Decisão nº 4423/2004, o Tribunal houve por bem ‘firmar o entendimento no sentido de que, doravante, nos sinistros de trânsito que envolvam viaturas policiais, para que haja imputação de débito ao apontado responsável, deverá restar demonstrada cumulativamente:

  1. a culpa do servidor;
  2. a  circunstância de que o apontado responsável não agia no estrito cumprimento do dever legal ou que expôs o bem público a riscos irrazoáveis, estranhos à atividade policial, ou, ainda, inexigíveis para a situação de serviço em que se encontrava no momento do acidente;’.”

O instituto da responsabilidade civil é norteado pela concepção de que sempre que alguém causa um dano a outrem, deve ser compelido a restituir o lesado ao status quo ante. Nas palavras de Heloísa Helena Gomes Barboza, pode ser definido: pelo interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano, a causa geradora da responsabilidade, desde que existente um dever jurídico.

Verifica-se, portanto, que a teoria da responsabilidade civil percorreu longo caminho até atingir o patamar atual, mais consentâneo com a proteção da dignidade humana e do patrimônio público.

     “Modernamente, pois, desvincula-se o conceito de dano da noção de antijuridicidade, adotando-se critérios mais amplos, que englobam não apenas direitos (absolutos ou relativos), mas também, interesses que, porque considerados dignos de tutela jurídica, quando lesionados, obrigam à sua reparação.” (Moraes, 2006).

     "Saliente-se, por oportuno, que a responsabilidade civil, sob uma ótica moderna, tem seu foco exatamente no dano, não na culpa, objetivando a tutela da vítima." (SCHREIBER, 2007).

No caso específico, o interesse público é diretamente afetado na medida em que o patrimônio perde seu valor por ato culposo de servidor que tem o dever de indenizar ao Estado ou mesmo restituir o bem ao status quo, desque que presentes o nexo causal, a culpa, em uma de suas modalidades, bem como o dano.

O simples fato de estar em serviço no momento do acidente não minimiza o dever de cuidado do servidor com os bens pertencentes à administração, muito pelo contrário, o dever de zelo deve ser ainda maior em razão do interesse público envolvido além do que é condição sine qua non para o servidor público poder utuliza-se do bem adquirido com verbas públicas. 

No caso de acidente de trânsito envolvendo viaturas policiais é ”conditio sine qua non”, estar em serviço para poder utilizar-se do bem, não cabendo aqui a alegação, com o intuito de justificar isenção da obrigação de indenizar ao Estado, quando o agente causa o dano por culpa, Negligência, Imprudência, Imperícia, a  expressão “estar em serviço”.  Presentes a culpa, na modalidade  negligencia, imprudência ou  imperícia, além dos pressupostos do nexo de causalidade, entre a ação ou omissão do servidor, mais o evento  danoso, a responsabilidade civil indenizatória persiste, em homenagem ao  postulados do Código Civil, sob pena de esvaziamento do instituto.

Além disso, o Código Brasileiro de Trânsito, em seu art. 28, afirma que

“O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito”.

Assim, ao assumir de modo voluntário, a direção de veículo automotor e não guardar a distância necessária do veículo que vem a sua frente, impossibilitando a frenagem em tempo hábil, por exemplo, o condutor age, ao menos,  imprudentemente. Portanto, restará configurada a culpa. Oportuno frisar ainda, a título exemplificativo, que em tempos chuvosos a atenção deverá ser ainda maior, em razão das condições da pista escorregadia dificultar a frenagem.

No que diz respeito à decisão 4423/TCDF, esta não foi um salvo conduto a toda e qualquer situação envolvendo acidentes de trânsito com viaturas policiais, no sentido de isentar o servidor ao dever de indenizar quando presentes os intitudos da responsabilidade civil. A melhor doutrina e exegese segue no sentido de verificar se no momento do acidente estava efetivamente o Servidor em situação policial de pronto emprego emergencial, ou não, atividade fim.  Se a resposta para este quesito for sim, persiste a possibilidade de isenção do dever de indenizar ao erário, se a resposta para o quesito for não, a possibilidade de não ressarcir ao erário público fica esvaziada pela melhor interpretação do espirito da jurisprudência 4423/2004 do TCDF.

