A DENUNCIAÇÃO DA LIDE NO CASO ESPECÍFICO DA EVICÇÃO
Por HUMBERTO MENDES NASCIMENTO | 14/03/2015 | DireitoA DENUNCIAÇÃO DA LIDE NO CASO ESPECÍFICO DA EVICÇÃO: o antagonismo entre o art. 75, inc. II do CPC-1973 e o parágrafo único do art. 456 do CC-2002[1]
Heitor Ferreira de Carvalho
Humberto Mendes Nascimento [2]
Christian Barros Pinto[3]
SUMÁRIO: Introdução. 1. A denunciação da Lide por parte do réu no caso de evicção. 2. A negativa da imposição do ônus da defesa ao denunciante e as conseqüências da pretensão regressiva. 3. O caminho para resolução do conflito de normas: o art. 75, inc. II do CPC-1973 e o parágrafo único do art. 456 do CC-2002. 4. Considerações Finais. Referências.
RESUMO
Entende-se validade do conflito do art. 75, inc. II do CPC-1973 e o parágrafo único do art. 456 de CC-2002, bem como a compreensão denunciação da lide por parte do réu, discutindo a perda de sentido na imposição do ônus da defesa ao denunciante.
Palavras-chave: Intervenção de Terceiros. Denunciação da Lide. Evicção.
INTRODUÇÃO
A denunciação da lide em quanto elemento da intervenção de terceiros, apresentada como novo instituto no Código de Processo Civil de 1973, trata da distinção da definição do antigo código de 1939 de chamamento à autoria, “[...] mera comunicação da existência do processo” (CÂMARA, 2007, p. 206). Ampliada a dimensão da sua configuração, admite a demanda acidental e a ação regressiva em face de terceiro. “Os casos em que tem cabimento a denunciação da lide, segundo o art. 70, são: I- a garantia da evicção, II- o da posse indireta; III- o do direito regressivo à indenização” (THEODORO JUNIOR, 2007, p. 115).
O presente trabalho irá ocupar-se em analisar especificamente a denunciação da lide por parte do réu, no caso de evicção, destacando o conflito de normas do art. 75, inc. II do CPC-1973 e o parágrafo único do art. 456 de CC-2002. A atenção privilegiada se dará ao fato controverso de procedência jurídica, no caso da recusa do denunciado a denunciação da lide, da obrigatoriedade do denunciante (réu) oferecer defesa até o final do processo, como expresso no dispositivo do inc. II do art. 75 CPC. É possível o denunciante não apresentar defesa no caso de evicção procedente e há amparo jurídico na obrigatoriedade na apresentação da defesa por parte do denunciante (réu) este sendo revel. A discussão da possibilidade ou não de apresentação de defesa tem reflexos imediatos nos efeitos da ação regressiva tanto por parte do denunciante como para o denunciado.
Utilizou-se para a realização desse estudo o método dedutivo, uma vez que este é o procedimento adequado para as pesquisas em que se investiga a aplicabilidade de postulados teóricos a uma realidade empírica. Sendo assim, realizou-se o estudo denominado “estado da arte”, cujo objeto pesquisado é um conjunto de fontes bibliográficas (livros, artigos científicos, dissertações de mestrado e/ou doutorado, relatórios de pesquisa), no sentido de perceber quais as principais explicações para o problema analisado.
Para tanto, este artigo constitui-se de três capítulos. No primeiro capítulo, resgatar-se-á a do entendimento da evicção, por atrelar-se a relações jurídicas de natureza onerosa, para demarcar o sentido da garantia da demanda incidental que representa na relação de dependência da demanda principal no instituto da denunciação da lide por parte do réu. No segundo capítulo, a discussão vai relacionar a obrigatoriedade da defesa tanto para o denunciante como para o denunciado, apontando seus reflexos tanto no caso de revelia do denunciado e da negativa de apresentação por parte do denunciante, bem como, suas implicações para o exercício do direito da ação regressiva. O terceiro capítulo, versará sobre a natureza do conflito de normas entre os dispositivos objeto desse trabalho apontando suas possibilidades de soluções tanto positiva como negativamente, em face da obrigatoriedade ou não do denunciante apresentar defesa até o final do processo.
