processos de dissolução do casamento ou de união estável. Muitas vezes, ocorre de um dos cônjuges integrarem seus bens ao patrimônio da empresa, tornando estes bens intocáveis, quando da partilha de bens decorrente da dissolução da sociedade conjugal ou do casamento.

                   Tanto na doutrina, como na jurisprudência, a aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica é amplamente defendida nessas hipóteses.  Nesse sentido, mister se faz evidenciar o que assevera o ilustre autor Fabio Ulho Coelho sobre o tema:

A desconsideração invertida ampara, de forma especial, os direitos de família. Na desconstituição do vínculo de casamento ou de união estável, a partilha de bens comuns pode resultar fraudada. Se um dos cônjuges ou companheiros, ao adquirir bens de maior valor, registra-os em nome de pessoa jurídica sob seu controle, eles não integram, formalmente, a massa a partilhar. Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheiro do sócio, associado ou instituidor. (COELHO, 2012, p. 74-75)

 

 

                   Nessa linha de pensamento, Hélio Marcos de Jesus evidencia que, “no tocante à aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica, pode-se dizer que tem cabimento toda vez que o sócio faz uso indevido da pessoa jurídica, mas verifica-se que a sua aplicação tem incidido, com mais frequência, nos casos em que ocorre a confusão patrimonial, no dever de alimentar e no direito de família, quando o cônjuge, para burlar a partilha dos bens, faz uso da empresa para esvaziar o patrimônio do casal. Nesse sentido, têm-se três situações exemplificativas da aplicação do instituto ora em comento: patrimônio aparente, fraude no dever de prestar alimentos e, por fim, na dissolução da sociedade conjugal”. (Jesus, 2011)

                   Na jurisprudência, como já afirmado anteriormente, é possível encontrar vários julgados que confirmam a aplicação da teoria da desconsideração nos processos de dissolução do casamento ou união estável. Dito isso, faz-se necessário transcorrer o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e alguns julgados recentes de Tribunais sobre o assunto.

 

STJ aplica desconsideração inversa de personalidade jurídica para proteger direito de cônjuge em partilha

A desconsideração inversa da personalidade jurídica poderá ocorrer sempre que o cônjuge ou companheiro empresário se valer de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, para subtrair do outro cônjuge direito oriundo da sociedade afetiva.

A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que reconheceu a possibilidade de desconsideração inversa da pessoa jurídica, em ação de dissolução de união estável.

 A desconsideração da personalidade jurídica está prevista no artigo 50 do Código Civil (CC) de 2002 e é aplicada nos casos de abuso de personalidade, em que ocorre desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nessa hipótese, o magistrado pode decidir que os efeitos de determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 

A desconsideração inversa, por sua vez, ocorre quando, em vez de responsabilizar o controlador por dívidas da sociedade, o juiz desconsidera a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação do sócio. 

No caso analisado pela Terceira Turma, o juízo de primeiro grau, na ação para dissolução de união estável, desconsiderou a personalidade jurídica da sociedade, para atingir o patrimônio do ente societário, em razão de confusão patrimonial da empresa e do sócio que está se separando da companheira. 

 

 

                   Nessa linha de entendimento, segue abaixo um Julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em que foi decidida uma apelação cível:

 

SEPARAÇÃO JUDICIAL. RECONVENÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. MEAÇÃO.

O abuso de confiança na utilização do mandato, com desvio de bens do patrimônio do casal, representa injúria grave do cônjuge, tornando-o culpado pela separação. Inexistindo prova da exagerada ingestão de bebida alcoólica, improcede a pretensão reconvencional. É possível a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, usada como instrumento de fraude ou abuso à meação do cônjuge promovente da ação declaratória, para que estes bens sejam considerados comuns e comunicáveis entre os cônjuges, sendo objeto de partilha. A exclusão da meação da mulher em relação às dívidas unilateralmente pelo varão, só pode ser reconhecida em ação própria, com ciência dos credores.

 

 

                         Nesse diapasão, em outra apelação cível, julgada pelo Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul, mais uma vez a aplicação da teoria da desconsideração inversa no direito de família foi corroborada:

 

A conveniência de sua utilização no âmbito do Direito de Família já foi abordado por Rolf Madaleno, em seu artigo intitulado A disregard no Direito de Família, publicado na Revista Ajuris 57/57-66: O usual, dentro da teoria da despersonalização, é equiparar o sócio à sociedade e que dentro dela se esconde, para desconsiderar seu ato ou negócio fraudulento ou abusivo e, destarte, alcançar seu patrimônio pessoal, por obrigação da sociedade. Já no Direito de Família sua utilização dar-se-á de hábito, na via inversa, desconsiderando o ato, para alcançar bem da sociedade, para pagamento do cônjuge credor familial, principalmente frente à diuturna constatação nas disputas matrimoniais, de o cônjuge empresário esconder-se sob as vestes da sociedade, para a qual faz despejar, senão todo, ao menos o rol mais significativo dos bens comuns.

