Artur Cardoso Nascimento Pereira

André Felipe dos Anjos Silva

Skarlet Bruno de Sousa

 

Sumário: Introdução; 1-Indícios fundamentadores do instituto da pessoa jurídica inversa no Brasil, 2-A Desconsideração da pessoa jurídica e sua aplicabilidade, 2.1- O princípio da desconsideração da pessoa jurídica inversa no Ordenamento Jurídico Nacional vigente, 3- Jurisprudência consolidada sobre a desconsideração da pessoa jurídica inversa no ordenamento jurídico brasileiro. Considerações Finais. Referências bibliográficas

 

RESUMO

O tema deste estudo tem como objetivo abordar o entendimento da jurisprudência atual acerca da aplicação da desconsideração da pessoa jurídica inversa no ordenamento jurídico Nacional vigente, observa-se que este estudo é estruturado de forma a abordar o caráter reflexivo da questão e, portanto, não se restringirá a mera análise de cominação legal, abordando desde o contexto histórico e principiológico até casos concretos de fundamentação da referida questão. Palavras-chave: Desconsideração da Pessoa jurídica inversa, Desconsideração da Pessoa Jurídica, Autonomia Patrimonial, Jurisprudência Pátria.

 

INTRODUÇÃO

 

Uma vez que a doutrina e jurisprudência engendradas é disposto pela legislação competente no tocante ao processo falimentar, pressupõem a possibilidade de aplicação da desconsideração da pessoa jurídica inversa, percebe-se que é necessária concomitantemente a análise da jurisprudência construída acerca de tal assunto afim de que especifique-se em quais casos é aplicável tal previsão.Com isso a pesquisa em tese demonstra-se relevante, pois a problemática abordada, é alvo de inúmeras discussões em âmbito jurídico,uma vez que verifica-se que do mesmo modo que a desconsideração inversa de pessoa jurídica serve como ferramenta de combate a existência de fraudes no tocante ao disciplinamento entre os bens dos sócios e da pessoa jurídica, verifica-se paralelamente que necessita-se de apoio jurisprudencial para que se entenda sua aplicação uma vez que são escassas as previsões normativas.

 

1 Indícios fundamentadores do instituto da desconsideração da pessoa jurídica inversa no Brasil.

 

Primeiramente para que se possa entender o presente trabalho, faz necessário o estudo de conceitos que serão importantes no conhecimento do instituto (Desconsideração da pessoa jurídica inversa) que será alvo de análise específica do referido trabalho, tais conceitos constituem-se como: A teoria da Empresa, Personalidade Jurídica e o princípio da autonomia patrimonial, denominados como “indícios fundamentadores” do instituto da desconsideração da pessoa jurídica inversa, em que ressalva-se que serão traçadas relações de tais indícios com a mencionada desconsideração.

Surgida na Itália, a teoria da empresa não está presente diretamente no Código Civil brasileiro de 2002 com o conceito de empresa, porém essa legislação traz no artigo 966, o conceito de empresário que vem a ser aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Concomitantemente ao conceito de empresa, o Código Civil de 2002 no artigo 1142, infere em síntese que: “Estabelecimento empresarial é o complexo de bens organizados, para o exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresária. Partindo desses dois conceitos previstos na legislação civil, verifica-se que a doutrina e jurisprudência acerca do assunto foram quem estabeleceram o conceito de empresa.

Em que nessa acepção, pode-se citar a decisão do Superior Tribunal de Justiça no , REsp 623.367 que afirma que: O novo Código Civil Brasileiro, em que pese não ter definido expressamente a figura da empresa, conceituou no art. 966 o empresário como “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” e, ao assim proceder, propiciou ao intérprete inferir o conceito jurídico de empresa como sendo “ o exercício organizado ou profissional de atividade econômica para a produção ou a circulação de bens ou serviços”.

 Por exercício profissional da atividade econômica, elemento que integra o núcleo do conceito de empresa, há que se entender a exploração de atividade com finalidade lucrativa[..] Dessa maneira pode-se inferir da citação anterior, que a empresa se trata de uma atividade abstrata, embora existente, e o empresário por sua vez constitui-se como aquele que vem a exercer tal atividade abstrata.

 Logo percebe-se que a empresa em si não é sujeito titular de direitos, mas sim o titular da empresa, constitui-se como tal sujeito de direitos, ou seja aquele que exerce a atividade empresarial, o qual pode ser tanto pessoa física, quando empresário individual, ou pessoa jurídica quando sociedade empresária.

