A decretação de falência das instituições financeiras:
Por Bruno de OliveiraDominici | 28/05/2014 | DireitoA decretação de falência das instituições financeiras : Reflexão acerca dos efeitos gerados pela decretação do instituto falimentar, tendo em vista os critérios práticos para a determinação da mesma.[1]
Bruno de Oliveira Dominici[2]
Introdução; 1 Análise dos pressupostos caracterizadores do instituto falimentar e outros institutos; 2 Efeitos da decretação da falência e identificação das pessoas sujeitas a tal procedimento no Brasil; 3 Diversidade dos procedimentos cabíveis diante das crises econômico-financeiras, que afetam instituições financeiras, em observância ás Leis 6.024/74 e 2.321/87; Conclusão.
Resumo
Economicamente, falência é a situação patrimonial insuficiente para a resolução de débitos vencidos e sem perspectivas concretas para se adimplirem essas e outras obrigações contraídas. Desta forma ressalta-se que juridicamente, falência se define, hoje, como o processo de execução coletiva, decretado por sentença judicial, contra o devedor, com o objetivo de satisfazer o crédito dos credores. Sob égide deste artigo científico, nos cabe ressaltar que as instituições financeiras, de acordo com a Lei 11.101/05, não estão sujeitas ás aplicações do instituto falimentar. Nesta esteira faz-se mister analisar os critérios e pressupostos do instituto falimentar, assim como seus respectivos efeitos após a decretação do mesmo sob égide das instituições financeiras.
Palavras-chave:
Instituto falimentar; Instituição financeira; Garantia social
Introdução
Já sabemos que a sociedade empresária devedora, assim como o empresário devedor, é o objeto legal de recuperação judicial ou extrajudicial e de falência. Todavia, a Lei 11.101/2005 é clara ao especificar as sociedades que não estão sujeitas a esses institutos jurídicos. Desta forma, ressalta-se que a lei que disciplina a recuperação judicial, a falência e a recuperação extrajudicial não se aplica ás instituições financeiras públicas e privadas que, á exceção das federais, estão sujeitas á intervenção ou á liquidação extrajudicial, conforme a Lei 6.024/1974, ou á falência, mas ainda subsidiariamente nos termos dessa Lei, até que seja aprovada lei específica. (TZIRULNIK, p. 56-57, 2005)
Nesta esteira, resta cristalino que ao analisar a Lei 6.024/74 percebe-se que existe a possibilidade de ser decretada a falência da instituição financeira, a despeito do artigo 2º da Lei 11.101/05. Destarte, faz-se necessário analisar e compreender quais são os efeitos da falência das instituições privadas, considerando-se as disposições das referidas leis do ordenamento jurídico brasileiro.
No ordenamento jurídico brasileiro temos diversos conceitos atribuídos ao instituto da falência. Sob o prisma jurídico, a falência representa um processo de execução coletiva contra o devedor empresário; já no econômico, revela um estado patrimonial. (PERIN JR, 2006, p.50).
Conclui-se, portanto, a necessidade da utilização de institutos especiais para regular as situações de crise econômica das instituições financeiras, pois não restam dúvidas de imprescindível cautela ao tratar deste assunto, já que a execução de um procedimento inadequado para tal pode resultar em consequências danosas á uma sociedade inteira e até mesmo ao equilíbrio econômico-financeiro do ente estatal.
- 1. Análise dos pressupostos caracterizadores do instituto falimentar e outros institutos
A falência é um instituto complexo para o qual convergem regras de diferentes ramos do direito. Nela encontramos preceitos de direito comercial, civil, administrativo, processual e até mesmo penal, nos crimes falimentares. No entanto, no direito brasileiro, a falência foi sempre situada na esfera do direito mercantil. Contudo a diversidade de regras de que se vale imprimir-lhe natureza sui generis, não se podendo estabelecer a prevalência de normas processuais sobre normas objetivas, tampouco destas sobre as administrativas. (ALMEIDA, 2007, p.14)
A falência “nasce de uma decisão judicial, uma sentença, que o interessado, seja ele o próprio devedor ou mesmo os credores demandam tendo em vista a inviabilidade da empresa” (FAZZIO JR, 2006, p. 196).
