Quem não se lembrar daquelas primeiras atendentes eletrônicas de empresas de serviços. A partir delas os clientes passaram a ter suas dúvidas atendidas mais rapidamente e com menor custo para os empresários. Entretanto, quando o cliente não obtém a resposta desejada, ou não encontra a opção numérica correta para digitar, este entra em total desespero, mas seus xingamentos de nada adiantam, pois a máquina não reage aos mesmos. Raras são as vezes que conseguimos, finalmente, alcançar um atendente humano, que nos passa um imenso número de protocolo antes de nos dizer, gentilmente, que estará encaminhando nossa solicitação à equipe de suporte e que seremos contatados num prazo de até N dias.

Desde então, os prestadores de serviços passaram a adotar sistemas de atendimento digitais cada vez mais complexos, baseados numa “inteligência artificial”, que dispensa o atendente humano e conduz o cliente a respostas programadas que raramente contemplam suas expectativas. Atualmente, é muito fácil comprar qualquer produto ou serviço, instantaneamente, pela Internet, usando sistemas de pagamentos automáticos e recebendo produtos ou serviços em casa ou em plataformas digitais móveis carregadas nos smartphones. Mas quando ocorrem as insatisfações do cliente, este cada vez mais se encontra encoberto por uma enorme cortina digital que o leva a um emaranhado de possíveis soluções, mas, raramente, à solução real do problema ou ao seu dinheiro de volta.

Com as plataformas digitais de vídeos on-line, os vendedores de produtos ou serviços chegam cada vez mais perto dos seus clientes, mas, ao mesmo tempo, estão cada vez mais distantes de sua plena credibilidade. A Internet e as redes sociais criaram hoje um pelotão de “especialistas” que vendem grandes promessas, mas, raramente, as entregam no grau da expectativa inicial de seus clientes e seguidores. Porém, para estes seguidores, ainda mais agravados por uma pandemia, torna-se mais fácil apostar na venda de promessas on-line, mesmo assumindo certo risco de frustração.

As fake news e as teorias de conspiração estão aí, fortemente presentes, para realçar o tamanho e a espessura desta cortina digital que, cada vez mais, nos afunda numa grande distorção da realidade. Não sabemos mais distinguir nossos verdadeiros focos e objetivos de vida quando somos massacrados por constantes e inúmeras ofertas de “oportunidades” que, raramente, se transformam em satisfação pessoal e realização plena. Ao contrário, deixamos de dedicar nosso precioso tempo ao que, realmente, importa para nossa vida, profissão, família e amigos.

O descrédito à ciência e aos verdadeiros especialistas, muito bem retratado no livro “The death of expertize” de Tom Nichols, tem realçado ainda mais o danoso papel desta cortina digital que faz brotar novos “especialistas” a cada dia e confundir nossas mentes criando falsas e oportunas realidades.

Um dos ápices desta cortina sucedeu esta semana de Janeiro de 2021 quando uma série de fundos de investimentos profissionais foram ludibriados e fortemente impactados financeiramente por uma manobra nas redes sociais para a compra em massa de ações da empresa americana GameStop que apresentava tendência de queda. A manobra da cortina digital das redes sociais elevou, artificialmente, os preços das ações desta empresa no mercado, derrubando as projeções de mercado futuro dos fundos de investimento que, tecnicamente, haviam feito a análise da saúde financeira da empresa. Com esta manobra, vários destes fundos sofreram baques até letais em suas operações, pois foram obrigados a honrar a recompra destes papéis agora artificialmente inflacionados.

Algumas produções cinematográficas já chegaram a retratar um mundo no futuro onde alguns seres inteligentes decidiram se isolar das cidades e da tecnologia para se resguardarem do caos digital. Será que precisaremos chegar a este ponto?