A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL NA OBRA “TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA”, DE LIMA BARRETO

 

Antônia Geísa Carvalho da Silva¹

                                                                              

RESUMO: Este artigo se deteve a uma análise feita a partir da obra Triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto, procurando mostrar uma síntese do pré-modernismo, incluindo suas principais características e fazer uma breve discussão da referida obra. Seguindo essa abordagem será feito um estudo sobre as principais características da identidade nacional que se faz presente pelas atitudes do personagem principal, Policarpo Quaresma. A elaboração do texto teve-se por base teórica os estudiosos Bosi (1994), Bernd (1992), Hall (2003), a fim de desenvolver uma tese convincente diante dessa pesquisa.     

 

Palavras-chave: identidade nacional. Policarpo Quarema. Patriotismo.

 

 INTRODUÇÃO

 

            A obra Triste Fim de Policarpo Quarema pertence ao movimento literário Pré-Modernismo, período de transição entre o Simbolismo e o Modernismo. No Brasil, no início do século XX estava acontecendo várias rebeliões (como a Revolta da Chibata), movimentos grevistas, a Guerra de Canudos e o cangaço no Nordeste. Havia uma divisão entre a classe dominante (aristocracia) e a classe média (profissionais liberais, comerciantes, funcionários públicos). Nas artes também ocorria um distanciamento, pois a elite seguia as tendências europeias e o povo, as manifestações populares. Diante dos conflitos, o Pré-Modernismo é visto como um período que apresenta um caráter ambíguo, de um lado, vinculado ao passado e, de outro, com olhos no futuro.

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  Graduanda do Curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. Endereço eletrônico: [email protected].

 

 Essa desigualdade social provocou uma inquietação na população, que tiveram o desejo de retratar a realidade brasileira e as tensões vividas pela sociedade do período. Na prosa, os autores procuraram trabalhar com temas de denúncia social, buscando apontar as falhas de uma sociedade dividida. Destacam-se na prosa, os autores Lima Barreto, Euclides da Cunha, Graça Aranha e Monteiro Lobato. Na poesia, destaca-se o poeta Augusto dos Anjos.

Triste Fim de Policarpo Quaresma é um romance do pré-modernismo brasileiro e considerado por alguns o principal representante desse movimento. Escrito por Lima Barreto, foi levado a público pela primeira vez em folhetins, publicados, entre Agosto e Outubro de 1911, na edição da tarde do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro. Em 1915, também no Rio de Janeiro, a obra foi pela primeira vez impressa em livro, em edição do autor. O livro retrata o quadro de um país que compunha os cenários de um novo sistema de governo, a República. A narração do livro é feita em terceira pessoa. O narrador não se posiciona diante dos desatinos da personagem, não comenta ou avalia o comportamento da personagem. Os fatos e as consequências são narrados de modo a deixar o leitor livre para julgar os conflitos. Como afirma Bosi (1994, p. 319):

 

Triste Fim de Policarpo Quaresma é um romance em terceira pessoa em que se nota maior esforço de construção e acabamento formal. [...] O Major Quaresma não se exaure na obsessão nacionalismo, no fanatismo xenófobo; pessoa viva, as suas reações revelam o entusiasmo do homem ingênuo, a distanciá-lo do conformismo em que se arrastam os demais burocratas e militares reformados cujos bocejos amornecem os serões do subúrbio.

 

A obra apresenta pessoas conformadas com a situação do país ou porque recebem alguma coisa em troca para apoiar os poderosos. Já o personagem Policarpo Quarema se comporta de maneira diferente, é uma pessoa entusiasmada, que se esforça para construir uma identidade. Através do seu fanatismo, sua obsessão pela nacionalidade ele luta por uma sociedade mais justa. O livro representa muito bem a trajetória do personagem. Assim, passa a ter uma grande importância no panorama das artes, por ter uma maneira singular de retratar um período bastante conturbado do nosso país. Apresenta personagens fictícios e também reais como Marechal Deodoro da Fonseca, presidente da República.

Seu enredo se desenvolve na cidade do Rio de Janeiro, em 1893, período em que o Brasil era governado por militares. A obra divide-se em três partes. Essas partes retratam as atitudes do personagem Policarpo Quaresma para construir a identidade nacional a partir de seus projetos idealizados.