Assim um dos critérios legais para que a falência esteja caracterizada, é a insolvência, “uma situação de fato, que pode ser real ou aparente, e que será fundamento da peça que dará inicio ao processo falimentar, isto é, à sentença declaratória” (PERIN JR, 2006, p.99).
Faz-se mister que ao ser decretada a falência empresarial, esta obedeça os pressupostos que a regulam como fundamentos basilares de sua aplicação, quais sejam a a) inadimplência de título líquido e certo, sem relevante razão de direito para que não o faça, cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 salários mínimos na data do pedido de falência; b) execuções não resolvidas, ou seja, aquelas em que o devedor, executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e nem nomeia bens suficientes á penhora do prazo legal; c) prática de atos de falência, desde que, tratando-se de falência decretada a devedor que estava em processo de recuperação judicial, esses mesmos atos não estivessem previstos no plano de recuperação judicial. (TZIRULNIK, p. 155-158, 2005)
O processo falimentar se divide em três fases: 1) a fase pré-falimentar; 2) a fase falimentar propriamente dita; 3) a fase pós-falimentar. Sob tal entendimento, esclarece-se que a fase pré-falimentar é aquela que se inicia com o pedido da falência do devedor e dura até que o juiz pronuncie a sentença declaratória. Durante esse período, o devedor, amparado pela lei, pode construir provas para a sua defesa contra a falência. Por outro lado, é a fase em que a vida econômica do devedor é amplamente investigada. (TZIRULNIK, p. 136, 2005)
Declarada a falência do devedor, tem início o que podemos chamar de fase falimentar propriamente dita, a qual se estende até que sejam liquidadas todas as pendências em relação aos credores. Trata-se de fase em que se enfatiza a situação patrimonial da falência. Findo tal procedimento, têm-se a fase pós-falimentar, desde que não tenha havido qualquer condenação civil ou criminal, é o período em que ocorre todo um processo de reabilitação do falido que o deixa de ser. (TZIRULNIK, p. 137, 2005)
Desta forma, resta cristalino ressaltar que o instituto falimentar é um instituto de natureza judicial previsto em lei, cuja decretação só é pertinente quando observado os devidos pressupostos, quais sejam, “agente econômico (pressuposto subjetivo); a presunção não elidida de insolvência ( pressuposto material) e a sentença de falência ( pressuposto formal)” (FAZZIO JR, 2006, p.190).
2.Efeitos da decretação da falência e identificação das pessoas sujeitas a tal procedimento no Brasil
Nos termos da lei, a falência é concebida, no atual direito concursal, como instituto que promove o afastamento do devedor de suas atividades, com o intuito de preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos da empresa, neles incluídos os intangíveis. No atendimento a esse objetivo, a compreensão de todos os dispositivos e procedimentos legais elaborados e adotados no novo código falimentar brasileiro deverá se fundamentar sobre o princípio da celeridade e o princípio da economia processual. (TZIRULNIK, p. 137, 2005)
Destaca-se, portanto, que os principais efeitos da sentença declaratória de falência, além da perda da capacidade de exercer atividade empresaria, são: a) a formação da massa falida subjetiva, b) suspensão das ações individuais, c) suspensão condicional da fluência de juros, d) exigibilidade antecipada dos créditos contra o devedor, sócios ilimitadamente responsáveis e administradores solidários; e) suspensão da prescrição; e f) arrecadação dos bens do devedor” (FAZZIO JR, 2006, p. 282). Ainda ressalva Luiz Tzirulnik (2005, p.138), que haverá, também, a conversão de todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda brasileira pelo câmbio do dia da decisão judicial que decreta a falência.
Nesta esteira, resta exposto a formação da massa falida objetiva, que será a reunião do patrimônio para satisfação dos credores, e a formação da massa falida subjetiva, a qual será colocada sob o regime falimentar que irá impossibilitar o devedor empresário de administrá-lo em função da sentença falimentar decretada (FAZZIO JR, 2006, p.282-283).
