Professor Me. Ciro José Toaldo – UNIESP/MS

            A criação do Estado de Mato Grosso do Sul, desmembrado de Mato Grosso, através da lei complementar número 31, sancionada pelo Presidente Ernesto Geisel em 11 de Outubro de 1977, iria resolver as diversas questões políticas relativas aos interesses imediatos das forças sociais que davam sustentação ao regime militar, como dos grupos latifundiários do sul de Mato Grosso  - as famílias elucidadas anteriormente - e a ampliação da base parlamentar da ditadura militar para dar sustentação à chamada abertura lenta e gradual estabelecida pelo governo Geisel. E, não atende as reivindicações dos funcionários públicos que continuavam seus salários congelados e defasados.

            Outro aspecto a respeito da criação de Mato Grosso do Sul, segundo as considerações de Bittar (1997), foi que este episódio não contou com a  participação da população, pois, não ocorreu um plebiscito para que todos os mato-grossenses tivessem opinado. O deputado federal Antônio Carlos de Oliveira (MDB), em 11 de Outubro de 1977, reclamava da ausência de um plebiscito para a população opinar sobre a divisão do Estado. Sendo assim, segundo Bittar, as organizações populares e os partidos políticos existentes à época não foram envolvidos no processo da divisão demonstrando a ausência de “sujeitos coletivos”, (p.240).

Com a bipartição do estado, Mato Grosso do Sul integrou-se por 55 municípios[1] totalizando 350.549 quilômetros quadrados. Apesar de já existirem prósperas cidades como Corumbá, Três Lagoas, Dourados, Ponta Porã, Aquidauana, Campo Grande, entre  outras,  tratando-se  da  mobilização  sindical, segundo Eronildo Barbosa da Silva, não havia tradição (1997, p. 24)[2]. Os principais sindicatos que formalmente existiam na época da instalação do estado, eram os Bancários, Comerciários, Trabalhadores na Construção Civil, Trabalhadores Rurais e dos Professores Públicos. Os professores da rede pública estadual, que atuavam enquanto associações e que juntamente com as demais categorias estavam inseridos dentro da política de arrocho salarial, imposta ao funcionalismo público desde a criação do Estado, buscavam na nova forma de organização sindical da classe operária brasileira, difundida como novo sindicalismo, formas para enfrentar a exploração da força de trabalho vigente no recente Estado. Os professores atuaram como uma espécie de vanguarda do movimento dos servidores públicos e da classe média[3] em geral, lembrando a ação dos operários do ABC de São Paulo com relação ao conjunto do movimento operário e sindical.

A atuação dos professores, sendo vanguarda da luta pelos direitos dos servidores públicos, no processo de bipartição de Mato Grosso, remete-nos novamente a Gramsci quando ressaltava o papel dos intelectuais dentro dos grupos sociais e, pelo visto, as consciências que os professores conseguem despertar em funções das atrocidades cometidas pelos atos de infames e desleais dos governadores, os fazem ser agentes de transformação da sociedade e, por sua vez desempenham o papel de intelectuais. Neste sentido, Portelli (1977) lembrar as palavras de Gramsci: Não existe uma classe independente de intelectuais, mas cada grupo social possui sua própria camada de intelectuais, ou tende a formá-la (p. 85). Esta colocação valoriza os agentes sociais que exercem atividades de natureza intelectual, como no caso dos “professores”, que utilizaram de seus subterfúgios para fazer valer seus direitos. 

Com a criação de Mato Grosso do Sul e a indicação de Harry Amorim Costa[4] que assumiria o cargo de primeiro governador  em 1º de janeiro de 1979, antes mesmo de assumir o governo, nas andanças pelo estado, Harry Amorim era surpreendido pelo movimento sindical dos professores públicos, que entregavam ‘cartas[5]’ ao futuro  governador  relatando  o  ideário  e  a situação que se  encontravam  os  professores. 

A situação do magistério era calamitosa como se observa pelo conteúdo da referida Carta entregue a Harry Amorim e como também, pela outra Carta que a Associação Douradense de Professores – ADP, divulgava em 09 de setembro de 1978, quando as associações já organizadas, que pertenciam ao território que seria Mato Grosso do Sul, estavam reunidas em Campo Grande para discutir o Estatuto da Federação de Professores, o professor Laerte Cecílio Tetila leu a “Carta Aberta  ao governador de Mato Grosso, José Cássio Leite de Barros”. O teor básico das reivindicações era: baixa remuneração; falta de carreira do magistério e insegurança trabalhista. Os detalhes destes documentos estão no livro de Biasotto e Tetila (1991). Com salários defasados em 90% e sem reajuste a quatro anos, o professores levam a profissão como ‘bico’, buscando outras atividades mais compensadoras financeiramente, pois, o magistério não garantia o sustento mínimo e também por assegurar direitos trabalhistas.