Podemos perceber na obra as características do patriotismo exagerado do personagem, mostrando seu sublime interesse por coisas nacionais, esse patriotismo está diretamente ligado à cultura nacional “[...] Comigo não há disso: de tudo que há nacional, eu não uso estrangeiro. Visto-me com pano nacional, calço botas nacionais e assim por diante.” (BARRETO, 2007, p.13). Além disso, temos outros elementos que buscam a construção da identidade nacional. Quando o general Albernaz resolve fazer uma festa a moda antiga, Policarpo Quaresma se anima e os dois vão procurar uma antiga lavadeira da família Albernaz, Maria Rita, para que ela se lembrasse das antigas cantigas do tempo que ela era escrava, mas estes ficam decepcionados diante do esquecimento das cantigas, principalmente Policarpo Quaresma.

 

Os dois saíram tristes. Quarema vinha desanimado. Como é que o povo   não guardava as tradições de trinta anos atrás? Com que rapidez morriam assim na sua lembrança os seus folgares e as suas canções? [...] tornava-se preciso reagir, desenvolver o culto das tradições, mantê-las sempre vivazes nas memorias e nos costumes... (BARRETO, 2007, P.20)

 

            Podemos perceber que os antigos costumes estão se perdendo, as músicas, as brincadeiras. Tais elementos constroem a história das pessoas, a identidade de um povo. Segundo Bernd (1992, p. 15),

 

[...] igualmente, as literaturas dos grupos discriminados – negros, mulheres, homossexuais – funcionam como o elemento que vem preencher os vazios da memória coletiva e fornecer os pontos de ancoramento do sentimento de identidade, essencial ao ato de auto-afirmação das comunidades ameaçadas pelo rolo compressor da assimilação.

 

 

            As primeiras festas, as cantigas foram trazidas pelos grupos discriminados, pessoas que não sabem ler nem escrever. Mas são elas que representam a memória coletiva, pois só através delas é que sabemos/conhecemos os elementos que representam também formam uma identidade.

            Policarpo Quaresma mostra a todo custo o seu patriotismo exagerado de várias maneiras na obra. Ele era um homem que se dedicava bastante aos estudos, e desta vez pesquisou sobre o folclore e os costumes tupinambás. Influenciados pelos estudos feitos achava que as pessoas deveriam se expressar como os nativos tupinambás. Chegou a redigir um documento pela substituição do idioma português ao Congresso Nacional para que decretasse o tupi-guarani, como língua oficial e nacional do povo brasileiro.  Claro que ele não foi atendido e passa a ser motivo de chacotas para os outros. Depois disto, Policarpo redige distraído, um documento oficial naquela língua e termina internado num manicômio.

            O manicômio não pôs um fim nos seus ideais. A busca da construção da identidade continua ainda muito forte nos planos de Policarpo Quaresma. Ele compra um sítio intitulado “Sossego” fora do Rio de Janeiro. Agora a esperança de Policarpo Quaresma é construir um país melhor através da reforma da agricultura brasileira. Conforme o trecho abaixo:

 

E agora que ele chegava a essa conclusão, depois de ter sofrido a miséria da cidade e o emasculamento da repartição pública, durante tanto tempo! Chegara tarde, mas não a ponto de que não pudesse antes da morte travar conhecimento com a doce vida campestre e a feracidade das terras brasileiras. Então pensou que foram vãos aqueles seus desejos de reformas capitais nas instituições e costumes: o que era principal à grandeza da pátria estremecida, era uma forte base agrícola, um culto pelo seu solo ubérrimo, para alicerçar fortemente todos os outros destinos que ele linha de preencher. (BARRETO, 2007, p. 57)

 

 

