Introdução;

Vivemos hoje em um mundo profundamente marcado pela pluralidade e pelo movimento liberal, onde a diversidade cultural se apresenta de maneira pungente, fazendo com sua importância seja determinante para que os esforços na elaboração teológica possam resultar em sólidas respostas para as demandas mais urgentes da sociedade. Por isso, gostaríamos que este ensaio viesse a proporcionar uma visão interpretativa sobre como a dinâmica da Teologia Moral vem se desenvolvendo, principalmente no que tange os problemas mais urgentes que desafiam a própria matéria, como a crise da moral, procurando assim nos aprofundar desde a sua fundamentação bíblica, passando pelo ethos moral, ou seja, sua essência ou razão de ser que determina sua relevância em meio à sociedade.

Também não podemos deixar de ao menos citar sua discussão filosófica em meio à história, que a priori se confunde com a própria história da humanidade, resaltando os pontos fortes que fazem dela, a moral, um misto de liberdade com responsabilidade, ou por vezes um equilíbrio entre consciência moral e lei, o que de fato gera um discernimento moral.

Com isso esperamos aqui poder dar nossa contribuição para o entendimento do tema, ou ao menos pistas sobre esse assunto que é definitivamente inesgotável.

  Desenvolvimento;

Inicialmente podemos traçar um panorama da sociedade atual que, imersa em uma crise moral e ética, se vê influenciada em grande parte pela modernidade, que por sua vez trouxe à tona as bases fundamentais da autonomia. Somado a isso se tem no século presente um desânimo acentuado para com o discurso ético, bem como uma decepção para com o projeto moral.

Claro que a globalização aliada a uma diversidade cultural e religiosa, somadas ao individualismo liberal formam o que hoje chamamos de pós-modernidade que em si carrega problemas éticos e morais ainda sem solução.

O debate sobre um resgate do ethos moral principalmente por conta da religião cristã se apresenta como preocupação emergente nos dias atuais, permeando de maneira contundente a discussão a respeito do tema.

Tal problemática se situa principalmente na pessoa humana como sujeito ético, capaz de autoconsciência em sua liberdade, o que lhe acarreta responsabilidades. Por isso as atitudes humanas estão situadas na “moral fundamental” de vida, o que configura a essência do comportamento ético, e que por sua vez daria margem à elaboração de valores que serviriam como referência à conquista da plenitude da humanidade.

Primariamente a temática envolvendo a fundamentação da moral cristã desperta muito interesse, pois suas bases estão fundadas na revelação divina, principalmente na pessoa de Jesus Cristo, o que em si abarcaria a plenitude do que se entende por humanidade. Isso é expresso pela Igreja em diversas linguagens que de modo uníssono formam a atmosfera do discurso cristão salientando principalmente a Lei, a Vontade e a Palavra de Deus, transmitidas ao longo da história.

O eixo histórico da moral passa necessariamente pela “Lei Natural”, uma característica do ser humano que o faz distinguir uma lei externa, daquela que vêm do seu interior. Uma capacidade intrínseca que permite ao homem escolher entre o bem e o mal. Uma lei que é imutável, ainda que seu próprio portador a sucumba, pois é inalienável, ultrapassando a história humana com suas ideias e costumes. É sobre esta mesma lei que se fundamentará todas as normas morais humanas na sociedade.

A Lei Antiga é uma forma peculiar que o povo de Deus encontrou para vivenciar a ética em sua sociedade. Reunida no conjunto de normas chamada de Torah, a lei expressava o amor de Deus presente na vida do povo, que por sua vez era vigiado pelos sacerdotes e profetas que cobravam seu cumprimento.

Já com a Lei Nova se passa da Lei da Aliança para a Lei da Graça, significando que Jesus aprimora a Lei gravando-a nos corações dos homens. Pois é no exemplo e na mensagem de Cristo que o homem encontra a resposta para suas escolhas. Somando-se a isso, segundo a teologia paulina, o homem ainda tem um auxiliador na pessoa do Espírito Santo, que provê sabedoria ao homem para a plena realização da vontade de Deus.

 Mas segundo a Igreja, é algo que não deve ser entendido como submissão à vontade de outrem, mas um convite para a vida nova em Cristo Jesus, uma expressão do amor de Deus que ensina e revela sua sabedoria a humanidade. Uma forma de atração que vai de encontro com a verdadeira razão existencial humana, convidando-a a perfeição.