A nosso sentir quando a Pericia técnica e o Relatório conclusivo da autoridade competente responsável pela apuração dos fatos  apontarem, contundentemente, para a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e o dano que se perfaz pela presença de Imprudência, negligencia ou imperícia, no ato de conduzir a viatura policial, caracterizada estará a responsabilidade civil do agente perpetrador do dano, salvo, se estiver agindo na função extremada policial emergencial, função fim policial.

A emergência policial ou função extremada policial, funçao fim, é aquela em que o agente público atua na ação policial perseguindo ou tentando tirar de circulação o marginal que com sua atitude imediata coloca a vida de terceiros em perigo. Para esses parece-nos que o escudo Jurisprudencial da  4423/2004 TCDF deverá albergar em sua literalidade. Nesse diapasão, é mister fazer a diferenciação entre a conditio sine qua non, estar em serviço, e a situação emergencial policial de prestação de socorro imediato, iminente perigo, ou mesmo, de flagrante delito que é a situação EFETIVAMENTE albergada pela jurisprudencia 4423 do TCDF.

Parece-nos que o escopo da jurisprudência, ou o espirito do jurista,  sempre será o de salvaguardar o interesse público, com a culpa sendo atenuada, ou mesmo “apagada”, quando os casos emergenciais assim o exigirem. Não seria razoável esperar outra atitude de servidor policial, naquele momento de perigo iminente, ou flagrâncial em que o mesmo tenta cumprir sua missão constitucional. Talvez a melhor exegese trespasse por esse prisma, para se aplicar o entendimento da jurisprudência do TCDF, caso contrário, se esvaziaria todo o instituto da responsabilidade civil que vem se aperfeiçoando ao longo dos anos.

     Por esse ângulo se infere que a decisão 4423/2004, TCDF, é direcionada para casos específicos e bem delimitada, ou seja, para situações em que o acidente de trânsito envovendo viaturas policiais e seus servidores decorra da função fim de polícia ou função extremada policial, ou seja, no pronto emprego policial emergencial ou em situações críticas de perseguições autorizadas pelas respectivas Instruções Normativas, Função extremada policial.Não para qualquer situação policial cotidiana ou de rotina administrativa, para esses casos nem se cogita a aplicação da jurisprudência 4423/2004 TCDF.

O agente público, em função administrativa de rotina, que não está submetido ao estresse de uma perseguição policial emergencial e que submete veículo público a acidente de transito, por negligencia, imprudência ou imperícia, comprovado O NEXO DE CAUSALIDADE, e o dano, deverá responder pelo prejuízo causado e terá o dever de indenizar, segundo a culpa apontada.

Por outro prisma, as atividades meio, ou administrativas, não são socorridas pelas situações de “prioridade de trânsito”, haja vista que tais preferências, nos termos do art. 29, VII do CTB, estão sujeitas à observância de determinadas condições, quais sejam: i) atendimento de urgência; ii) uso de dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente.

Importante  também citar o artigo 28 do mesmo Código que, no mesmo diapasão, ressalta a necessidade de atenção permanente do motorista para com as condições do trânsito:

                                               Código de Trânsito Brasileiro – Lei nº 9.503/97

Art. 28. O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito. (grifo nosso).

Entender de forma diversa a decisão 4423/2004 TCDF é permitir a destruição de todo o erário público, sob responsabilidade da administração, e dar um salvo conduto a ações kamikazes ou culposas, sem que se possa imputar responsabilidade civil ao agente perpetrador do dano na modalidade agir com culpa, certamente não foi esse o espírito da jurisprudência.