A teoria da empresa traz em si um conceito importante para que se possa entender o objeto deste trabalho. Tal conceito é que a empresa traria quatro perfis diferentes quando postos em âmbito jurídico, conceito esse postulado pelo jurista italiano Alberto Asquini ;onde primeiramente destaca-se o perfil subjetivo, cujo a empresa seria uma pessoa jurídica ou física na figura do empresário; também um perfil de cunho funcional, que considera a empresa uma atividade econômica de forma organizada; em terceiro, tem-se o caráter objetivo da empresa, cujo a mesma seria o exercício de funcionamento da empresa tendo em vista seus bens envolvidos, ou seja, constitui-se o estabelecimento empresarial; e por último, embora não menos importante o perfil corporativista da empresa, que sugere uma instituição capaz de reunir seus colaboradores, seus e auxiliares e também o empresário, ou seja, todo uma empresa em torno de uma finalidade que é o bem econômico da mesma.

Visto tais considerações faz oportuno o entendimento de que aquilo que não nasceu humano pode ser sujeito de direito a partir do momento de sua personificação. Tal personificação é uma forma que o direito encontrou para atribuir personalidade para um ser até então despersonalizado. Surgindo então a personalidade jurídica, conhecida popularmente como pessoa jurídica de direitos.

A criação da personalidade jurídica possibilitou que fossem criados entes distintos das pessoas físicas, embora também possuidores de direitos e deveres, como as fundações, partidos políticos, associações, sociedades de economia mista, entre outros. Para melhor esclarecer essa personificação, parte-se do entendimento de Fran Martins que explica que

 E sendo pessoas jurídicas têm capacidade de agir para defesa de seus fins, recorrendo a indivíduos, que são os seus órgãos, tendo patrimônio autônomo daqueles sócios, sendo capazes de assumir obrigações ativas e passivas em seu próprio nome, podem estar em juízo como autores ou réus, têm nome próprio, domicílio certo e nacionalidade, como as pessoas físicas. (MARTINS 2007, p186.)

Visto isso, percebe-se que considera-se na doutrina e na jurisprudência brasileira a possibilidade de “desconsideração de tais personalidades jurídicas”, onde existem duas teorias a teoria maior, e a teoria menor. A primeira foi a teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, e sua aplicação se dá quando existir alguma irregularidade decorrente do uso abusivo e fraudulento por parte das pessoas físicas na gestão da empresa; outra forma é no caso de não existir distinção entre o patrimônio jurídico e o patrimônio dos sócios; alguns doutrinadores denominam de teoria maior subjetiva a primeira aplicação a partir dos dois pressupostos, e a segunda que faz necessário uma confusão de patrimônios, de teoria maior objetiva.

Ademais, a segunda teoria, a teoria menor diferencia da maior pelo fato da inexistência de provas da fraude ou do abuso para com a pessoa jurídica, muito menos que se caracterize um impasse quanto ao patrimônio da pessoa jurídica e o do sócio.

Resta que o credor consiga demonstrar que inexista bens da pessoa jurídica que possam sanar as dívidas, esta caracteriza uma teoria ampla e mais benéfica ao credor, tais teorias serão analisadas de forma mais detalhada em capítulo próprio no presente artigo . Entretanto para que se fale em “desconsideração de personalidade jurídica”, faz-se necessário tecer comentários acerca de um princípio que está intrinsecamente ligado a tais teorias da desconsideração da personalidade jurídica, o qual é essencial para o entendimento tanto da desconsideração da pessoa jurídica, quanto a desconsideração da personalidade jurídica inversa, enseja-se assim o princípio da autonomia patrimonial

Dessa forma para construir tal entendimento , aborda-se o conceito trazido por Maria Helena Diniz(1997): No momento em que se opera o assento do contrato ou estatuto no Registro competente, a pessoa jurídica começa a existir, passando a ter aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações, a ter capacidade patrimonial, constituindo seu patrimônio, que não tem nenhuma relação com os sócios, adquirindo vida própria e autônoma.

Todos os atos da pessoa jurídica serão tidos como atos próprios, consequentemente os atos praticados individualmente por seus sócios nada terão a ver com ela. A pessoa jurídica terá nome, patrimônio, nacionalidade e domicílio diversos dos de seus sócios”.

Dessa forma aplicando-se a relação do princípio da autonomia patrimonial com a desconsideração da personalidade jurídica inversa. Percebe-se que na desconsideração inversa da pessoa jurídica ocorre a possibilidade de se abranger os bens sociais para o adimplemento das dívidas adquiridas por sócios.