A Igreja direciona sua moral para a prática das virtudes, o que levaria a pessoa a autoposicionar-se no sentido do seguimento de Cristo, o que aos poucos tende a moldar a alma do homem, aperfeiçoando suas ações. Para isso ela utiliza-se das Sagradas Escrituras para fundamentar sua orientação, articulando a mensagem dos Evangelhos Sinóticos juntamente com contribuições do Novo testamento definindo um arquétipo de homem a partir do Espírito evangélico. Em outras palavras se combinam elementos da fé e do amor com o seguimento de Cristo que são virtudes determinantes para se objetivar a vida nova.

Porém a ferramenta, se assim se pode dizer, que serviria como ponto de equilíbrio e sustento para a manutenção da conversão seria a prudência, que por sua vez confere ao homem o discernimento para distinguir o bem verdadeiro do mal eminente.

O discernimento por sua vez não é senão um julgamento crítico e prudente diante de opções que estão constantemente diante do homem. No caso, o discernimento cristão é pautado principalmente pela fé que serve de luz para suas escolhas, ou seja, o discernimento cristão está diretamente ligado aos ensinamentos e ao exemplo de Jesus que por sua vez aderiu prontamente a vontade do Pai. Mas esse processo só se dá a partir da ação do Espírito Santo sobre o homem, fazendo-o se abrir à Graça Salvífica que destina o homem a uma Nova Vida em Cristo.

Essa dinâmica do discernimento passa, segundo Marcel Neusch, por um intinerário que começa pelo conhecimento da situação, uma percepção dos valores, uma ação diante do problema e a responsabilidade da escolha. São passos que são dados em consonância com as instâncias reguladoras, ou seja, a comunidade, a Lei e o próximo. Passos fundamentais necessários para o discernimento moral.

Assim, como vimos a moral fundamental se manifesta internamente pelo discernimento moral e externamente por meio de normas e leis, as quais se fazem indispensáveis à expressão dessa nova vida cristã, apesar de não ser o princípio transformador, mas originadas na vida nova do ser humano no plano do Criador. Com isso conclui-se que a lei nada mais é que a expressão objetiva da norma subjetiva, que se identifica por ser uma via direta ao Espírito de Deus, e que por outro lado demonstra o caráter definitivo do caminho ao encontro do Cristo.

Como se pode constatar a lei nesse caso não imprime valor à autenticidade cristã, mas traduz esta autenticidade de maneira declarada, por intermédio sempre dos líderes da comunidade cristã em benefício da mesma.

A consciência é outro ponto muito importante no estudo da moral fundamental, isso porque esta é constituinte essencial no discurso ético, pois consiste na capacidade intrínseca do homem de distinguir o bem do mal, e por conta disso ser responsável pelos seus próprios atos. Mas claro que esta capacidade do homem não surgiu por osmose, mas é fruto da forte influência Greco-romana e da moral bíblica. Diante disso, a despeito das variantes que possam atenuar delitos que possam a princípio parecer claros, pode-se afirmar que é por meio das ações que se pode definir a moral de uma pessoa, pois é por meio destas decisões que a pessoa exerce sua liberdade moral e ética.

Quando se fala em consciência é interessante que se remeta a uma conceituação do termo que no pensamento Greco-Romano se identifica como Syneidesis que indica a incidência da consciência moral, ou seja, um saber consigo mesmo, um conhecimento que parte da reflexão.

O antigo testamento apresenta a consciência como “coração”, “sabedoria” e “espírito”. Quer passar a mensagem de que a consciência é algo que parte do interior do homem e que está diretamente ligada à prudência nas escolhas pessoais que perpassa a ideia da justiça que está enraizada pelo “espírito”no coração do homem. Já o Novo Testamento ainda se mantém no mesmo sentido, com o acréscimo de Paulo de Tarso que entende ainda a consciência como uma instância “insubornável” do homem revestido por um juízo e uma mentalidade religiosa-moral. Uma voz interior que na verdade vai além do próprio homem, mas que é vista como a própria voz de Deus em sua alma.

Surge então a ideia de que a boa decisão no consentimento do ato é que pode dar ao homem a realização integral, ao mesmo tempo em que as más atitudes levam à degradação e a desumanização, o que diante da fé cristã se denomina como pecado.

