A construção de regras é um ponto central para definir brincadeira

Karina de Azevedo Santiago 

A maior parte de nós, educadores, estudiosos da infância, passou a infância brincando em nossas casas, nos quintais e nas ruas das cidades onde vivemos. Ao longo de boa parte da história humana, a educação da criança pequena esteve sob a responsabilidade da família e da rede de parentesco que se organizava sob a forma de família. No entanto, para as crianças de hoje, o quadro é outro.

Com as transformações na família e na sociedade, os pais passam a procurar, cada vez mais, um ambiente adequado para o cuidado e a educação dos filhos.

Ao ingressar nos centros de educação infantil, a criança encontra uma estrutura diferente daquela vivida na família: um novo ambiente onde aprendera novas experiencias, de um modo geral, será a partir das observações da atividade infantil, que as brincadeiras facilitarão todas essas intenções, uma vez que o brincar favorece o exercício de diferentes funções psíquicas e o aprendizado da criança acerca do mundo que a rodeia.

 Conforme apontam Brougère (1998), Cordazzo (2003) e Cordazzo e Vieira (2007), brincar é um comportamento e não deve ser entendido apenas como uma resposta a um estímulo, mas como uma relação estabelecida com um contexto social, implicado dentro de um sistema cultural. Ao comportar-se, a criança está alterando o contexto e a si mesma. Assim, o comportamento de brincar precisa de um local para ocorrer, de certos estímulos anteriores e trará consequências a curto, médio e longo prazo para o sujeito que se comporta e para o ambiente em que o faz. Ao definir brincar e brincadeira, faz-se necessário compreendê-los dentro deste sistema de relações complexas em que estão inseridos.

De acordo com o dicionário, o brincar é definido como “divertir-se; gracejar” (BUENO, 1994, p. 197) e brincadeira “divertimento, sobretudo entre crianças” (BUENO, 1994, p. 197). Essa característica divertida, prazerosa é apenas uma das características do brincar. No entanto, existem outras características, como aponta a literatura específica. Por exemplo, Kishimoto (1999, p. 21) define brincadeira como sendo “a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica”. Por sua vez, Peters (2009, p. 38) aprofunda a definição de brincadeira no seguinte sentido: “o resultado da ação que a criança desempenha ao concretizar e/ou recriar suas regras, estabelecendo ou não relação com um objeto, ao entrar na ação lúdica.”. Significa que a brincadeira é uma atividade que resulta do comportamento de brincar, sendo necessária a constituição de uma situação imaginária/lúdica.

Cordazzo e Vieira (2007, p. 93) apontam outras características: “uma atividade não estruturada que gera prazer, que possui um fim em si mesma e que pode ter regras implícitas ou explícitas”. Partindo dessa caracterização, a brincadeira parece constituir um fenômeno cujo objetivo está no processo de brincar mais do que em um produto final para quem está brincando, ou seja, o brincar pelo brincar, a brincadeira possuindo um fim em si mesma (KISHIMOTO, 1999; MARTINS; VIEIRA; OLIVEIRA, 2006; CORDAZZO; MARTINS; MACARINI; VIEIRA, 2007).

Já Vygotsky (1991) enfatiza que o prazer da brincadeira não é suficiente para defini-la. Ou seja, isso significa dizer que a diversão, ou prazer de brincar, é uma dimensão importante do fenômeno brincadeira, mas que, no entanto, não é a central. Para a criança, o prazer gerado pela brincadeira constitui-se como mais importante, mas para os estudiosos este não deve ser o ponto principal, mas a constituição de uma situação imaginária e das regras. Nesse sentido, a construção de regras é um ponto central para definir brincadeira.

Assim como Vygotsky (1991) e outros autores (KISHIMOTO, 1999; VOLPATO, 2002), no brincar a criança constrói as próprias regras, em maneiras de como agir ao brincar, são construídas pelas próprias crianças brincando, interagindo com outras crianças e observando a realidade. Ao brincar, ainda, a criança está criando bases de sua personalidade.

É preciso e compreender que o brincar é uma   atividade através da qual a criança mais conhece o mundo físico, onde se organiza e reorganiza seu processo de pensamento, ao mesmo tempo que conquista as mudanças qualitativas mais significativas de sua personalidade, passamos a buscar as condições para garantir que este espaço privilegiado em nossa atividade docente na escola da infância.

Essas condições conforme Wajskop (1995) e Edward, Gandini e Forman (1999), envolve uma rotina escolar que contenha período, razoavelmente longos, entre atividades dirigidas, para que as crianças se sintam confortáveis para brincar.

As crianças brincam reproduzindo as situações que presenciem e imitando os papéis sociais que vão percebendo na sociedade. O brincar constitui a maneira pela qual as crianças se relacionam com o mundo dos adultos, procurando descobrir e ordenar as coisas ao seu redor, uma vez que, ao reproduzir a realidade do mundo dos adultos.

Nesse sentindo, podemos dizer que a criança, ao brincar, internaliza os conhecimentos de sua cultura, utilizando-se de objetos da cultura material e não material, e percebe-se as relações sociais, aprendendo a conhecer, nesse processo, a si mesma e os outros e com aqueles com quem convive. Uma vez que favorece o desenvolvimento integral da criança e cria possibilidades diversas para a construção do conhecimento.

 

Referência Bibliográfica

BUENO, F.S. Dicionário escolar da Língua Portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1994.

CORDAZZO, S.T.D. Caracterização de brincadeiras de crianças em idade escolar. Florianópolis, SC. 107 f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, 2003.

CORDAZZO, S. T. D.; VIEIRA, M.L. A brincadeira e suas implicações nos processos de aprendizagem e de desenvolvimento. Estudos e Pesquisas em Psicologia. UERJ, Rio de Janeiro, ano 7, nº 1, p. 89-101, Jan./Jul., 2007.

CORDAZZO, S. T. D; MARTINS, G.D.F.; MACARINI, S.M.; VIEIRA, M.L. Perspectivas no estudo do brincar: um levantamento bibliográfico. Aletheia. Canoas, n. 26, p. 122-136, Jul./Dez., 2007.

KISHIMOTO, T.M. Froebel e a concepção de jogo infantil. In: KISHIMOTO, T.M. (org.) O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 1998a, p.57-78.

KISHIMOTO, T.M. Diferentes tipos de brinquedotecas. In: FRIEDMANN, A. et al. (org). O direito de brincar. 4. ed. São Paulo: Edições Sociais: Abrinq, 1998b, p.53-63.

KISHIMOTO, T.M. O jogo e a educação infantil. In: KISHIMOTO, T.M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1999, p.13-43.

VYGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

CONTI, L.; SPERB, T. M. O brinquedo de pré-escolares: um espaço de ressignificação cultural. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, v. 17, n. 1, p. 59-67, Jan./Abr., 2001.

PETERS, L.L. Brincar para quê? Escola é lugar de aprender! Estudo de caso de uma brinquedoteca no contexto escolar. 2009. 286f. Tese de Doutorado -Universidade Federal de Santa Catarina, 2009.