A CRIAÇÃO DE UM CURRÍCULO PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL.

 

O fato da Educação Infantil ter um currículo tem sobretudo sido um campo de controvérsias e de diferentes visões sobre a criança, da família e até mesmo das funções de creches e pré-escolas. Antigamente falava-se sobre uma proposta para educação infantil, o termo currículo era utilizada geralmente associado à escolarização.

Como afirmam as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Básica (2013, p. 86):

O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico. Tais práticas são efetivadas por meio de relações sociais que as crianças desde bem pequenas estabelecem com os professores e as outras crianças, e afetam a construção de suas identidades.

 

Lendo essa parte acima fica claro que o currículo não pode ter caráter apenas conteúdista, sem relação ao que a criança vive na infância, e que deve ser trabalhado de forma lúdica, a criança irá aprender a solucionar problemas, ao faz de conta, as interações tudo isso através das brincadeiras, respeitando a fase que a criança se encontra, pois muito mais que aprender os códigos linguísticos ela estará aprendendo a conviver com o eu e o outro. Lembrando ainda também que a criança terá tempo para ser alfabetizada o que não podemos fazer é queimar essa fase que sem dúvida deixa todos com saudade que é a: infância.

O fato dessa discussão sobre currículo ter crescido tanto nas universidades como também nas unidades de ensino deixa claro que o conceito e a importância do que se trabalhar na educação infantil tem ganhado espaço, o que sem dúvida já é um grande avanço, pensando que até pouco tempo atrás para se trabalhar com educação infantil não precisa nem ter uma formação acadêmica e que havia apenas uma proposta de ensino.

A composição de um currículo na Educação Infantil ao meu ver tem um importante papel, pois não se trata apenas de uma lista de conteúdo, mais de um conjunto de vivências das crianças que se encontram tanto em creches quanto na pré-escola.

A construção de um currículo para a Educação Infantil tem que ser carregado de significações, de uma prática cultural, não pode ser apenas em amontoado de conteúdo que irá ser trabalho por um determinado tempo, mas deverá levar em conta o que a criança precisa desenvolver na sua infância, aspectos como organização do espaço, tempo, conceito de infância, a criança e suas relações de interações com o eu e o outro. Tem que trazer significados que serão construídos coletivamente, através do lúdico.

Através das brincadeiras a criança não só está aprendendo como estará desenvolvendo a capacidade de desenvolver conflitos, dessa forma organizar o ambiente faz parte do currículo, pois o mesmo não tem como ser neutro, sendo que um mesmo ambiente pode ser de limitações quanto de avanços e possibilidades. O espaço da Educação Infantil deve ser um lugar que ofereça oportunidades de aprendizado e convivência social, como afirma (Santos, 1997)

O espaço é uma categoria social, portanto produzida na especificidade da relação. Nessa interface a simbolização é a responsável pela seleção dos aspectos que são relevantes ou não para a experiência humana. Por isso, as qualidades de um ambiente não lhe são inerentes, naturais; são atribuições feitas pelas pessoas que o utilizam, como base nos objetivos que desejam alcançar. Assim, tanto podemos fazer de um mesmo ambiente um espaço de limitações quanto de avanços e possibilidades. 

 

Dentro desse contexto da organização do espaço existe um outro fator que é o tempo, esse varia de acordo com a faixa etária da criança, no geral na Educação Infantil as crianças realizam diferentes atividades durante um curto espaço de tempo, porém tudo que é desenvolvido está de acordo com o Projeto Político Pedagógico da instituição que foi reformulado esse ano com base no DCNEI.

Segundo apresentam as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Básica (2013, p. 86):

Intencionalmente planejadas e permanentemente avaliadas, as práticas que estruturam o cotidiano das instituições de Educação Infantil devem considerar a integralidade e indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural das crianças, apontar as experiências de aprendizagem que se espera promover junto ás crianças e efetivar-se por meio de modalidades que asseguram as metas educacionais de seu projeto pedagógico.

 

Esse currículo para a Educação Infantil tem também um papel de resgatar as brincadeiras antigas que hoje se encontram apagadas, principalmente a necessidade do outro para brincar, substituído pela era do vídeo game, pela plastificação dos brinquedos ou pelo excesso de estímulos, tudo isso realizado sozinho e muito rápido.

De acordo com Benjamin (2002):

A memória do brincar, hoje apagada pelo excesso paradoxal do oferecimento de objetos ás crianças pode ser resgatada através de novas vias narrativas que operem a aproximação da criança a seus pares e á cultura. É através de sua transmissão que opera além da pedagogização do brincar, referida várias vezes por Benjamin. O brincar é tecido por histórias e a travessia pelos brinquedos feitos com arte, elaborados com as mãos das crianças e dos adultos que as cercam, representa uma via possível de construir suas bordas. Brinquedos artesanais que se encontram nas primitivas formas de brincar que as crianças buscam e que paradoxalmente hoje lhes são subtraídas: a água, a terra, a areia, as folhas, as pedras, o papel, e tantos outros materiais que se encontram nas inúmeras vias invisíveis por onde elas transitam em seus exercícios de invenção. Materiais que são colados pelas palavras, gestos, histórias, narrativas, que tecem sua forma fundado uma obra ali onde apenas havia objetos.

 

Um currículo que vise resgatar as brincadeiras, dar a atenção como Manoel de Barros cita ao que parece desprezível, mas que chamam a atenção das crianças define um espaço-temporal: um cronotopo particular, diferentemente do que estamos acostumados a ver, o autor defende espaços abertos mais envolvidos com a natureza, sem tanta sucata como de costume:

Não vi nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi que tudo o que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel. Só o que não vira sucata é ave, árvore, rã, pedra. Até nave espacial vira sucata. Agora eu penso uma garça branca de brejo ser maias linda que uma nave espacial. Peço desculpas por cometer esta verdade (BARROS, 2010,P.69).

 

Ainda que Manoel de Barros escreva de maneira poética, tem muita realidade em seus escritos, pois tudo que nós seres humanos construímos vira sucata. Então defendo um currículo que permita as crianças brincar com tudo aquilo que nos é ofertado pela própria natureza, possibilitar vivencias que eram tão naturais em nossas infância e que foi se perdendo por brinquedos em série.

 

REFERÊNCIAS

 

BARROS, M. Memórias inventadas: as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Planeta do Brasil,2010.

 

BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre o brinquedo, a criança e a educação, SP, Ed. 34, 2002.

 

Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica/ Ministério de Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília: MEC, SE, DICEI, 2013.

 

SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habilitado. 5. Ed. São Paulo: HUITEC, 1997.