Perante esse panorama, tendo em vista que o senso moral Greco-Romano e Cristão estão profundamente encravados na consciência dos indivíduos, mesmo os que não se dizem cristãos tem plena consciência da realidade do mal e o que pode levar o homem à degradação.

Como vimos até agora, a moral cristã se manifesta como uma mensagem revelada, uma reação a todo questionamento tendo Jesus como fundamento e pano de fundo de uma humanidade ideal. E desse modo é que a riqueza da ética cristã expõe seu modo de conceber a humanidade, estabelecendo diálogo com outras propostas éticas sem é claro descaracterizar-se em sua essência.

O que na verdade se pretende ao se apresentar a moral cristã é evidenciar o fato de que a mesma não se contrasta com a moral humana, mas que ao contrário a traduz de maneira que ela possa servir de bússola, indicando o caminho para o aperfeiçoamento e a plenitude, e faz isso denunciando a desumanidade quando encontrada nos atos do quotidiano e nas proposições éticas contraditórias e de índole duvidosa. Por isso a Igreja cristã concebe sua moral como parâmetro de análise e discernimento sobre todo posicionamento humano no decorrer dos séculos, fazendo com que a moral seja entendida de maneira ainda mais profunda do que simplesmente um padrão ético, mas antes como anúncio do mistério de Cristo encarando-o como arquétipo de pessoa plenamente humana.

No entanto, a sociedade atual reluta em aceitar que a moral cristã tenha ainda relevância diante da realidade liberal do discurso ético do século. Mas a autenticidade da vida é um objetivo comum a qualquer pessoa, é algo de tamanha importância que se poderia dizer que uma verdadeira existência só poderia ser concebida a partir desse pressuposto, de forma que toda e qualquer discussão ética e moral dentro da atualidade não pode se abster de levar em consideração também
contribuição da moral cristã para que a mesma possa participar do projeto da realização humana, pois a humanização das pessoas deve ser o princípio norteador para qualquer busca ética.

Com essa disposição a Igreja se apresenta de maneira aberta ao diálogo com outras religiões e culturas propondo a mensagem salvífica e restauradora do Evangelho, pois a Igreja sabe que diante de um mundo plural não se pode abrir mão do constante diálogo em busca da vida em plenitude.

   Considerações Finais;

 

Diante do que foi exposto, a teologia da moral fundamental deve ter como premissa fazer-se compreender em sua proposta frente a atual diversidade cultural, principalmente quanto à necessidade do cristão de se autocompreender como ser destinado à plena realização no seguimento de Jesus Cristo e sua mensagem, pois somente a partir desta base fundamental é que se pode ousar uma contribuição para com de universalidade do tema.

O sucesso de tal empreendimento depende da conservação da integralidade da proposta ética no diálogo com outras culturas e religiões. Isso para que não se ponha a perder o valor intrínseco da mensagem evangélica implícita na moral fundamental, de forma que seja objeto interessante para o estudo e avaliação e, quem sabe, possivelmente absorvida tendo em vista a característica generalista da qual o cristianismo é portador.

É verdade que existe ainda uma grande dificuldade de aceitação da moral cristã pelos não cristãos, e mesmo por alguns movimentos mais liberais que se dizem de matiz cristã. Inclusive ainda pode-se afirmar que mais se assemelha a uma utopia o pensamento de que as proposições dessa moral específica possam ser completamente assuntas, mas a Igreja confirma sua fé na mensagem do Cristo, insistindo em sua verdade como única via verdadeira rumo à plenitude. Para isso a Igreja se dispõe permanentemente ao diálogo, colocando à disposição um vasto material a respeito do tema como os documentos do Concílio Vaticano II, obras coletivas de autoridades no assunto, dicionários, comentários sobre moral no Novo Testamento, documentos do magistério, e outros tantos com o intuito da transmissão de sua mensagem.

Enfim, buscamos aqui com esse breve ensaio apontar a problemática em que se insere a moral fundamental cristã, colocando como imperativo categórico a estruturação do discurso moral a fim de que se possa viabilizar a universalidade pretendida , estimulando e favorecendo o debate religioso e cultural com toda a comunidade mundial.

  Referências Bibliográficas.

MANZINI, R.; AGOSTINI, N. Moral Fundamental. Batatais: Claretiano, 2011, p. 111 a 151.