A relevância desse trabalho justifica-se pelo fato de suscitar, a partir do conflito de normas do CPC-1973 e o CC-2002, primeiro a dificuldade que o legislador tem de conseguir evitar dupla interpretação ou utilização de conceitos equivocados e a importância da doutrina ao discutir tais lacunas ou controvérsias garantir a aplicação mais racional e eficiente do direito.
1 A DENUNCIAÇÃO DA LIDE POR PARTE DO RÉU NO CASO DE EVICÇÃO
A denunciação da lide como uma das formas de intervenção de terceiros representa, segundo Fredie Didier Junior, “demanda incidente, regressiva, eventual e antecipada” (DIDIER JR., 2012, p. 380).
É demanda incidente, pois trata de relação jurídica periférica à demanda principal, no entanto, apresenta relação direta com o pólo passivo, trata-se de vínculo entre o denunciante (réu da relação principal) e o denunciado (terceiro que irá compor interesse no processo). É regressiva, pois, reverterá ao denunciante o direito de buscar indenização pelos prejuízos da demanda principal, se esta lhe for desfavorável. É eventual, em razão da sua natureza de prejudicialidade, uma vez que depende da resolução da demanda inicial, para vencida a ação pelo autor o réu efetivamente tenha o ônus de ressarcir o adversário, nesse caso, aciona o denunciado como alienante ou causador do dano a fim de restituir, com os respectivos frutos gerados. É antecipada, pois “a denunciação da lide consiste ‘ em verdadeira propositura de uma ação de regresso antecipada, para a eventualidade da sucumbência do denunciante” (DIDIER JR., 2012, p. 381).
A primeira hipótese que esse instituto admite é o caso da evicção, prevista no art. 70 inc. I do CPC-1973, entendida como,
[...] perda de um bem por força de decisão judicial. Diz evicto o sujeito que o perde e evictor aquele que, vencedor em juízo, causa–lhe a perda. Responsabilidade por evicção é a obrigação, que em princípio tem o alienante, de compor perdas-e-danos ao adquirente em caso de vir este a perder o bem em juízo. (DINAMARCO, 2009, p.158)
A evicção tem uma íntima relação com denunciação da lide, embora não esgote suas possibilidades, é o exercício do direito de ação, obrigatória, em que o terceiro é chamado a integrar o processo com demanda nova, incidental, pois lhe é dirigida, especificamente para atuar, no caso em analise, no pólo passivo, como garante de um possível ônus demandado em desfavor do réu.
Necessário se faz ainda esclarecer que mesmo havendo recusa do denunciado, incidirá sobre os efeitos da sentença da demanda principal, sobretudo por ter este um papel que a doutrina diverge, se atua como assistente do denunciante (réu) ou forma com esse um litisconsórcio ulterior unitário.
Podemos destacar como adepto da linha de qualificação do denunciado como assistente do denunciante, Cândido Rangel Dinamarco,
[...] Como denúncia da lide, ou seja, ato pelo qual o autor ou o réu provoca integração do terceiro no processo com o objetivo de vinculá-lo ao julgamento da causa inicial, a denunciação da lide coloca-o na condição de assistente do denunciante [...] É impróprio falar em litisconsórcio em casos como esse, porque a mera denuncia da lide não amplia o objeto do processo e não põe o denunciado na condição de autor ou de réu em relação a demanda pendente [...] o terceiro não é colocado como réu também, nem se põe em posição de poder ser condenado em favor do autor inicial do processo. (DINAMARCO, 2009, p. 164-165)
Em posição contrário, assumindo a tese que o denunciado forma litisconsórcio, no caso analisado, Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini,
[...] Denunciado e denunciante assumem posição de litisconsortes porque, em relação ao autor, estão no outro pólo do processo [...] trata-se de um litisconsórcio substancialmente diferente [...] Diz-se que esse litisconsórcio segue um regime da unitariedade. (WAMBIER; TALAMINI, 2011, p. 326)
Prevalece na doutrina a tese de que a função do denunciado é de litisconsorte do denunciante, pois a ação do denunciado em defender interesse do denunciante não tem qualquer vínculo de subordinação, exigência da assistência de natureza simples. “Há um tendência jurisprudencial de considerar o litisdenunciado como litisconsorte do denunciante, até para permitir a ‘condenação direta’ do denunciado” (DIDIER JR., 2012, p. 385).
