A Consciência
A consciência... Como gritava alto, a consciência! Pecara, pecara contra si próprio em todos aqueles anos, contra o delicado instrumento que era o corpo. Os excessos do espírito juvenil, as noites de vigília, os dias no ar enfumaçado dos quartos, pensando demais no espírito e nunca no corpo, as drogas com que procurava estimular para trabalhar... tudo isso agora se vingava!
Vingava-se mas queria desafiar os deuses que decretam culpa e impunham penas. "Viver como tem que viver": sem tempo para ser sábio, ponderando. O que significa essa dor no peito? Na verdade, bem sabemos o que significa! Não há tempo para poupar-se de maneira inteligente, numa vida moralmente regrada. O que desejamos fazer tem de fazer logo, hoje ainda, depressa.
E a moral?... Mas por que logo os pecados, a entrega ao que o destruía e prejudicava, lhe pareciam mais morais do que toda a sabedoria e castidade? Não era a desprezível arte da boa consciência que lhe parecia moral, mas a luta, a aflição, a paixão e a dor!
A dor... como essa palavra me abre o peito! O olhar por baixo das sobrancelhas iluminava-se com a beleza do sofrimento. Ainda não era desgraçado, não inteiramente desgraçado, enquanto podia dar à sua desgraça um nome altivo e nobre. Uma coisa era necessária: ânimo para dar à vida nomes grandiosos e belos! Não atribuir o sofrimento ao ar fechado dos quartos e ao resfriado! Ter saúde bastante para ser grande... para superar as coisas físicas, e sentir para além delas! Ser ingênuo unicamente nisso, embora tão sábio no resto. Crer, poder crer na dor... acreditava na dor, com uma fé tão profunda, tão íntima, que tudo o que acontece sob o signo dessa dor não podia ser inútil, nem mau.
O olhar revelava a pressão do seu corpo e o açoite de sua alma a lagrimejar gotas de sangue. Não se lamentar era a regra. Pensar com paciência e humildade na própria dor! E se nem um dia, nem uma hora for livre de sofrimento ? e então? As lutas e as realizações, os estímulos, os problemas, merecem pouca atenção, devem ser considerados pequenos ? isso é que engrandece!