A corrupção do homem pela arte e o contrato nas relações

O contrato social foi uma proposta sugerida pelo filósofo e teórico político Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que se baseia num contrato entre os indivíduos de modo a construírem uma sociedade justa, o que só pode ser possível mediante ao Estado que protege os direitos dos indivíduos, ou seja, mediante a um contrato. Comparando esta abordagem aos nossos dias, nota-se certa atualidade da ideia, sendo que é muitas vezes constatada a interação humana como uma espécie de contrato, onde os afetos são fadados ao interesse de várias ordens, seja material ou abstrato.

Todavia, Rousseau foi mais além ao afirmar que a humanidade foi obrigada a estar neste contrato social após ser corrompido pela arte, que corrompeu a tranquilidade e o bem-estar social que se fazia presente antes do homem descobrir a arte. Nas suas intervenções, Rousseau defende que o homem nascera bom, porém, fora corrompido pela sociedade, mais especificamente, pela arte, ciência e pelo advento da civilização, que trouxeram a corrupção entre os homens. Nesta perspetiva, vale repensar o lugar da arte nos nossos dias, observando seus impactos na vida em sociedade, de modo a provar se, como disse Rousseau, a arte realmente corrompeu a humanidade.

Somando a isso, Rousseau acrescenta que, antes da civilização, o homem vivia em profunda conexão com a natureza e com os outros ao seu redor, o que justificava a presença da harmonia entre todos e que, a partir do momento em que um deles, tendo cercado um terreno, levantou a mão e gritou “isso é meu”, é que surgiu então a propriedade privada e consequente o afastamento entre os homens, resultando assim na apropriação de terras, na exploração de mão-de-obra, na luta de todos e nos consequentes conflitos entre os homens, fazendo com que os valores se perdessem e a justiça favorecesse apenas uma parte, a elite, surgindo assim a desigualdade entre os homens, requerendo portanto a necessidade de resgatar a justiça e a harmonia entre os homens que se fazia presente no estado de natureza. 

É a partir daí que Rousseau sugeriu o contrato social, uma espécie de construção social, onde os indivíduos discutiriam sobre como queriam viver, favorecendo não apenas uma parte da sociedade, mas todas as partes, de modo a tornar possível a justiça que desaparecera na corrupção do homem pela arte e pela ciência.

A necessidade de fazer arte

Dada esta abordagem, vale reconhecer que, ao longo da história, a arte serviu como meio de expressão social, em que, através dela, os artistas expressavam aquilo que não podiam expressar nos meios convencionais, isto devido a opressão e leis implantadas, pelo que viram na arte um instrumento em que pudessem expressar-se livremente por meio de pinturas, esculturas e outras manifestações artísticas. É por este motivo que, muitas obras de arte, consideradas inapropriadas, foram sendo criticadas e afastadas dos grandes museus e das grandes galerias, justamente devido ao conteúdo subversivo que elas traziam.

Nestes moldes, vale repensar a arte, de modo a descobrir as motivações que levaram Rousseau a tomá-la como causa da corrupção humana e se realmente a ideia da arte corromper a sociedade pode ser tomada como verdade. Ora, diante desta possibilidade, deve-se também pensar a sociedade atual e extrair as possíveis consequências oriundas da arte. Por outro lado, importa admitir que mesmo no estado de natureza, os seres humanos, como de forma natural, já buscavam a todo custo manifestar as suas aspirações, sendo que o faziam por meio da arte, o que originou as gravuras rupestres que hoje podemos ver.

Importa ainda repensar a ideia de corrupção pela arte proposta por Rousseau, uma vez que muitas das coisas conseguidas até hoje pela humanidade teve contribuição dos artistas e da arte, pelo que resta a dúvida de como algo, neste caso, a arte, que permitiu a manifestação de vozes antes oprimidas, pudesse, ao mesmo tempo, corromper estas mesmas vozes. E vale lembrar que mesmo neste estado de natureza, a arte já ecoava um pouco por todas as partes, pois os homens primitivos também sentiram o dever de fazer arte para que pudessem encontrar algum propósito ou sentido, sendo por isso compelidos a pintarem suas ideias, suas crenças e suas manifestações.

O contrato nas relações

Falando sobre o contrato nas relações, vale dizer que estes contratos são, na sua maioria, conscientes, embora muitas vezes não sejam tomados como contratos. São muitos os casais que, antes de embarcarem numa relação amorosa, discutem quais devem ser seus limites dentro do relacionamento, o que nos leva a constatar que a Ética, a discussão da melhor forma de viver, não limita-se apenas à cidade como um todo, mas que acontece também nos relacionamentos conjugais.

Observamos assim que estamos o tempo todo a fazer contratos nos nossos relacionamentos afetivos, embora, muitas vezes, não estejamos conscientes disso ou não aceitamos que sejam contratos. Nossa pretensão, ao entrarmos num relacionamento por exemplo, é que o outro corresponda seu amor e sua amizade e que nós correspondamos também o amor e a amizade que o outro nos dá. Todavia, estabelecer parâmetros de convivência pode ser um bom caminho para as nossas relações, sobretudo nas relações conjugais. Conversar com a pessoa amada sobre como queremos conviver é sempre fundamental para que se construa uma relação mais sólida e harmoniosa. 

Estabelecer limites previne eventuais tristezas e eventuais traições dentro da relação, uma vez que já se conhece quando baixar o desejo da loucura e quando levantá-lo, o que chega, de certa maneira, a tornar nossos relacionamentos mais saudáveis. Neste sentido, percebe-se que os contratos não são feitos apenas em locais de trabalho ou em ambientes corporativos, mas que são feitos também nos nossos relacionamentos com os outros, mesmo que muitas vezes não estejamos conscientes disso.