 Ou seja, o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica é relativizado, para responsabilizar a sociedade pelas obrigações de um ou mais sócios. Fábio Ulhoa, exemplifica o que ocorre em prática inferindo que : “O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle.

 Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Os seus credores, em princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens. É certo que, em se tratando de pessoa jurídica de uma sociedade, ao sócio é atribuída a participação societária, isto é, quotas ou ações representativas de parcelas de capital social.

Essas são em regra penhoráveis para a garantia do cumprimento das obrigações do seu titular”.(ULHOA,2015) Analisados tais pressupostos, uma questão bem interessante a ser trazida quanto à autonomia patrimonial é quando a mesma está no âmbito processual, e diz respeito aos legitimados, principalmente no pólo passivo da relação. É muito comum errarem o legitimado passivo quanto da inclusão dos sócios.

 

2 A desconsideração da pessoa Jurídica e suas aplicabilidades.

 

Destarte, analisados: a teoria da empresa, personificação jurídica e o o princípio da autonomia patrimonial, vislumbra-se que em detrimento desse, muitos casos ocorriam, nos quais os empresários ( ou sociedades) valendo-se da prerrogativa de blindagem e diferenciação de seus patrimônios em relação ao das empresas e vice-versa, praticavam abusos, constituindo-se muitas das vezes em fraude, assim por inúmeras vezes prejudicando o direito de credores e terceiros (empregados, acionistas, prestadores de serviço etc). por não existir uma previsão eficaz para a resolução de tais condutas de má-fé.

Dessa forma com o objetivo de solucionar problemas atinentes a situação supramencionada, fora elaborada a “teoria da desconsideração da personalidade jurídica”, a qual mais adiante, serão demonstrados seus critérios de aplicabilidade.

 Entretanto inicialmente faz-se oportuno traçar alguns comentários acerca de sua origem. Entre as influências para a elaboração da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da maneira como encontra-se efetivada no Brasil. Segundo Menciona NEGRÃO(2014, p.273) encontra-se a teoria do superamento da personalidade jurídica (Disregard of legal entity), oriunda da Construção dos tribunais Norte Americanos, a qual pode também ser denominada como teoria da penetração, em que historicamente no Brasil inicialmente fora fundamentada no artigo 21 do código civil de 1916, na parte final do inciso III que preconiza que: “ Termina a existência de pessoa jurídica, pela dissolução em ato do governo, cessando-lhe a autorização de funcionar, quando a pessoa jurídica incorra em atos opostos aos seus fins nocivos ao bem público”.

Onde ainda para o devido autor mencionado “Apenas recentemente tal teoria do superamento da personalidade jurídica vem sendo enfrentada pelos tribunais no ordenamento jurídico Brasileiro”.

Visto tal hipótese percebe-se também a grande influencia do autor Alemão Rolf Serick na elaboração de tal Teoria da desconsideração da pessoa jurídica, por meio da sua tese de doutorado defendida perante a Universidade de Tubigen em 1953, tal autor para Fabio Ulhoa COELHO(2013, p.59), “fora o maior sistematizador na elaboração de tal instituto”.

 Uma vez que sua tese o levou a formulação de quatro princípios os quais servirão de base fundamentadora para a formulação do entendimento acerca da aplicabilidade da teoria analisada em tese . O primeiro princípio infere que “

O Juiz diante de abuso de forma da pessoa jurídica, pode, para impedir a realização do ilícito, desconsiderar o princípio entre sócio e empresa”. O Abuso de forma segundo relata Serick (apud COELHO, 2013, p.59), constituise como “qualquer ato que, por meio do instrumento da pessoa jurídica, vise frustar a aplicação da lei ou o cumprimento de obrigação contratual, ou ainda prejudicar terceiros de modo fraudulento”.

 Vale-se ressaltar que ainda para o mencionado autor(Serick), a desconsideração não pode ser admitida sem a presença de tal abuso mesmo que para a proteção da boa fé.

 O segundo principio infere que : Não é possível desconsiderar a autonomia subjetiva da pessoa jurídica apenas porque o objetivo de uma norma ou a causa de um negócio não foram atendidos. Em outros termos, não basta a simples prova de insatisfação de direito de credor da sociedade para justificar a consideração(SERICK, apud COELHO, 2014, p.59)

Concordando e complementando desta maneira concomitantemente com o que fora supramencionado o terceiro postulado, aduz que: “aplicam-se a pessoa jurídica as normas sobre capacidade ou valor humano, e se não houver contradição entre os objetivos destas e a função daquela”, em relação a tal postulado é importante salientar que este postulado segundo grande parte da doutrina é utilizado para resolver questões sobretudo atinentes a Nacionalidade da Sociedade empresária.