2 A NEGATIVA DA IMPOSIÇÃO DO ÔNUS DA DEFESA AO DENUNCIANTE E AS CONSEQÜÊNCIAS DA PRETENSÃO REGRESSIVA
A evicção como primeira hipótese da denunciação da lide, de caráter obrigatório, ou seja, o denunciante terá direito de regresso em relação ao denunciado, qualificado o réu como adquirente e o denunciado como alienante. Nas hipóteses levantadas nos incisos I, II e III do art. 75 do CPC, especificamente a ação de aceitação ou não da denunciação da lide pelo denunciado, respectivamente, o denunciante aceita e apresenta contestação, não aceita e é revel ou confessa os fatos alegados pelo autor(confissão ficta).
Na primeira hipótese configura-se a incidência de ação entre o denunciante e o denunciado. Na segunda o denunciado é revel, obriga segundo o dispositivo, a imposição ao denunciante prosseguir até o final com a defesa. Na terceira hipótese, configura-se a confissão dos fatos alegados pelo autor, não afetando o procedimento de defesa do denunciante por ter no caso de litisconsorte a afetação do seu direito, ou seja , a confissão gera efeitos apenas ao denunciado.
O caso que nos interessa aqui é a revelia, que segundo o inc. II do art. 75 do CPC gera a imposição de efetuar a defesa até o final do processo. A defesa é um ato de discricionariedade da parte, poderá fazê-la ou não, em caso de negativa sofrerá o ônus.
esse inciso foi pensado de acordo com o regramento do antigo chamamento à autoria, não estando, em conformidade com a denunciação da lide. É, pois, regra que não deve ser aplicada. Revel o denunciado, cabe ao denunciante tomar a postura que mais lhe convier, não lhe sendo imputado o dever de prosseguir na defesa até o final (DIDIER JR., 2012, p.398)
A revelia produz para o denunciante a hipótese de no mesmo processo alcançar na sentença a condenação do denunciado
Tratando-se de denunciação feita pelo réu, a inércia do denunciado poderá levar ao reconhecimento da procedência do pedido feito pelo autor[..] caso em que a sentença que assim finalizar o processo, imporá desde logo a condenação requerida pelo denunciante, contra o denunciado (YARSHELL, [s.d.], p. 245)
O direito a ação regressiva, nesta condição, é garantido ao denunciante, terá o denunciado que ressarcir o dano provocado ao denunciante, pelos efeitos de sua revelia. O inc. III do art. 70 do CPC, observa que na denunciação da lide a ação regressiva é imperiosa, pois, se denuncia como o objetivo de minimizar os efeitos do dano causado, no caso da evicção o vício da coisa alienada ao adquirente pelo alienante.
Assim, versa o parágrafo único do art. 456 de CC-2002, duas situações: o denunciado não atende a denunciação da lide e a evicção e manifestadamente procedente. Observa-se que, neste caso, não haverá obrigatoriedade de prosseguir a defesa até o final, podendo o réu deixar de oferecer a contestação ou outros recursos.
As implicações desse dispositivo para o direito de regressão é a possibilidade ou não do ônus de não ter manifesta o direito de regressão no mesmo processo, podendo ser regatado em demanda autônoma, fato que em nenhuma hipótese representará a perda desse direito. “não se pode dizer que, em tal situação o não prosseguimento da defesa implique a perda do direito de ver o denunciante a sua pretensão regressiva examinada na mesma sentença” (DIDIER JR., 2012, p. 403).
No entanto, no caso em que o denunciante deixar de apresentar defesa, e “Promover a defesa não significa apenas apresentar contestação, mas, sim, acompanhar a causa até as ultimas instâncias, inclusive com a interposição de recurso extraordinário” (DIDIER JR., 2012, p.400), e os efeitos projetarem dano ao denunciado, já que a defesa na demanda principal é função do réu, o denunciante não terá o seu direito de regressão apreciado como procedente, pois, poderia reverter na demanda principal e não o fez.
