A Música Popular Brasileira tem ganhado contornos diferentes dos que já possuiu em décadas passadas. Se você analisa comparativamente o que foi considerado pop (no sentido de ter tido aclamação popular, não o gênero musical pop) entre os anos 50 e 90 e o que tem se popularizado dos anos 2000 para cá, perceberá que houve um deslocamento entre quem "escolhe" o que deve aparecer nas mídias.

Antes da Internet, a classe média brasileira, como bem define a filósofa Marilena Chauí (para ela, a classe média cumpre um papel de moralizadora da cultura e dos costumes, já que não é dona dos meios de produção e sequer é da força de trabalho), conseguia com mais facilidade estabelecer os padrões musicais que a mídia deveria divulgar.

Se você atravessa a ascensão da Bossa Nova, na década de 60, ao Rock Nacional dos anos 80, entenderá que esses gêneros possuíam um aval da classe média para se estabelecerem como vanguardas populares no Brasil. Deve-se considerar também que os músicos e intérpretes representantes desses estilos eram, em maioria, oriundos de tal classe. Até mesmo o Samba, que outrora já havia recebido críticas massivas por ser música "de preto", "de morro", começa a penetrar na mídia nacional assim que "se sofistica" e recebe intérpretes como Elis Regina e Nara Leão.

O Rock dos anos 80 e que, em alguma medida, se estende aos anos 90, também é um exemplo de reduto burguês. As letras do Legião Urbana já davam esse recado "somos burgueses sem religião, geração Coca-Cola", ou Cazuza em "o garoto que assiste às festas do Grand Monde". 

Em 2019, a classe média tem esse poder de curadoria artística diminuído e isso se deve muito às custas da revolução digital. Hoje todo mundo está na web. Os mercados de arte e música estão antenados com o apelo vindo das redes e o consumo musical real feito por gente de todas as classes. Não faz sentido (econômico, pelo menos) "vender" músicas que não estão em compasso com o consumo do povo. Se o povo escuta Anitta e Simone e Simaria, é isso que a mídia deve divulgar para que seus produtos continuem com alcances maiores.

É claro que há nichos de todos os tipos e alguns espaços, nem que rotulados de alternativos, os outros estilos devem receber. No entanto, a divulgação massiva vai se concentrar em quem apresenta estatísticas reais de cliques, visualizações e curtidas.

Com isso, perde-se um tanto de ousadia, por parte das mídias, em explorar e descobrir novos estilos, até mesmo de revisitar estilos antigos. Por outro lado, ganha-se em ter uma mídia um pouco mais representativa do consumo real da população. É a voz do povo sendo a voz de Deus.