            O personagem chega à conclusão que precisa mudar seus objetivos, pois os projetos anteriores foram em vãos. Agora o que era principal para engrandecer a pátria era a agricultura. Há uma mudança constante no processo de construção da identidade nacional pelo personagem. Segundo Hall (2003, p. 13) “[...] Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. [...]” Partindo para o engrandecimento da Pátria por meio de um projeto agrícola científico, o personagem encontra vários obstáculos como: saúvas, pragas, dificuldade de comercialização, oportunismo político, questões fundiárias.  Todos os projetos anteriores acabam desiludindo Quarema.  “Quaresma veio a recordar-se do seu tupi, do seu folclore, das modinhas, das suas tentativas agrícolas - tudo isso lhe pareceu insignificante, pueril, infantil.” (BARRETO, 2007, p. 93)

Policarpo Quaresma não desiste e parte para outro plano para mostrar o seu amor pela pátria, através da política. Alista-se na ordem republicana, lutar pela pátria. “-Aproveita Quaresma no teu batalhão. Que posto queres?” (BARRETO, 2007, p. 109). Além disso, resolve entregar a Floriano Peixoto um memorial cujo tema é a salvação nacional. “-Vê Vossa Excelência como é fácil erguer este país. Desde que se cortem todos aqueles empecilhos que eu apontei, no memorial que Vossa Excelência teve a bondade de ler [...]” (BARRETO, 2007, p. 124), mas suas ideias são ignoradas pelo mesmo, o presidente o chama de visionário.  

Policarpo se desilude com seus ideais quando tem suas primeiras experiências de guerra quando mata um homem e sai ferido. Então, começa a acordar e enxergar a sociedade que o rodeava, era bem diferente daquela que ele idealizava. Segundo Hall (2003, p. 13):

 

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.

 

 

A realidade era mais forte que, por maior que fosse o sonho de Policarpo, ela terminaria por vir à tona. As pessoas se identificam com vários elementos que representam uma identidade. Somos colocados à frente de múltiplas identidades. Por isso, Policarpo a todo momento muda suas atitudes mostrando de diversas maneiras a construção da identidade nacional.

Quaresma presencia cenas que não concorda e acaba denunciando ao presidente Floriano Peixoto. Mas ele não sabe que tudo é em concordância com o mesmo. A ordem republicana pune a todos que ousam discordar dela e, alcançou Policarpo, que a defendia. Podemos ver isso no trecho:

 

Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha feito ele de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade [...] como ela o condecorava? Matando-o [...] Desde os dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. [...] O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferozes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções. A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete. (BARRETO, 2007, P. 146)

 

            Conclui-se que o objetivo do personagem da obra era construir uma identidade, mas com o decorrer da obra tal identidade é desfeita/ descontruída. Todos os esforços do personagem são em vãos. Ele percebe que os seus estudos foram inúteis. Tudo que fez foi desvalorizado, a pátria com a qual sonhava era um mito, de nada servil o seu patriotismo exagerado. O objetivo de Quaresma não é alcançado não por culpa dele, mas por culpa de uma sociedade mal organizada e um governo que não pensa nas pessoas, na melhoria do país.

           

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

          A análise feita expõe uma discussão e um esboço sobre o Pré-Modernismo e a obra Triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto. Além de enfocar a construção da identidade nacional pelo personagem Policarpo Quaresma. A obra apresenta características muito fortes para a construção da identidade nacional.

          O desenvolvimento dessa pesquisa contribui de forma significativa e prazerosa para uma reflexão acerca desse período literário que é o Pré-Modernismo. Além de conhecer a obra analisada Triste Fim de Policarpo Quaresma, e discutir a presença da identidade nacional na obra. O personagem busca diversos caminhos para construir a identidade nacional, encontra dificuldades no decorrer do tempo, mas ele não desiste. Quaresma é um personagem que apresenta um fanatismo exagerado pelo seu país.  No final do livro, percebemos que o personagem acaba desiludido, pois não conseguiu construir a identidade, apesar de ter se esforçado bastante. Os seus projetos não foram aceitos e acabam por desconstruir a identidade tão sonhada.

         Espero que esse trabalho possa servir como fonte de estudo aos apreciadores de Literatura, principalmente aqueles que acompanham a produção literária de Lima Barreto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Ciranda Cultural Editora e distribuidora Ltda, 2007.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. Editora Cultrix, 1994.

BERND, Zilá. Literatura e Identidade Nacional. Porto Alegre: Editora UFRGS, 1992.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 8ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.