Perpassando ainda pelo embasamento de tal postulado o quarto e último princípio para que se obtenha compreensão acerca da tese desenvolvida por Rolf Serick infere que: cabe desconsiderar a pessoa jurídica, “ Se as partes de um negócio jurídico não puderem ser consideradas um único sujeito apenas em razão da forma da pessoa jurídica”.

Em outras palavras significa dizer que se a lei prevê algo para disciplinar os negócios jurídicos entre dois sujeitos, cabe desconsiderar a autonomia da empresa que o realiza com o intuito de afastar essa previsão legal. Visto tais considerações teóricas, em se tratando agora de ordenamentos jurídicos vale-se ressalvar que segundo menciona COELHO(2013, p 71) “ O direito inglês foi o primeiro a adotar norma jurídica com base no postulado da teoria da desconsideração”, sobretudo devendo sua influência ao emblemático caso Salomon x Salomon, cujos efeitos contribuíram para a elaboração em 1986 da “insolvency act”.

No Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988, a primeira norma na qual vislumbra-se a adoção do instituto da desconsideração da pessoa jurídica, é o Código de Defesa do consumidor que em seu artigo 28 preconiza que: O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.

A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

 Além de tal previsão outra norma a qual vale-se ressalvar acerca de tal assunto no Brasil, é o que dispõe-se no código civil de 2002 em seu artigo 50 inferindo que: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

Dessa maneira, conforme entendimento doutrinário em maioria, para ambos os casos supramencionados a desconsideração para que possa ocorrer deverá ser concedida em detrimento de abuso que consista em desvio de finalidade (o objetivo social fora modificado, para alcançar fins não previstos em lei ou diferentes de contrato) ou confusão patrimonial (a atuação do sócio ou administrador confundiu-se com o funcionamento da própria sociedade, não sendo possível identificar a separação patrimonial entre ambos).

Onde em ambos casos, deve-se haver a ocorrência de prejuízo, individual ou social, que justifique a suspensão temporária da personalidade jurídica da sociedade. Desta via analisadas tais considerações teóricas, pode-se conceituar a desconsideração dentro do ordenamento jurídico Nacional vigente como sendo na essência, que em determinada situação fática a Justiça despreza ou “desconsidera” a pessoa jurídica, visando a restaurar uma situação em que chama a responsabilidade e impõe punição a uma pessoa jurídica, que seria autêntico obrigado ou o verdadeiro responsável, em face da lei ou do contrato. (PEREIRA, 2007, p. 335)

Dessa maneira, para que ocorra a liberação de tal previsão da forma correta caberá a analise de fraudes e abusos, para que tal justiça mencionada no enunciado despreze ou “desconsidere tal personalidade jurídica”, tal análise fora reforçada através enunciado n º7 do Conselho da Justiça Federal, que dispõe que “só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido”.

Em tese, resumidamente essa visão seria a correta acerca da aplicação da desconsideração e que é defendida por diversos autores entre eles Marcelo Negrão e Fabio Ulhoa Coelho, entretanto para que se tenha ainda um conhecimento maior sobre a ocorrência de tal matéria no ordenamento jurídico Nacional, é importante destacar-se que doutrinariamente no Brasil são defendidas duas teses “teóricas” acerca da desconsideração denominadas pela mencionada doutrina como: Tese Maior e Tese Menor acerca da Desconsideração da Pessoa Jurídica.

Dessa forma tomando-se por base o entendimento defendido pelo autor GARCIA(2009, p. 204), que defende em suma que: “a teoria maior tem base sólida e se trata da verdadeira desconsideração, vinculada à verificação do uso fraudulento da personalidade jurídica, ou seja, apresenta requisitos específicos para que seja concretizada”.

