A CULTURA DO PRIMITIVISMO

Assim como existem as touradas na Espanha e as vaquejadas ou rodeios em determinadas regiões do interior do Brasil, aqui no Rio Grande também temos o nosso espetáculo de barbárie onde animais são maltratados e sacrificados publicamente, enquanto o ?bicho-homem?, sob aplausos, representa o herói.
Em seu livro o Evangelho Segundo Jesus Cristo, o escritor português José Saramago, ao descrever o batismo de Jesus, nos mostra como eram feitos naquela época os sangrentos sacrifícios de animais nos templos, para o agrado de sua divindade, durante as cerimônias da igreja primitiva.
Com todo o respeito à tradição dos povos, seus hábitos e cultura, não podemos admitir que ainda hoje se chegue ao ponto de esfolar animais vivos, já não digo os que são sacrificados e consagrados em práticas religiosas, mas em praça pública, ou em espetáculos populares de exibicionismo. Isso vai contra todos os princípios de conduta, racionalidade, educação e civilidade, principalmente pelo fato de tais espetáculos contarem, em seu público, com a presença de crianças e adolescentes em fase de formação.
Já faz algum tempo, na pérgula central da praça de uma cidade do interior gaúcho, durante as festividades da Semana Farroupilha, dois xirús mostraram para as crianças das escolas que estavam presentes, como se ?chairava? uma faca e como se carneava uma ovelha que foi especialmente sacrificada para a ocasião. O animal, recém morto e ainda com o sangue quente, foi carneado lentamente, diante do público, e o impacto da cena foi tão violento que algumas crianças pequenas começaram a chorar e tiveram que ser retiradas do local. Imagina-se que em locais mais apropriados se demonstre, à curiosidade dos assistentes, como se matam esses animais.
Alguns chamam o ato de enfrentar um touro com um pano de dupla cor, lanças, bandarilhas e espadas; de laçar, imobilizar e marcar com violência uma rês; de domar um cavalo (que chamam de ?selvagem? ou ?bagual?), com vários indivíduos sujeitando-o contra um palanque para que seja montado, espancado com um rebenque e sangrado com esporas, de "uma competição entre o homem e o animal", como se estes animais, completamente indefesos, tivessem uma torcida, uma escolha, vontade própria ou chance de ?competir?, em condições tão desiguais, com aqueles que em maior número os cansam, maltratam, torturam e sacrificam impiedosamente.
A Lei Federal nº 9.605, de 12.02.1998 infelizmente não estende suas cominações aos que maltratam animais que não sejam "silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos". E pergunto por que as sociedades protetoras dos animais ainda não encaminharam às câmaras legislativas ou ao congresso nacional um projeto de lei que proibisse essas práticas lamentáveis que, na condição de espetáculos públicos, continuam a ser promovidas aqui e acolá contra uma parcela indefesa dos nossos inocentes irmãos (ditos irracionais), sob gritos e aplausos da multidão enlouquecida, como acontecia há dois mil anos, mutatis mutandis, nos circos do Império Romano.

(Luciano Machado)