Nos tempos hodiernos a função principal do instituto falimentar é a de evitar colapsos sociais para todos os envolvidos na crise financeiro-econômica de uma empresa, retirando-a do mercado quando provada a sua inviabilidade econômica. Desta forma o empresário e a sociedade empresária, sendo agente de fato ou de direito, são, portanto, objetos exclusivos da Lei 11.101/2005, que regula a falência dessas entidades, assim como a recuperação judicial e recuperação extrajudicial dos agentes devidamente registrados que, com o curso da história, transitaram do Direito Comercial para o Direito Civil, do Direito Privado para o Direito Publico. Nesse trânsito de esferas jurídicas tem-se a unificação do sistema de insolvência, ou o Direito Concursal (TZIRULNIK, 2005, p. 45-46).
É válido ressaltar que o art. 2º, II, da Lei 11.101/2005 exclui as instituições financeiras de serem alvos da aplicação do instituto da Falência, porém entende-se que é existente a possibilidade de tais instituições terem sua falência decretada, assim como, poderão se submeter a um regime especial norteado pelo BACEN, que figurará na liquidação extrajudicial das mesmas( PERIN JUNIOR, 2006, p.80).
3 . Diversidade dos procedimentos cabíveis diante das crises econômico-financeiras, que afetam instituições financeiras, em observância ás Leis 6.024/74 e 2.321/87.
Não restam dúvidas de que a crise de uma instituição financeira não é matéria que afete apenas os sócios, correntistas, empregados, e demais credores da mesma. Na verdade, o impacto de um sistema financeiro pouco saudável na economia de um país é enorme. Para entender isso, basta refletir que a instituições financeiras têm a missão legal de mobilizar poupanças e promover seu investimento em setores produtivos, além de exercer influência na conjuntura monetária e cambial (SALOMÃO NETO, 2005, p.507)
Posto tal entendimento, é deveras importante que saibamos que, de qualquer modo, seja em virtude do prejuízo á eficiência do sistema trazido pelas instituições que se arrastam á beira de uma crise, seja pelo risco sistêmico posterior á eclosão da crise, várias estratégias de ação governamental foram desenvolvidas para prevenir e enfrentar as crises bancárias, com risco sistêmico ou não. As principais dentre tais estratégias podemos suscitar: a) em uma fase inicial e anteriormente ao aparecimento de qualquer crise, podem os governos criar sistemas de seguro de depósitos; b) configurada a crise, mas para situações de menor gravidade, é possível que empréstimos de liquidez sejam efetuados pelo Banco Central; c) já na materialização da crise, podem ser adotadas soluções de mercado, marcadas por certo nível de coercitividade governamental, impondo a cessão de controle ou venda de ativos da instituição em crise; d) adoção de procedimentos especiais de intervenção na instituição em crise, visando desde a simples substituição de gestores até a cessação de seus pagamentos e sua eventual extinção (SALOMÃO NETO, 2005, p. 509-510).
Diante de tais circunstâncias a Lei 6.024/74, prescreveu dois procedimentos extrajudiciais para serem aplicados ás instituições financeiras privadas e ás públicas não federais em condições de funcionamento anômalo, que comprometesse sua solidez e credibilidade para com o público: a intervenção e a liquidação. Estendiam-se ás cooperativas de crédito, não alcançando as instituições públicas federais, pelo fato de já se encontrarem estruturalmente sob a direção dos órgãos fiscalizadores pertencentes á respectiva esfera, não havendo, pois, necessidade de intervenção de elementos estranhos, processando-se interna corporis as medidas cabíveis. Com a edição do Decreto-lei 2.321/87, a intervenção foi substituída pelo regime da ``administração especialtemporária´´. (ABRÃO, 2008, p. 321)
O Regime de Administração Especial Temporária (RAET) consiste em um regime excepcional alternativo ao da intervenção, devendo ser decretado pelo Banco Central quando estejam presentes, a prática reiterada de operações contrárias às diretrizes de política econômica traçadas em lei federal, existência de passivo a descoberto, gestão temerária ou fraudulenta por parte dos administradores (Decreto-Lei nº 2.321/87, Art.1°), a fim de normalizar a situação da instituição financeira, ou seja, trata-se de uma substituição dos antigos administradores e membros do Conselho Fiscal, que, perderão, segundo o art. 2º da mesma lei, suas funções e em seu lugar ingressaria um conselho diretor nomeado pelo Banco Central (ABRÃO, 2008, p. 322).