3 O CAMINHO PARA RESOLUÇÃO DO CONFLITO DE NORMAS: O ART. 75, INC. II DO CPC-1973 E O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 456 DO CC-2002
O conflito de normas, enquanto antinomia, pode ser solucionado de duas formas: apresentando-se como antinomia aparente, pode o conflito ser resolvido por normas do próprio ordenamento jurídico e apresentando-se como antinomia real, a saída será edição de uma nova norma. A primeira hipótese configura-se como a mais viável para o presente trabalho.
Ao observar os pontos divergentes entre o inc. II do art. 75 do CPC e o parágrafo único do art. 456 do CC-2002 destacamos: o conflito da obrigatoriedade de efetuar a defesa até o final do processo por parte do adquirente; sendo a denunciação obrigatória, no caso de evicção, pode haver denunciação mesmo o denunciante sendo revel, não havendo vinculação com contestação ou a defesa, ato de discricionariedade da parte.
Em relação à obrigatoriedade do inc. II do art. 75 do CPC o parágrafo único do art. 456 do CC-2002 refuta essa tese “não há mais o ônus do réu-denunciante de prosseguir na sua defesa, até o final, se o denunciado for revel” (DIDIER JR., 2012, p. 403). O entendimento da doutrina é que ação do réu é ato de sua vontade, não fazendo sentido sendo o denunciado revel e a evicção procedente, se apresentar defesa, sem base de sustentação jurídica, seria improcedente, porém mesmo nesta condição o direito da ação regressiva permanece inalterado. “[...] O legislador para dispensar o réu-denunciante do ônus de prosseguir a defesa, traz outro requisito, que se cumula coma revelia do denunciado: a manifesta procedência da evicção” (DIDIER JR., 2012, p. 404)
Assim, como saída para o conflito apreciado, podemos desconsiderar o inc. II do art. 75 do CPC, recepcionado em parte pelo parágrafo único do art. 456 do CC-2002, em face do caso da evicção. O pronunciamento de validade o dispositivo do CC-2002, traz a ressalva ao caput do art. 456 “com o direito que da evicção lhe resulta”, cito a ação regressiva, que não sendo apreciada no mesmo processo será objeto de demanda autônoma, sem prejuízo de perda do direito. O parágrafo único do art. 456 do CC-2002 reconhece as possibilidades de ação do denunciante e do denunciado que o CPC não previu.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A denunciação da lide enquanto portadora de demanda nova, obrigatória na hipótese de evicção e marcada pela força de garantia em razão da ação regressiva, traduz-se como instrumento de maior relevância para o instituto da intervenção de terceiros, pois ampliou o universo anterior de mera comunicação de demanda para balizar novas relações jurídicas: o da posse indireta e o do direito regressivo à indenização.
A evicção, por não demarcar com exclusividade o espaço de ação da denunciação à lide, haja vista, o inc. II e III do art. 70 do CPC, é refratária da obrigatoriedade, equivocadamente colocada no caput do art. 70 do CPC. O dispositivo do Inc. II do art. 75, versa a obrigatoriedade da ação do denunciante ante a não correspondência do denunciado ao processo é suplantado, parcialmente no caso da evicção, pela possibilidade de discricionariedade da parte, recepcionada na redação do parágrafo unido do art. 456 do CC-2002.
Percebe-se, conclusivamente, que o dispositivo do CC-2002 ao flexibilizar (não vincular) a ação do denunciante e denunciado, analisa a hipótese da evicção sobre novas possibilidades (o denunciado não sendo revel pode o denunciante não apresentar defesa; O tempo da contestação não é, conseqüentemente, o mesmo tempo da denunciação; os efeitos do denunciado revel não reflete prejuízo ao denunciante; o denunciante em razão da revelia do denunciado e sendo procedente a evicção pode deixar de contestar ou usar outros recursos; etc.).
REFERÊNCIAS
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ª ed. rev. e atual até a Lei 11.419/2006. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007. v. I .
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 14ª ed. ver. ampl. e atual. Salvador: 2012, v. 1.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de Terceiros. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, v.1.
__________. O Novo Código Civil e as Regras Heterotópicas de Natureza Processual. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo52.htm.>. Acesso em: 06. mar. 2012.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, volume 1: teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 12ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
YARSHELL, Flávio Luiz. Evicção e Denunciação da Lide no Novo Código Civil. In: DIDIER JR., Fredie; MAZZIE, Rodrigo (Coord.). Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. [s.l.]: Edições Podium, [s.d.], p. 241-260.