 

 

                   Nesse sentido, é imperioso colacionar outro julgado a respeito tema, que foi apreciado no Tribunal de Justiça de São Paulo:

 

SEPARAÇÃO JUDICIAL – Pretensão à comunicação de bens havidos na constância do casamento e à desconsideração inversa da personalidade jurídica de empresas representadas pelo agravado – Matéria que deve ser relegada para a fase posterior à sentença – Agravo parcialmente provido, para anular a parte da decisão que antecipou pronunciamento a respeito da incomunicabilidade dos aquestos.

 

 

                         Portanto, diante do exposto, pode-se notar que mesmo não estando expressamente prevista no Código Civil, como está a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no artigo 50, o entendimento da jurisprudência e doutrina dominante é de que, “[...] a desconsideração inversa poderá ser aplicada sempre que o cônjuge, ao se utilizar da pessoa jurídica, busque através de fins escusos, burlar à meação. Com isso, a retirada do véu societário e o seu consequente alcance dos bens garantirá a intangibilidade da verdadeira meação”. (Filgueiras, 2007)

                  

  1.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

                   O artigo teve o propósito de apresentar uma análise a cerca das consequências geradas pela aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica de modo inverso em relação ao processo falimentar, no direito de família, identificando os efeitos de tal possibilidade, a legitimidade e as ferramentas jurídicas para a desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, verificando assim, a possibilidade de responsabilizar a sociedade empresária pelo devido ao ex-conjuge ou ex-companheiro.

                   Para tanto, inicialmente se traçou uma abordagem conceitual e doutrinária sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e da sua modalidade inversa, do princípio da autonomia patrimonial e algumas nuances do direito de família. Por fim, discorreu-se a respeito das disposições a cerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica no processo falimentar e suas implicações nos processos de dissolução do casamento ou sociedade conjugal.

                   Destacou-se aqui, que a norma de forma efetiva, através do artigo 50 do Código Civil de 2002, criou a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica aplicada aos casos de abuso da personalidade em que ocorre desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Assim, diante da omissão do legislador, fora criada, pela jurisprudência, a teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica, a qual é caracterizada quando, em vez de responsabilizar o controlador por dívidas da sociedade, o juiz desconsidera a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação do sócio. 

                         Nesse tocante, ainda que de forma resumida, demonstrou-se ser possível a aplicação da teoria inversa da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito de família. Apesar de não vir expressa em lei, é pacifico em grande parte da jurisprudência, inclusive a do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação dessa teoria nos casos de dissolução do casamento ou união estável.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 8º Câmara. Apelação Cível nº 1999.001.14506. Relator Des. Letícia Sardas. Julgado em 07/12/1999. Disponível em: . Acesso em: 6 de Abr. de 2015.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 7º Câmara. Apelação Cível nº 598082162. Relator Des. Maria Berenice Dias. Disponível em: . Acesso em: 12 de Maio de 2015.

BRASIL.Tribunal de Justiça de São Paulo. 3º Câmara de Direito Privado. Agravo de Instrumento nº 319.880-4/0. Relator Carlos Roberto Gonçalves. Julgado em 02/12/2003. Disponível em: http://www.tj.sp.gov.br. Acesso em:13 de Maio de 2015.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ aplica desconsideração inversa de personalidade jurídica para proteger direito de cônjuge em partilha. Disponível em:< http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=112336> Acesso em: 08 de maio de 2015.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v.2.

 

CLAUS, Bem-Hur Silveira. A Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica na Execução Trabalhista e a Pesquisa Eletrônica de Bens de Executados. Disponível em: < http://www.lex.com.br/doutrina_24289822_A_DESCONSIDERACAO_INVERSA_DA_PERSONALIDADE_JURIDICA_NA_EXECUCAO_TRABALHISTA_E_A_PESQUISA_ELETRONICA_DE_BENS_DE_EXECUTADOS.aspx> Acesso em: 18 de Abr. 2015.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

FILQUEIRAS, Isaura Meira Cartaxo. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Disponível em:< http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/28632-28650-1-PB.pdf> Acesso em: 11 de Maio de 2015.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

JESUS, Hélio Marcos de. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3023, 11 out. 2011. Disponível em:<    http://jus.com.br/artigos/20189/a-desconsideracao-inversa-da-personalidade-juridica/1> Acesso em: 08 de Abr. de 2015.


SOARES, Silmara Resende. Desconsideração da personalidade jurídica inversa: questões controvertidas. Disponível em:< http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=d54ce9de9df77c57> Acesso em: 8 de Abr. de 2015.

 

 

 

 

[1] Artigo apresentado à disciplina Recuperação de Empresas da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 6º período do curso de Direito da UNDB.

[3] Professor Especialista, Orientador.