A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE

                                     

Ludmilla Paniago Nogueira

Neide Figueiredo de Souza

 

Almeida, Penso e Freitas (2019) concluíram que a identidade docente se relaciona com outras identidades, como a identidade missionária, a identidade profissional e a identidade proletária. As mesmas estudiosas afirmam a necessidade de investigações empíricas para “identificar as injunções sociológicas e psicológicas da trajetória do sujeito professor que se articulam na composição de suas identidades docentes e como ele lida com essas injunções no exercício de sua atuação profissional” (ALMEIDA, PENSO, FREITAS, 2019, p. 33).Concordamos com essa afirmação por acreditarmos que para saber como a identidade docente se constrói na prática, o campo de atuação é um dos importantes locais de pesquisa. É importante pensar a formação da identidade docente como um todo: da formação inicial à práxis. Nesse sentido, a formação continuada dos professores é entendida como processo dialético, materializada por uma práxis pedagógica que dialoga com o contexto sociocultural do aluno, valorizando seus saberes e conhecimentos, vivências e práticas sociais, atribuindo a esse conjunto um significado, um sentido, de modo a articulá-los aos conteúdos de ensino.

O estudo realizado por Allain e Coutinho (2018) traz o título: “Identidade docente enquanto performatividade: um estudo entre licenciandos em biologia inspirado na teoria ator-rede”. O principal objetivo desse estudo é contribuir para o debate sobre a identidade profissional docente de modo “a superar a dicotomia entre essencialismo e relativismo que há muito se instala nas correntes teóricas dedicadas ao estudo da identidade. ”. Foram sujeitos da pesquisa dois grupos focais formados por estudantes de licenciatura em Ciências Biológicas de uma universidade pública brasileira: um grupo formado por bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência e outro grupo, por licenciandos não bolsistas. Segundo os supracitados pensadores, os resultados apontam que entre os/as bolsistas prevalece a performatividade - ação que tem efeito de mudança -, enquanto entre os não bolsistas, essa identidade não se configura. Para os mesmos pensadores, a identidade do curso é fundamental para a construção das identidades dos sujeitos, demonstrando a importância dos cursos de formação de professores/as na constituição das identidades entre licenciandos/as.

Conforme mencionamos, apenas uma publicação foi encontrada na pesquisa que contenha a palavra-chave saberes docentes na contemporaneidade. Trata-se do estudo realizado por Amorim, Moraes e Santos (2019), cujo título é “A prática pedagógica em Educação de Jovens e Adultos: formação e saberes docentes na contemporaneidade”. Os autores focaram a formação do docente e a construção dos saberes inovadores, com o objetivo de refletir os processos formativos em EJA – Educação de Jovens e Adultos -, na perspectiva da inovação dos saberes.

Os autores Amorim, Moraes e Santos (2019) realizaram pesquisa qualitativa, valendo-se da observação participante para destacar a atividade realizada pelos/as estagiários/as e a concretização do diálogo destes com a comunidade escolar. Aplicaram entrevista semiestruturada para 30 (trinta) alunas estagiárias do curso de Pedagogia, de uma universidade pública X, em Salvador-Bahia. Ao final da pesquisa os pesquisadores concluíram que existem saberes mais significativos e necessários para a consolidação do processo educativo, o que leva à necessidade de, segundo Amorim, Moraes e Santos (2019, p. 448):

 

Rever a formação dos professores, no sentido de prepará-los para enfrentar os desafios impostos pelas demandas da organização social e econômica, que vem sendo, cada vez mais dinâmica, na vida educacional daqueles que frequentam e que contribuem para a formação dos educandos [...].

Para Fontana (2019), a constituição da identidade docente é um processo complexo do qual surgem muitas inquietações e questionamentos, tais como: Como são construídas as representações acerca de sua imagem? Professor/a? Trabalhador/a? Profissional? Funcionário/a? Que marcas anuncia essa identidade? Que desafios a identidade docente do nosso tempo enfrenta?