Os professores da rede pública estadual viviam uma situação calamitosa na época da divisão do Estado. O depoimento do professor Eusébio Garcia Barrio demonstra como era viver com os salários vindos do exercício do magistério nos tempos de Mato Grosso, que começam a trabalhar em fevereiro, mas só recebiam em novembro.

Os professores que além de não recebe em dia seus vencimentos ao receber já estavam desfasados e, a falta dos reajustes, provocava um acentuado arrocho salarial, produzindo uma situação social em que as condições de vida do professorado se degradavam ao ponto de provocar marginalidade e a ruptura com os limites aceitáveis de cidadania. Essa situação atrelada a criação de Mato Grosso do Sul, levou o grupo do magistério a mobilizar e reivindicar dentro de uma concepção sindical que os colocou no reboque das iniciativas administrativas do governo de Harry A. Costa.

No tocante a série de problemas empregatícios que se arrastavam desde Mato Grosso, pois, o último concurso público foi realizado em 1971, desta forma havia: ausência de estabilidade no empregado provocada pela irregularidade periódica na efetivação de concursos públicos; prestação de serviços sem contrato de trabalho como previa a CLT; critérios de admissão das funções públicas baseadas em ganhos político-partidários que se pautavam nos interesses ordinários das várias tendências arenistas que governavam o Estado e a inexistência de um Estatuto do magistério que regulamentasse as especificidades da carreira funcional.

O magistério consegue que o governo apresente por meio da Secretaria de Desenvolvimento de Recursos Humanos[6], o relatório conclusivo dos trabalhos, na forma de  um anteprojeto que considerava a progressão vertical representada pela promoção a seis classes e horizontal representada pelo acesso a oito níveis de habilitações; criação dos empregos para os especialistas; incentivos valorizando a efetiva regência de classe com enfoque especial à alfabetização; profissionalização do magistério e do regime jurídico.

Após a sansão e publicação do Plano de Carreira do Magistério, a ARENA de Mato Grosso do Sul, mediante manobra política de suas duas principais tendências, “Independentes”[7]  e  “Ortodoxos”[8],  depuseram  Harry  Amorim  Costa. Este desfecho se deu, por um lado, pelos  resultados da ARENA  sul-mato-grossense  nas  eleições parlamentares de 1978, que elegeu Pedro Pedrossian, Senador da República e do outro, para dar sustentabilidade ao regime militar ameaçava desmoronar.

 

[1] Cf No DO nº 01 de 01/01/1979, Ano I, Decreto Lei nº 01 de 01/01/79 que estabelece a organização básica do Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências, no Título VI, do Art. 48 que diz respeito aos municípios. 

[2] E. Barbosa da Silva, nesta mesma página, apresenta um depoimento de João José Leite que enfatiza a organização dos professores: “O sindicalismo aqui no Mato Grosso do Sul, nos anos setenta e início de oitenta, era ainda nascente, tanto na área urbana quanto na área rural, também na organização não sindical, mas como faces sindicais dos servidores públicos. Servidores públicos porque nós não tínhamos ainda o Estado de Mato Grosso do Sul formado e então o que se tinha eram associações, particularmente municipais de professores”.

[3] Cf. No Primeiro Capítulo, dentro da contextualização da terceira temática: “Os professores e o setor público no novo sindicalismo” quando discutiu-se a questão dos assalariados médios, dentro da visão de classe média.

[4] A ARENA-MS não estava coesa no nome de Pedro Pedrossian, que foi eleito Senador pela Arena. Desta forma, segundo Bittar, “o governo militar apostou na solução técnica, indicando o gaúcho Harry Amorim para governar o Estado e não na solução política” (1997, p. 262-266). Amorim insistia que não era “político” e que governaria com uma estrutura inédita no Brasil, e exclusivamente administrativa e técnica.

[5]Cf. Livro Ata da Associação Paranaibense do Bolsão Mato-Grossense de Professores (APBM), do dia 07/07/1978 que reuniu os professores de Cassilândia, Inocência e Paraíba para elaborar um documento para ser entregue a Harry A. Costa. Também conferir no livro de Atas da Associação dos Professores de Aquidauana (APA), Ata de 19/10/1978, fl. 15 que narra a respeito da elaboração de um documento reivindicatório (concurso público, melhoria, salarial e melhor atendimento aos professores do sul de Mato Grosso) a ser entregue a Harry A. Costa e esse documento foi entregue no dia que ele foi à Aquidauana.

[6] SDRH – Secretaria de Desenvolvimento de Recursos Humanos congregava as Fundações de Saúde, Esporte, Educação e Cultura, cada qual administrada por um presidente subordinado ao Secretário.

[7] Era a facção mais forte, liderada por Pedro Pedrossian.

[8] Era o grupo cuja expressão era o ex-governador José Fragelli, delineado pela afinidade com as premissas políticas da origem do golpe militar de 1964.