A liquidação extrajudicial é decretada quando os outros regimes especiais forem insuficientes para garantir o pleno funcionamento da instituição financeira, então nestes casos de maior gravidade, resta apenas liquidar a sociedade financeira realizando ativos e pagando passivos (SALOMÃO NETO, 2005, p. 534). Ressalta-se ainda que o art. 15 da lei nº 6024/74 prevê as hipóteses em que deverá ocorrer a liquidação extrajudicial ,que pode ser decretada exofficioou a requerimento dos administradores da instituição, se autorizados pelo estatuto social, assim como a requerimento fundamentado do interventor. Nesta esteira, é importante o dispositivo exposto no Art. 18 da Lei 6.024/74, ao explanar que a decretação pelo Banco Central da liquidação extrajudicial, suspende ,antes e durante á liquidação, quaisquer ações e execuções judiciais contra a instituição financeira, vencimento antecipado das obrigações, não atendimento das cláusulas contratuais penais vencidos em decorrência da liquidação, não fluência de juros e interrupção do prazo de prescrição das obrigações.
Existe ainda mais um procedimento cabível de aplicação diante das situações de crises econômico-financeiras, nomeado de Redesconto, pois o mesmo está previsto na Lei 4.595/64, e possui tratamento na Resolução 2.949/2002, do Conselho Monetário Nacional, e na Circular 3.105/2002, e alterações, do Banco Central do Brasil. Portanto trata-se de forma de financiamento concedido pelo Banco Central uma vez que deflagrada a crise de liquidez de determinada instituição, agindo a autarquia como emprestador de último recurso. Porém apenas instituições financeiras titulares de um tipo específico de conta, a denominada ``Reserva Bancária´´, têm acesso ao instituto do Redesconto. (SALOMÃO NETO, 2005, p. 523)
Conclusão
Com o surgimento das novas estruturas econômicas originadas de intenso processo de globalização e socialização, a falência, em qualquer dos seus sentidos: econômico, jurídico e processual, foi ampla e mundialmente repensada. Deixou de priorizara punição do devedor, abriu mão de promover apenas o desenvolvimento do crédito e a defesa do comércio para, hoje, ser enfaticamente, nos casos possíveis, meio eficaz de recuperação sócio-econômica do empresário e da sociedade empresária (TZIRULNIK, 2005, p. 46)
Parece-nos que o melhor depoimento sobre a utilidade de algo vem da constatação dos efeitos de sua ausência. No caso dos procedimentos especiais, complementados pela intervenção governamental informal no sentido de garantir depósitos como se fazia no passado, e agora pelo Fundo Garantidor de Créditos, entendemos que sua falta seria catastrófica. A lentidão do processo judicial de falência, que teria de suprir a falta do regime administrativo, precipitaria os depositantes em pânico. (SALOMÃO NETO, 2005, p. 532) Essas considerações foram acolhidas pelo Direito positivo, que afastou a possibilidade de falências das instituições financeiras públicas e privadas, bem como de entidade a elas equiparadas (Artigo 2º, inciso II da Lei 11.101/2005)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 11. ed. rev., ampl. e atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2008.
ALMEIDA, Amador Paes. Curso de falência e Recuperação de empresa. 23. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
FAZZIO JR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. 3ª Ed. rev. e ampliada. São Paulo: Atlas, 2006.
PERIN JR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 3. Ed. São Paulo: Método, 2006.
SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário. São Paulo: Atlas, 2005.
TZIRULNIK, Luiz. Direito Falimentar. 7.ed. São Paulo: Editora RT, 2005.