Esses questionamentos nortearão a reflexão que tem como objetivo analisar os saberes requeridos pela identidade docente com compromisso social ante os desafios da educação contemporânea, para compreender melhor a constituição profissional na docência. Iniciamos a nossa reflexão   com a pré-compreensão de que o/a docente identificado com a sua profissão a reconhece como processo, como um constante vir a ser, abertura para acolher a constituição da identidade como trajetória, biografia e compromisso social. E, conforme Fontana (2019, p. 16),

 

Permite compreender o caminho da formação e da própria identidade como dinâmica, não como um fim em si, mas como um movimento que o ajuda a identificar-se e qualificar-se profissionalmente. O processo da formação inicial, bem como o de formação continuada, pensados e acolhidos na perspectiva da identidade como construção, ajuda o professor a construir um conjunto de conhecimentos, de saberes docentes, habilidades, aptidões, valores e responsabilidades implicadas à profissão. Um profissional com tais disposições, no momento de organizar e fundamentar a sua prática docente, o fará para além do domínio da técnica, dos conteúdos programáticos e curriculares, os pensará com olhar crítico e reflexivo.

 

Concordamos com Fontana (2019) ao afirmar que o aprofundamento do problema apresentado é relevante à educação, à formação de professores e à organização da escola, à medida que se leva a sério o processo de formação humana. Pensar a formação da identidade dos/das professores/as como um processo que forme para a abertura, para o inacabamento, é fundamental à autonomia no exercício da profissão. Os desafios postos, hoje, à educação e à formação de professores/as justificam a relevância desse artigo.

Buscamos, desse modo, neste artigo, caminhos para pensar a formação docente na perspectiva de construir identidade, trajetórias e\ou biografias, cuja temática insere-se na área de Ciências Humanas, visualizando a perspectiva do compromisso social docente. A investigação é de caráter bibliográfico, o que pressupõe uma perspectiva de interpretação/compreensão do fenômeno no tempo a partir do já produzido. Por isso, este estudo estabelece um diálogo com a tradição ao investigar o processo de formação da identidade de professores/as, os saberes docentes que constituem o ofício e os compromissos sociais da docência. Para Fontana (2019, p. 17),

 

Essa vinculação com a história comporta a renúncia de uma verdade última, pois se trata de dialogar com a tradição, com as teorias e os teóricos que já se ocuparam do fenômeno ao longo do tempo. De acordo com Gamboa (2007, p. 137): “interpretar exige recuperar os cenários, os lugares ou palcos onde as manifestações dos atores têm sentido, requer também a constituição de um horizonte interpretativo que permita articular diversas manifestações num quadro compreensivo”. A este respeito Flickinger (2010, p. 43) destaca que: “o diálogo vivo é a linguagem a partir da qual se abre o horizonte inesgotável e sentido; por isso mesmo, é ela que constitui e possibilita a experiência hermenêutica”. Reabre-se, desse modo, a pergunta sobre o ser do professor ou sua identidade. Ainda há muito a dizer sobre identidade do professor e os saberes docentes. 

Ressaltamos, desse modo, a perspectiva de abertura, de diálogo, de reflexão, de olhar crítico e interpretativo/compreensivo com a tradição na compreensão do fenômeno da investigação. Gamboa (2007, p. 137) aponta que “interpretar, segundo os princípios da hermenêutica, exige recuperar rigorosamente os contextos onde os fenômenos têm sentido”. Esta mesma pesquisadora argumenta ainda que de um modo ou de outro fazemos parte do fenômeno que estamos investigando e o que dizemos e compreendemos também está marcado pela tradição na qual estamos inscritos.

REFERÊNCIAS  

ALLAIN, Luciana Resende; COUTINHO, Francisco Ângelo. Identidade docente enquanto performatividade: um estudo entre licenciandos em biologia inspirado na teoria ator-rede. Revista Pro-Posições - on line - vol. 29, no. 3 Campinas Sept./Dec. 2018, pp. 359-382. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2021. 

ALMEIDA, Sandra Raquel de; PENSO, Maria Aparecida; FREITAS, Leda Gonçalves de. Identidade docente com foco no cenário de pesquisa: uma revisão sistemática. Educação em Revista. vol. 35.  Belo Horizonte, 2019 Epub Dec 05, 2019. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2021. 

AMORIM, Antônio; MORAES, Maria Helena de; SANTOS, Jocenildes Zacarias. A prática pedagógica em Educação de Jovens e Adultos: formação e saberes docentes na contemporaneidade. Revista Educação e Políticas em Debate, vol. 8, n. 3, p. 432-450, set./dez. 2019.n. Disponível em: . Acesso em 20 jan. 2021. 

FONTANA, Patrícia. Saberes docentes e identidade do professor: biografias e trajetórias. Dissertação de Mestrado em Educação. Departamento de Ciências Humanas da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Câmpus de Frederico Westphalen – RS, 2019. 

GAMBOA, Sílvio Sánches. Pesquisa em Educação: métodos e epistemologia. Chapecó: Argos, 2007.