Adotando-se a teoria maior, a desconsideração só será levada a efeito caso restem preenchidos e demonstrados os requisitos legais configuradores do uso abusivo da pessoa jurídica. Já em se tratando da tese menor, conforme menciona o autor Everson Mnajinski:(2013)

Para a teoria menor ser aplicada bastaria para a caracterização da desconsideração a mera comprovação da insolvência da pessoa jurídica, sem aferir nenhum desvio, confusão patrimonial e nem irregularidade do ato. Dessa maneira percebe-se que a hipótese para a desconsideração é bastante ampla, já que basta a insolvência da pessoa jurídica para a sua aplicação, não se preocupando com o preenchimento de requisitos outros, presumindo-se o abuso de direito no uso da sociedade personificada. (MANJINSKI,2013)

Visto isso, percebe-se na doutrina que a teoria menor é adotada em alguns sistemas jurídicos protetivos, já que justifica-se na impossibilidade de transferência a terceiros dos riscos inerentes das atividades exploradas pelas pessoas jurídicas, e por conta disso, quem se beneficia a atividade explorada pela sociedade personificada, ou seja, os sócios, também devem arcar com as obrigações surgidas.

Em se tratando de aplicabilidade no Brasil infere-se que a teoria menor da desconsideração é adotada pelo Código de Defesa do Consumidor em artigo já mencionado anteriormente(artigo 28),e o Código Civil, em seu artigo 50, adota a teoria maior da desconsideração, na medida em que se faz necessária a configuração de certos requisitos típicos de exigência da teoria maior.

 

 

2.1 O princípio da Desconsideração da pessoa Jurídica Inversa no ordenamento Jurídico Nacional vigente.

 

Após os devidos comentários inferidos no capítulo anterior acerca a desconsideração da pessoa jurídica, a próxima análise que será realizada, é a construção sobretudo jurisprudencial e doutrinária acerca da possibilidade de aplicação da desconsideração jurídica só que agora de maneira inversa, ou seja partindo-se dos pressupostos e comentários traçados anteriormente onde vislumbra-se que a desconsideração da pessoa jurídica consiste em determinada situação fática na Justiça despreza ou “desconsidera” a pessoa jurídica, visando a restaurar uma situação em que chama a responsabilidade e impõe punição a uma pessoa jurídica

Tal pesso jurídica seria autêntico obrigado ou o verdadeiro responsável, em face da lei ou do contrato”, o que é muito comum sobretudo em processos de recuperação judicial, extrajudicial e de falência, nas quais busca-se suprimir ou evitar a penhora ou execução dos bens da empresa de maneira fraudulenta pela parte dos sócios, prejudicando-se o direito de terceiros envolvidos.

Agora na hipótese da desconsideração da pessoa jurídica inversa será objetivada a desconsideração da personalidade, afim de evitar o uso fraudulento e abusivo das empresas para que se suprima ou evite a penhora dos bens dos sócios de tais empresas, o que é aplicável em grande constância em execuções cíveis.

Vislumbrada tais considerações, infere-se que não existe previsão normativa no ordenamento jurídico Nacional, vigente acerca de tal modalidade de desconsideração, onde tal construção fora oriunda do instituto da desconsideração da pessoa Jurídica, dados entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.

Com isso com crescente possibilidade de aplicação inclusive com entendimentos firmados pelos tribunais superiores(Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) conforme será demonstrado mais adiante o, projeto do Novo Código de Processo Civil trouxe em seu artigo previsão para tal ensejo no art. 63, parágrafo único que em suma explicita que : "o procedimento desta Seção é aplicável também nos casos em que a desconsideração é requerida em virtude de abuso de direito por parte do sócio".

Desta maneira feitas tais consideração, percebe-se que a doutrina majoritária conceitua tal modalidade de desconsideração em corroboração com a definição levantada por Fabio Ulhôa COELHO(2013, p.68) que em síntese comenta que Desconsideração da Pessoa Jurídica Inversa constitui-se como: “O afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio. Entretanto percebe-se que parte da doutrina não concorda com a denominação e tratamento ensejado em relação a tal instituto (Desconsideração da pessoa jurídica inversa), entre os doutrinadores que são discordantes encontram-se Adriano FERRIANI (2013) que em seu artigo denominado “A desconsideração da pessoa jurídica inversa” infere que: “Embora já sedimentada a denominação, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, não parece adequado o nome atribuído: desconsideração inversa da personalidade jurídica”. Isso ocorre porque para o mencionado autor não há propriamente desconsideração nessas situações e sim transferência fraudulenta de bens por parte do devedor a terceiro, Onde em Tais casos devem ser tratados como fraude (contra credores ou de execução, conforme o caso) ou como simulação.

 

3 Jurisprudência consolidada sobre a Desconsideração da Pessoa Jurídica Inversa no Brasil

 

Conforme mencionado, a Desconsideração da pessoa jurídica inversa no Brasil constitui-se como uma construção doutrinária sobretudo jurisprudencial construída nos moldes da teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica.

