A CRÔNICA DA MELHOR IDADE
Por OCTAVIANO AUGUSTO ALVAREZ CARDOSO | 13/04/2014 | Crônicas
Dona Rosa acordou decidida. Uma semana atrás havia se matriculado para aulas em uma autoescola. Queria a carteira de motorista de qualquer forma. Aquela senhora franzina, de rosto cansado e olhar educado, agora com sessenta e nove anos aparentava até mais idade! Como fazia todos os dias acordou cedo e leu seu jornal calmamente, na hora de seu desjejum. Muito vaidosa encerrou seu café da manhã, e foi tomar seu banho matinal. Ao final da higiene perfumou-se para encaminhar-se à sua nova experiência.
Chegando à AUTOESCOLA foi apresentada ao instrutor Camargo, que ao olhar sua nova aluna desdenhou, e murmurou grosseiramente entre os dentes, algo do tipo, "O que essa velha está fazendo aqui? Não sabe que devia estar em casa cuidando dos netos "pilotando fogão" e arrumando panelas?! Só me faltava essa agora!” Mas, o comentário preconceituoso não passou despercebido! Dona Rosa, apesar da idade era muito lucida, e com audição apurada e não se conteve e ao entrar no veículo, já ouvindo as primeiras instruções impolidas de Camargo (apelidado pelos colegas de profissão de "o amargo") pegou na sua mão de forma carinhosa e então perguntou,” Meu querido, qual a sua idade?" Ele, meio sem graça, prontamente respondeu, "Trinta e dois vovó!" Ela continuou com a voz embargada, mas muito tranquila,” Pois é! A 'vovó' está aqui fazendo um rapaz jovem perder seu tempo, não é?" Camargo a esta altura ficou desarmado e percebeu sua indelicadeza,” Não é isso. É que na sua idade não é muito comum querer aprender a dirigir, mas se tenho que trabalhar e a senhora é a cliente..." Dona Rosa, sem perder a classe e a elegância retrucou, "Meu filho... posso lhe chamar assim, não é?” E continuou, “Quando jovem, bem antes de casar vivi em uma fazenda e meu pai, pra manter a família, que era grande trabalhava como lavrador, mas nas horas vagas ajudava o nosso patrão com serviços no armazém dele. Eu precisava ajudar minha mãe e quando terminava meu serviço, ainda ia arar a terra com um trator, para depois ir para a escola estudar. Por necessidade aprendi a dirigir aquela máquina grande, por que não um automóvel?" Camargo ficou envergonhado, mas antes que pudesse se desculpar, a idosa continuou: "Fui casada muitos anos com meu marido, um contador respeitável, que faleceu há cinco anos, sou uma médica psiquiatra aposentada pelo Estado, e tenho uma única filha, que mora comigo, hoje com cinquenta anos, tetraplégica desde os quarenta. Vivia bem com seu marido e família, mas após sofrer um acidente, exatamente depois de um ano, seu esposo pediu o divórcio alegando precisar viver! Meus netos, um casal já adulto, pouco procuram a mãe, e quando vão à nossa casa, uma vez por mês, nem demoram e já partem para seus compromissos. Após a morte de meu esposo, ainda consegui manter um motorista, mas os tempos estão difíceis e tive que escolher, ou mantinha o rapaz, ou pagava à funcionária que cozinha e me ajuda há muitos anos. Estou agora querendo tirar a carta de motorista por necessidade, para poder transportar minha filha ao médico e sessões de fisioterapia e ter um pouco mais de conforto nos deslocamentos, devido à minha idade avançada! Peço compreensão amado, pois se há pessoas que passam a vida inteira para aprender e às vezes não aprendem a ter urbanidade com seus irmãos, porque uma idosa sã não poderia aprender o ato mecânico de dirigir um carro?”
Camargo ficou desmontado. Pediu perdão à anciã, e arrependeu-se de fato pela sua atitude agradecendo ao Criador pelo ensinamento recebido de quem menos esperava. As aulas de direção ainda iam iniciar para dona Rosa, que a partir de então conseguiu a simpatia de todos os instrutores, mas, para Camargo, agora apelidado pelos mesmos colegas de "o doce", as aulas de tolerância já estavam em andamento e este agora ministrava suas lições de direção com carinho e respeito a quem quer que fosse, independente da idade ou aparência, sempre com uma palavra cordial e um sorriso estampado em seu semblante. Bendita dona Rosa!