     A exegese reside em preservar atitudes policiais que envolvam ações extremadas, em situações emergenciais e/ou flagranciais que requeiram, inequivocamente, a extrapolação dos padrões médios de segurança, balizados em justificativas plausíveis a bem da coletividade e incolumidade das pessoas. Para esses casos não se pode exigir outra atitude do servidor policial que está num exercicio regular de direito e no limite máximo da lei, porém albergado, inclusive pela jurisprudencia comentada.

 Impende ressaltar que, mesmo nesses casos, a análise deverá ser feita com muito critério, eis que ao cruzar a barreira de limites de velocidades impostos pelas vias o servidor público age com dolo no antecedente, eis que acelera confiando em sua perícia técnica, e culpa no consequente, assumindo o risco da colisão, porém, não aceitando o resultado culposo em sua esfera psicológica. A temperança da ação, no momento do acidente envolvendo viaturas policiais, deverá ser analisada caso a caso, como forma de justificar uma perfeita subsunção a decisão do TCDF a luz do entendimento esposado.

De acordo com a sedimentada teoria geral da responsabilização, para a caracterização da responsabilidade civil, quatro requisitos devem ser cumpridos, quais sejam i) a conduta omissiva ou comissiva do agente; ii) o elemento subjetivo (dolo ou culpa); ii) o resultado, dano provocado a outrem; e iv) o nexo de causalidade, que nada mais é do que o liame que conecta a ação/omissão ao resultado danoso.

 E ainda, ao contrário do que fez em relação ao estado de necessidade e à legítima defesa, o Código Penal não apresentou o conceito do estrito cumprimento do dever legal, nem seus elementos característicos. Apenas limitou-se em seu art. 23, inciso III, do CP a dizer que não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal.

Importante notar que a excludente é incompatível com os crimes culposos, pois, a lei não obriga ninguém a agir com imprudência, imperícia ou negligência.

Embora um bom número de autores considere que se trata de uma causa de justificação, temos que assim não é, porque as causas de justificação são geradas a partir de um preceito permissivo, enquanto no cumprimento de um dever jurídico há somente uma norma preceptiva (uma ordem). Quem não quer agir justificadamente não pode fazê-lo, porque o direito não lhe ordena que assim o faça, mas simplesmente lhe dá uma permissão. Por outro lado, quem deixa de cumprir com um dever jurídico é punido, porque o direito lhe ordena que aja desta forma. Ademais, enquanto no cumprimento de dever jurídico há uma ordem, na causa de justificação não há sequer um favorecimento da conduta justificada, que somente está permitida como um gesto de impotência diante de uma situação conflitiva.

O estrito cumprimento de dever legal é o instituto jurídico penal que compreende as normas e princípios relativos à atuação de quem, sob comando legal, pratica conduta descrita em um tipo legal.

Nesse sentido, entendemos que para a adoção da 4423/2004 a expressão estrito cumprimento do dever legal deve ser entendida apenas como sendo  obrigatório estar em serviço policial para dirigir a viatura, “conditio sine qua non”, ou seja, se o servidor não estiver em serviço, nem se cogita de sua aplicabilidade para fins de isenção de responsabilidade.

Concluímos que a jurisprudência 4423/2004 do TCDF deverá ser usada somente para casos em que os agentes públicos colidiram suas viaturas quando  se encontravam em plena prestação do serviço, e no momento em que tentavam evitar um mal maior, ou seja, agiram na função policial extremada ou fim para tirar um criminoso das ruas, em situação de emergência, para preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio público, ou ainda em perseguição a flagrante delito, devendo ainda ser cotejada tal jurisprudencia com os institutos do Código Civil e de Trânsito, não se aplicando para casos de colisões em funções meramente administrativas ou cotidianas, presente a culpa, sob pena de, em sentido contrario, esvaziar-se os institutos da responsabilidade civil do Código Civil e Código de Trânsito.