Doutrinariamente, percebe-se que o entendimento majoritário, fora formulado em acordo com o que preconiza um dos primeiros autores acerca do devido assunto Fábio Konder Comparato, que define que Essa desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da responsabilidade desta última por atos do seu controlador.

A jurisprudência americana, por exemplo, já firmou o princípio de que os contratos celebrados pelo sócio único, ou pelo acionista largamente majoritário, em benefício da companhia, mesmo quando não foi a sociedade formalmente parte no negócio, obrigam o patrimônio social, uma vez demonstrada a confusão patrimonial de facto(COMPARATO, 1983)

Dessa forma, partindo-se de tal conceito vislumbra-se que Apesar de não haver norma vigente tratando expressamente do tema, como se disse, jurisprudência e doutrina já admitem tal espécie de "desconsideração" em situações excepcionais.

Um exemplo disso foi o entendimento da 3ª Turma do STJ, no REsp 948.117-MS, no qual a Ministra Nancy Andrighi inferiu que: "considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica” Segundo a mencionada ministra ainda, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma".

Outro Entendimento firmado, é o que o Superior Tribunal de Justiça inferiu que cabe a desconsideração inversa de personalidade jurídica para proteger direito de cônjuge em partilha, através de entendimento da sua 3ª turma no Recurso Especial nº 1236916, em tal recurso onde a relatora, ministra Nancy Andrighi,utilizou em suma o argumento que: A desconsideração da personalidade jurídica, compatibilizando-se com a vedação ao abuso de direito, é orientada para reprimir o uso indevido da personalidade jurídica da empresa pelo cônjuge (ou companheiro) sócio que, com propósitos fraudatórios, vale-se da máscara societária para o fim de burlar direitos de seu par.

Visto isso segundo menciona a devida autora “há situações em que o cônjuge ou companheiro esvazia o patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integraliza na pessoa jurídica, de modo a afastar o outro da partilha. Dessa maneira a ministra ressaltou que o objetivo da medida é “afastar momentaneamente o manto fictício que separa os patrimônios do sócio e da sociedade para, levantando o véu da pessoa jurídica, buscar o patrimônio que, na verdade, pertence ao cônjuge (ou companheiro) lesado”.

 

Dessa forma, percebe-se que o instituto da Desconsideração da personalidade jurídica inversa, ainda encontra-se escasso no tocante ao disciplinamento normativo acerca de tal questão, devido isso no tocante a sua aplicabilidade vale-se o que é inferido pela jurisprudência o qual também ainda encontra previsões escassas, entretanto percebe-se que apesar da escassez, com o passar dos anos aumentam as construções jurisprudenciais, que em um determinado lapso temporal, deverão obter alguma previsão normativa como parâmetro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº 1.6.666/SP (2009/0196940-9). Relator: Ministro Nancy Andrighi. Publicação DJe 25.08.2011. Disponível em: . Acesso em: 15 de maio de 2015. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº nº 1236916 (2009/0196940-9). Relator: Ministro Nancy Andrighi. Publicação DJe 25.08.2013. Disponível em: . Acesso em: 13 de maio de 2015. COEHO, Eneias dos Santos. Desconsideração da personalidade jurídica a luz do Código Civil brasileiro – requisitos, disponível em https://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13662&revista_c aderno=8 acesso em 14/05/2015 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle da Sociedade Anônima. São Paulo: Editora Forense, disponível em< https://ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11744&revista_cad erno=7 > acesso em 15/05/2015 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. Ed. Saraiva, 1997, 3ª ed., SP, p. 42 FERRIANI, Adriano, A desconsideração inversa da personalidade jurídica , 2013, disponível em:https://www.migalhas.com.br/Civilizalhas/94,MI178414,21048A+desconsideracao+inversa+ da+personalidade+juridica acesso em 14/05/2015 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor. Niterói/RJ: Editora Impetus, 2009. MANJINSKI, Everson. Análise paradigmática da desconsideração da personalidade jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3460, 21 dez. 2012. Disponível em: . Acesso em: 27 maio 2013. MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. Ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.186. NEGRÃO, Ricardo, manual de direito comercial e de empresa, volume 1: Teoria Geral da empresa e do direito societário 11ª ed São Paulo: Saraiva 2014 PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 22 ed. v. I. Rio de Janeiro: Forense. 2007. STJ, REsp 623.367/RJ, 2.ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 09.08.2004, p.245)